Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
72269/19.0YIPRT.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: INJUNÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
INVOCAÇÃO POR EXCEPÇÃO
RECONVENÇÃO
ERRO NA QUALIFICAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. No que tange à admissibilidade da invocação da compensação de créditos invocada pelo requerido no âmbito do regime do Decreto-lei nº 269/98, de 1.9, perfilam-se três teses:
a) A da inadmissibilidade da reconvenção uma vez que tal não se coaduna com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual;
b) A da admissibilidade da dedução da compensação, mas como exceção perentória sob pena de ser coartado um meio de defesa ao requerido;
c) A da invocação da compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional.
II. Adere-se à terceira posição porquanto: é a solução que resulta da conjugação do Art. 549º, nº1 com o Art. 266º, nº2, al. c); permite a apreciação numa única ação das questões que, doutra forma, teriam de ser apreciadas em duas ações (cf. Art. 729º, al. h)); a imediata apreciação da compensação evita que o compensante suporte o risco de insolvência da contraparte; conforma-se melhor com o princípio da igualdade das partes; o legislador quis facilitar a compensação; é a posição que mais se conforma com o espírito do atual processo civil, o qual dá prevalência às decisões de mérito sobre as decisões formais, recorrendo para tal designadamente aos princípios da gestão processual e da adequação formal.
III. Ocorrendo um erro na qualificação do meio processual utilizado e na formulação do mesmo na medida em que o requerido deduziu a compensação de créditos como exceção, cabe ao juiz corrigir oficiosamente o erro e proferir o necessário e concomitante despacho de aperfeiçoamento no sentido do apelante/requerido cumprir as normas atinentes à dedução de reconvenção (Arts. 193º, nº3, 590º, nº3 e 583º do Código de Processo Civil).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
 Em 23.7.2019, AA, apresentou requerimento de injunção contra BB, Lda., pedindo o pagamento de € 6.856,04, sendo € 6.519 de capital e € 235,04 de juros de mora, expondo os factos assim:
«O Requerente AA, Lda, no âmbito do seu objeto social forneceu material e prestou serviços à Requerida BB, Lda nomeadamente, o mais e melhor descrito nas Faturas números FT 2019/2 emitida em 7.01.2019, no montante de € 12.300,00 e FT 2019/18 emitida em 18.03.2019, no montante de € 369,00.
Tendo em consideração que a Requerida BB, Lda, procedeu ao pagamento parcial da factura FT2019/2, encontrando-se em dívida metade desse valor que se cifra na quantia de € 6150,00, perfaz um total em dívida de € 6.519,00 (seis mil quinhentos e dezanove euros), a que corresponde a Fatura FT n.º 2019/2 emitida em 17.01.2019 e Fatura FT 2019/18 emitida    em 18.03.2019 no valor de 6 519,00 € + juros entre 17/01/2019 e 23/07/2019 (206,29 € (165 dias a 7,00%) + 28,76 € (23 dias a 7,00%))
(…)
Cumpre efetuar resenha conducente ao desiderato da requerida BB, que pretende reduçao de valor na fatura FT 2019/2, na medida que o Requerente efetivou prestação de serviços para a Requerida em Março de 2019, designadamente na Feira BTL, cuja fatura foi emitida e já se encontra felizmente liquidada.
A posteriori eis que a requerida pelo trabalho desenvolvido anteriormente, mais concretamente em Janeiro de 2019, na Feira Fitur, escuda-se sob falsos e vagos pretextos, exigindo redução do montante de € 2500,00, face ao trabalho desenvolvido em Março e que ja se encontra liquidado, por suposta entrega do Stand em cima da hora de abertura.
Na verdade, requerida liquidou a fatura do trabalho desenvolvido em março de 2019, Feira BTL e queda-se no pagamento do trabalho desenvolvido em janeiro de 2019, Feira Fitur, contraproducente, por serem dois trabalhos distintos, reclamando redução no pagamento pelo trabalho desenvolvido em março de 2019, que, replica-se, somente foi objeto de reclamação a posteriori, diga-se, infundado, tanto assim o é que a fatura foi emitida e liquidada na integra.
Destarte, a prestação de serviços e material fornecido refletido nas Faturas FT 2019/2 e FT 2019/18, são devidas e como tal não se compadecem de redução pela reclamação de um outro trabalho posteriormente desenvolvido e liquidado na integra.
O requerente lança mão da presente, por ser o único meio expedito que visa a cobrança coerciva pela prestação de serviços efetivamente realizada.»
BB, Lda. apresentou oposição em que excecionou o pagamento da fatura FT 2019/18 em 3.4.2019.  Sob o subtítulo «Da extinção por compensação» alegou factos, nos termos dos quais se arroga credora da requerente AA dos seguintes valores:
i. € 2.500 por incumprimento de contrato para a montagem do stand de Cabo Verde na Bolsa de Turismo de Lisboa;
ii. € 5.164,50 a título de lucros cessantes ou danos futuros emergentes da anulação da adjudicação feita à requerida, na sequência do incumprimento pela requerente do contrato de montagem do stand;
iii. € 997,30 de duas faturas correspondente ao grafismo aplicado no stand, efetuando a requerida compensação entre estas duas faturas e a quantia que reconhece dever à requerente de € 362,85, declarando-se extinto o seu crédito sobre a querente no montante de € 634,45.
Concluiu a oposição nestes termos:
«Termos em que, D. e A., com o mui Douto suprimento de Va Exa., devem as exceções deduzidas ser julgadas provadas e procedentes, absolvendo-se a Requerida do pedido.
Ou caso assim se não entenda, o que se admite sem conceder e por mera cautela, ser a Requerida absolvida do pedido, na parte referente ao pagamento efetuado e naquela em que a compensação invocada a título de exceção se mostre procedente, e, não sendo esta suficiente para extinguir integralmente o crédito invocado pelo Requerente, ser condenada apenas no remanescente.»
Em 10.3.2020, foi proferido o seguinte despacho:
«No artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do Cód. Proc. Civil estabelece o legislador que é admissível a dedução de pedido reconvencional sempre que pretenda o demandado obter o efeito extintivo do crédito peticionado por compensação, ao abrigo do artigo 847.º do Cód. Civil, com outro que argui da sua titularidade e que necessite de ser reconhecido judicialmente, ainda que este crédito não supere o a extinguir, ou superando-o, não pretenda o demandado a condenação do demandante no remanescente.
O texto do preceito processual ora em referência difere claramente do seu antecessor artigo 274.º, n.º 2, alínea b) do Cód. Proc. Civil de 1961, no âmbito do qual firmou-se doutrina e jurisprudência maioritárias e pacíficas, que obtiveram a adesão deste Tribunal, segundo as quais sempre que apenas pretendesse o impetrado obter a extinção do crédito contra si exercido, não necessitaria de recorrer à demanda reconvencional.
Porém, em face da nova ordenação processual, afigura-se a este Tribunal não poder continuar a sustentar a posição acima sumariada pois surge inequívoca a manifesta intenção legislativa de impor o recurso ao pedido reconvencional quando somente se pretenda obter um efeito extintivo e para tanto surja necessário o reconhecimento judicial do contra crédito alegado.
Doutra forma não se justificaria o esforço de descrição das situações que facultam o recurso à demanda reconvencional, ínsito na alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º em referência, que expressamente enuncia as duas situações que subjaziam à distinção efectuada pela doutrina e jurisprudência no âmbito do direito pregresso.
E se é certo, como afirmam os defensores da tese oposta, para a qual ante a alteração legislativa tudo se deverá manter na mesma1, do facto de a lei facultar o recurso ao pedido reconvencional não se poder depreender que o imponha para fazer valer a extinção via compensatória, a verdade é que não se vislumbra qual seria a mais valia de se estabelecer essa faculdade na medida em que o regime do artigo 91.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil já faculta ao demandado que as questões suscitadas na sua defesa e que não integrem o objecto do processo (definido pelo pedido e pela causa de pedir que o sustenta) possam ser abrangidas pelo efeito de caso julgado, a sua solicitação. Logo, a entender-se admissível a defesa por excepção com base na compensação, esta poderia ser conhecida a título definitivo e irrepetível nos termos do caso julgado, sem necessidade de dedução de pedido reconvencional com todas implicações tributárias do mesmo, nomeadamente em termos de custas judiciais, taxas respectivas e decaimentos.
Ante essa possibilidade, naturalmente que o réu bem aconselhado escolheria a opção que menos onerosa se revelasse e que seria a de recorrer ao regime do preceito referido no parágrafo que antecede.
E nem se argumente que, em face de tal, estaria vedado ao demandado recorrer ao regime do artigo 91.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil nestas circunstâncias porque nada na lei permite afirmar que ao réu não assiste tal faculdade processual, admitindo que nada lhe veda a arguição da compensação por via de excepção.
Pelo exposto, não se vislumbra, repete-se, o motivo pelo qual se permitiria a demanda reconvencional na situação em apreço uma vez que desta não resultaria qualquer efeito processual que não fosse alcançável por outra via e de modo até processualmente menos exigente e oneroso.
Conjugando tudo o que acima se expôs com a evidência de que, por via da arguição de compensação, opera-se a introdução no processo duma situação jurídica diferente da que originariamente constitui a causa de pedir, envolvendo uma pretensão substancialmente autónoma2, então a actuação processual por banda do demandado insere-se perfeitamente no âmbito do contra-ataque em que se traduz a demanda reconvencional, que faz entrecruzar pretensões distintas numa única tramitação processual, e nos objectivos prosseguidos pela permissão processual de tal demanda: os de maximizar a eficiência da máquina judiciária e a de diminuir o risco de casos julgados contraditórios3.
Assim sendo, ante a alteração legislativa introduzida pelo Cód. Proc. Civil de 2013, afigura-se clara a opção legislativa de impor ao demandado a dedução de pedido reconvencional, caso pretenda obter a extinção por via de compensação, ou arguir os efeitos extintivos extra-judicialmente operados, em crédito da sua titularidade não judicialmente reconhecido.
Neste sentido, escrevem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro4 ..., devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador nela pretendeu tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica.
Mas outra explicação existe, mais forte e imediata. A obtenção da compensação quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efectivamente, a natureza de uma demanda judicial, invocando uma causa de pedir e um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando excepções de direito substantivo pertinentes (art. 847.º, n.º 1, do CC). Ora, a actual estrutura da forma única de processo comum só admite réplica no caso de reconvenção (...) – bem como no caso de acções de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no artigo 3.º, n.º 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor de uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido por via da reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica.
Acontece, no entanto, que tramitando a presente sob a forma especial contida no Dec. Lei n.º 269/98, não é admissível a dedução de pedido reconvencional – o que, conjugado com o que acima se deixou vertido relativamente à exclusiva possibilidade da compensação ser processualmente operada por via de pedido reconvencional, conduz à conclusão de que, na espécie, não pode validamente o demandado proceder à extinção por compensação do crédito contra si accionado porque obstaculizado está o recurso à demanda reconvencional.
Donde, impedida encontra-se in casu a extinção, por compensação, das  obrigações pela presente peticionadas.»
*
A requerida, não se conformando com a decisão, dela apelou formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
A) «Tendo a R., ora Apelante, em sede de oposição a requerimento de injunção contra si dirigido pela A., aqui Apelada, suscitado por via de exceção, a compensação do crédito exigido com outros de que é titular sobre a mesma A., deveria a tal exceção perentória ser dada a possibilidade de ser provada, não obstante tratar-se de processo com forma especial que não admite reconvenção.
B) Ao contrário do decidido pelo despacho recorrido, o disposto na alínea c) do n.° 2 do art. 266°, do Cód. Proc. Civil, não impõe que só por via de reconvenção possa ser arguida a compensação, uma vez que aquela disposição legal configura um numerus clausus das hipóteses de reconvenção, mas não de invocação da compensação.
C) A interpretação da alínea c) do n.° 2 do art. 266°, do Cód. Proc. Civil, segundo a qual fica vedado ao réu, em oposição a procedimentos de injunção de valor inferior a € 15.000,00, invocar a extinção do crédito peticionado por compensação, por esta apenas o poder ser em reconvenção e estes procedimentos a não admitirem, na medida em que coarta ao réu a possibilidade de invocar um meio de defesa essencial à preservação dos seus direitos, os quais poderão não ser efetivamente acautelados através de uma ação autónoma se, decidida esta posteriormente, a contraparte se conseguir furtar ao pagamento, nomeadamente por via de insolvência, dissolução ou inexistência de património exequível, é inconstitucional por violação dos princípios da proibição de indefesa e da tutela jurisdicional efetiva, plasmados no art. 20°, da Constituição da República Portuguesa.
D) Em processos como o presente, que não admitem reconvenção, a compensação pode ser invocada por via de exceção (perentória) sempre que com tal pretenda o réu invocar crédito próprio que extingue total ou parcialmente o crédito do A., prescindindo de peticionar eventual remanescente que exista a seu favor.
E) Ao assim não decidir e ao rejeitar liminarmente a exceção deduzida pela R., ora Apelante, violou o despacho recorrido o disposto nos arts. 266°, n.° 2, alínea c) e 573°, ambos do Cód. Proc. Civil e nos arts. 847° e 848°, do Cód. Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser recebido e declarado procedente, e consequentemente, ser revogado o despacho impetrado, na parte em não admitiu a exceção de compensação invocada pela R., ora Apelante, e substituído o mesmo por outro que, determinando a admissibilidade da arguição de tal exceção, determine o prosseguimento dos autos para julgamento sobre o seu mérito e procedência, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.»
*
O recurso não foi admitido em 1ª instância, sendo admitido por reclamação formuladas nos termos do Art. 643º do Código de Processo Civil.
Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir consiste em determinar se deverá ser admitida a oposição na parte em que a apelante deduz a exceção da compensação de créditos.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estes autos têm origem em requerimento de injunção, emergente de transação comercial, em que a requerente peticiona o pagamento de € 6.519 de capital, acrescendo juros. Houve oposição, razão pela qual o requerimento foi apresentado à distribuição.
Nos termos do Artigo 17º, nº1, do Decreto-lei nº 269/98, de 1.9, «Após a distribuição a que se refere o nº1 do artigo anterior, segue-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº4 do artigo 1º e nos artigos 3º e 4º.»  Nos termos destas disposições, não está prevista expressamente a admissibilidade de reconvenção.
Atento este quadro legal, existem três posições quanto à admissibilidade da reconvenção no âmbito do regime do Decreto-lei nº 269/98, de 1.9.
Para uma primeira corrente, que se funda numa interpretação mais literal do regime, seguindo o procedimento de injunção os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos não é admissível reconvenção uma vez que tal não se coaduna com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual. Neste sentido, vejam-se: Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.1.2008, Sacarrão Martins, 10606/2007, de 5.7.2018, Carlos Oliveira, 87709/17, de 5.2.2019, Carlos Oliveira, 75830/18 (este acessível em www.colectaneadejurisprudencia.com ) ; Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de  30.5.2019, Isabel Imaginário, 81643/18, de 23.4.2020, Francisco Matos, 90849/19; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24.1.2018, Carlos Querido, 200879/11, de 7.10.2019, Carlos Querido, 4843/19; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.12.2018, Luísa Ramos, 47652/18.
Para uma segunda corrente, neste tipo de processos é admissível a dedução da compensação, mas como exceção perentória sob pena de ser coartado um meio de defesa ao requerido. Neste sentido, vejam-se: Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.7.2019, Ramos Lopes, 109506/18, de 5.3.2020, Ramos Lopes, 104469/18, de 5.11.2020, Lígia Venade, 9426/20; Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.1.2018, Maria João Areias, 12373/17, de 10.12.2019, Vítor Amaral, 78428/17; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9.3.2020, Lina Batista, 21557/18. Na doutrina, cf. Rui Pinto, “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, publicado no blogue IPPC, p. 19.
Teixeira de Sousa, “AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples?”, 15.5.20, publicado em   https://blogippc.blogspot.com/search?q=AECOPs+e+compensa%C3%A7%C3%A3o, critica com pertinência esta segunda posição nestes termos:
«A proposta que, dentro de um espírito de back to the basics, agora se deixa é simplificar o que é simples. Em concreto, o que se propõe é que a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção e que o devido contraditório do autor pode ser feito em articulado próprio.
Para se chegar a esta solução basta aplicar a lei (nomeadamente, os art. 266.º, n.º 2, al. c), e 584.º, n.º 1, CPC, ex vi do art. 549.º, n.º 1, CPC) e respeitar o princípio da igualdade das partes em processo civil (art. 4.º CPC). É simples por isto mesmo: resulta da lei. Não precisa de nenhuma argumentação destinada a demonstrar que afinal o que decorre do CPC não é aplicável.
Em contrapartida, defender que nas AECOPs a compensação deve ser deduzida por via de exceção cria o seguinte dilema:
-- Ou, tal como na solução da dedução da compensação ope reconventionis, se admite um articulado de resposta do autor, e, então a solução é puramente nominalista;
-- Ou, se se entende que a dedução da compensação por via de exceção, se destina a não permitir o exercício do contraditório do autor em articulado próprio, então a solução é manifestamente inconstitucional, porque viola o princípio da igualdade das partes (art. 4.º CPC): enquanto o crédito alegado pelo autor é contestado num articulado próprio, o crédito invocado pelo réu é contestado no início da audiência final; ora, como é claro, se a lei permite a escolha da AECOP pelo autor, não é certamente "em troca" de uma diminuição das garantias do seu contraditório.
Este aspeto tem passado completamente despercebido aos defensores da dedução da compensação por via de exceção, mas é crucial. O art. 4.º CPC impõe expressamente que o tribunal assegure um estatuto de igualdade substancial entre as partes. Ora, o que resulta da orientação de que a compensação deve ser deduzida por via de exceção? Conhece-se a resposta: que o contraditório do autor quanto ao crédito alegado pelo réu tem um regime diferente daquele que vale para o crédito alegado pelo autor contra o réu. Enfim, um claro desrespeito do comando do art. 4.º CPC e uma clara violação do princípio da igualdade das partes.»
Para afastar esta segunda posição, é também pertinente a argumentação de Teixeira de Sousa, “AECOPs e compensação”, 26.4.2017, publicada no mesmo blogue, neste sentido:
«Uma solução alternativa a esta consistiria em defender que a compensação (que é uma forma de extinção das obrigações) deveria ser invocada por via de exceção. No entanto, contra esta solução pode invocar-se o seguinte:
-- A solução não tem qualquer apoio legal; como se disse, o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que é aplicável a qualquer processo; uma diferenciação quanto à forma de alegação da compensação seria, por isso, contra legem;
-- A solução comunga de todos os inconvenientes da dedução da compensação por via de exceção; um dos mais significativos é o de que, atendendo a que a decisão sobre as exceções perentórias não fica abrangida pelo caso julgado material (cf. art. 91.°, n.° 2, CPC), se o contra-crédito invocado na AECOP pelo demandado vier a ser reconhecido nessa ação, não é possível invocar a exceção de caso julgado numa ação posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contra-crédito e, se o contra-crédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa ação, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa ação posterior; qualquer destas soluções é absurda (sendo, aliás, por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correta, porque é a única que evita as referidas consequências).»
Para uma terceira posição,  embora a compensação de créditos, face à redação do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC, tenha sempre de ser operada por via da reconvenção, não admissível numa ação especial de cumprimento de obrigações pecuniárias, por razões de justiça material, não pode ser coartada ao requerido a possibilidade de, nessas ações, invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.10.2018, Cristina Coelho, 102963/17. Este acórdão foi subscrito pelo ora relator e pela ora 1ª adjunta, não havendo razões para alterar o entendimento assumido no mesmo.
Na doutrina e no sentido da admissibilidade da reconvenção, releva a posição de Teixeira de Sousa, “AECOPs e compensação”, 26.4.2017, publicada no blog do IPPC:
«Tendo presente que, no atual CPC, a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às ações declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPs e reguladas pelo regime constante do anexo ao DL 269/98, de 1/9).
Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima enunciado. As AECOPs são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549.°, n.° 1, CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.° CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs.
Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC.
Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs -- nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere -- não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objetar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas ações.
Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.°, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coartar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única ação tivesse de ser decidido em duas ações.
Sendo assim, há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário, cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. art. 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.»
Passamos a extratar o âmago da argumentação do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.10.2018, Cristina Coelho, 102963/17:
«Refletindo sobre esta matéria, escreveu-se no Ac. do STJ de 6.6.2017, P. nº 147667/15.5YIPRT.P1.S2 (Júlio Gomes), em www.dgsi.pt, que “… nos parece exato que, se a reconvenção for considerada inadmissível por só se preverem no processo especial dois articulados tal não prejudicará a Recorrente em termos de caso julgado ou de efeito de caso julgado já que a apreciação material do Tribunal não incidirá sobre o pedido reconvencional, não se produzindo, tão-pouco, qualquer efeito preclusivo. No entanto, tal não significa que não haja efetivamente um prejuízo para a Recorrente. Muito embora a compensação seja fundamentalmente uma causa de extinção das obrigações, a verdade é que ela permite a quem a invoca com sucesso não suportar (total ou parcialmente consoante o seu âmbito) o risco de insolvência da contraparte. Se a compensação não for admitida neste caso a Recorrente terá que pagar neste momento a quantia que porventura deve (suponhamos a quantia pedida de (€4265,41) para depois exigir em outra ação o pagamento dos €50.000,00 (se a contraparte então os puder pagar); mas se a compensação for admitida não se expõe (ou não se expõe na mesma medida) a esse risco de insolvência, ficando satisfeita imediatamente na parte em que houver compensação. Por outro lado, a solução encontrada pelo Tribunal recorrido gera, efetivamente, uma desigualdade – aliás, o Acórdão recorrido afirma expressamente que “a reconvenção é admissível quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa, que é aquela que aqui acontece” (f. 104). Ou seja, porque um comerciante exigiu o pagamento de €4265,41, o outro comerciante não poderia opor-lhe no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição o seu crédito de €50.000,00, mas se fosse o credor de €50.000,00 o autor da injunção – e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor – o credor de €4265,41 já poderia invocar a compensação. Ora não se vislumbra qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade. Acresce que o legislador civil quis facilitar a compensação, como resulta de no nosso sistema legal a compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos. A celeridade é sem dúvida importante, mas não deve olvidar-se que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da justiça. Em suma, não é porque uma decisão judicial é célere que a mesma é justa”.
(…) afiguram-se-nos pertinentes os argumentos aduzidos no referido Ac. da RP de 13.6.2018, no sentido de na AECOP ser admissível a reconvenção como forma de possibilitar ao requerido invocar a compensação de créditos.
A saber, “… serão razões de justiça material as que deverão ser convocadas a favor da admissibilidade da reconvenção, como forma de viabilizar a compensação de créditos, mesmo quando o inicial procedimento de injunção se reporta a quantia inferior a metade da alçada do tribunal da relação. É, com efeito, de questionar que a reconvenção seja de admitir quando o procedimento de injunção tem valor superior a metade da alçada do tribunal da relação, por força da sua transmutação em processo comum, e não o seja quando o seu valor é inferior àquele marco. Por outro lado, também não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa mesma compensação poderá ser depois por ele invocada como fundamento de oposição à execução, conforme decorre do art. 729º, al. h) do Cód. do Proc. Civil. Como pertinentemente afirma Miguel Teixeira de Sousa está a permitir-se a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível e, deste modo, a economia de custos que se visa com uma AECOP acabaria afinal por converter-se num desperdício de recursos. É que em vez de uma única ação teremos duas. Prosseguindo, há ainda a referir que, se nos encontramos numa forma de processo em que é vedada a dedução de reconvenção, tal ficou a dever-se à autora que unilateralmente escolheu essa via processual, sendo ainda de registar que o contra-crédito invocado pela ré se situa no âmbito da mesma relação jurídica que foi alegada pela autora”.
Sufragando-se este entendimento, e o de que deve “o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art. 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional”, entendemos dever admitir-se a reconvenção, na parte em que a requerida invocou a compensação de créditos, procedendo a apelação, devendo prosseguir seus termos a ação, dando-se à requerente a possibilidade de, no tocante à matéria da reconvenção, apresentar articulado de resposta.»
Releva ainda a argumentação confluente expendida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.11.2020, Márcia Portela, 66423/19:
«(…)  o próprio artigo 266.º, CPC, no seu n.º 3 prevê uma situação em que se permite ao Juiz ultrapassar a limitação decorrente da diferença de forma de processo.
Assim, de acordo com este normativo, Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde o pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.
O artigo 37.º, que versa sobre os obstáculos à coligação, diz nos n.ºs 2 e 3 e ss.:
2 - Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada.
A perda da celeridade que caracteriza a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000,00 é compensada pela obtenção de uma decisão mais justa e que propicia ganhos processuais, evitando quer a instauração de uma ação autónoma para o réu satisfazer o seu contra-crédito, quer a oposição à execução para compensação do seu crédito (artigo 729.º, alínea h), CPC), aqui com o inconveniente de apenas se poder compensar crédito de valor igual ou inferior ao crédito exequendo, por não ser admissível o pedido reconvencional nos embargos de executado.»
No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.6.2020, Micaela Sousa, 77375/19, também se alinhou nesta orientação, enfatizando-se que:
«(…) na vigência de um Código de Processo Civil que erigiu como postulado essencial o dever de gestão processual que recai sobre o juiz e o princípio da adequação formal (art.ºs 6º e 547º do CPC) - princípios que não podem deixar de abranger os processos especiais -, deve aceitar-se, com arrimo, aliás, precisamente no art.º 547º do CPC, que é a tramitação das AECOPs que tem de se adaptar ao exercício dos direitos das partes em juízo, e não este exercício que pode ser coartado por aquela tramitação.
Deste modo, em consonância com a argumentação expendida por Miguel Teixeira de Sousa que acima se deixou transcrita, entende-se que, devendo ser dada a possibilidade ao demandado de, no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção - caso em que o juiz deve fazer uso dos seus poderes de adequação formal e de gestão processual -, de igual modo deverá este fazer uso de tais poderes para ponderar da admissibilidade ou não da reconvenção deduzida pelo réu (ainda que não para efeitos do exercício da compensação), de tal modo que lhe incumbe, não só avaliar do preenchimento dos requisitos vertidos no n.º 2 do art. 266º do CPC, como, mais do que isso, ponderar, precisamente, se deve autorizar a sua dedução, nos termos do art. 266º, n.º 3 do CPC.
Com efeito, tal como o afirma expressamente Miguel Teixeira de Sousa, os fundamentos para a admissibilidade da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação valem para todos os outros casos em que, nos termos do art.º 266.º, n.º 2, CPC, a reconvenção seja admissível na AECOP pendente – cf. neste sentido, AECOPs e Compensação, Blog IPPC, 26-04-2017 https://blogippc.blogspot.com
Conforme já referido, adere-se a esta terceira posição mais permissiva, correspondendo à que mais se conforma com o espírito do atual processo civil, o qual dá prevalência às decisões de mérito sobre as decisões formais, recorrendo para tal designadamente aos princípios da gestão processual e da adequação formal.
Quer no articulado de oposição quer no pedido formulado nesta apelação, o apelante insiste na tese da admissão da compensação como exceção, tese a que não aderimos. Todavia, há que atentar que o pedido deve ser interpretado e convolado em função do efeito prático-jurídico pretendido. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.4.2016, Lopes do Rego, 842/10:
«Na praxis judiciária, encontramos posições antagónicas sobre a possibilidade de convolação jurídica quanto ao pedido formulado – opondo-se um entendimento mais rígido e formal, que dá prevalência quase absoluta à regra do dispositivo, limitando-se o juiz a conceder ou rejeitar o efeito jurídico e a específica forma de tutela pretendida pelas partes, sem em nada poder sair do respetivo âmbito; e um entendimento mais flexível que – com base, desde logo, em relevantes considerações de ordem prática – consente, dentro de determinados parâmetros, o suprimento ou correção de um deficiente enquadramento normativo do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou requerente, admitindo-se a convolação para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efetivamente adequado à situação litigiosa (vejam-se, em clara ilustração desta dicotomia de entendimentos, a tese vencedora e as declarações de voto apendiculadas ao acórdão uniformizador 3/2001).
Note-se que (como salientamos no estudo O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Lebre de Freitas, págs. 781 e segs.) a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivo dos princípios – também fundamentais em processo civil – da economia e da celeridade processuais: na verdade, a improcedência da ação inicialmente intentada e em que se formulou pretensão material juridicamente inadequada não obsta a que o autor proponha seguidamente a ação correta, em que formule o – diferente – pedido juridicamente certo e adequado, por tal ação ser objetivamente diversa da inicialmente proposta (e que naufragou em consequência da errada e insuprível perspetivação e enquadramento jurídico da pretensão); ora, sendo atualmente o principal problema da justiça cível o da morosidade na tutela efetiva dos direitos dos cidadãos, não poderá deixar de causar alguma perplexidade esta inelutável necessidade de repetir em juízo uma ação reportada a um mesmo litígio substancial, fundada exatamente nos mesmos factos e meios de prova, só para corrigir uma deficiente formulação jurídica da pretensão, através da qual se visa alcançar um resultado cujo conteúdo prático e económico era inteiramente coincidente ou equiparável ao pretendido na primeira causa…
(…)
Considera-se, deste modo, que o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objeto diverso do peticionado.»
O efeito prático-jurídico que o apelante pretende é que sejam apreciados e decididos os contra-créditos que invoca contra a requerente, sendo indiferente que tal apreciação ocorra sob a égide da figura processual da exceção ou da reconvenção, sendo esta atualmente obrigatória para estas situações (cf. Art. 266º, nº2, al. c), ex vi Art. 547º do Código de Processo Civil).
Ocorrendo um erro na qualificação do meio processual utilizado e na formulação do mesmo, cabe ao juiz corrigir oficiosamente o erro e proferir o necessário e concomitante despacho de aperfeiçoamento no sentido do apelante/requerido cumprir as normas atinentes à dedução de reconvenção (Arts. 193º, nº3, 590º, nº3 e 583º do Código de Processo Civil; cf.  Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2020, 2ª ed., Almedina, pp. 246-247, 325 e 701). Após o acatamento de tal despacho de aperfeiçoamento, deverá o tribunal a quo prosseguir com a apreciação da admissibilidade da reconvenção (cf. Art. 266º, nº2, al. c) e nº3) e subsequentes termos do processo.
No que tange à responsabilidade por custas, a requerida obtém vencimento no recurso sem que tenham sido apresentadas contra-alegações. Ensina a este propósito Salvador da Costa, “Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido”, 18.6.2020, publicado no blog do IPPC:
«Na base da referida responsabilidade pelo pagamento das custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos está um de dois princípios, ou seja, o da causalidade e o do proveito, este a título meramente subsidiário, no caso de o primeiro se não conformar com a natureza das coisas.
Grosso modo, a causalidade consubstancia-se na relação entre um acontecimento (causa) e um posterior acontecimento (efeito), em termos de este ser uma consequência daquele.
Considerando o disposto na primeira parte do n.º 1 deste artigo, o primeiro evento é determinado comportamento processual da parte e o último a sua responsabilização pelo pagamento das custas.
Nesta perspetiva, do referido princípio da causalidade emerge a solução legal de dever pagar as custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos a parte a cujo comportamento lato sensu o ajuizamento do litígio seja objetivamente imputável.
A dúvida revelada pela doutrina e pela jurisprudência ao longo do tempo sobre quem devia ser responsabilizado pelo pagamento das custas processuais com base no princípio da causalidade levou o legislador a intervir por via da inserção do normativo que atualmente consta do n.º 2 do artigo, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, de que se entende sempre dar causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
Consequentemente, o referido nexo de causalidade tem como primeiro evento o decaimento nas ações, nos incidentes e nos recursos, e o último na responsabilização pelo pagamento das custas de quem decaiu, conforme o respetivo grau.
Assim, a parte vencida nas ações, nos incidentes e nos recursos é responsável pelo pagamento das custas, ainda que em relação a eles não tenha exercido o direito de contraditório, o que se conforme com o velho princípio que envolve esta matéria, ou seja, o da justiça gratuita para o vencedor.»
Reiterando tal entendimento, cf. artigo do mesmo autor, “Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final”, publicando no mesmo blog em 31.10.2020.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão proferida em 10.3.2020, a qual deve ser substituída por outra que convole a dedução da exceção da compensação de créditos em reconvenção, acompanhada de despacho de aperfeiçoamento para cumprimento do Art. 583º, nos. 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Custas pela apelada na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).
Notifique, sendo as partes advertidas que se aplica o disposto na parte final da al. d), do nº5, do Artigo 6º-B da Lei nº 1-A/2020, de 19,3, na redação dada pela Lei nº 4-B/2021, de 1.2.

Lisboa, 23.2.2021
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).