Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14464/19.5T8PRT.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO
ACTIVIDADE TRANSITÁRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO
PRAZO ESPECIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I –  Inexiste qualquer nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (conjugado com o n.º 2 do artigo 608.º), numa situação em que o Tribunal perante a invocação de uma excepção peremptória de prescrição do direito da Autora (gerando a sua extinção), considera caducado tal direito (o que corresponde apenas a uma qualificação jurídica distinta, mas respeitando o efeito jurídico pretendido).
II - Com a legitimidade enquanto pressuposto processual pretende-se que estejam no processo as partes exactas, do lado activo e o lado passivo, os sujeitos que têm uma relação com o objecto processual definido e com ele possam ser beneficiados e prejudicados.
III – É o alegado na Petição Inicial que determina quer o objecto do processo, quer os pressupostos processuais.
IV - É face à forma e ao conteúdo da articulação factual com que um/a Autor/a, na Petição Inicial e de forma unilateral, delimita a relação material que tem como controvertida, que a acção fica configurada, sendo a partir desta base, que a legitimidade, enquanto pressuposto processual, é aferida, não prevendo o CPC qualquer mecanismo de sanação para a ilegitimidade singular, o que implica a sua insanabilidade e insupribilidade, bem como a impossibilidade de convite a um qualquer aperfeiçoamento.
V – A presença do Tempo como factor conformador das situações jurídicas está particularmente presente na prescrição, a qual pressupõe a existência de um direito, o seu não exercício e o decurso do Tempo.
VI – O fundamento da prescrição assenta na inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo e impõe, por razões de certeza e segurança jurídica, protecção dos devedores e estímulo ao exercício dos direitos, a gravosa consequência de extinguir da obrigação (ou, pelo menos, permitir que o obrigado possa recusar o cumprimento).
VII – O prazo previsto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 255/99, de 07 de Julho, é especial e prevalece sobre os prazos de prescrição previstos no Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
FM intentou (na Comarca do Porto) a presente acção de condenação, com processo comum, contra
A., Lda.,
AX, Lt e
MP, Lda. pedindo a sua condenação no pagamento de:
 a) 40.545,00 Euros, a título de indemnização pela demora na entrega da mercadoria;
 b) 237.839,24 Euros, a título de lucros cessantes decorrentes do atraso na entrega das mercadorias e perda de interesse dos fornecedores nas mercadorias, valor que é composto por:
 - 46.431,44 Euros, correspondente aos prejuízos causados pelo cancelamento das encomendas;
 - 44.339,32 Euros, correspondente aos prejuízos decorrentes da venda das mercadorias por preço inferior ao que seria praticado caso as mercadorias tivessem chegado atempadamente;
 - 191.407,80 Euros, correspondente às peças devolvidas depois de entrarem em preço de saldo.
 c) 198.035,73€, a título de indemnização por danos patrimoniais indiretos causados pela afetação da sua imagem comercial, bom nome, reputação e credibilidade, no meio em que desenvolve a sua atividade.
 d) E ainda que sejam as Rés condenadas ao integral pagamento dos Juros à taxa legal a contar da data da sua citação.
Em síntese, alega a Autora que:
 - adquiriu na China tecidos para utilizar na sua Colecção Outono Inverno 2017-2018 (em loja em Junho-Julho de 2017);
 - celebrou com a Ré A, Lda. um contrato de prestação de serviços de transporte marítimo de mercadorias em contentor, desde o porto de Shangai, na China até Leixões, em Portugal, tendo a mesma ficado de providenciar não só o transporte, como também todo o serviço de natureza logística e operacional, que incluía o planeamento, controlo e coordenação de operações relacionadas com a expedição de determinada mercadoria, por intermédio de mediação entre expedidor e destinatário;
 - a A., Lda. actuou como transitário/transportador, tendo subcontratado uma transportadora (a Ré AX., LT);
 - a M P, Lda. foi contratada para fazer o transporte da mercadoria em contentor;
 - foi ainda celebrado um seguro de transporte com a Companhia de Seguros All Portugal, S.A., no valor de €46.829,48;
 - apesar da previsão de desembarque em Leixões a 14/04/2017, a 19/04/2017 ainda não tinha ocorrido, sucedendo-se informações sobre o seu desembarque em Algeciras ou na Malásia, surgindo a indicação de chegada a Algeciras a 13/06/2017 e, posteriormente, a 22/06/2017, acabando efectivamente por ser recebida a mercadoria a 19/06/2017;
 - para efectuar esta operação, a Autora celebrou também um contrato de abertura de crédito no valor de €57.257,40;
 - contabilizados os seus prejuízos em €226.245,40 (a 24/07/2017), a primeira Ré disse aguardar decisão da Companhia de Seguros, a qual declinou responsabilidades por inexistência de sinistro;
 - A Ré M, por sua vez, no decurso de uma reunião ocorrida a 03/10/2017, assumiu o custo do valor do frete, no montante de 969,55€, assim como o transporte de camião do porto de Algeciras até Barcelos, no valor de €1.500;
 - a Autora teve €282.178,56 de perdas comerciais, correspondentes ao cancelamento e/ou redução de preço das encomendas originada pela impossibilidade material de cumprir as datas acordadas;
- e considera que a perda e desconfiança dos clientes, originou uma perda efetiva de clientela, uma paralisação da laboração por falta de matéria-prima no período previsto de produção e a afectação do seu bom nome, imagem comercial, reputação e credibilidade, computados em € 198.035,73.
Citadas, vieram as Rés apresentar Contestação:
 - a A..., Lda.:
 - afirmando ser esse o seu nome;
 - a sua citação ser nula, por não lhe terem sido entregues todos os documentos;
 - excepcionando com a incompetência absoluta dos Juízos Cíveis do Porto;
 - excepcionando com a Prescrição do direito de acção, uma vez que os serviços por si prestados foram concluídos em 19.06.2017 e a sua citação só ocorreu a 19/06/2019;
 - impugnando a factualidade alegada pela Autora;
 - invocando a ineptidão da Petição Inicial, no que concerne aos pedidos relativos aos danos de lucros cessantes;
 - assinalando que, em qualquer caso, a a sua responsabilidade enquanto transitária estaria limitada a €498,80;
 - deduzindo o incidente de intervenção provocada da M. Line A/S e a intervenção acessória provocada da AV AG e da All Portugal, SA.;
  - a M P, LDA.:
 - excepcionando com a incompetência internacional do Tribunal, por serem competentes os Tribunais chineses;
 - excepcionando com a incompetência absoluta do Tribunal do Porto, por esta pertencer ao Tribunal Marítimo;
 - excepcionando com a sua ilegitimidade por não ser parte na relação material controvertida;
 - impugnando a factualidade alegada;
 - invocando a caducidade do direito que se pretende fazer valer;
 - a AX., LT
- excepcionando com a incompetência absoluta do Tribunal do Porto, por esta pertencer ao Tribunal Marítimo;
 - excepcionando com a prescrição da sua responsabilidade civil extracontratual;
 - impugnando a factualidade descrita;
 - deduzindo o incidente de intervenção provocada da M. Line.
A Autora, em resposta, veio defender a competência dos Tribunais portugueses e da Comarca do Porto.
O Juízo Cível do Porto, por Decisão de 20 de Fevereiro de 2022 julgou-se incompetente.
Remetidos os autos ao Juízo Marítimo de Lisboa julgou-se este internacionalmente competente para apreciar a acção (por Decisão de 01 de Junho de 2022) e improcedente o incidente de nulidade da citação suscitado pela Ré A. (por Decisão de 20 de Setembro de 2022).
A Autora veio pronunciar-se no sentido da improcedência das invocadas excepções peremptórias de prescrição e da excepção dilatória de ilegitimidade da M P, Lda..
Por Saneador-Sentença de 19 de Dezembro de 2022, o Tribunal a quo decidiu:
 - julgar procedente a excepção de ilegitimidade da Ré M P, Lda., Lda. absolvendo-a da instância;
- julgar procedente a excepção peremptória da prescrição do direito de crédito da Autora ‘FM, SA.’ absolvendo a Ré ‘A., Lda.’ do pedido;
- julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição do direito de crédito da Autora ‘FM, SA.’ sobre a Ré ‘A., LT;
- julgar verificada a excepção peremptória de caducidade do direito da Autora absolvendo a Ré ‘A., LT’ do pedido.
A Autora apresentou Recurso das Decisões, juntando as Alegações que culminam com as seguintes Conclusões:
“I- A ora Recorrente celebrou com a Recorrida, A. e Transitários Lda., um contrato de prestação de serviços de transporte marítimo e restantes formalidades ao mesmo inerente, assegurando o transporte das mercadorias desde do porto de Shangai, China, até ao Porto de Leixões, Portugal.
II- Na qualidade de transitária, aquela Recorrida organizou e planeou todo o transporte de mercadorias, designadamente;
III- Contratou a Recorrida, A. Lt, na qualidade de transportadora, sendo esta responsável pela embarcação onde seria efetuado o transporte da mercadoria;
IV- E a Recorrida M P, Lda., Lda., para fazer o transporte da mercadoria em contentor, sendo este último da sua responsabilidade;
V- Sucede que, em 16/03/2017, a Recorrente foi informada através de correio eletrónico de que a mercadoria teria saído da origem a 11/03 – tudo conforme email cuja cópia se anexou com a Petição Inicial sob o Doc. 6
VI- E, segundo previsão da Recorrida A. deveria desembarcar no porto de Leixões a 14/04/2017, conforme email cuja cópia se juntou com a Petição Inicial sob o Doc. 7, e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
VII- Assim, aproximando-se a data prevista para a chegada das mercadorias, a ora Recorrente questionou a Recorrida M. no sentido de confirmar se a mesma se mantinha para o dia 14/04/2017, tendo esta confirmado o desembarque para 14 ou 15 de Abril.
VIII- Essa mesma comunicação fazia-se acompanhar de anexo – que integrou o Doc.7 supramencionado – designado por “Arrival Notice”, emitido pela Recorrida M., e dava como data de chegada o dia 17 de Abril de 2017.
IX- Não obstante, a 19/04/2017 a mercadoria ainda não tinha sido entregue – Doc. 8 e 9 Juntos com a Petição Inicial.
X- Dada a urgência no recebimento da mesma, solicitou a Recorrente novas informações à Recorrida A., que, desconhecendo o que motivara o atraso na entrega, apenas informou estar a aguardar resposta da companhia sobre o que teria sucedido com o contentor, Cf. Doc.8 e 9 juntos com a Petição Inicial;
XI- Algumas horas depois, a Recorrente foi informada por correio eletrónico da Recorrida A. de que, por erro da companhia marítima, o contentor com as suas mercadorias se encontraria em Algeciras, Espanha. - Cf. Doc. 9, junto com a Petição Inicial;
XII- Face ao sucedido, a Recorrente tentou estabelecer, por diversas vezes, contacto com a Recorrida A., no sentido de se manter informada sobre o paradeiro da sua mercadoria, tendo sido informada através de contacto telefónico, alguns dias depois, de que o contentor que transportava a referida mercadoria se encontraria na Malásia!!!
XIII- Já a 4 e 5 de Maio veio a Recorrente instar novamente a Recorrida A., sobre o paradeiro da mercadoria e qual a data de chegada prevista, a fim de poder organizar o trabalho da empresa e minorar os efeitos que o atraso originou, tudo conforme. Doc. 10 junto com a Petição Inicial.
XIV- A mercadoria acabou por ser recebida apenas a 19 de Junho de 2017 – Cf. STADA – Documento Probatório de Desalfandegamento, cuja cópia se juntou com a Petição Inicial sob o Doc. 13.
XV- Ou seja, verificou-se um atraso de dois meses e quatro dias ou sessenta e quatro dias, sobre a primeira data de entrega da mercadoria;
XVI- Devido ao referido atraso, a mercadoria não pode ser comercializada nas condições normais, seja porque muitas das encomendas foram anuladas, seja pela redução do preço, uma vez que já não seriam úteis para a coleção para a qual foram compradas.
XVII- Do exposto podemos concluir que, não só não foi seguida a rota normal pelo transportador, tendo o contentor seguido para parte incerta, como não houve preocupações de zelo e diligência por parte da Recorrida A. , que nada fez para minimizar os prejuízos do atraso, limitando-se a responder aos pedidos de informação da Recorrente.
XVIII- Conforme decorre do exposto, a Recorrida A., atuou como transitária para prestar um serviço à ora Recorrente.
XIX- Nos termos do disposto no art.º 1º do DL 225/99 de 7 de julho “a atividade transitária
XX- consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direção das operações relacionadas com a expedição, receção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias”.
XXI- Atento o exposto, à Recorrida A. cabia o controlo, coordenação e direção das operações relacionadas com a expedição, receção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias da Recorrente.
XXII- Mais concretamente, a Recorrida A. tinha obrigação de se manter atualizada sobre todas as alterações de rota levadas a cabo pelo navio, acompanhar a viagem da mercadoria e dar conhecimento à Recorrente de todas as etapas.
XXIII- No entanto, no caso concreto, a Recorrida A. violou, de forma grosseira os seus deveres de zelo e diligência que decorrem do DL. 255/99 de 07 de julho.
XXIV- A Recorrida A. não acompanhou, como era sua obrigação, a rota efetuada pelo navio, desconhecendo as alterações ocorridas e consequentemente o local exato onde se encontrava a carga.
XXV- Tanto que, nas primeiras comunicações refere que as mercadorias se encontravam em Algeciras e posteriormente já refere que se encontravam na Malásia.
XXVI- Acresce que a Recorrida A. nunca tomou iniciativa de se informar quer da rota tomada pela Recorrida AX., LT quer do paradeiro do contentor onde foram acomodadas as mercadorias da Recorrente sendo sempre a Recorrente a solicitar informações sobre o andamento do frete.
XXVII- Nem tampouco diligenciou no sentido de minimizar os prejuízos causados pelo atraso, apenas se limitando a responder às questões e incitações da ora Recorrente.
XXVIII- Não resultam, pois, dúvidas de que não existiu, por parte da transitária, a Recorrida A., nem controlo, nem coordenação das operações exigidas a uma correta expedição e circulação da mercadoria pois que, ao contrário do que esta veio alegar, o D.L. 352/86 não define apenas uma responsabilidade para estas situações no valor de €498,80 (quatrocentos e noventa e oito euros e oitenta cêntimos),
XXIX- O que este diploma consagra, de verdadeira relevância para a causa, no seu artigo 14º/1 - “Impedimento à viagem imputável ao transportador” é o seguinte: “1 - Tornando-se a viagem impossível na data ou época previstas por causa imputável ao transportador, torna-se este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento.”
XXX- Assim, ao contrário do que a Recorrida A. quis fazer acreditar, esta está sujeita às regras do incumprimento culposo, tal como previsto no Código Civil.
XXXI- Atenta a conduta negligente adotada pela Recorrida A. deverá esta incorrer em responsabilidade civil contratual pelos prejuízos que a sua atuação negligente causou à ora Recorrente.
XXXII- A responsabilidade contratual pressupõe a verificação cumulativa de quatro pressupostos: o facto ilícito (constituído pela omissão do zelo exigível), a culpa (que aqui se presume – art.º 799º, nº 1, C.C.), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
XXXIII- Sendo que resulta do incumprimento, lato sensu, dos deveres emergentes das obrigações contratuais, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei.
XXXIV- Com efeito, para além da obrigação principal, a Recorrida A. tinha igualmente outros deveres, como o de zelo, cuidado e guarda, deveres acessórios estes que consistem, de um modo geral, em medidas laterais destinadas a conseguir que as mercadorias cheguem incólumes a bom porto, dentro do prazo razoavelmente previsto/ esperado.
XXXV- O dever de boa fé não se circunscreve ao simples acto da prestação, abrangendo ainda, na preparação e execução desta, todos os actos destinados a salvaguardar o interesse do credor na prestação (o fim da prestação) ou a prevenir prejuízos deste, perfeitamente evitáveis com o cuidado ou a diligência exigíveis do obrigado.
XXXVI- Tal circunstancialismo, in casu, não se verificou.
XXXVII- Logo, o devedor não pode cingir-se a uma observância puramente literal das cláusulas do contrato, se a obrigação tiver natureza contratual. Ele deve ater-se, não só à letra, mas principalmente ao espírito da relação obrigacional.
XXXVIII- É por isso aquele citado princípio da boa-fé, no direito português, um manancial inesgotável de deveres acessórios de conduta, quer dentro, quer fora do contrato, quer na realização do interesse para que diretamente aponta a prestação devida, quer na tutela de todos os demais interesses do credor e do devedor envolvidos na relação obrigacional.
XXXIX- Como alude Menezes Cordeiro (in “Da Boa fé No Direito Civil”, pág. 604) os deveres acessórios de conduta têm-se agrupado numa classificação tripartida de deveres de protecção, de esclarecimento e de lealdade.
XL- Outrossim, pelos deveres acessórios de protecção, se considera que as partes, enquanto perdure a relação contratual, estão ligadas a evitar que, no âmbito desta, sejam infligidos danos mútuos, nas suas pessoas ou nos seus patrimónios.
XLI- Os deveres acessórios de esclarecimento obrigam as partes a, na vigência do contrato que as une, informarem-se mutuamente de todos os aspetos atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele, tenham certa relação e, ainda, de todos os efeitos que, da execução contratual, possam advir.
XLII- Os deveres acessórios de lealdade obrigam as partes a, na pendência contratual, absterem-se de comportamentos que possam falsear o objectivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas consignado (cf. Menezes Cordeiro in ob. cit. pág. 604 a 606). Antunes Varela (in CJ-88-IV-28) acaba por sumariar que proceder de boa fé no cumprimento da obrigação é agir com o maior empenho, lealdade e correcção na realização da prestação a que o devedor se encontra adstrito.
XLIII- Consagrando-se assim, o art.º 762.º nº 2 do CC que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé, que a douta sentença, ao decidir como decidiu violou.
XLIV- E age de boa fé quem o faz com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, por via de uma conduta honesta e conscienciosa, com correção e probidade, sem prejudicar os interesses legítimos daquela.
XLV- Ora, atenta a essencialidade do prazo no caso concreto, uma vez que as mercadorias
XLVI- estavam destinadas à confeção de roupas especificamente para a coleção Outono-Inverno 2017/2018, como era do seu conhecimento, seria imprescindível que a 1.ª Ré tudo fizesse para assegurar que a entrega fosse realizada num prazo razoável.
XLVII- O que se verificou foi uma atitude meramente passiva por parte da Recorrida A., que bem sabia e não podia desconhecer da essencialidade da entrega atempada da mercadoria, e não diligenciou de acordo com os seus deveres de zelo, cuidado e guarda, não se inteirando da rota da transportadora, nem tampouco do paradeiro da mercadoria;
XLVIII-E não nos podemos esquecer que a Recorrida A. é uma profissional de transportes internacionais e, como tal, não deveria desconhecer os riscos provenientes do transporte de mercadorias por mar em longos trajetos, devendo por isso ser particularmente cautelosa;
XLIX- Pelo que tal atitude negligente por parte da Recorrida A. consubstancia uma violação objetiva do seu dever dos seus deveres de zelo, cuidado e guarda, passível de ser responsabilizada nos termos da responsabilidade contratual.
L- Mas ainda que assim não se entenda, a Recorrida A. sempre responderia pelos atos das Recorridas AX., LT e M P, Lda., na medida em que, conforme decorre do regime geral do art.º 800º, nº 1 do CC, o devedor da obrigação é responsável perante o credor pelos actos das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem por si praticados.
LI- Ainda, poderá ser entendido que a Recorrida A. violou o disposto no artigo 801º/1 do CC, pois que a impossibilidade do cumprimento do contrato se deu por falta de diligência e, consequentemente, manifesta negligência desta.
LII- A responsabilidade da Recorrida é então, e contrariamente ao postulado na douta sentença em mérito, uma responsabilidade que se reporta mais concretamente no cumprimento defeituoso do contrato com as inerentes responsabilidades que daí advêm para as recorridas.
LIII- O estipulado entre a Recorrente e a Recorrida A. que a mercadoria seria entregue, o mais tardar, a 14/4/ 2017, efetivamente, só foi entregue, a 17/06/2017.
LIV- O atraso na entrega das mercadorias, consubstancia, por si mesmo, incumprimento contratual, na medida em que , o negocio jurídico celebrado entre a ora Recorrente e a Recorrida A., e a vontade que presidiu à sua celebração , era a de que aquelas mercadorias seriam entregues, naquele especifico prazo , e a razão de ser daquele prazo, prendia-se com o facto de as mercadorias – tecidos, serem destinadas à confeção de roupas, especificamente para a coleção Outono-Inverno 2017/2018, e para tal deveriam ser colocadas nas lojas em finais de Junho e Julho 2017, situação - que fruto do incumprimento dos deveres aos quais estava contratualmente obrigada a Recorrida A. - não sucedeu, e a ora recorrente não pode comercializar em condições normais as ditas peças de vestuário com os inerentes prejuízos.
LV- O que sucedeu, in casu, foi que não houve entrega atempada dos tecidos ;
LVI- Não tendo havido entrega atempadamente, aqueles tecidos com aqueles especificidades e composições próprias respeitantes à época de inverno, não puderam ser utilizados para o efeito pretendido, que era, serem materializados em peças de vestuário para a coleção Outono/Inverno 2017/2018, que seriam colocadas nas lojas em finais de Junho/ Julho de 2017 ;
LVII- Tendo a mercadoria chegado em 14 de Junho de 2022, como é bom de ver, nunca poderiam as peças de vestuário ter chegado as lojas para venda nesse mesmo mês, ainda teriam de ser produzidas!
LVIII- Ficou assim gorada a respectiva comercialização tendo em conta a campanha Outono/Inverno 2017/2018!
LIX- Situação inversa, seria a de as mercadorias terem sido entregues atempadamente, garantindo, assim, à ora recorrente o tempo necessário para a respetiva produção, e a remessa para as lojas para comercialização.
LX- E consequência direta e necessária dessa factualidade foram os cancelamentos de encomendas e a perda de clientela, para a ora Recorrente.
LXI- O contato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida A. não foi assim, por aquela cumprido, pontualmente, e toda a situação contratual, tem de ser aferida sob esta premissa, e não exclusivamente centrada no contrato de transporte marítimo como se pretende fazer valer na douta sentença em mérito, e assim, fora do Âmbito exclusivo do regime prescritivo previsto no DL n.º 255/99.
LXII- Na verdade, a relação contratual em causa nos presentes autos tem de ser perspetivada da seguinte forma:
LXIII- A recorrente celebrou com a recorrida A. um contrato de transporte de mercadorias, nomeadamente, tecidos;
LXIV- Tais tecidos destinavam-se e eram matéria-prima, que seria utilizada na elaboração da coleção Outono/Inverno 2017/2018, e nessa conformidade possuíam qualidades e especificidades próprias para essa época do ano;
LXV- Para tal, e para o efeito pretendido, seria necessário que tais peças fossem entregues, e conforme contratado, naquele período temporal, para os tecidos serem utilizados e as peças de vestuário serem produzidas, em tempo, para a coleção Outono Inverno 2017-20118;
LXVI- A coleção Outono Inverno que seria colocada nas lojas em finais de Junho/ Julho de 2017;
LXVII- Os tecidos deveriam ter sido a 14/4/ 2017, efetivamente, só foram entregues, a 19/06/2017.
LXVIII-O que sucedeu foi que não houve a entrega atempada; não havendo a entrega do tecido atempadamente, aqueles tecidos não puderam ser utilizados, e os que foram utilizados foram comercializados com grandes prejuízos para a ora recorrente, ou até nem sequer o foram.
LXIX- Foi esta a premissa e o juízo que presidiu à vontade de contratar por parte da recorrente, e que levou à celebração do contrato em causa, e só desta forma pode ser interpretada a relação contratual celebrada entre a Recorrente e a Recorria A..
LXX- Ora, como é sabido, os contratos devem ser pontualmente cumpridos (artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil) e a prestação deve ser realizada integralmente, in casu, apesar de entregue a mercadoria, a prestação não fui cumprida integralmente, porque não foi entregue no “timing “convencionado, que se mostrava essencial ao cumprimento pontual do contrato e presidiu a vontade de contratar: a entrega do tecido numa determinada data para a produção da Coleção Outono/Inverno 2017-2018.
LXXI- Como explica P. Romano Martinez (em Cumprimento Defeituoso, Em Especial ..., Ed. 1994, págs. 143/155) o cumprimento defeituoso dá-se quando há uma discrepância entre o “ser” e o “dever ser”. Corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada, sendo, portanto sinónimo de cumprimento inexato ou imperfeito.
LXXII- Ora no caso que nos ocupa o “dever” seria a entrega naquela data das mercadorias (tecido) com aquela especificidade, a tempo de poderem servir de base à confeção das peças de vestuário da coleção outono inverno 2017/2018 a qual seria colocada nas lojas em finais de Junho/ Julho de 2017 e não foi!
LXXIII- O “ser” no caso vertente foi a entrega 2 meses depois do acordado/contratado das ditas mercadorias(tecido) tornando-o insuscetível de ser utilizado para o efeito pretendido: a produção de peças de vestuário para a coleção Outono/Inverno 2027/2018, o que conduziu ao cancelamento de encomendas e à sua comercialização a um preço muito abaixo do seu preço real, caso tivessem sido entregues na data convencionada e as peças de vestuário , de inverno, tivessem sido produzidas atempadamente.
LXXIV- In casu, o atraso de 2 meses na entrega da mercadoria, indubitavelmente consubstancial o cumprimento defeituoso do contrato por parte da Recorrida A..
LXXV- A violação do princípio da pontualidade pode consistir em várias hipóteses, sendo que uma delas se verifica sempre que a prestação seja de qualidade diversa da que era devida. E que a qualidade defeituosa da prestação pode relacionar-se com com a conduta ou com o objecto, sendo que a inexatidão de qualidade na conduta é própria (embora não exclusiva) das prestações de facere, das prestações de facto.
LXXVI- Aqui com ambos. A conduta negligente da Recorrida A. vs o atraso na entrega da mercadoria com os inerentes prejuízos para a Recorrente.
LXXVII- O que sucedeu foi que existe uma qualidade diversa da prestação que era devida.
LXXVIII- A prestação que era devida seria a entrega das mercadorias na data convencionada com o propósito acima explanado- produção da coleção Outono Inverno 2017/2018, mas tal não sucedeu e houve um atraso de 2 meses na sua entrega o que tornou a prestação defeituosa e até não idónea para o fim pretendido.
LXXIX- Ora, e no seguimento do supra alegado, a inexatidão dá-se quando a prestação efetuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correção e boa-fé.
LXXX- Perante uma inexatidão qualitativa da prestação há cumprimento defeituoso (vide Almeida Costa (em D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 909, 927/929), como é o caso dos presentes autos.
LXXXI- Aqui o programa obrigacional e que presidiu a vontade da contratar era seria repete-se a entrega das peças numa determinada data, num determinado “timing”, com um propósito específico, a produção de peças para a coleção Outono Inverno.
LXXXII- E a inexatidão da prestação prende-se com a conduta da Recorrida A. que não cumpriu todos os deveres aos quais estava contratualmente vinculada.
LXXXIII- Da leitura sistemática dos arts. 3 e 4 da Convenção de Bruxelas de 1924, pois, quer o primeiro desses normativos - que se reporta às obrigações do armador - quer o segundo - que alude às exclusões das suas responsabilidades - têm em vista os danos na mercadoria transportada (6) e não as responsabilidades derivadas do cumprimento defeituoso do contrato de transporte de mercadorias por mar.
LXXXIV- E o mesmo se diga do disposto no art.º 27, n.º 2 do DL 352/86, que ampliou esse prazo para dois anos, no contexto em que ele é aplicável: reporta-se às perdas e danos da mercadoria, como se vê do regime de responsabilidade definido nos n.ºs 1 e 2 do art. 27, remetendo o primeiro desses números para normativos que apenas aludem à mercadoria e carga transportada.
LXXXV- É inequívoco que não existiram perdas e danos e nas mercadorias.
LXXXVI- A questão aqui é diferente. O que está em causa é o facto de aquelas mercadorias terem umas qualidades especificas, e um propósito especifico, e o atraso verificado na sua entrega levou a que elas ficassem desprovidas, daquelas qualidades e que estas se revelassem insuscetíveis de ser utilizadas para aquele propósito específico, que era a confeção das peças de vestuários para a coleção Outono/Inverno 2017/2018 a qual seria colocada nas lojas em finais de Junho/ Julho de 2017.
LXXXVII- É, pois, às perdas e danos da mercadoria transportada por mar que o referido prazo se refere e não à responsabilidade pelo cumprimento defeituoso do contrato de transporte por mar e não à situação que ocupa os presentes autos.
LXXXVIII- Aqui, a causa de pedir versa sobre o cumprimento defeituoso do contrato de transporte de tecidos por mar do porto de Shangai, China, até ao Porto de Leixões, Portugal, tal cumprimento defeituoso, reporta-se ao atraso na entrega dos tecidos, que chegaram 62 depois do previsto com os inerentes prejuízos para a ora recorrente.
LXXXIX- Assim sendo, o prazo de prescrição para deduzir o pedido indemnização pelos prejuízos causados é prazo ordinário de 20 anos, nos termos do artigo 309º do Código Civil e não os previstos nos diplomas legais supra indicados, e nessa conformidade, necessariamente deve improceder a exceção peremptória da prescrição do direito da ora recorrente e não deve, nem pode, ser a Recorrida A. ser absolvida da lide, pelo que, desde já se Requer a Vexas. que revoguem a douta decisão em mérito nessa conformidade e seja substituída por outra que julgue improcedente a mencionada exceção peremptória e mantenha a recorrida A. na Lide.
XC- A douta sentença violou assim o consignado nos artigos 309º 406º, ,483º, 486º,487º,496º,497º, 498º, 562º,563,564º, 762º, 798º, 799º, 800º todos do Código Civil.
SUBSIDIARIAMENTE E RELATIVAMENTE À RECORRIDA A.
XCI- Caso não seja acolhida a premissa que supra se explanou e na peugada da douta sentença em mérito na qual se contém que “Como é bom de ver, a causa de pedir prende-se com a alegada mora de no cumprimento de um contrato de trânsito/expedição por parte das Rés, fundado no facto de ter existido um atraso de 64 dias face à previsão inicial, cfr. art.º 808º do CC.”
XCII- Em tais situações, a mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, em conformidade com o disposto no nº 1 do art.º 804º C.Civil, sendo esses danos determinados nos termos dos art.ºs 562º e seguintes do C.Civil.
XCIII- A mora obriga o devedor a reparar os danos causados ao credor, neste caso os danos causados pela Recorrida A. à ora recorrente.
XCIV- Aas peças de vestuário para a coleção Outono/Inverno 2017/2018, seriam confecionadas com o tecido que a ora recorrente tinha encomendado ao seu fornecedor chinês, e seriam colocadas nas lojas em finais de Junho/ Julho de 2017,
XCV- Pelo facto de aquele tecido não lhe ter sido entregue dentro do prazo acordado, viu-se impossibilidade de manufaturar aquelas peças de vestuário, no tempo devido, e tal factualidade deu origem a todos os prejuízos, já devidamente documentados nos autos, que se concretizam em perdas de clientela; cancelamentos de centenas de encomendas ; peças devolvidas depois de entrarem em preço de saldo, e tudo isto se ficou a dever ao retardamento na entrega do tecido por parte da recorrida A..
XCVI- Ora nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil estabelece um princípio geral quanto à obrigação de indemnizar: “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Trata-se do dever de repor a situação anterior à lesão.”
XCVII- Tal indeminização apenas prescreve, nos termos do disposto no 483 e ss cc “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
XCVIII- Ora, a ora recorrente, tomou conhecimento e interpelou a Ré para o ressarcimento dos danos e prejuízos sofridos em 20-07-2017, vide documento 15 junto com a Petição Inicial, e intentou a presente acção em 5-7-2019.
XCIX- A prescrição do direito à indenização da ora recorrente apenas ocorreria, nos termos dos dispositivos legais supracitados em 20-07-2020, muito depois, da entrada da presente acção.
C- A não se considerar, o que não se aceita, que a ora recorrente não dispunha do prazo de 20 anos, para fazer valer o seu direito, ex vi do cumprimento defeituoso do contrato por parte da recorrida A., para intentar a presente acção, sempre, tem esta direito a ser indemnizada pelo atraso no cumprimento da obrigação levada a efeito pela recorrida A., nos termos do regime legal indemnizatório, previsto na mora do cumprimento, direito este, que apenas prescreve ao fim de 3 anos, e que in casu, entre a data do conhecimento do facto gerador da obrigação da indemnizar e a entrada da presente acção não decorreu.
CI- Ao decidir como decidiu a douta sentença violou então o disposto nos artigos 406º nº 2, 483º, 486º,487º,496º,497º, 498º, 562º,563,564º 798º, 799º, 800º, 804º, 805º,808º todos do C.Civil.
CII- A Recorrida A. , estipulou com terceiro, neste caso a Recorrida AX., LT, a execução total, ou parcial das prestações que estava adstrita, a saber , o transporte por via marítima dos tecidos que serviriam de base à confeção das peças de vestuário relativa s a coleção Outono/Inverno 2017/2018 , e que, saíram para as lojas em /maio/junho daquele ano, o que, consequência direta e necessária do atraso na entrega daquelas mercadorias não veio a suceder, tendo existido um atraso de 62 dias na sua entrega, o que se traduziu em consequências nefastas para a ora recorrente que se consubstanciam na não comercialização das peças de vestuário; devoluções das lojas multimarca, e na venda, a um preço reduzido, das peças que puderem ser ainda comercializadas.
CIII- Transporte que tinha sido subcontratado com a Recorrida AX., LT.
CIV- Ademais, a disciplina interna e comum do contrato de transporte prevista no Código Comercial (art.ºs 366.º e ss. do CCom) não se aplica directamente ou por princípio ao transporte marítimo, sendo assim ultrapassável neste tipo contratual a restrição erigida pelo art.º 377.º da referida codificação, segundo a qual apenas o transportador contratado pelo interessado na carga responderá perante este pelos actos praticados pelos «transportadores subsequentes a quem for encarregando o transporte». Ora, sendo o contrato de transporte uma prestação de serviços, do subtipo da empreitada, devem ser acolhidos nesta sede os argumentos que sustentam a admissibilidade da acção directa do dono da obra contra o subempreiteiro, atenta a flagrante similitude entre o subtransporte e a subempreitada.
CV- Assim, havendo subtransporte, afigura-se notória a ligação deste com o contrato base (transporte), a qual é suficiente para fundamentar o exercício de certos direitos entre sujeitos que não outorgaram o mesmo contrato e que surgem colocados nos extremos da cadeia negocial.
CVI- Toda a dinâmica contratual, e de responsabilidade, nos presentes autos só pode ser compreendida nesta base.
CVII- É incindível a ligação existente entre o contrato base, que foi o contrato celebrado entre a ora Recorrente e a Recorrida A., e o subcontrato celebrado entre aquela Recorrida, e a Recorrida AX., LT, que nada mais é que um acto de execução daquele contrato base, e por conta dele, com o mesmo objeto e idêntica prestação e que foi cumprido defeituosamente, e com mora , e cujo objeto ou base contratual era o transporte das mercadorias, atempadamente, para a preparação e confeção da Coligação Outono/Inverno 2017/2018, e não pode, a Recorrida AX., LT, ser , tal como se fez constar na douta sentença desresponsabilizada de tal factualidade.
CVIII- A identidade do objeto contratual era a mesma, tanto para a Recorrida A. como para a Recorrida AX., LT – o Transporte da Mercadoria do Porto de Shangai par ao Porto de Leixões naquele período temporal, com aquelas especificidades e aquele propósito- são dois sujeitos da mesma relação contratual. E isso garante à ora recorrente o direito a exigir da Recorrida Ax., Lt, como exigiu ser ressarcida e indemnizada pelos prejuízos que veio a sofrer em consequência do atraso na entrega da mercadoria.
CIX- Aqueles tecidos, e as peças de vestuário que iram ser confecionadas a partir deles tinham um propósito e umas qualidades especificas para a época do ano para a qual iriam ser comercializados.
CX- Não se compreende assim o que mostra consignado na douta sentença: “(…) a R. A. actuou como transitário/transportador, tendo, no entanto, para o efeito, subcontratado uma transportadora. Ou seja, a A. é alheia ao contrato celebrado entre a R. A. e a R. AX., LT. Por isso, em consonância com o princípio da relatividade dos contratos, acolhido no artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil (de acordo com o qual, em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei), o contrato de transporte celebrado entre ambas as. Rés nenhuns efeitos produz quanto à Autora, sendo igualmente verdade que daquele contrato não resultam para esta quaisquer direitos sobre a Ré AX., LT, que perante ela não responde. Aliás, basta atentar ao teor do BL (Bill of Landing) emitido pela R. AX., LT a fls. 53, do qual decorre que o mesmo deverá ser entregue à ‘A., Lda.”
CXI- A Recorrida AX., LT não celebrou nenhum contrato com a ora Recorrente, mas, no entanto, não se pode relevar que existe, e está provada, a conexão funcional entre os dois contratos, Recorrente – Recorrida A. e Recorrida A. – Recorrida AX., LT, o que se traduz indubitavelmente no facto de os interessados na carga – a ora Recorrente- e o subtransportador- a Recorrida AX., LT - como sendo sujeitos de uma mesma relação creditícia , o que concede aos primeiros a possibilidade de exigirem do segundo o pontual cumprimento da prestação a que se obrigou, assim como o pagamento de uma indemnização pelo prejuízo que resultou do seu cumprimento defeituoso, e só assim pode ser entendida esta situação.
CXII- Aliás, o fundamento da acção direta, e na esteia da douta sentença encontra- se por um lado, na íntima conexão existente entre os dois contratos e, por outro, numa regra de justiça material. É justo que, por vezes, o credor possa demandar o devedor do seu devedor para não ver frustrado o seu crédito.
CXIII- O presente caso, remete-nos para a “eficácia externa das obrigações” ou “tutela aquiliana dos direitos de crédito”, entendendo que o credor pode responsabilizar o terceiro sempre que este, pela sua acção, tenha causado o incumprimento da obrigação pelo devedor.
CXIV- Como foi o caso dos presentes autos, no qual, a Recorrida AX., LT, responsável efetiva pelo transporte das mercadorias, causou, indubitavelmente o incumprimento ou no limite o cumprimento defeituoso por parte da Recorrida A..
CXV- Parte esta doutrina de uma interpretação declarativa da primeira cláusula do artigo 483.º, n.º 1, do CC, segundo a qual os direitos de outrem referidos na norma são todos os direitos subjectivos, abrangendo, portanto, não só os direitos absolutos, mas também os direitos de crédito.
CXVI- Também na jurisprudência é possível encontrar movimentos favoráveis a esta tese. Destaca-se, com interesse especial para os presentes autos o Acórdão deste Supremo Tribunal de 25.10.1993 (Proc. 084098), onde se diz que “[n]o caso de contrato de transporte seguido de subcontrato [ ] o primeiro contraente poderá [ ] agir contra o subcontratante, terceiro violador do seu direito de crédito, ao abrigo do princípio da eficácia externa das obrigações, desde que se verifiquem todos os pressupostos da responsabilidade civil exigidos por lei”.
CXVII- E, in casu, verificam-se.
CXVIII- A Recorrida AX., LT apenas pugnou pela exceção perentória de prescrição da sua responsabilidade civil extracontratual e em nenhum momento fez qualquer referência à alegada caducidade do direito de Acção, que não se concede.
CXIX- Ora, de acordo com o disposto no artº. 615º, n.º 1 al. d) do CPC, a sentença é nula (por excesso de pronúncia) quando o juiz se pronuncia sobre questões que nenhuma das partes suscitou no processo e de que não podia tomar conhecimento, sendo esta a sanção para o desrespeito da norma do art.º 608º, n.º 2, 2ª parte do CPC (correspondente ao art.º 660º, n.º 2 do anterior CPC), que estabelece que o juiz só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso do Tribunal.
CXX- No caso em apreço, não tendo a Recorrida AX., LT na sua contestação, invocado a caducidade do direito de acção, e mais não se defendendo por exceção, por força do disposto no artº. 333º, nº. 2 do Código Civil, uma vez que não se trata de matéria excluída da disponibilidade das partes, aplica-se a norma do artº. 303º do mesmo Código, pelo que a caducidade tem de ser invocada por aquela parte a quem aproveita, não sendo de conhecimento oficioso e neste caso não o foi.
CXXI- Tendo a sentença em mérito conhecido oficiosamente da exceção, como dela se consta, da caducidade do direito de acção, em matéria não excluída da disponibilidade das partes, esta violou grosseiramente o disposto nos supra mencionados art.ºs 333º e 303º do Código Civil e 579º do CPC, sendo, por isso, nula nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC, porquanto é manifesto que conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento, pelo que, nesta parte é nula, pelo que se Requer a Vexas., nessa conformidade, que seja decretada a Nulidade da sentença por excesso de pronuncia.
CXXII- Contestou a Recorrida M P, Lda., Lda e no artigo 29º da Sua contestação a recorrida alegou que é apenas agente de navegação e, nessa qualidade, actua sempre em nome e por conta do transportador marítimo ‘A.P. … Line A/S’, com sede na Dinamarca.
CXXIII- Integra, assim, a Recorrida M P, Lda. o grupo daquela sociedade de direito Dinamarquês com a firma A.P. …LINE A/S que usa a denominação comercial de M…LINE.
CXXIV- Com efeito, a M…, é uma sociedade, que se apresenta ao público com oferta de serviços de transporte, gestão de cadeiras de suprimento e logística, soluções digitais e serviços financeiros, cfr. Site da empresa, disponível em https://www.m.......com.
CXXV- Sociedade comercial que tem representação nos vários continentes e em vários países, inclusive em Portugal, através da Recorrida M P, LDA.
CXXVI- Ainda que a Recorrida M P, Lda. é se intitule como um mero “AGENTE DE NAVEGAÇÃO”, a verdade é que no documento, enviado a 16/05/2017, intitulado “Alteração da data prevista de chegada”, o timbre é da M…LINE, mas o carimbo e a assinatura é da M P, LDA., LDA (AGENTE M…), cfr. Doc. 12 junto com a PI.
CXXVII- Também no Doc. 19 junto com a PI, é possível constatar que nota de crédito, relativa à assunção dos custos do frete e do transporte terreste foi emitida pela Recorrida M P, Lda..
CXXVIII- Pelo que, não restam dúvidas que Recorrida M P, Lda., não só representa a transportadora “M…LINE” como teve intervenção ativa na tentativa de resolução extrajudicial desta contenda.
CXXIX- Sendo aquela a representante da M… LINE em Portugal, ela é parte legítima, assumindo os mesmo direitos e obrigações que decorrem da actividade comercial do grupo M… e foi assim que foi configurada a acção pela ora Recorrente.
CXXX- Pelo que, nos termos do artigo 30º do CPC. tem interesse em ser demandada e nesse sentido, e contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença, existe legitimidade da M… Line Portugal.
CXXXI- No tocante à responsabilidade da M P, Lda., por economia processual, vale tudo quando foi alegado relativamente à Recorrida AX., LT, no tocante à possibilidade do exercício da Acção Direta contra esta Recorrida, e  à sua responsabilidade aquilina, como co- prestadora da obrigação que se mostra devida à ora recorrente, tal como vertido no capítulo II.I das presentes Alegações.
CXXXII- E Nessa conformidade, só pode a Recorrida M P, Lda. ser considerada parte legitima na presente demanda, na verdade e tal como como se deixou consignado para o dito relativamente à Recorrida AX., LT, tal como aquela, a recorrida M P, Lda. posiciona-se perante o credor no primeiro contrato, a ora Recorrente, não exatamente como um estranho, mas como alguém que, sendo parte da relação negocial ampla, está também sujeito a deveres para com aquele credor, também imbuída na obrigação creditícia.
CXXXIII- E não relevando, como critério fixador da legitimidade, a verdadeira relação jurídica substantiva tal como ela efetivamente se constituiu ou formou. Mas sim. O réu e o autor serão, pois, sempre partes legítimas se forem sujeitos da relação material tal como a apresentou o demandante no seu articulado inicial, e consequentemente, a Recorrida M P, Lda. só pode ser considerada parte legitima na presente demanda.
CXXXIV- Aliás, a M…Line, Sociedade representada em Portugal , pela M P, Lda. Lda. a qual actua sempre em nome e por conta daquela, nunca respondeu a ninguém pela e sobre a razão de ser do atraso.
CXXXV- Tal como se pode constatar pelo documento 13 junto com a contestação submetida a juízo pela Recorrida AX., LT, aquela foi informada pela Ré A., na pessoa da Sra. E., que o atraso se verificou devido a um erro grosseiro da M. Line.
CXXXVI- Duvidas não há, que a Recorrida M P, Lda. Lda. , apesar de não ser transportadora, actua sempre em nome, e por conta daquela M. Line , em Portugal e foi nesse sentido que foi configurada a presente demanda
CXXXVII- Ao decidir como decidiu a douta sentença violou o consignado nos artigos 30.º, 278.º, al. d), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. c), e 578.º do todos do CPC]”.
A A..., LDA. apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu que:
“A - A mui douta sentença ora recorrida procedeu - in totum - à correta aplicação do Direito aos factos dados como provados;
B. Destes resultam, entre outros, que
C. a Recorrida A. é uma empresa que exerce a actividade transitária regulada, pelo Decreto-Lei N.º 255/99, de 7 de Julho,
D. e que no âmbito dessa sua actividade, nos termos contratados com a Recorrente para a prestação de serviços de transitário na expedição internacional de mercadoria por via marítima,
E. contentorizada em um único volume de transporte (Doc. 5 da petição inicial),
F. todos as datas relativas aos trâmites desta expedição indicadas - e não contratadas nem convencionadas - pela Recorrida A. à Recorrente se trataram sempre de meras previsões e nunca datas nem confirmadas nem garantidas,
G. nunca tendo por um lado, a Recorrida A. se comprometido com a Recorrente, em qualquer momento da prestação do seu serviço, com a obrigação de chegada da mercadoria em causa em determinada data,
H. e por outro, nunca tendo a Recorrente, em qualquer momento do contrato celebrado com a Recorrida A., enunciado qualquer data de chegada como condição do mesmo, acessória ou até mesmo essencial, tendo esta aceite as previsões transmitidas pela outra.
I. Resulta, ainda, que a mercadoria in casu nestes autos foi entregue, no seu destino à Recorrente em perfeitas condições, isto é, sem qualquer incidência da qual resultasse perda e/ou dano em tais mercadorias, pelo que
J. apenas se pode concluir pela perfeita e completa execução do serviço solicitado pela Recorrente à Recorrida A. por esta última.
K. O direito aplicável aos factos em apreço nos presentes autos é o que decorre dos regimes jurídicos instituídos e/ou regulados pelos Decreto-Lei N.º 352/86, de 21 de Outubro, pelo Decreto-lei Nº 255/99, de 7 de Julho e, ainda, pela Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimentos (vulgarmente conhecida como Convenção de Bruxelas), transcrita para o nosso ordenamento pelo Decreto Lei 37748, de 1 de Fevereiro de 1950;
L. Este é aplicável aos autos e à Recorrida A. por força do disposto no nº 2 do art.º 15º do Decreto-lei Nº 255/99, de 7 de Julho e do nº 2 do artº 22º das Condições Gerais de Prestação de Serviços pelas Empresas Transitárias, publicadas no D.R. ii Série, nº 51 de 1 de Março de 2001;
M. Atento a lei aplicável aos factos assentes nos autos, supra enunciada, apenas pode resultar que a decisão proferida pelo Tribunal a quo resulta de uma correcta assunção da lei aplicável aos factos assentes e confessados pela Recorrente, porquanto
N. verificando-se que a mercadoria foi recebida - em boas condições - pela Recorrente em 19.06.2017 e que para a presente demanda a Recorrida A. somente foi citada em 09.07.20219,
O. Sem que durante o tempo decorrido entre 20.06.2017 e 09.07.2019 tenha a Recorrente promovido qualquer acto que concretizasse a possível suspensão de contagem do prazo de prescrição previsto na Lei (cifra art.º 323º do Código Civil).
P. Decorrendo, assim, sem interrupção formal, entre tais datas, um hiato temporal de dois anos e 19 dias,
Q. apenas e só pode resultar, atento o disposto no artº 3º da Convenção de Bruxelas, aplicável aos autos e à Recorrida A. por força do disposto no n.º 2 do art.º 15º do Decreto-lei Nº 255/99, de 7 de Julho,
R. Assim como o disposto no n.º 2 do art.º 27º do Decreto-Lei N.º 352/86, de 21 de Outubro (igualmente aplicável aos autos e à Recorrida A., subsidiariamente, por força quer da Convenção de Bruxelas quer do Decreto-Lei Nº 255/99, de 7 de Julho),
S. E, ainda, o versado no artº 16º do Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho,
T. que em tal data de citação da Recorrida A. se havia já verificado como ultrapassado o prazo de prescrição do direito à acção da Recorrente,
U. Na mera hipótese académica de tal assim não se entender, podendo alguma responsabilidade ser apontada à Recorrida A. – o que lhe reconheceria sempre, contudo, atento o disposto no artº 15º do Decreto-Lei N.º 255/99, de 7 de Julho, o direito de regresso sobre o transportador efectivo –,
V. Tal hipotética responsabilidade estaria sempre limitada à previsão inserta no artº 31º do Decreto-Lei N.º 352/86, de 21 de Outubro, ex vi art.º 1 do Decreto Lei 37748, de 1 de Fevereiro de 1950, isto é, ao valor de € 498,80,
W. Atenta o facto de ter sido tal mercadoria transportada num único volume de transporte (Doc. 5 da petição inicial),
X. Montante o qual, aliás, e por mera cortesia comercial, já creditou a Recorrida A. à Recorrente em Setembro de 2017 (Doc. 19 da petição inicial),
Y. Sendo sempre, contudo, pela letra da Convenção de Bruxelas, afastada toda e qualquer outra possibilidade de imputação de quantificação de responsabilidade adicional aquela à Recorrida A..
Z. Ainda no campo das meras hipótese académica e para conclusão de raciocínio, toda e qualquer pretensão da Recorrente de ser imputada à Recorrida A. qualquer outra natureza de responsabilidade, em particular a com assento no Código Civil, não pode ter qualquer provimento,
AA. por a Lei aplicável aos factos em discussão - Decreto-Lei N.º 352/86, de 21 de Outubro, o Decreto-lei Nº 255/99, de 7 de Julho e, ainda, a Convenção de Bruxelas transcrita para o nosso ordenamento pelo Decreto Lei 37748, de 1 de Fevereiro de 1950 - se tratar de regime especial quanto ao regime geral instituído pelo Código Civil, prevalecendo, assim, sobre este.
BB. Nestes termos, a pretensão apresentada pela Recorrente com o presente recurso carece, para além de fundamento legal, de sustento bastante e suficiente que permita, sequer, abalar a mui douta decisão proferida pelo Tribunal a quo,
CC. Decisão esta que, assim, não carece de reparo nem censura.
DD. Nestes termos, nos melhores de Direito mas sempre com o elevado suprimento de V.Exªs, não pode a pretensão da Recorrente ter provimento, por falta de todo e qualquer fundamento legal,
EE. devendo, assim, por V.Exªs, ser confirmada a mui douta sentença ora recorrida in totum, na sua plena forma e eficácia”.
A M P, Lda. apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu que:
“I - A ora APELANTE vem alegar que o douto Tribunal a quo julgou incorretamente a ora APELADA parte ilegítima nos presentes autos.
II - Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à ora APELANTE, não merecendo qualquer censura a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo”.
III - A demanda das APELADAS centrou-se na responsabilidade por mora no incumprimento contratual.
IV - A APELANTE nada contratou com a APELADA.
V - E o que a APELADA A. contratou com a ora APELADA M P, LDA., conforme decorre do artigo 37º da sua contestação foi apenas que providenciasse junto das suas representadas (Armador Marítimo) pela obtenção de melhor condições comerciais de tal expedição de um contentor por via marítima”.
VI - Conforme resulta da certidão junta aos autos a fls. 204, a APELADA não está inscrita como transportador marítimo e por esse motivo, por tal atividade necessitar de uma licença própria, não pode exercer tal atividade.
VII - A APELADA é somente um Agente de Navegação.
VIII - O “Arrival Notice” a fls. 57 nos autos, que permite desde logo concluir que a APELADA não realizou qualquer transporte marítimo, mas sim a sociedade comercial de direito dinamarquês A.P. Moller que usa a gíria comercial “M. LINE”.
IX - A APELADA é uma sociedade comercial por quotas, constituída e registada em Portugal, e não uma sucursal ou qualquer escritório de representação em Portugal.
X - A APELADA assina todos os documentos como “AGENTS TO M. LINE”.
XI - Os actos e procedimentos dos Agentes de Navegação estão previstos no artigo 3.º do Decreto- Lei 264/2012.
XII - Bem andou o douto Tribunal a quo ao decidir: “Em suma, quer por a 3ª R. (aqui APELADA) não ser transportadora, quer por inexistir qualquer declaração negocial entre esta e a A. ou até com a 1ª R. (APELADA A.S) (pois esta contratou foi a M. Line), afigura-se evidente que a 3ª R. não tem interesse direto em contradizer esta acção à luz da relação material controvertida configurada pela Autora na petição inicial, já que a mesma é alheia ao negócio alegadamente ajustado entre a Autora e Ré “A. – Carga e Transitários, Lda”.
XIII - Termos em que, deve improceder o recurso apresentado pela APELANTE, confirmando-se integralmente a sentença proferida quanto à aqui APELADA.
XIV - V.Exas. farão a devida justiça, julgando o presente recurso improcedente por não provado, mantendo a decisão proferida na douta sentença ora RECORRIDA”.

A A., LT apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu que:
1. As alegações da Recorrente carecem de qualquer fundamento, de facto e de direito, tendo o Tribunal a quo feito uma correta aplicação da lei adjetiva, motivo pelo qual o Despacho Saneador ora posto em crise não deverá merecer qualquer censura.
2. A Recorrida AX., LT atuou no caso em apreço como “Non-Vessel Operating Common Carrier” (NVOCC) do expedidor Jiangsu, ou seja, operador de logística que vendeu espaço em contentor para efeitos de transporte de mercadoria de Shangai, China, para Leixões, Portugal.
3. A Recorrida AX., LT não é detentora, nem opera navios e não executa quaisquer transportes, atuando apenas como intermediário entre o expedidor/destinatário e o transportador.
4. A Recorrida AX., LT foi contactada pela Recorrida A. no dia 01.03.2017 para providenciar uma ordem de transporte de mercadorias com as seguintes particularidades (cf. Doc. n.º 4 junto à Contestação da Recorrida AX., LT):
- Equipamento “LCL” (less than container load), que significa que a quantidade da mercadoria a transportar não ocupa um contentor completo;
- Termos “FOB”, ou seja, “Free on Board”;
- Expedidor: Jiangsu, tendo fornecido o endereço de e-mail do Sr. Martin Wong;
- Destinatário/importador: a aqui Recorrente;
- Porto de carga: Shangai, China;
- Porto de transbordo: Algeciras, Espanha;
- Porto de destino: Leixões, Portugal;
- Transportador: M.;
-Transporte deveria ser solicitado ao abrigo do contrato n.º 12045277, contrato esse celebrado entre a Recorrida A. e o transportador M. Line A/S.
5. Foi solicitada à Recorrida AX., LT informação sobre a data em que estariam reunidas as condições para o transporte, o n.º de reserva, a última data possível para a carga ser entregue no navio (“cut off”), o tempo expectável de partida (“ETD”) e o navio que iria proceder ao transporte, não tendo sido realçada a necessidade de a Recorrente ter na sua disponibilidade a mercadoria numa data concreta.
6. No fundo, a Recorrida AX., LT foi contactada pela Recorrida A. para coordenar as operações de logística necessárias para carregar a mercadoria pertencente ao expedidor Jiangsu em contentor, tendo procedido à reserva de espaço e ao carregamento propriamente dito em contentor pertencente à M. Line A/S, que seria transportado, por via marítima, de Shangai para Leixões, pela própria M. Line A/S, ao abrigo de um contrato celebrado entre esta última e a Recorrida A., com o fim último de ser entregue ao cliente da Recorrida A., a aqui Recorrente.
7. O expedidor Jiangsu suportou as despesas da Recorrida AX., LT relativas à colocação da mercadoria a bordo do navio, incluindo taxas alfandegárias, transporte da mercadoria por meio terrestre desde o armazém até ao porto, descarga da mercadoria e carga da mercadoria no navio e, ainda, reserva do espaço no contentor.
8. Neste âmbito, foram emitidos dois conhecimentos de embarque (cf. Doc. n.º 11 junto à Contestação da Recorrida AX., LT):
(i) “House/Home Bill of Lading”, emitido pela Recorrida AX., LT enquanto NVOCC do expedidor Jiangsu, que serve de recibo para prova de que os bens a transportar se encontravam a bordo do navio;
(ii) “Master Bill of Lading”, emitido pela M. Line A/S enquanto transportadora da mercadoria e ao abrigo do contrato de transporte n.º 12045277 celebrado com a Recorrida A., que é o documento que titula o contrato de transporte propriamente dito.
9. Do exposto, resulta que a M. Line A/S foi a transportadora responsável pelo transporte marítimo da mercadoria e que a Recorrida AX., LT é totalmente alheia ao que sucedeu após o carregamento da mercadoria a bordo do navio, momento em que deixou de ter a mercadoria na sua disponibilidade.
10. O alegado atraso na entrega das mercadorias não pode ser imputado à Recorrida AX., LT, nem a mesma pode ser responsabilizada pelo mesmo, não impendendo sobre si qualquer obrigação quanto à definição da rota do navio, local de descarga da mercadoria e, sobretudo, quanto à entrega da mercadoria.
11. A Recorrida AX., LT não celebrou qualquer contrato nem prestou qualquer serviço diretamente à Recorrente, com quem, aliás, nunca contactou, não tendo recebido, inclusive, qualquer reclamação relativa ao atraso no transporte ou decorrente de danos causados por este atraso.
12. Ainda que se considerasse que a Recorrida AX., LT atuou como transportadora subcontratada pela Recorrida A., o que não se concede, ao contrário do que alega a Recorrente, a relação comercial (e contratual) estabelecida entre a Recorrida A. e a Recorrida AX., LT não produz quaisquer efeitos jurídicos perante a Recorrente, daí não decorrendo qualquer direito perante a Recorrida AX., LT, muito menos para efeitos de responsabilização pelo alegado atraso na entrega das mercadorias transportadas.
13. Conforme defendeu o Tribunal a quo, aplica-se o princípio da relatividade dos contratos (cf. art.º 406.º, n.º 2 do CC), de acordo com o qual estaria desde logo excluída a produção de efeitos da relação comercial (e contratual) estabelecida entre a Recorrida A. e a Recorrente AX., LT relativamente à Recorrente.
14. A ação direta constitui uma exceção ao referido princípio e traduz-se no benefício concedido a certos credores, que permite que demandem diretamente os devedores dos seus devedores imediatos.
15. No entanto, não podemos desconsiderar o facto de a nossa melhor doutrina e jurisprudência considerar que a ação direta só deve ser aceite em certos casos, não se podendo extrair da consagração de algumas ações diretas a existência de um princípio geral e, bem assim, o facto de o regime jurídico do contrato de transporte marítimo (nacional e internacional) de mercadorias não prever qualquer possibilidade de ação direta dos interessados na carga (expedidor ou destinatário) contra o subtransportador, conforme resulta da Sentença proferida.
16. Do mesmo modo, a tese moderna e maioritária relativamente à teoria da eficácia externa das obrigações aceita que o credor possa responsabilizar um terceiro (não parte no contrato celebrado com o devedor) que lese o seu direito de crédito, desde que verificados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual e, em particular, tenha havido uma atuação dolosa, e não apenas negligente, do terceiro.
17. No caso em apreço, não restam dúvidas que a Recorrida AX., LT é um terceiro relativamente ao direito de crédito contratual invocado pela Recorrente contra a Recorrida A..
18. Adicionalmente, não se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual (cf. art.º 483.º do CC), em particular a existência de dolo, necessários e exigíveis para que a Recorrente pudesse responsabilizar a Recorrida AX., LT enquanto terceiro.
19. A Recorrida AX., LT não violou qualquer dever que lhe incumbisse ou um qualquer direito subjetivo da Recorrente, nem qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios que tenha levado ao atraso na entrega da mercadoria.
20. E se dúvidas houvesse, resulta da própria da PI que o atraso no transporte se deveu a um incidente operacional da M., tratando-se da M. Line A/S (cf. art.ºs 23.º a 27.º e Docs. n.ºs 10 a 12 juntos com a PI).
21. Ainda que se considerasse que a Recorrida AX., LT praticou um qualquer facto ilícito, o que não se concede, a verdade é que não houve qualquer atuação por parte da Recorrida AX., LT que tenha provocado o atraso, nem a mesma teria que prever a ocorrência do incidente operacional verificado ou tão-pouco omitiu algum dever de diligência a que pudesse estar adstrita e que pudesse obstar ao atraso. Bem assim, a própria Recorrente não alega a existência de qualquer atuação dolosa praticada pela Recorrida AX., LT.
22. Conclui-se, assim, que não merece censura a decisão do Tribunal a quo relativamente à falta de legitimação substantiva da Recorrente para a indemnização que reclama da Recorrida AX., LT, que leva à absolvição desta última do pedido.
23. A outro título, também não procede a tese da Recorrente relativa ao excesso de pronúncia do Tribunal a quo, que conduz à nulidade da Sentença proferida pelo facto de ter conhecido oficiosamente da exceção perentória de caducidade, que se prende com o exercício do direito de ação da Recorrente relativamente a uma eventual responsabilidade contratual da Recorrida AX., LT, que não se concede.
24. Independentemente do mérito (ou não) da referida exceção, que não foi sequer posto em causa pela Recorrente nas suas Alegações de recurso, o conhecimento desta exceção por parte do Tribunal a quo não se traduz num alegado excesso de pronúncia.
25. Na sua Contestação, a Recorrida AX., LT invocou uma exceção perentória de prescrição da sua responsabilidade nos termos do art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil e, independentemente da qualificação jurídica efetuada pela Recorrida AX., LT, o efeito pretendido com a invocação de tal exceção é a extinção do direito de ação da Recorrente, o que se alcança quer com a prescrição quer com a caducidade.
26. Neste sentido, não merece censura a atuação do Tribunal a quo quando, tomando em consideração o efeito jurídico pretendido pela Recorrida AX., LT e os factos em causa, vem enquadrar juridicamente a exceção invocada como exceção de caducidade e, com base na mesma, absolver a Recorrida AX., LT do pedido.
27. O juiz não se encontra adstrito às alegações das partes no tocante à matéria de direito invocada e, no caso, o douto Tribunal a quo nem sequer se substituiu à Recorrida AX., LT na sua pretensão de extinguir o direito da Recorrente, invocada em sede própria, ou seja, na Contestação.

28. Não existiu um conhecimento oficioso de uma matéria que não fora alegada por qualquer das partes e o douto Tribunal a quo atuou ao abrigo do disposto nos art.ºs 5.º, n.º 3, 579.º e 608.º, n.º 2 do CPC, devendo a Sentença proferida ser julgada válida e ser mantida nos seus exatos termos”.
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Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente[2], importará:
A – verificar da existência de uma nulidade do Saneador Sentença, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por se ter pronunciado sobre questões que nenhuma das partes suscitou no processo e de que não podia tomar conhecimento (caducidade do direito da Autora perante a Ré AX., LT);
B – verificar da correcção da decisão sobre a ilegitimidade processual da Ré M P, Lda.;
C – verificar da correcção da decisão quanto à prescrição do direito da Autora perante a Ré A., Lda..
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação de Facto
O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade:
1 – Autora e Ré ‘A., Lda.’, em 2017 celebraram um contrato de transporte marítimo de mercadorias em contentor, desde o porto de Shangai, na China até Leixões, em Portugal, tendo a mesma ficado de providenciar não só o transporte, como também todo o serviço de natureza logística e operacional, que incluía o planeamento, controlo e coordenação de operações relacionadas com a expedição de determinada mercadoria, por intermédio de mediação entre expedidor e destinatário.
2 – Na execução desse acordo a Ré A. contratou os serviços de transporte terrestre e marítimo junto de terceiros, no caso, a Ré ‘AX., LT’.
3 – A Ré AX., LT emitiu, em 12/03/2017 o ‘Bill Of Lading’ (Conhecimento de embarque), com o incoterm ‘FOB’ (free on board) donde consta que o mesmo deveria ser entregue à ‘A.’, e que o carregador era a ‘Jiansgsu Soho Technology Trading Co Ltd’, à ordem do Banco Comercial Português e com conhecimento à ora Autora.
4 – A previsão da chegada da mercadoria seria a 14/04/2017.
5 – A M. Line emitiu um documento denominado ‘Arrival Notice’ (conhecimento de chegada) donde consta como parte notificada a Ré ‘A.’, o Expedidor (a Ré ‘AX., LT’) e a data de chegada (o dia 17/04/2017).
6 – A mercadoria com destino à Autora chegou no dia 19/06/2017.
8 – A Autora celebrou um contrato de abertura de crédito documentário com o Millennium BCP, no valor de €57.257,40, cujo beneficiário é Jiangsu Soho Technology Trad. Co.Ltd..
9 – A Autora pede contra as três Rés uma indemnização decorrente do atraso na entrega da mercadoria no montante total de €476.419,97.
10 – A acção deu entrada em 05/07/2019.
11 – A Ré A. foi citada a 09/07/2019.
12 – A Ré AX., LT foi citada a 21/12/2020.
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Da putativa nulidade
Invoca a Autora a nulidade da Sentença por ter conhecido da caducidade do direito de acção por parte da Autora, quanto à Ré Ax., Lt, quando o não poderia ter feito, assim se mostrando violado o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (conjugado com o 615.º, n.º 1, alínea d)), tornando nulo o Saneador-Sentença.
As nulidades da decisão previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil (tal como já ocorria com as previstas no artigo 668.º do anterior Código) são deficiências da Sentença que não podem confundir-se com erro de julgamento: este corresponde a uma desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável (haverá erro de julgamento - e não deficiência formal da decisão - se o Tribunal decidiu num certo sentido, mesmo que, eventualmente, mal à luz do Direito).
Assim, prevê o n.º 1 do referido artigo 615.º que será nula a Sentença quando:
a)- Não contenha a assinatura do juiz;
b)- Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)- Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d)- O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e)- O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Por seu turno, o artigo 608.º, n.º 2, afirma expressamente que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2020 (Processo n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1-Maria do Rosário Morgado), é “tendo em consideração o disposto no artigo 608º, nº 2 do CPC, que se terá de aferir da nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art.º 615º, do CPC”, de forma que, com esta correspondência directa, tal nulidade, apenas se verificará “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não, como é pacífico, os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes. Essencial é que o tribunal se contenha no âmbito do objeto do recurso, delimitado pelas conclusões (cf. art.ºs 608.º, n.º 2, 635.º, nº 4 e 639º, do CPC)”.
Em concreto, o Tribunal a quo, numa muito bem estruturada decisão, refere o seguinte: “o art.º 27.º, n.º 2, do DL n.º 352/86 estabelece que "Os direitos de indemnização previstos no presente diploma devem ser exercidos no prazo de dois anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete".
O prazo a que aludem os dois preceitos legais é, indiscutivelmente, um prazo de caducidade, pois decorre do art.º 298.º, n.º 2, do CC que "quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição".
O fundamento do instituto da caducidade consiste na necessidade da certeza jurídica, isto é, na exigência de que certos direitos sejam exercidos durante certo prazo a fim de que a situação jurídica fique definida e inalterável. A caducidade é, pois, estabelecida com o fim de dentro de certo prazo se tornar certa, se consolidar, se esclarecer, uma determinada situação jurídica.
Ou seja, quando a lei fixa um prazo para o exercício de certo direito, não quer tornar esse direito dependente da observância do prazo, mas apenas fazê-lo extinguir, se o prazo não for observado.
O momento relevante para impedir a caducidade do direito, quando este tem de ser exercido através de uma acção judicial a propor dentro de certo prazo, é o momento da propositura da acção (art.ºs 267.º do CPCr, 259.º do CPC e 332.º, n.º 1, do CC).
O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido (art.º 329.º do CC), sendo que tanto o art.º 3.º, n.º 6, § 4.º, da Convenção de Bruxelas como o art.º 27.º, n.º 2, do DL n.º 352/86 fixam uma data a partir da qual o direito deve ser exercido: respectivamente um ano contado sobre a data da entrega da mercadoria, ou dois anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
No caso dos autos, entre a data em que a mercadoria foi entregue à Autora e a data em que foi interposta a acção, decorreram mais de dois anos, pois a A. afirma ter recebido a mercadoria em 19/06/2017 e a acção deu entrada em juízo a 05/07/2019.
Assim, aplicando o prazo de caducidade de um ano a que se reporta o art.º 3º, n.º 6, da CB de 1924 (a que se aplica aos presentes autos) ou se aplicando o prazo de caducidade a que se reporta o art.º 27º,2, do DL352/86, o direito de acção da Autora caducou.
É certo que nos termos do disposto nos artigos 333º, n.ºs 1 e 2, e 303º do Código Civil, a caducidade não pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal se não estiverem em causa direitos indisponíveis.
Contudo, no caso, a R. AX., LT invocou uma causa de extinção do direito da A., embora a tivesse erradamente subsumido aos factos em causa, tendo assumido como correcto o enquadramento jurídico efectuado pela A.
Assim sendo, entendo que o tribunal não só pode, como deve apreciar a excepção de extinção do direito invocada, mas enquadrando-a nos termos correctos.
Atento o exposto, julgo verificada a excepção peremptória de caducidade do direito da Autora e como tal absolvo a R. AX., LT do pedido por esta formulado”.
Há dois factores que importa aqui sublinhar para resolução desta questão:
I - por um lado, a circunstância de a "caducidadeou preclusãoé um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo"[3], tendo como fundamento específico, continuando a usar palavras de Manuel de Andrade, “a necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo"[4]. Ora, a nossa lei seguiu um critério formal[5], pelo que, quando um direito deva ser exercido durante certo prazo, se aplicam as regras da caducidade, salvo se a lei referir expressamente à prescrição (artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil), estando o seu regime previsto nos artigos 328.º e seguintes do Código Civil e sendo distinto do da prescrição, nomeadamente por não comportar causas de suspensão, nem de interrupção[6] (ao contrário da prescrição que se suspende e se interrompe[7]) e tendo um distinto regime de invocação.
A caducidade (ou perempção) é, pois, "a morte dos direitos; é o termo natural da eficácia dos direitos em virtude de Ter chegado o seu limite máximo de duração. Nisto se distingue ela da prescrição: enquanto que nesta o que determina a extinção do direito é o seu não uso ou não exercício durante um certo tempo, na perempção é o seu simples chegar ao fim do tempo previamente fixado para o seu exercício, quer este tenha tido lugar quer não.(...) Como escreve Coviello, enquanto que o fim que se tem em vista na prescrição consiste em marcar um tempo aos direitos que, por não terem sido utilizados se supõem abandonados pelo seu titular, o fim que na caducidade ou perempção a lei tem em vista, consiste em fixar previamente, ou deixar que se fixe, um certo período de tempo dentro do qual o direito tem de ser exercido e efectivado a além do qual já o não pode ser", de forma que a caducidade tenha de entender-se como o "fatal «deu a hora», anunciado pela lei à vigência de um direito"[8].
II – Por outro, efectivamente - na sua Contestação - a Ré AX., LT não fala em caducidade, mas em prescrição, mas – como é evidente – o Tribunal não está vinculado aos entendimentos jurídicos avançados pelas partes e do que não havia dúvida era de que esta Ré invocou a excepção peremptória extintiva do direito que a Autora pretendia fazer valer.
Assinala-se no Acórdão da Relação de Évora de 30 de Abril de 2015 (Processo n.º 568/10.3BETZ.E1-Cristina Cerdeira) que, “como decorre do n.º 1 do artigo 333º do Código Civil, a caducidade não é apreciada oficiosamente pelo Tribunal em matéria não excluída da disponibilidade das partes, ou seja, em matéria que verse sobre direitos disponíveis” e que o “Tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não deixe dependente da vontade do interessado, ou seja, quando se trate de matéria que, por razões de interesse público, verse sobre relações jurídicas indisponíveis (cfr. artigo 579º do NCPC, correspondente ao artigo 496º do anterior CPC). Nos restantes casos (matéria não excluída da disponibilidade das partes), o seu conhecimento está dependente da invocação pela parte que delas pretende aproveitar (artigo 303º “ex vi” do artigo 333º, n.º 2 do Código Civil) – neste sentido vide acórdãos do STJ de 22/06/2005, proc. nº. 05A1735 e da RL de 19/02/2002, proc. nº. 00127097, acessíveis em www.dgsi.pt.
No caso em apreço e por força do disposto no artigo 333º, n.º 2 do Código Civil, uma vez que não se trata de matéria excluída da disponibilidade das partes, aplica-se a norma do artigo 303º do mesmo Código, pelo que a caducidade tem de ser invocada por aquela parte a quem aproveita, não sendo de conhecimento oficioso”.
Só que, ao contrário do sucedido na situação nesse processo ajuizada, nos presentes autos, a Ré AX., LT excepcionou a extinção do direito da Autora, tendo apenas o Tribunal a quo, qualificado juridicamente de forma distinta o alegado (respeitando à saciedade quer a vontade da Ré, quer o efeito jurídico por si pretendido), de forma que se mostram respeitados os artigos 5.º, n.º 3, 579.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não tendo sido ultrapassados quaisquer limites e, como tal, não tendo sido cometida qualquer nulidade.
Não existe, portanto, a arguida nulidade.
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Da Ilegitimidade da Ré M P, Lda.
Sobre esta matéria o Tribunal a quo escreveu o seguinte:
“A lei processual qualifica a ilegitimidade das partes como sendo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (art.ºs 576.º, n.º 2, 577.º, al. e), e 578.º do Código de Processo Civil): quando considere ilegítima alguma das partes, o juiz deverá abster-se de conhecer do mérito da pretensão do autor e absolver o réu da instância (art.º 277.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil). Daí a sua natureza de pressuposto processual.
Ao invés do que sucede com a personalidade e capacidade judiciárias, as quais representam uma qualidade pessoal das partes relativamente à generalidade dos processos ou a uma certa categoria deles, a legitimidade adjectiva refere-se à posição daquelas perante a matéria controvertida no litígio e que justifica que aquele autor, ou aquele réu, se ocupe em juízo do concreto objecto do processo.
A lei elegeu como critério aferidor da legitimidade processual o do interesse relevante, já que o n.º 1 do art.º 30.º do CPC considera que «[o] autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.»
Não basta, porém, um qualquer interesse: a lei exige um interesse, não apenas juridicamente protegido, mas também pessoal e directo. Por isso é que o n.º 2 do mesmo art.º 30.º define como expressão do interesse em demandar a utilidade derivada da procedência da acção e, do interesse em contradizer, o prejuízo que dessa procedência advenha.
Como critério supletivo, para os casos de dúvida, o n.º 3 do art.º 30.º do CPC estabelece que «[n]a falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor».
Significa isto que não releva, como critério fixador da legitimidade, a verdadeira relação jurídica substantiva tal como ela efectivamente se constituiu ou formou.
Daí que o tribunal não careça de previamente indagar do estabelecimento da relação (de direito substantivo) submetida à sua apreciação para, em função da conclusão a que chegar sobre a sua realidade, estabelecer ou não a legitimidade das partes.
O réu e o autor serão, pois, sempre partes legítimas se forem sujeitos da relação material tal como a apresentou o demandante no seu articulado inicial.
No caso dos autos, e de acordo com o pedido e a causa de pedir vertidos na petição inicial, constata-se que a Autora estribou a sua demanda na mora no cumprimento de um contrato de prestação de serviços de transporte marítimo com a R. A., na qualidade de transitária, a qual contratou a 2ª R. AX., LT – Internacional, na qualidade de transportadora e a 3ª R. M P, Lda., Lda., para fazer o transporte da mercadoria em contentor, sendo este último da sua responsabilidade.
Mais resulta do alegado pela A. que as 2ª e 3º RR. assumiram para com a 1ª R. uma obrigação de resultados, que consistia na entrega de mercadorias no tempo razoavelmente previsto.
Ou seja, a demanda de todas as Rés foi centrada na responsabilidade por mora no cumprimento contratual.
Contudo, nem a A. alega, nem resulta da documentação junta qualquer contrato celebrado pela R. ‘M P, Lda., Lda.’ com a A.
Aliás, basta atentar ao documento junto pela A. a fls. 57 ‘Arrival Notice’ para se perceber que a transportadora contratada pela 1ª R. A. – Carga e Transitários, Lda.’ foi a ‘M. Line’ e não a ‘M P, Lda., Lda.’
Resulta igualmente claro da certidão de fls. 204 que a ‘M P, Lda. – Agente de Transportes Internacionais, Lda.’, não está inscrita como armador de transportes marítimos e, por esse motivo, não pode exercer essa actividade.
Em suma, quer por a 3ª R. não ser transportadora, quer por inexistir qualquer declaração negocial entre esta e a A. ou até com a 1ª R. (pois esta contratou foi a ‘M. Line’), afigura-se evidente que esta 3ª Ré não tem interesse directo em contradizer esta acção à luz da relação material controvertida configurada pela Autora na petição inicial, já que a mesma é alheia ao negócio alegadamente ajustado entre Autora e Ré ‘A. –, Lda.’
O facto de esta ter aposto um carimbo numa nota de crédito a favor da 1ª R. (fls. 97) não teve o condão de lhe conferir o sobredito interesse; antes traduziu, quando muito, o cumprimento por terceiro de parte da obrigação de indemnizar que alegadamente impende sobre a Ré ‘A., Lda.’
Atento o exposto a 3ª R. ‘M P, Lda.’ carece de legitimidade para ser demandada, sendo, pois, parte ilegítima nos termos do art. 30.º do CPC, o que determina a sua absolvição da instância.
Pelo exposto, julgo procedente a excepção dilatória da ilegitimidade processual da Ré ‘M P, Lda., Lda.’ e, consequentemente, absolvo-a da instância [arts. 30.º, 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. c), e 578.º do CPC].
Custas a cargo da Autora (art.º 527.º do CPC)”.
A decisão é de uma clareza cristalina e a queixar-se de alguém, a Autora só poderá queixar-se de si e da forma como configura a acção.
Colocada está assim, a questão da legitimidade das partes, importando começar por verificar o texto da lei para - em conformidade - decidir (e se definir) se estão no processo - para usar uma expressão de Henckel - "como Autor e como Réu as partes exactas"[9], o que é o mesmo que dizer, ou verificar, se "o autor e o réu são os sujeitos que podem discutir a procedência da acção"[10]: a “legitimidade processual destina-se a assegurar que estão em juízo, como autor e como réu, sujeitos que têm uma relação com esse objecto. Noutros termos: a legitimidade processual define quem pode exercer e contra quem pode ser exercido o direito de acção"[11].
Assim, um/a Autor/a "só tem legitimidade, só é parte legítima, quando propondo a acção tem um benefício se a vir julgada procedente" e "um réu só tem legitimidade, só é parte legítima, quando sendo contra ele proposta uma acção tem um prejuízo se a vir julgada procedente"[12], tudo isto verificado em face do que é alegado no inicial articulado.
Estamos no âmbito da legitimidade passiva, pelo que se dirá que tem legitimidade como Réu, quem – juridicamente – tenha interesse directo em demandar e em contradizer, interesse esse que se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção e pelo prejuízo directo que dela advenha: é o critério que a lei processual civil fornece, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 30.º[13] do Código de Processo Civil.
Por outro lado, o n.º 3 do mesmo normativo, sublinha que, a não ser que haja lei em contrário, serão titulares de interesse relevante para aferição de legitimidade, os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo/a Autor/a[14].
“Assim, hoje, a legitimidade processual é analisada segundo os seguintes vetores:
 - o autor é parte legitima quando tem interesse direto em demandar;
 - o réu é parte legitima quando tem interesse direto em contradizer;
 - o autor e o réu têm interesse direto na causa quando são sujeitos da relação material controvertida tal como ela é configurada pelo autor”[15].
Neste contexto, tem de se ter como assente que é face à forma e ao conteúdo da articulação factual com que um/a Autor/a, na Petição Inicial e de forma unilateral[16], delimita a relação material que tem como controvertida, que a acção fica configurada[17], sendo a partir desta base[18], que a legitimidade, enquanto pressuposto processual, será aferida[19].
Esta é a responsabilidade de um/a Autor/a quando recorre a Tribunal.
E, se falha, só de si se pode queixar.
Em concreto, está em causa a verificação de um pressuposto processual essencial, que constitui uma excepção dilatória (artigos 576.º, n.º 2[20], 577.º, alínea e), do Código de Processo Civil), a qual é, diga-se, de conhecimento oficioso (artigo 578.º[21]) e que, como tal, tem como consequência a absolvição do réu da instância[22] (artigo 278.º, n.º 1, alínea d) [23]).
Foi essa a decisão do Tribunal a quo, tem essa de ser também a decisão deste Tribunal: a Ré M P, Lda. não é parte legítima nesta acção, tal qual a Autora configurou a relação material controvertida, uma vez que não alega ter celebrado qualquer contrato com a M P, Lda. (mas sim com outra empresa), nem que a Ré A. o tenha celebrado, nem da prova documental que juntou tal ressalta (não há qualquer contrato com a M P, Lda., surgindo sim uma M. Line, no “Arrival Notice” constante a fls. 57, nem sequer a M P, Lda. está inscrita como armador de transportes marítimos).
Era exigível à Autora um mínimo de rigor da definição dos seus contratantes e um mínimo de rigor na definição da relação material controvertida que configurou. E se esse rigor não existiu, sibi imputet: é que, o que a Autora afirma agora nas suas Alegações, se o tivesse alegado no momento inicial, tê-la-ia feito hesitar em demandar a Ré M P, Lda., ou, pelo menos teria intentado a acção contra mais Réus.
A opção que seguiu é que se tem como inaproveitável em termos de legitimidade da Ré em causa.
Tudo visto e ponderado, in casu, e uma vez que nos movemos no âmbito da ilegitimidade singular, para a qual “a lei não prevê nenhum mecanismo de sanação”[24], quando ela ocorre, tal implica a sua insanabilidade[25] ou insupribilidade[26] e mesmo a impossibilidade de convite a um qualquer aperfeiçoamento[27], só podemos concluir que o Tribunal a quo decidiu de forma correcta, prolatando uma decisão clara, criteriosa, justificada e com uma fundamentação a merecer os maiores encómios.
Em conformidade, a decisão quanto à ilegitimidade, será confirmada.
Da Prescrição
"O tempo é também na vida do direito um importante factor, um grande modificador das relações jurídicas": são palavras de Luís Cabral de Moncada[28] e resultam claramente comprovadas no instituto jurídico da prescrição.
Esta será, como referia Albano Ribeiro Coelho, "o meio por que, havendo decorrido o tempo fixado na lei e verificando-se as demais condições por esta exigidas, se adquirem direitos pela posse, ou extinguem obrigações por não se exigir o seu cumprimento"[29]: "pela prescrição o devedor adquire o direito de se libertar do cumprimento da obrigação, alegando-a e paralisando consequentemente a acção do credor", conclui Guilherme Moreira[30].
Como dizem Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, a “sua invocação é feita, na maior parte dos casos, por exceção, como um meio de defesa que o devedor opõe ao exercício do direito pelo credor”, constituindo “um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício”, traduzindo-se “em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita”[31].
O fundamento dominante deste instituto jurídico assenta, seguindo agora Manuel de Andrade, na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)"[32].
Santoro-Passarelli sublinha mesmo que a razão do instituto não é tanto a da “certeza das relações jurídicas (…) como a da adaptação da situação de direito à situação de facto: uma vez que que um direito subjectivo não é exercido por quem o poderia fazer, durante um certo tempo, esse direito perde-se para o seu titular”[33].
Como se refere num estudo publicado pela Cour de Cassation francesa em 2014 sobre o tempo[34], a “prescrição sanciona, antes de mais, a negligência em fazer valer um direito”, lutando contra a “inércia de um credor ou do titular de um direito”, respondendo a considerações mais individualistas e subjectivas no caso do direito civil e de interesses de ordem pública e paz social no direito penal, mas em todos os casos, sob o impulso de virtudes de pacificação social[35].
E é nessas virtudes que repousam os interesses de ordem pública assinalados por Rodrigues Bastos[36], ligados:
 - à certeza e segurança jurídicas ("as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida"[37]);
 - à protecção dos devedores ("contra as dificuldades de prova a que estariam expostos no caso de o credor vir exigir o que já haja, porventura, recebido"[38]);
 - ao estímulo e pressão educativa sobre "os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles"[39] .
Sobre este ponto, refere Von Thur[40] que "existe uma probabilidade, baseada na experiência, «de que uma pretensão formulada com base num facto constitutivo dado com muita anterioridade nunca tenha ocorrido ou se tenha extinguido. Não obstante, subsistindo a prestação, o titular terá de atribuir o prejuízo da prescrição à sua negligência na salvaguarda do seu direito".
No fundo e para usar uma expressão de Dernburg, citada por Paolo Vitucci[41], o escopo da prescrição é a «defesa do presente em face do passado».

Podemos até assumir que a prescrição seja intrinsecamente injusta, mas será sempre um mal menor[42], em face dos inevitáveis graves inconvenientes que ocorreriam, caso não existisse[43].
A situação é particularmente clara no caso da prescrição negativa ou extintiva[44] ("instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos"[45]), caracterizada "pelo facto de, não havendo sido pedido o cumprimento duma obrigação durante o prazo fixado na lei, o credor perder o direito respectivo"[46].
Assim, e na síntese de Ana Filipa Morais Antunes, estamos diante de um instituto fundado “em interesses multi­facetados”[47], como:
“i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento;
ii) a presunção de renúncia do credor;
iii) a sanção da negligência do credor;
iv) a consolidação de situações de facto;
v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento;
vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos;
vii) o imperativo de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos;
viii) a exigência de promover o exercício oportuno dos direitos”[48].

Sistematizando os requisitos do conceito, temos "a existência dum direito; o seu não exercício por parte do titular; e o decurso do tempo"[49], sendo que, "verificados estes elementos, a prescrição procede"[50], perdendo o direito alegado, a sua eficácia.
Em concreto, no Código Civil Português, a matéria vem regulada nos artigos 298.º e 300.º a 327.º do Código Civil e ainda em normas especiais deste (artigos 430.º, 482.º, 498.º, 500.º, 521.º, 530.º, 636.º), sendo evidente a dicotomia criada entre prescrições extintivas (artigos 309.º a 311.º, 498.º) e presuntivas (artigos 312.º a 317.º).
É esta contextualização em termos de Direito e de compreensão do que envolve e fundamenta a prescrição, que nos vai permitir olhar os factos em causa neste Recurso e decidir em conformidade.
O Tribunal a quo, depois de assinalar que o “DL n.º 255/99, de 07-07, instituiu o novo regime jurídico aplicável ao acesso e exercício da actividade transitária, tendo revogado o DL n.º 43/83, de 25-01. O DL n.º 255/99 foi posteriormente alterado pela Lei n.º 5/2013, de 22-01, a qual simplificou o acesso à actividade transitária, através da eliminação dos requisitos de idoneidade e de capacidade técnica ou profissional dos responsáveis das empresas, dando nova redacção aos art.ºs 3.º, 9.º e 11.º e revogando os art.ºs 4.º, 5.º, 8.º, n.ºs 1, al. c), e 3, 10.º, n.º 2, e 25.º”), referiu o seguinte quanto a esta matéria:
“Substantivamente, e no que para o caso releva, o art.º 16.º do DL n.º 255/99, de 07-071, epigrafado de “Prescrição do direito de indemnização”, estabelece que «[o] direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada.»
A “responsabilidade do transitário” a que se refere o citado preceito legal é a prevista no art.º 15.º do DL n.º 255/99, titulado de “Responsabilidade das empresas transitárias”, o qual estabelece que o comummente apelidado de “arquitecto do transporte” responde perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações bem como daquelas que foram contraídas pelos terceiros com quem contratou, sem prejuízo do direito de regresso.
Consagram-se, assim, duas vias pelas quais pode haver responsabilidade civil do transitário:
 - pelo incumprimento das suas obrigações, convencionadas com o interessado na carga;
 - pelos actos de terceiro com quem o transitário haja contratado, sem prejuízo do direito de regresso, preconizando nesta sede uma responsabilidade del credere legal. Note-se que ambos os casos referem-se a situações gerais de incumprimento lato sensu do contrato, abrangendo assim a mora, o cumprimento defeituoso e o inadimplemento definitivo.
A apontada dupla vertente da responsabilidade do transitário explica o estabelecimento de um prazo prescricional incaracterístico (porque – ao que se sabe – sem paralelo) e curto (inferior a um ano) por parte do art.º 16.º do DL n.º 255/99.
Pode afirmar-se, por um lado, que a reduzida dilação destina-se a compensar a onerosidade que representa sempre a instituição de uma responsabilidade dele credere que não foi convencionada entre as partes, antes surge imposta pela lei.
Por outro, importa reter que os transportadores que o transitário habitualmente contrata no cumprimento da sua obrigação de celebrar o negócio jurídico relativo à deslocação da carga do seu cliente beneficiam de prazos de prescrição ou caducidade bastante reduzidos [mais concretamente, um ano, quer no caso dos transportes (terrestres) sujeitos à Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (art.º 32.º), quer no dos transportes (marítimos) regulados pela Convenção Internacional para Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga (art.º 3.º, n.º 6), quer ainda no dos transportes (ferroviários) disciplinados pela Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (art.º 58.º das Regras Uniformes CIM)].
Logo, torna-se óbvio que apenas uma dilação inferior a um ano permite ao transitário fazer valer o seu direito de regresso contra o transportador efectivo, pois, caso o interessado na carga exerça o seu direito de indemnização perto do termo do prazo fixado no art.º 16.º do DL n.º 255/99, o transitário ainda disporá de 2 meses para acautelar a sua pretensão ressarcitória.
Ora, numa primeira análise, a literalidade do art.º 16.º do DL n.º 255/99 parece impor a necessidade da conclusão da prestação de serviço acordada para que o prazo prescricional comece a correr.
Sucede que o transitário pode incorrer em responsabilidade sem que chegue a concluir a prestação acordada, como por exemplo nos casos de incumprimento definitivo decorrente da perda (objectiva) do interesse do “cliente” motivada quer pela não satisfação atempada da obrigação principal do contrato de expedição ou da do negócio celebrado com o terceiro encarregado de deslocar materialmente a mercadoria, quer pela própria recusa em cumprir, sendo que não se vislumbra qualquer razão válida para excluir tais situações do âmbito da previsão do art.º 16.º do DL n.º 255/99, tanto mais que este normativo ainda desenvolve o preceito precedente, o qual se refere irrestritamente à responsabilidade obrigacional do transitário, quer seja própria, quer decorra de actos de terceiro com quem haja contratado e independentemente de ter havido ou não terminação do serviço ajustado.
A única diferença entre as situações exemplificadas e aquela que decorre textualmente da previsão do art.º 16.º do DL n.º 255/99 é que o primeiro dia em que começa a correr o prazo das primeiras situações, deve antes ser reportado à data em que devia ter sido concluída a prestação de serviço contratada (e não ao momento em que esta ocorreu, porquanto por vezes tal não acontece).
Entendimento diverso ao ora preconizado significaria a negação do exercício efectivo do direito de regresso do transitário contra os terceiros por si contratados nos casos em que a prestação de serviço acordada não chegou a ser concluída, já que a pretensão indemnizatória do cliente ficaria assim sujeita ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos (art.º 309.º do CC), ao passo que a do arquitecto do transporte continuaria presa a uma dilação que por norma se cifra num ano, conforme acima se viu, o que seria totalmente contrário à parte final da estatuição do art.º 15.º, 1, do DL n.º 255/99.
No caso, a A. contratou com a R. ‘A. e Transitários, Lda.’ para que esta diligenciasse pelo embarque, por via marítima, de um contentor de peças de vestuário com carregamento em Shangai/China e destino a Leixões/Portugal.
A R. ‘A.’ por seu turno subcontratou a R. ‘AX., LT’ para que providenciasse uma ordem de transporte de mercadorias expedidas por ‘Jiangsu’ no porto de carga Shangai/China e destino ao porto de Leixões em Portugal, em que o transportador seria a M..
Alegou a A., que nem esta R., nem as Rés AX., LT e M P, Lda., pela primeira contratadas, cumpriram o prazo de entrega da mercadoria previamente acordado e com isso teve diversos prejuízos.
Como é bom de ver, a causa de pedir prende-se com a alegada mora de no cumprimento de um contrato de trânsito/expedição por parte das Rés, fundado no facto de ter existido um atraso de 64 dias face à previsão inicial, cfr. art.º 808º do CC.
A alegada previsão da data da entrega da mercadoria por parte das RR. foi o dia 14/15 de Abril de 2017 (cfr. art.ºs 17º e 18º da PI) e a data da entrega da mercadoria ocorreu a 17/06/2017. Donde, o prazo de prescrição da responsabilidade da Ré pelo incumprimento do contrato celebrado com a Autora teve início no dia 18/06/2017 e terminou no dia 18/04/2018, muito antes de a acção ter sido instaurada (05/07/2019).
Neste contexto, em que a instância teve início muito depois de esgotado o prazo de prescrição do direito da Autora, previsto no art.º 16.º do DL n.º 255/99, deve considerar-se procedente a primeira excepção peremptória arguida pela Ré ‘A. e Transitários, Lda.’ e, em consequência, absolver-se esta Ré do pedido.
Nestes termos, e com tais fundamentos, julgo procedente, por provada, a excepção peremptória da prescrição do direito de crédito da Autora ‘FM, SA.’ e, consequentemente, absolvo a Ré ‘A. e Transitários, Lda.’ do pedido”.
A Autora, por seu turno, entende de forma distinta, defendendo que o prazo prescricional é o de 20 anos do artigo 309.º do Código Civil (ou, subsidiariamente, o de 3 anos do artigo 498.º, n.º 1, do mesmo diploma), com a consequente improcedência da excepção peremptória da prescrição.
Sem qualquer razão, todavia, uma vez que a decisão em termos jurídicos é sólida e muito bem fundamentada, não merecendo qualquer reparo, fazendo a Recorrente por esquecer que há uma regulamentação específica para a matéria que traz aos autos e que prevalece sobre o regime do Código Civil.
Em situações próximas veja-se o que se expressou:
- no Acórdão da Relação do Porto de 10 de Dezembro de 2001 (Processo n.º 0151125-Fonseca Ramos), ao referir-se que na “ordem jurídica portuguesa sobre o contrato de transporte de mercadorias por mar, estão em vigor a “Convenção Internacional Para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga”, assinada em Bruxelas a 25.8.1924, publicada no Diário do Governo, Iª Série, de 2.6.1932, e rectificada em 11.7.1932, tornada direito interno pelo DL. 37.748, de 1.2.1950- “Convenção de Bruxelas”- e o DL. 352/86, de 31 de Outubro. (…)
Como se sabe, por regra constitucional, o direito das convenções internacionais recebido na ordem interna, prevalece sobre o direito interno.
Todavia, importa atentar que o citado DL., depois de no seu art.º 1º definir o contrato de transporte de mercadorias por mar, estabelece no seu nº 2 do art.º 2º que tal contrato “É disciplinado pelas tratados e convenções internacionais vigentes em Portugal e, subsidiariamente, pelas disposições do presente diploma”.
Desde logo, como não podia deixar de ser, o DL afirma a primazia dos tratados e convenções vigentes em Portugal, relegando para si um campo de aplicação subsidiária, aplicando-se onde tais tratados ou convenções forem inaplicáveis”;
- no Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Fevereiro de 2020 (Processo n.º 97/12.0TNLSB.L1-7-Carla Câmara), onde se escreveu que no “Direito Marítimo, contrariamente ao regime regra da responsabilidade civil com assento no Código Civil, a responsabilidade do transportador de mercadorias por incumprimento do contrato é sempre limitada a uma quantia pré definida na lei, nos termos fixados pela Convenção de Bruxelas que, para além de definir causas próprias de exoneração da responsabilidade, fixa um limite indemnizatório, ao arrepio da regra geral de reparação integral do dano. E apenas se as partes declararem diversamente tal limite é excedido”, que tal “declaração expressa do carregador, antes do embarque e com inserção no conhecimento de embarque, relativa à natureza e valor da mercadoria, assume particular relevância na avaliação pelo transportador dos riscos do transporte e do montante da indemnização que venha a ser eventualmente da sua responsabilidade, para além dos limites estabelecidos no artigo 4º §5 da Convenção de Bruxelas” e que o “limite indemnizatório do artigo 4º §5 da Convenção de Bruxelas pode igualmente ser afastado se o transportador actuou dolosamente, violando a boa fé no cumprimento contratual”;
- no Acórdão da Relação de Lisboa de 02 de Fevereiro de 2021 (Processo n.º 326/11.8TNLSB.L1-7-Carlos Oliveira), onde se descreve com notável clareza o regime aplicável à actividade do transitário, às suas obrigações, responsabilidades e limitações, de acordo com o artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de Julho, o artigo 4.º, §5, da Convenção de Bruxelas de 1924 (conjugado com o n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro e o artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro) e os artigos 24.º, n.º 1 e 31.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 352/86 (e o 31.º, n.º 2, da Convenção de Bruxelas), regulamentação esta que prevalece sobre a que resulta do Código Civil;
- Acórdão da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2021 (Processo n.º 1598/18.2T8PFR.P1-Fernanda Almeida), onde se conclui que o “transitário responde objetivamente pelos atos praticados por outrem, ou seja, pelo transportador com quem celebrou o contrato de transporte, mas a sua obrigação prescreve no prazo de 10 meses previsto no art.º 16.º daquele diploma”
- no Acórdão da Relação de 01 de Julho de 2021 (Processo n.º 28983/18.7T8LSB.L1-2-Inês Moura), que decidiu que de “acordo com o disposto no art.º 15.º n.º 1 do Decreto Lei 255/99 de 7 de julho, diploma que rege sobre a atividade transitária, a R. enquanto empresa transitária contratada, responde perante a A. sua cliente, não só pelo incumprimento das suas obrigações enquanto tal, mas também pelo das obrigações contraídas pelo terceiro com quem outorgou o contrato de transporte, sem prejuízo do direito de regresso sobre ele”, que uma “vez que a responsabilidade da R. enquanto empresa transitária se afere nos mesmos termos da responsabilidade da transportadora, tudo se passa como se tivesse sido ela a transportar a mercadoria(…)” e que não se “tratando de uma responsabilidade da R. por incumprimento dos serviços a que se obrigou enquanto transitária, mas antes da sua responsabilização pelo incumprimento do serviço de transporte que contratou, não é aplicável o prazo de prescrição de 10 meses previsto no art.º 16.º do Decreto Lei 255/99, mas o prazo especial previsto no art.º 32.º da Convenção CMR, que por ser especial afasta também o prazo ordinário da prescrição de 20 anos estabelecido no art.º 309.º do C.Civil”[51].
O prazo do artigo 16.º
[52] do Decreto-Lei n.º 255/99, de 07 de Julho, é um prazo especial e afasta – efectivamente - a aplicabilidade do do 309.º do Código Civil.
A Autora tinha um prazo curto de prescrição para exercer os seus direitos (como tinha também um prazo curto de caducidade para intentar a acção[53]), porque é essa a intenção legal, porque é isso que a velocidade das relações comerciais e a segurança do comércio jurídico, nesta área exigem e impõem.
Temos um direito invocado, temos esse direito não exercido durante dois anos e dezoito dias, temos um prazo prescricional de 10 meses, temos a prescrição excepcionada: o direito que se pretendeu fazer exercer perdeu a sua eficácia e extinguiu-se.
A inércia da Autora (total, diga-se, uma vez que ao longo desse tempo nada fez para, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, manifestar - por qualquer acto que exprimisse, directa ou indirectamente - a intenção de exercer o que entendia ser o seu direito e, assim, interromper o prazo prescricional), fez com que deixasse o tempo passar, dando origem a uma prescrição que – invocada – não pode deixar de ser apreciada, constatada e, agora em sede de recurso, confirmada.
Em função de tudo o exposto, a conclusão pela total ausência de fundamento para o Recurso interposto pela Autora impõe-se, pelo que a Sentença será confirmada in totum.
* *
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando na sua plenitude o Saneador-Sentença recorrido.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
***
Lisboa, 28 de Março de 2023
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
_______________________________________________________
[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] 137 extensas Conclusões (em que se perde na repetição de toda a acção, como se toda a acção tivesse sido julgada e não apenas as excepções apreciadas) que só não mereceram despacho de aperfeiçoamento, pelo atraso que tal originaria aos autos, sem ganhos relevantes.
[3] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, Almedina, 1983, páginas 463-464.
[4] Ob. loc. cit..
[5] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, 12.ª reimpressão, Coimbra Editora, 1999, página 374.
[6] "Uma interrupção do tempo seria um salto na eternidade" afirma mesmo Luís Cabral de Moncada, in Lições de Direito Civil, 4.ª edição, Almedina, 1995, página 740 (cfr., ainda, o artigo 328.º do Código Civil).
[7] Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ª edição, Coimbra Editora, página 294.
[8] Luís Cabral de Moncada, Lições…, cit., páginas 739-740.
[9] Antunes Varela-Sampaio e Nora-José Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, Coimbra Editora, página 129.
[10] Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, LEX, 1995, página 45.
[11] João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, CIDP-AAFDL, 2022, página 335.
Já em 1979 o mesmo Miguel Teixeira de Sousa escrevia que a legitimidade, é "uma qualidade da parte definível pela titularidade de um conteúdo referido a um certo pedido(...). É a titularidade de duma posição subjectiva para um certo objecto processual inicial" (Miguel Teixeira de Sousa, A Legitimidade Singular em Processo Declarativo, Separata do BMJ 292, 1979), continuando - em 1995 - a descrevê-la como "a susceptibilidade de ser parte numa acção aferida em função da relação dessa parte com o objecto daquela acção", sendo, portanto "relativa a uma determinada acção e a um determinado objecto" (Miguel Teixeira de Sousa, As partes..., loc. cit.; vd., também, Rui Pinto, Problemas de Legitimidade Processual, in Aspectos do Novo Processo Civil, LEX, 1997, páginas 157 a 193).
[12] Fernando Ferreira Pinto, Lições de Direito Processual Civil, ELCLA, 1997, página 126.
[13] Artigo 30.º (Conceito de legitimidade
1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
[14] E foi no entendimento deste conceito (de relação material controvertida) que, durante longos anos, se digladiaram duas correntes, moldadas fundamentalmente, nas posições de ilustres processualistas como Barbosa de Magalhães e José Alberto dos Reis, sendo que, agora - com a redacção dada ao n.º 3, do artigo 30.º do Código de Processo Civil (que foi introduzida no anterior regime processual civil, pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro) - o legislador tomou uma clara opção pela posição do primeiro: refere-se no Preâmbulo do citado Decreto-Lei, que se partiu "de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada no DL 224/82 e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis".
Para este último, eram legítimas as partes quando, pressupondo-se a existência da relação jurídica controvertida, elas sejam suas titulares, ou seja, quando os sujeitos da relação controvertida - admitindo a sua existência - sejam as pessoas a que a relação diz respeito.
Para Barbosa de Magalhães, por seu turno, eram legítimos os sujeitos da pretensa relação material controvertida, tal como o Autor a configurava, a desenhava.
[15] Joana Lopes Pereira, Legitimidade Civil – uma abordagem atualista, [em linha], Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Junho de 2018, página 35, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/37646/1/ulfd137612_tese.pdf.
[16] Acórdão da Relação do Porto de 18 de Setembro de 2017 (Processo n.º 5968/16.2T8VNG.P1-Ana Paula Amorim): em face do artigo 30.º do CPC, para efeitos de aferir da legitimidade, interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá.
[17] Só com este entendimento aliás, se consegue colocar a legitimidade no mesmo plano dos restantes pressupostos processuais, apreciando-a tal como a estes, à luz da relação controvertida tal como os autores a apresentam (até porque são os autores que determinam o objecto do processo - assim, João de Castro Mendes, Direito Processual Civil Declarativo, II, AAFDL, 1987, página 291).
[18] Acórdão da Relação do Porto de 20 de Setembro de 2018 (Processo n.º 3756/12.4TBGMR.G2-Eugénia Cunha): a legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial e é nestes termos que tem que ser apreciada.
[19] No "nosso ordenamento jurídico-processual(...) este pressuposto processual tem de ser averiguado em face das afirmações concludentes do autor, atendendo-se à configuração subjectiva dada pelo autor à situação material controvertida" (Maria José Oliveira Capelo, Interesse Processual e Legitimidade Singular nas Acções de Filiação, Studia Iuridica n.º 15, Coimbra Editora, 1996, página 192).
[20] Artigo 576.º (Exceções dilatórias e perentórias – Noção)
1 - As exceções são dilatórias ou perentórias.
2 - As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3 - As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
[21] Artigo 578.º (Conhecimento das exceções dilatórias)
O tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º.
[22] A “legitimidade processual, constituindo um pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material controvertida tal como configurada pelo A., e cuja falta, determina a verificação da correspondente exceção dilatória”“lugar à absolvição do Réu da instância” (Acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Fevereiro de 2015 - Processo n.º 143148/13.OYIPRT.L1 -2-Ezagüy Martins).
[23] Artigo 278.º (Casos de absolvição da instância)
1 - O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância:
a) Quando julgue procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal;
b) Quando anule todo o processo;
c) Quando entenda que alguma das partes é destituída de personalidade judiciária ou que, sendo incapaz, não está devidamente representada ou autorizada;
d) Quando considere ilegítima alguma das partes;
e) Quando julgue procedente alguma outra exceção dilatória.
2 - Cessa o disposto no número anterior quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal e quando a falta ou a irregularidade tenha sido sanada.
3 - As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
[24] João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual…, cit., página 340.
[25] António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 64.
Também, Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado - Volume 2.º Artigos 362.º a 626.º, 4.ª Edição, Almedina, 2019, página 581.
[26] “A ilegitimidade singular é insuprível, pois, mesmo que intervenha a verdadeira parte, não pode deixar de se absolver da instância a parte que nada tem a ver com a relação material controvertida” – Acórdão da Relação de Guimarães de 10 de Setembro de 2020 (Processo n.º 559/20.2T8GMR.G1-Rosália Cunha). Também, Acórdão da Relação de Coimbra de 06 de Dezembro de 2011 (Processo n.º 1223/10.0TBTMR.C1-Carlos Querido: o “mecanismo de sanação previsto no n.º 2 in fine do artigo 265.º do [anterior]CPC, aplicado à ausência do pressuposto processual da legitimidade, só é viável nas situações de preterição de litisconsórcio necessário, sendo inviável nas situações de ilegitimidade singular”).
[27] “O suprimento de excepções dilatórias, a determinar pelo juiz nos termos dos artigos 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, apenas é possível em relação aos pressupostos processuais susceptíveis de sanação” – Acórdão da Relação de Évora de 07 de Dezembro de 2017 (Processo n.º 4035/15.0T8LLE-A.E2-Mário Coelho).
[28] Lições de Direito Civil, Parte Geral, II, 2.ª edição, Atlântida, Coimbra, 1955, página 423.
[29] Albano Ribeiro Coelho, Prescrições de Curto Prazo, Jornal do Foro, Ano 27, 142-143-144, Jan-Set, 1963, página 54.
[30] Guilherme Moreira, Instituições de Direito Civil Português, II, página 239.
[31] Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9ª edição, Almedina, 2019, página 386.
[32] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7.ª reimpressão, Almedina, 1987, página 445; Paolo Vitucci, La prescrizione, Tomo primo, Artt. 2934-2940, Giuffré Editore, Milano, 1990, páginas 20 a 28.
[33] Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, página 88.
[34] “Le temps” (estudo organizado sobre a direcção científica de Cécile Chainais), in Le temps dans la jurisprudence de la Cour de Cassation, Rapport Annuel 2014, Cour de Cassation, 2015, páginas 126 a 409, em especial 137 a 287.
[35] Ob. cit., página 248.
[36] Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, II, Lisboa, 1988, página 63.
[37] Manuel de Andrade, ob. cit., página 446.
[38] Manuel de Andrade, ob. loc. cit.; Karl Larenz, Derecho Civil-Parte General, Editoriales de Derecho Reunidas, 1978, páginas 328-329.
[39] Manuel de Andrade, ob. loc. cit..
[40] Citado por Karl Larenz, ob. cit., página 329.
[41] Paolo Vitucci, ob. cit., página 22.
[42] Sublinhando a “aterradora negatividade emprestada ao tempo”, François Ost (in O Tempo do Direito, Instituto Piaget, 2001, página 9), conta a terrível história do início das relações entre o tempo e o direito, através da mitologia grega: “Uma história que, para dizer a verdade, começou mal. Kronos (…) não conseguiu que o tempo e o direito revertessem a seu favor. A história de Kronos começa na indistinção do não-tempo. Com efeito, originalmente, tínhamos Úrano, o céu, e Gea, a terra, enlaçados num abraço infindável de que nasciam inúmeros filhos, enviados de imediato para o Tártaro. Desejosa de repelir as intermináveis investidas do seu esposo, Gea armou um dia o seu filho mais novo, Kronos, com uma pequena foice, com a ajuda da qual este cortou os testículos de seu pai. Esta mutilação assinala a separação do Céu e da Terra, e o início do reinado de Kronos. Mas a história que assim se inaugura é marcada pela violência e pela negação do tempo: Kronos tratou de mandar os seus irmãos, os Cíclopes, para o Tártaro, enquanto tomava o lugar de seu pai no trono, inaugurando um reino sem partilha. Avisado por uma profecia de que um dos seus filhos o destronaria um dia, tinha o cuidado de devorá-los assim que sua mulher, Reia, os punha no mundo. Até ao dia em que esta, importunada, decidiu subtrair o último, Zeus, à vindicta de Kronos; depois de o ter escondido numa gruta, fez o seu real esposo engolir uma pedra envolta em faixas. Chegado à idade adulta, Zeus, como o oráculo predissera, encabeçou uma revolta e pôs fim ao reino de Kronos que, por sua vez, foi enviado para o Tártaro”.
[43] Karl Larenz, ob. cit., página 329; cfr., Manuel de Andrade, ob. cit., página 446; Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ 105 (1961], páginas 5 a 248 e BMJ 106, páginas 45 a 278; José Puig Brutau, Caducidad, Prescripción Extintiva y Usucapión, 3.ª edición actualizada y ampliada, Bosch, 1996, páginas 31 a 62.
[44] De notar que Autores como Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos consideram que a “prescrição não extingue o direito nem a vinculação. Apenas confere ao obrigado o poder de recusar o cumprimento” (Teoria Geral…, cit., página 387), ao passo que Carvalho Fernandes, a entende como a “extinção de direitos por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado na lei, sem prejuízo de se manter devido ao seu cumprimento como dever de justiça” (Teoria Geral do Direito Civil. II, 5.ª edição, Universidade Católica Editora, 2010, página 650).
[45] Manuel de Andrade, ob. cit., página 445.
[46] Albano Ribeiro Coelho, ob. cit., página 54.
[47] Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões Sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, III, FDUL-Coimbra Editora, 2010, página 39.
[48] Ob. loc. cit..
[49] Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, cit., página 424; na 4.ª edição desta obra (Almedina, 1995, página 729); Rubén Stiglitz, Contratos-Teoría General, I, Ediciones Depalma, 1994, páginas 769-770.
[50] Albano Ribeiro Coelho, ob. cit., página 54.
[51] Na mesma linha e sublinhando a especialidade do prazo prescricional relativamente ao artigo 309.º, o Acórdão da Relação do Porto de 23 de Novembro de 2009 (Processo n.º 6089/05.9TBMAI.P1 -Anabela Luna de Carvalho).
[52] Artigo 16.º (Prescrição do direito de indemnização)
O direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada.
[53] Cfr., por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09 de Julho de 2014 (Processo n.º 7347/04.5TBMTS.P2.S1 -Maria dos Prazeres Beleza).