Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3305/2008-1
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: DECISÃO SURPRESA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. A falta da causa de pedir não dá lugar ao aperfeiçoamento, nos termos do artº 508º/3 do CPC, não se podendo entender, a decisão recorrida que absolveu a ré da instância por ter julgado procedente a excepção de ineptidão da petição inicial, como constituindo uma “decisão surpresa”.
II. Em caso de falta ou ininteligibilidade dos factos jurídicos em que o A. alicerça o pedido, não deve ser este convidado a aperfeiçoar ou corrigir insuficiências ou imprecisões da p.i., pois estas não são estritamente formais ou de natureza secundária.
MJS
Decisão Texto Integral:             Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
            I – RELATÓRIO
            M, intentou contra L, acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 31.000,00, acrescida de juros moratórios vencidos e que à data se fixam em € 3.054,07, num total de € 34.054,07 e dos demais juros vincendos até efectivo e integral pagamento à taxa legal.

            Na contestação, a ré invoca, entre outras excepções (ilegitimidade), a ineptidão da petição inicial e pede a procedência destas e a sua absolvição da instância e caso assim não se entenda deve a acção ser julgada improcedente e a autora condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização cujo valor não deverá ser inferior a € 5.000,00.
            A autora apresentou réplica, na qual conclui pela improcedência das excepções e do pedido de litigância de má-fé.

            Prosseguiram os autos, tendo vindo a ser proferida decisão, na qual se julgou verificada a excepção dilatória de nulidade de todo o processado, por ineptidão da petição inicial e, consequentemente, absolveu a ré da instância, nos termos conjugados dos artºs 193º nº 1 e 2 al. a), 493º/2, 494º/1 al. b) e 495º todos do CPC.

            Inconformada, agravou a A. tendo apresentado as suas alegações que finalizou com as seguintes conclusões:
            A – Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Mmº Juiz a quo que absolveu a ré, ora recorrida, da instância por ter julgado procedente a excepção da nulidade, por ineptidão da petição inicial, com o fundamento de falta de alegação de factos constitutivos do direito a que a recorrente se arroga na petição inicial;
            B – A douta decisão em causa padece igualmente de vícios por se traduzir numa “decisão-surpresa” na medida em que foi proferida no fim dos articulados, numa altura em que era esperado o despacho-saneador, ou a marcação da data para a audiência preliminar;
            C – Não se fez uso do “poder-dever” consignado no nº 3 do artº 508º do CPC;
            D – E sem considerar a réplica apresentada nos autos pela recorrente, cujo articulado com documentos foram juntos, totalmente não os considerou nem apreciou, antes os omitiu completamente, não se tendo pronunciado sobre o mesmo e no qual a matéria de facto foi ampliada;
            E – Vícios esses que consubstanciam verdadeiras nulidades, capazes de influenciar a apreciação e decisão da causa e que expressamente se argúem, nos termos da al. d) do nº 1 e 3 do artº 668º do CPC;
            F – Uma coisa é petição inepta e outra, bem diferente, é petição irregular, sendo que diferente ainda é o caso de a acção vir a soçobrar por falta de prova dos factos alegados nos articulados;
            G – A petição é inepta “quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”, de acordo com o preceituado no artº 193º/2 al. a) do CPC que previne apenas a falta absoluta, a total omissão de indicação da causa de pedir (entre outros: Ac. STJ de 12/11/02, in www.dgsi.pt);
            H – Não é, pois, inepta uma petição onde foram alegados poucos factos jurídicos ou que não foram suficientes para fundamento da pretensão deduzida, ou até que não foram devidamente concretizados ou deficientemente alegados;
            I – No caso dos autos, a recorrente apresentou inclusive réplica, onde ampliou a causa de pedir e juntou documentos para maior prova e concretização do alegado e do seu direito;
            J – A recorrente viu o seu património reduzido em € 31.000,00 que indevida e injustificadamente foram integrar o património da recorrida, que deles beneficiou e fez seus;
            K – Ao contrário do entendido resulta dos autos que a recorrente alegou especificadamente os seguintes factos:
            a) Os € 31.000,00 peticionados resultaram do benefício da ré de € 5.000,00 relativamente ao montante do seu cheque nº 9354552412, em 5/12/03, de € 25.000,00 relativamente ao montante do cheque nº 9354553772, em 30/6/04 e ainda da transferência de € 1.000,00 em 28/4/05.
            b) As beneficiárias do seu cheque nº 9354552412 foram as suas filhas, na proporção de € 5.000,00 para a ora ré e os restantes € 6.000,00 para a Teresa.
            c) A transferência efectuada de € 2.000,00 o foi para as duas filhas da recorrente, na proporção de metade para cada.
            d) Em sede de réplica e concretamente sobre este cheque e a referida transferência, seus valores e repartição dos montantes, foi inequivocamente alegado pela recorrente, nos seus artºs 15º, 16º e 24º que na contestação apresentada pela Teresa esta havia reconhecido tais factos, quanto a si e a sua irmã, ora ré, tendo-se a recorrente prontificado a oportunamente fazer tal prova nos presentes autos.
            e) Igualmente em sede de réplica, nomeadamente sob os seus artºs 10º a 14º e 22º e 23º, alegou a recorrente factos concretos e ainda juntou documentos comprovativos que a ré beneficiou de € 25.000,00 relativamente ao cheque nº 9354553772 de € 67.500,00.
            f) Resulta dos documentos juntos que o cheque em causa foi depositado na conta bancária cujo titular é Álvaro Ferreira e era por este usada como conta da sociedade “Quinta”.
            g) E que na mesma data, essa sociedade emitiu o cheque de que se juntou cópia sob o Doc. nº 4, em nome da ré, de € 25.000,00 e que esta indevidamente fez seu.
            h) Sociedade essa na qual as suas filhas eram sócias-gerentes, como o referido A e à qual a recorrente é completamente alheia, nem tem qualquer negócio.
            L – A recorrente viu o seu património empobrecido indevidamente pelos montantes que injustificadamente a recorrida recebeu e integravam o património desta, sem acordo e conhecimento daquela;
            M – No caso dos autos, entendemos não dever considerar-se inepta a petição, mas quanto muito – o que se admite por dever de patrocínio – o ter-se eventualmente alegado pouca matéria factual necessária, ou que a mesma tenha sido deficientemente concretizada;
            N – A recorrida contestou e respondeu à réplica, o que só pode ser interpretado como tendo entendido o pedido e interesse em contestar, só não tendo impugnado os documentos juntos pela recorrente;
            O – como bem ensina o Prof. Anselmo de Castro, o autor deve indicar “o facto genérico do direito ou pretensão que aspira a fazer valer, não lhe sendo, todavia, exigido que faça desde logo uma exposição completa do elemento factual”;
            P – A recorrente veio, por isso, e na réplica acrescentar e explicitar essa factualidade inicialmente alegada;
            Q – O Mmº Juiz a quo não considerou esse articulado, os factos nele alegados e a prova resultante dos documentos juntos, o qual omitiu completamente, quando não o podia ter feito e daí a decisão enfermar da nulidade p. na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC;
            R – A douta decisão fez indevida e errada interpretação dos autos e da lei, a qual violou, nomeadamente os artºs 156º, 193º/2 al. a), 273º, 508º/3 do CPC, sendo ferida de nulidade, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que designe data para a audiência preliminar ou despacho saneador ou então que, considerando assente ter havido apenas mera alegação de factos, convide a recorrente a suprir as insuficiências na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, nos termos do artº 508º/3 do CPC e ao abrigo do princípio da cooperação.

Não foram produzidas contra-alegações.
O Mmº Juiz da 1ª instância manteve a decisão recorrida (cfr. fls. 177).

            II – AS QUESTÕES DO RECURSO
            Como resulta do disposto nos artºs 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 e 4 do CPC e vem sendo orientação da jurisprudência, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões, sem embargo de haver outras questões que sejam de conhecimento oficioso.
            Ora, tendo presentes essas conclusões, as questões colocadas no presente recurso são as seguintes:
1. Se a decisão em crise constitui uma “decisão-surpresa”.
2. Saber se a decisão recorrida enferma da nulidade prevista no artº 668º nº 1 al. d) e 3 do CPC.
3. A petição inicial é ou não inepta.  

III – FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos relevantes são os constantes do relatório desta decisão e, para os quais se remete.


IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Se a decisão em crise constitui uma “decisão-surpresa”.
            A decisão recorrida absolveu a ré da instância por ter julgado procedente a excepção de ineptidão da petição inicial, por inexistência de causa de pedir.
Alega a recorrente que a decisão recorrida constitui uma decisão-surpresa, na medida em que foi proferida no fim dos articulados, numa altura em que era esperado o despacho-saneador ou a marcação de data para a audiência de julgamento e que nem sequer fez uso do poder-dever consignado no nº 3 do artº 508º do CPC.
Contudo, desde já, se adianta, que não lhe assiste qualquer razão.
Na verdade, de acordo com o disposto no artº 664º do CPC, «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º».
A interpretação deste preceito é doutrinal e jurisprudencialmente pacífica.
Basta atentar na clara síntese efectivada por Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.193:
«Em matéria de direito o tribunal pode e deve substituir-se à parte (artºs 664º, 713º nº2 e 726º), dando por violadas normas que na realidade tenham sido, explícita ou implicitamente invocadas, ou nem tal sequer, desde que efectivamente cogentes para resolução das questões submetidas à sua apreciação, não se encontrando, assim, adstrito à qualificação dos factos efectuada pelas partes…desde que se mantenha dentro da causa de pedir invocada pelas partes e observe o artº 3º nº 3». (sublinhado nosso)
Obviamente que o cumprimento do princípio do contraditório não se pode reportar às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.
E, neste aspecto, as partes sempre tomaram conhecimento da posição assumida pela outra e puderam sobre ela exercer o respectivo contraditório.
Alega agora a autora/recorrente que o Juiz deveria tê-la convidado a aperfeiçoar a p.i. e a suprir deficiências ou imprecisões nela contidas.
No entanto, como bem refere Abílio Neto, ob. cit., pag. 149, na nota 5. ao artº 508º do CPC, “A falta da causa de pedir não se confunde com a insuficiência da causa de pedir (…)”.
A insuficiência da causa de pedir, pode dar lugar ao convite para o aperfeiçoamento.
No entanto, no caso dos autos, o que ocorre, como bem se salienta, no despacho recorrido, é uma verdadeira falta da causa de pedir e, como tal, não dá lugar ao aperfeiçoamento, nos termos do artº 508º/3 do CPC, não se podendo entender, assim, a decisão recorrida como constituindo uma “decisão surpresa”.
Na verdade, a decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º nº 3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito. [1]
A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as que juridicamente são possíveis e, no caso, ela até foi pedida pela ré.
O que importa é que os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstractamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspectivado como sendo possível.
Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, o que não é seguramente o caso dos autos. [2]
Por isso, quanto a esta questão, não pode concluir-se que a autora, ora agravante se deva considerar surpreendida com a decisão que julgou inepta por falta de causa de pedir a petição inicial, tendo, ao invés, obrigação de a prever.
Improcede, assim, a primeira questão do recurso.

2. Saber se a decisão recorrida enferma da nulidade prevista no artº 668º nº 1 al. d) e 3 do CPC.
Entende a agravante que o Tribunal a quo não considerou a réplica apresentada, os factos nela alegados, bem como a prova resultante dos documentos juntos e, como tal incorreu na nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC.
Ora, há nulidade por omissão de pronúncia quando, desrespeitando o comando fixado no nº 2 do artº 660º do CPC, o Juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que as partes submeteram à sua apreciação.
Tal como dispõe o artº 502º/1 do CPC “À contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta; (…)”.
No entanto, a A. parece querer dar a entender que a réplica deveria servir para corrigir, completar ou esclarecer a p.i.. A ser assim, incorreria a A. em nulidade, de acordo com o artº 201º do CPC, passível de condenação em custas como incidente anómalo.
Assim, tendo sido invocada na contestação, a excepção dilatória de ineptidão da p.i., podia a autora oferecer réplica, nos termos do citado artº 502º do CPC, o que fez.
Contudo, o Tribunal recorrido começou no despacho recorrido por apreciar a invocada ineptidão da petição inicial, a qual, a proceder, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (cfr. artºs 494º al. b), 493º/2 e 288º/1 al. b) todos do CPC).
Foi o que aconteceu. O Tribunal conheceu de tal excepção, entendeu verificar-se a mesma e consequentemente absolveu a ré da instância.
Donde se conclui inexistir a apontada nulidade.

2. A petição inicial é ou não inepta.
Conforme dispõe o artº 193º nº 2 do CPC, diz-se inepta a petição.
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido e da causa de pedir;
(…)
O pedido é a pretensão do autor, a tutela jurisdicional que solicita. Constitui o efeito jurídico que o autor pretende obter, como resulta do disposto no artº 498º nº 3 do CPC.
O pedido tem, como a decisão, o valor e o significado duma conclusão. [3]
A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao pedido; é o acto ou facto jurídico do qual emerge o direito que o autor se propõe fazer valer.
A causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão.
Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão. [4]
A petição é inepta “quando sendo inteligível a indicação do pedido e da causa de pedir, haja, todavia, contradição intrínseca ou substancial entre um e outra”. [5] 
Através da figura da ineptidão pretende-se evitar que o tribunal seja colocado na situação de impossibilidade de julgar correctamente a causa, em face, entre outros, de pedido e causa de pedir serem entre si contraditórios, visto que só dentro destas balizas se pode mover o exercício da actividade jurisdicional declaratória do direito. O autor terá, portanto, de formular um pedido inteligível e indicar o facto genético do direito ou da pretensão que quer fazer valer. A petição inicial tem de reproduzir um raciocínio lógico, em que o pedido há-de conter-se nas razões de direito e nos fundamentos de facto expostos na causa de pedir. [6]
Após esta breve resenha doutrinária sobre a ineptidão da petição inicial, vejamos se poderemos classificar a p.i. dos autos de inepta, como pretende a ré/recorrida, por ser ininteligível a causa de pedir.
No entanto, na p.i., a autora não concretiza nos factos articulados, como a ré teve acesso à quantia que lhe terá sido alegadamente subtraída da sua conta bancária.
Com efeito, a autora alega que a sua conta bancária donde foi subtraída tal quantia era conjunta com a sua filha.
Por outro lado, alega que passou cheques em branco à sua filha alguns para pagamento de despesas suas, outros para pagamento do preço para a aquisição de um andar para cada uma das suas filhas.
Mais adiante, refere que se inteirou da movimentação da conta ao longo do tempo, tendo apurado que a ré ficou com € 5.000,00 de um cheque no valor de € 11.000,00.
No entanto, não explica quem movimentou tal conta e como foi que a ré se terá apropriado do alegado montante de € 5.000,00.
Refere ainda que um cheque no valor de € 67.500,00 foi depositado –a autora não refere por quem – na conta bancária usada pela sociedade do marido da A., mas refere que este é o titular de tal conta e que a filha dessa verba, ficou com o valor de € 25.000,00.
Não se percebe, assim, o que é que a A. tem a ver com tal verba, se quem é o titular da conta é o seu marido.
Por outro lado, alega ainda que a conta, não referindo qual nem quem era o seu titular, apresentava um determinado saldo e que o mesmo foi levantado, não referindo por quem e que com tal saldo as suas duas filhas abriram uma conta conjunta e dessa nova conta foi feita uma transferência de € 2.000, recebendo a ora ré € 1.000.
Por fim, diz que foram retirados da conta bancária da A. e mais uma vez sem dizer por quem, € 31.000, que alegadamente a ré fez seus.    
Mais alega que terá sido subtraída à A. a quantia de € 181.331,98, que refere foi sendo gasta pelas suas filhas, não se percebendo se os € 31.000 peticionados relativamente à ré, fazem parte de tal montante.
Paradoxalmente, mais adiante (artº 32º) refere que os € 181.331,98 ainda existem e se encontram sem qualquer sentido no banco há largos meses.
Na réplica, em resposta à excepção, volta a reinar grande confusão na articulação dos factos, desdizendo, aliás, a A. aquilo que já havia dito na p.i.
Senão veja-se, a contradição de factos.
Na p.i., a A. alega que a ré ficou com € 5.000 de um cheque no valor de € 11.000. Na réplica, já a A. refere que o pedido de condenação se prende com o valor de € 11.000 de um cheque, de € 25.000, enquanto parte de um cheque no valor de € 67.500 e de € 1.000 por via de uma transferência bancária. Ora, agora a soma do pedido já não seria de € 31.000, mas de € 37.000.
Na réplica, refere a A. que relativamente aos € 25.000 os mesmos foram sacados de uma conta da autora, não diz por quem e foram depositados numa conta de que é titular o marido da A., mas que funcionava como conta do Colégio de que era sócio, bem como a sua filha, ora ré.
Contudo, não se percebe qual a intervenção da ré, nestas movimentações de dinheiro, nem ela vem alegada pela autora. 
A seguir, a A. refere que a ré retirou a quantia de € 25.000 da conta do Colégio. Mas, então, quem era titular da conta, como vem alegado pela A. era o pai da ré e a A. não diz quem sacou o dinheiro da sua conta para o transferir para a conta do pai da ré. É que do extracto de conta não se consegue saber quem depositou o cheque no valor de € 67.500, nem a A. demonstra que tal quantia lhe pertencia.
Estranhamente, no artº 24º da réplica, já a ré não se terá apropriado de € 5.000, mas de € 6.000, quando anteriormente na p.i. a A. referia que quem se tinha apropriado de € 6.000 havia sido a outra filha de nome T.
Face a toda esta confusão na articulação de factos, não há documentos que comprovem o que quer que seja.
Assiste, por isso, inteira razão, ao Tribunal a quo, quando refere que não foram alegados quaisquer factos que justifiquem o envolvimento da ré na movimentação da conta bancária da A., nem o seu consentimento, sendo manifesta a ininteligibilidade da causa de pedir.
De facto, não se trata de p.i. cujo articulado se mostre incorrecto ou deficiente, de modo a que possa ser corrigido, mediante convite a que alude o artº 508º/2 do CPC. Do que se trata é de falta ou ininteligibilidade dos factos jurídicos em que a A. alicerça o pedido (causa de pedir).
Não é, de todo, caso para a A. ser convidada a aperfeiçoar ou corrigir insuficiências ou imprecisões, pois, estas não são estritamente formais ou de natureza secundária.
A falta de causa de pedir não se confunde com a insuficiência da causa de pedir.
Ora, a A. não concretizou em factos concretos o pedido formulado contra a ré.
Por isso, bem andou o Tribunal recorrido, ao considerar que “não se vê como poderia mandar aperfeiçoar uma peça processual que se mostra de tal modo inquinada que não teria aperfeiçoamento possível para produzir os efeitos pretendidos pela recorrente, já que qualquer aperfeiçoamento se teria de traduzir necessariamente na alegação de factos ainda não trazidos à causa, de factos novos e isso ultrapassa os limites do aperfeiçoamento”, tendo concluído pela procedência da invocada excepção de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, determinando a nulidade de todo o processado e consequentemente a absolvição da ré da instância.
         Improcedem, assim, in totum, as conclusões de recurso.

V – DECISÃO 
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela agravante.
(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora)
                   Lisboa, 20.5.2008
                                               (Maria José Simões)
                                               (José Augusto Ramos)
                                               (João Aveiro Pereira)
__________________________________
[1] Cfr. Ac. TRL de 26/06/2007 (relator Carlos Moreira) consultável em www.dgsi.pt
[2] Neste sentido, cfr. Acs do STJ de 29/09/1998 e de 14/05/2002, ambos consultáveis no site supra mencionado.
[3] Cfr. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, pag. 381.
[4] Cfr. obra supra citada.
[5] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pag. 246.
[6] Neste sentido, cfr. na doutrina, Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 6ª ed., pags. 162/164 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, I, pag. 387 e na jurisprudência, Acs. do TRL de 22/06/2006 – Pºs nºs 3288/2006-6 e 4349/2006-6 (relatora Fátima Galante), consultáveis em www.dgsi.pt.