Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
929/23.8T8CSC.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Contratada a prestação do serviço de depilação a laser, sem dores nem queimaduras e com apoio médico, ocorre execução defeituosa da prestação quando durante ela se verificam dores e queimaduras e não existe apoio médico.
II – O nexo causal entre as lesões e o tratamento a laser está claramente provado: as lesões foram logo (depois de acabada a aplicação, quando a autora tirou os óculos) vistas pela autora e pelas trabalhadoras das rés (embora estas as desvalorizem), estão constatadas como queimaduras pouco mais de uma hora depois num hospital e, como explicou detalhadamente um médico, não há nenhuma explicação alternativa para a existência das marcas das queimaduras, que são inúmeras e de forma circular regular, desenhando o formato do disparo a laser, como é visível em todas as fotografias.
III – A execução defeituosa da prestação faz presumir a culpa (art. 799 do CC), culpa que, no caso, para além disso se prova efectivamente, já que as queixas de dor pela autora, em resultado daquilo que se veio a apurar serem queimaduras, deviam, por alguém minimamente diligente que estivesse de facto a controlar a aplicação, ter levado à imediata interrupção do serviço de depilação que é anunciado pelas rés como “praticamente indolor e proporcionando o máximo conforto durante o mesmo”.
IV – Não vale como prova do conhecimento das informações escritas num documento elaborado pelo prestador profissional do serviço, o simples facto de um consumidor assinar tal documento; a assinatura do documento apenas prova que esse consumidor teve o documento em seu poder o tempo suficiente para o assinar, não para o poder ler em condições.
V – Uma informação escrita num documento em que se faz constar que esse consumidor tem conhecimento de tudo o que está escrito nesse documento, vale, quando muito, como simples princípio de prova, ou seja, não pode provar, só por si, o conhecimento dessas informações.
VI - Mesmo que as “informações” tivessem sido comunicadas, tal não bastaria. Informar não é dar um documento para as mãos do consumidor e dizer-lhe para ele ler o documento e pedir os esclarecimentos que quiser, mas antes chamar-lhe a atenção para todas as cláusulas mais relevantes segundo o ponto de vista do consumidor e informá-lo de todos os aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (artigo 6 do RJCCG), o que no caso teria de querer dizer chamar a atenção para todas as cláusulas que indicavam os riscos em que a autora ia incorrer e explicar esses riscos com indicação pormenorizada das consequências possíveis (incluindo fotografias das queimaduras que já se tinham verificado noutras situações).
VII – Uma informação com o teor referido em (v) num documento com o qual o consumidor aceitou a prestação do serviço, corresponde a uma cláusula confirmatória absolutamente proibida no âmbito dos contratos com consumidores (por força do art. 21/1e ou g do RJCCG].
VIII – Uma informação desse documento que pretenda excluir a responsabilidade do prestador de serviço, sem referência ao tipo e gravidade da culpa, por todas as consequências que possam decorrer da prestação de serviço, corresponde a uma cláusula contratual geral absolutamente proibida, por força do art. 18/1a-b-c-d do RJCCG.
IX – As dores (por cerca de 1 mês), os sentimentos, emoções e lesões (por mais de um ano e meio) e as limitações e impedimentos também prolongados no tempo decorrentes dessa execução defeituosa são consequências adequadas da mesma e devem ser indemnizadas como danos não patrimoniais (art. 496/1 do CC).
X - Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção (art. 12/2 do RCP).
XI – Documentos apresentados com o recurso, com justificação insuficiente ou sem justificação, não são admissíveis e devem ser mandados desentranhar com multa.
XII – As alegações de recurso, com 252 páginas, 169 páginas cheias dedicadas à impugnação da matéria de facto, com questões várias vezes repetidas, e 42 páginas, ainda mais cheias e com letra mais pequena, com 341 conclusões, devem dar origem à taxa de justiça por um processo de excepcional complexidade, por prolixidade (artigos 6/5 do RCP e 530/7-a do CPC), a suportar apenas pela parte responsável (isto é, sem repercussão nas custas de parte).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

Na parte que ainda interessa, MD intentou uma acção comum contra B-Lda., e L-Lda., pedindo que estas fossem condenadas a pagar-lhe uma indemnização de 85.292,56€, dos quais correspondente 25.292,56€ de danos patrimoniais e 60.000€ de danos não patrimoniais, com juros calculados à taxa legal de 4%, desde a data do transito em julgado da decisão até efectivo e integral pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese, que contratou com as rés uma depilação a laser às virilhas, axilas e meias pernas e, na execução da prestação, as rés provocaram-lhe lesões físicas e psíquicas que devem ser indemnizadas com os valores pedidos.
As rés contestaram impugnando os factos relativos à realização da prestação com provocação de lesões que devam reparar, bem como os danos invocados; e, sem o dizerem, excepcionando causas de exclusão da ilicitude e da responsabilidade e factos destinados à ilisão da presunção da culpa.
Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença condenando as rés a pagarem à autora 10.000€, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e 292,56€, a título de indemnização por danos patrimoniais, ambas as quantias acrescidas de juros à taxa legal aplicável a juros civis a contar da data do trânsito da sentença até integral e efectivo pagamento, absolvendo-a do demais.
As rés recorreram da sentença, impugnando a decisão da matéria de facto e a de Direito, para que a sentença seja revogada e substituída por outra que absolva as rés do pedido; pagaram 459€ de taxa de justiça, ou seja, 4,5UC, correspondente ao valor da acção de 85.292,56€.
A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos da decisão recorrida, para além de dizer que as rés não atribuem valor ao recurso, o que deve levar à rejeição do recurso das rés.
A autora recorreu subordinadamente, impugnando uma parte de ponto do ponto 3 de matéria de facto (sem pedido de reapreciação da prova gravada) e pedindo o aumento da indemnização para 20.000€.
As rés chamaram a atenção para a extemporaneidade do recurso subordinado da autora. O recurso subordinado da autora não foi admitido (foi interposto para além do prazo de 30 dias do art. 638/1 do CPC e mesmo depois dos três dias de tolerância do art. 139/5 do CPC e não tinha por objecto a reapreciação da prova gravada).
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Questões que importa decidir: a prévia, da alegada falta da indicação do valor do recurso; a da impugnação da decisão da matéria de facto; e se o pedido da autora devia ter sido julgado improcedente.
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Os recorrentes apenas têm de indicar o valor do recurso, quando entenderem que esse valor é o valor da sucumbência e nesse caso têm de o fazer para efeito de determinação e controlo do pagamento da taxa de justiça devida (artigos 1, 6/1, 7/2 e 12/2 do RCP). Se o não fizerem serve como valor do recurso o valor da acção (art. 12/2 do RCP). Não tendo as rés indicado o valor do recurso, vale como tal o valor da acção (veja-se, por exemplo, Salvador da Costa, As custas processuais, 8.ª edição, 2022, Almedina, pág. 127, independentemente das ressalvas que possam ser feitas – e a que Salvador Costa faz referência com a nota 85 daquela página - e que no caso não têm interesse).
As rés pagaram a taxa de justiça devida tendo em conta o valor da acção, pelo que não há qualquer dever que tenha sido violado e que deva dar lugar a qualquer consequência.
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Foram dados como provados os seguintes factos:
1\ As rés têm por objecto social, (i) a exploração de institutos de beleza e centros de estética, (ii) a prestação de serviços estéticos de tratamentos de depilação a laser (iv) comércio, importação, exportação de produtos e equipamentos de estética e médicos, excepto medicamentos sujeitos a receita médica. (v) exploração de clínicas médicas e serviços de estética (cf. certidões permanentes do registo comercial).
2\ As rés são duas sociedades comerciais por quotas, que têm como gerentes G, T e P.
3\ As rés, na prestação de serviços estéticos de depilação a laser, asseguram aos seus clientes que os serviços são prestados através de técnicos especializados e garantindo um tratamento eficaz e seguro, com supervisão médica.
4\ As rés detêm e exploram, à escala nacional, vários estabelecimentos comerciais denominados «Clínica», de entre as quais a da Oeiras.
5\ A Clínica dedica-se à prestação de serviços estéticos de depilação a laser, constando do seu website o seguinte: “especialistas em depilação a laser. Sabemos como é importante ter a tranquilidade de estar nas mãos dos melhores profissionais quando quer realizar um tratamento de depilação a laser”
6\ Através da consulta no site, no separador de política de privacidade, faz-se referência às rés, nos seguintes termos: “As [rés] preocupam-se com a confidencialidade e a segurança dos seus dados pessoais e da informação recolhida ou analisada através das plataformas digitais que utilizam para comunicar, designadamente através do website quando o utilizador interage por este meio com a Clínica.
7\ As [rés] são as responsáveis pelo tratamento dos dados de carácter pessoal tratados, através deste formulário, pelo que estamos empenhados no respeito pela privacidade e confidencialidade dos dados pessoais que por nós são tratados e nesse sentido criamos esta politica de privacidade, onde vai encontrar toda a informação sobre a forma como os mesmos são tratados, em conformidade com o novo Regulamento Geral de Protecção. (RGPD) Assim, adoptamos medidas administrativas e tecnológicas para cumprir o referido regulamento.”
8\ Mais se retira da publicidade feita pela Clínica, nomeadamente no seu referido website, na secção “quem somos”, que “A Clínica é formada por uma ampla equipa de profissionais especializados em tecnologia de depilação a laser”, conforme doc.3 junto com a PI.
9\ Refere também a publicidade da Clínica, incluindo o seu website: “Quem realiza a depilação a laser? Técnicas especializadas que marcam as directrizes a serem seguidas por um controle personalizado e que garantem a segurança e o bem-estar do cliente. A técnica determina o tipo de laser a ser usado em função das características da pele, pêlo e área a ser tratada. O laser é sempre usado para garantir um tratamento eficaz e seguro”, conforme doc.4 junto com a PI.
10\ Refere ainda a publicidade constante do website da Clínica o seguinte: “Apoio médico: Os nossos clientes têm particularidades e, como cada caso é um caso, dispomos de uma supervisão médica para colmatar as suas necessidades. Para isso dispomos de uma equipa médica que, em parceria com os nossos técnicos especializados, prestam o melhor serviço possível aos nossos clientes.”, conforme doc.5 junto com a PI.
11\ Os equipamentos utilizados pela Clínica dispõem de um sistema de refrigeração, denominado Alex Cool Air, que consiste num dispositivo de ar frio que actua na epiderme, que em boas condições de funcionamento, tornam o tratamento praticamente indolor e proporcionando o máximo conforto durante o mesmo (cf. doc. 2 junto com a PI).
12\ O apoio médico é prestado não só mediante acompanhamento telefónico, mas também através de atendimento/observação presencial em determinadas Clínicas, em dias e horários pré-estabelecidos, em função da sua distribuição territorial (cf. informação junta como doc.14 com a contestação).
13\ Em relação à clínica de Oeiras a Dr.ª IP desloca-se à mesma às 2.ªs e 4.ª-feiras entre as 18h e as 20h às 2.ªs e as 18h30 e as 20h30m às 4.ªs e às 6.ªs entre as 18h30 e as 20h30 desloca-se à Clínica da Expo Sul. (cf. informação junta como doc.14 com a contestação).
14\ Às 3.ªs feiras a Dr.ª AS desloca-se à Clínica das Amoreiras entre as 18h e as 20h e à das Telheiras na 5.ª feira às mesmas horas e à do Saldanha ao sábado entre as 10h e as 12h.
15\ A Dr.ª RG é médica da especialidade de Medicina Interna, presta assistência no âmbito dos serviços de tratamento de depilação laser disponibilizados pela Clínica, prestando serviços presencialmente nas clínicas da Boavista/Maia/Gaia uma vez por semana à 4.ª feira entre as 18h30 e as 20h30 [ou melhor: à 5.ª feira, entre as 15h e as 17h, como resulta do doc.14 junto com a contestação para o qual as rés chamam a atenção no recurso] e à distância via telefone.
16\ As rés desenvolvem uma actividade especializada, posicionando-se como líderes de mercado nacional.
17\ No âmbito da qual trabalham, diariamente, em clínicas profissionais formados, certificados e experientes.
18\ As rés, e, em concreto, a Clínica, estabelecerem-se como entidade de referência no sector em causa.
19\ A tecnologia de depilação laser utilizada pelas consiste numa tecnologia de ponta, aprovada pela Food and Drug Administration e pela Comissão Europeia, a qual é aplicada por recurso a equipamentos certificados que são operados por profissionais experientes, igualmente certificados para tanto pela própria empresa fabricante e fornecedora, a SC-SA, uma empresa especialista em equipamentos de depilação laser.
20\ A formação (teórica e prática) desses profissionais é contínua e especializada, sendo-lhes ministradas, a acrescer à formação inicialmente conduzida pela SC (sem a qual não podem começar a operar os equipamentos), formações internas periódicas por colaboradores experientes da Clínica.
21\ Relativas, aos módulos «Noções Gerais de Depilação a Laser - Metodologias e Equipamentos de Trabalho», “Noções gerais de Segurança e Higiene no Trabalho e Mecanismos de Prevenção e «Procedimentos operacionais e funcionamento das Clínicas» (cf. registos de formações referentes, a título meramente exemplificativo, aos meses de Março e Novembro de 2022, juntas como documentos 1 e 2 da contestação frequentadas entre outras, pelas técnicas LS, AF e BF CG [substituiu-se o rasurado pelo sublinhado, como querem as rés no recurso, tendo em conta o doc.15 da contestação, já que BF não tem intervenção nos factos, ao contrário de CG].
22\ A assistência técnica e manutenção dos equipamentos é assegurada pela SC.
23\ A depilação laser consiste num sistema que produz um intenso e suave feixe de luz que fragmenta e elimina a raiz do pêlo sem danificar os tecidos e as estruturas adjacentes; o procedimento a laser realiza-se com a aplicação de criogénico (gelo pulverizado), tendo este um efeito analgésico e refrigerante da pele; para proteger os olhos do laser os mesmo são cobertos com material opaco ou são usados óculos de protecção laser.
24\ De entre os vários tipos de laser existentes no mercado, as rés dispõem dos sistemas Alexandrite e Neodimio-Yag, os quais são definidos em função do fotótipo de pele e de pêlo de cada cliente, por forma a garantir, mais do que a eficácia, a máxima segurança do tratamento.
25\ Para fotótipos I, II, III ou IV (peles mais claras), é indicada a depilação laser do tipo Alexandrite.
26\ Já para fotótipos V e VI (peles mais escuras), devido à elevada quantidade de melanina na pele, a tecnologia mais segura é o laser do tipo Neodimio-Yag.
27\ Tanto um como o outro em boas condições de funcionamento, garantem, em razão do sistema de frio dinâmico exclusivo que caracteriza os respectivos equipamentos, que o feixe de luz (o laser) atravesse a epiderme sem risco de queimaduras.
28\ Por forma a aferir qual o tipo de laser indicado, e os respectivos parâmetros, é, previamente ao tratamento, efectuado o estudo do fotótipo e das características da pele e do pêlo do cliente, bem como colocadas determinadas questões aos clientes relacionadas com antecedentes clínicos ou comportamentos recentes.
29\ A autora é cliente habitual da Clínica desde 11/02/2013, tendo realizado, desde então, e ao longo dos anos, várias sessões de depilação laser nas clínicas sitas na Avenida de Roma, nas Amoreiras e em Oeiras (cf. ficha técnica junta como doc.3 com a contestação).
30\ Antes da primeira sessão, no dia 11/02/2013, a autora assinou a informação sobre o tratamento de depilação com laser Alexandrite/Yag junta como doc.12 com a contestação que lhe foi apresentada para assinar na Loja da Avenida de Roma com os seguintes dizeres: [transcreve-se na integra o documento, como querem as rés, pois que ele só estava transcrito pela sentença até ao fim da 1.ª página, isto é, até ao ponto 8 inclusive]:
[um conjunto ininteligível de 4 ou 5 letras manuscritas]
FICHA N.º 00000 [o número está a manuscrito]
INFORMAÇÃO SOBRE O TRATAMENTO DE DEPILAÇÃO COM LASER ALEXANDRITA/YAG
Nome: [autora], de 23 anos, titular do BI [n.º …], residente na Av. da […] [as partes entre parenteses rectos estão a manuscrito]
[…]
Abaixo assinado,
DECLARO QUE:
1. A minha assinatura no presente documento, representa a minha vontade na realização de tratamento de depilação com laser Alexandrita/Yag, bem como, concordância e comprometimento em seguir todas as orientações de condutas prévias e posteriores a cada sessão.
2. Ser de minha livre e esclarecida vontade a realização do tratamento de depilação com laser Alexandrita/Yag, que será realizado na "Clínica", pela sua equipe.
3. A "Clínica" me informou como é conveniente proceder, tendo presente a minha situação concreta, ao receber o tratamento com laser de depilação.
4. Fui informado(a) que a depilação laser tem como objectivo reduzir ou eliminar o pêlo, podendo tratar-se indistintamente de homens ou mulheres, estando também indicado naquelas patologias que reflectem um crescimento anormal de folículos pilosos, tais como hipertricose, hirsutismo, factores hormonais e hereditários, não sendo estes os únicos.
5. Fui informado(a) que o laser não é eficaz em pêlo branco, ruivo ou muito loiro e que o número de sessões é variável dependendo do tipo de pêlo, e sua localização.
6. Fui advertido(a) que o tratamento de depilação laser em zonas faciais, e algumas zonas corporais como costas e ombros sobretudo em homens requer o maior número de sessões.
7. Que fui informado(a) que: o tratamento a laser consiste num sistema que produz um intenso mas suave feixe de luz que fragmenta e elimina a raiz do pêlo sem danificar os tecidos e as estruturas adjacentes; o procedimento a laser realiza-se com aplicação de criogénio (gelo pulverizado), tendo este um efeito analgésico e refrigerante na pele; para proteger os meus olhos do laser, estes serão cobertos com um material opaco ou usarei óculos de protecção laser.
8. Ter sido informado(a) que o sucesso dos objectivos do tratamento, dependem de reacções orgânicas, características anatómicas e da minha participação no tratamento, cumprindo todas as prescrições e orientações antes, durante e após a realização de cada sessão.
9. Fui informado(a) e compreendo, que apesar da adequada eleição desta técnica e da sua correcta realização, se podem apresentar efeitos indesejáveis imediatamente após o tratamento, como vermelhidão, sensibilidade e erupções, hiper ou hipo pigmentação na zona tratada, queimaduras (o índice de percentagem de lesões como queimaduras, hematomas ou cicatrizes é inferior a 1%). Normalmente, se isso ocorrer, as lesões são reversíveis e temporárias, dependendo da regeneração natural da pele de cada pessoa.
10. Fui devidamente informado(a) de que existem riscos, contra-indicações e eventuais complicações imediatas e/ou futuras, que me foram devidamente esclarecidas pela equipe "Clínica" durante a consulta que antecedeu a assinatura do presente documento e, por conseguinte, o início do tratamento.
11. Ter sido esclarecido(a) e que estou ciente, de que as informações prestadas, não esgotam os riscos inerentes ao tratamento, uma vez que, alguns, decorrem das reacções orgânicas de cada pessoa.
12. Fui advertido que é expressamente proibido expor-me ao sol ou tomar raios UVA antes e após cada sessão, bem como, fui devidamente informado que devo usar diariamente protecção solar nas zonas expostas.
13. Fui informado(a) que se não seguir apropriadamente as instruções da equipe da "Clínica", aumentam a probabilidades de aparecimento de marcas ou mudanças na textura da pele na área sujeita a depilação laser, bem como, que fui, advertido(a) da importância de informar a "Clínica" dos meus antecedentes médicos, possíveis alergias a medicamentos, existência de próteses, pacemakers ou toma de medicação, antecedentes de herpes simples facial e tratamentos foto sensibilizantes.
14. Por conseguinte, nos termos e para os efeitos do número 13 acima, declaro que informei a equipe da "Clínica", sobre todos os medicamentos que tomo, alergias, próteses, etc., bem como (no caso de ser mulher) se estiver grávida.
15. Tudo o que acima se encontra descrito, me foi transmitido de forma clara e simples, e que me foi permitido colocar todas as questões e que fui esclarecido(a) sobre todas as dúvidas que coloquei.
16. Recebi este documento antes da realização da primeira sessão do tratamento.
17. A "Clínica" me informou SER IMPORTANTE que, para o sucesso do tratamento, devo respeitar, rigorosamente, as datas das sessões.
Declaro, por último, que me encontro devidamente esclarecido(a) com toda a informação recebida, prestada pela "Clínica", e que compreendo, plenamente, o alcance e os riscos do tratamento. Pelo que, em tais condições, é minha vontade séria, livre e esclarecida, ser submetido(a) ao TRATAMENTO COM LASER DE DEPILAÇÃO.
Termos em que, considerando-me perfeitamente informado(a) e esclarecido(o), excluo de qualquer responsabilidade a "Clínica", seus trabalhadores, gerentes e outros colaboradores, sobre todo e qualquer efeito indesejável que possa ocorrer após a realização do tratamento.
Data 11/02/2013 [manuscrito]
Médico Cliente Representante Legal [autora - manuscrito]
31\ A autora fez depilação a laser nas axilas na Loja da Avenida de Roma da Clínica com aparelho Alexandrite em 11/02/2013, 05/04/2013, 18/05/2013, 18/07/2013, 15/10/2013, 07/12/2013, 03/03/2014, 09/07/2014, 14/08/20155, 08/10/2016 [corrigiu-se, como querido pelas rés, a data de 14/08/2014 para 2015, de acordo com o documento respectivo, n.º 3 da contestação].
32\ A autora fez depilação a laser nas duas pernas inteiras + virilha na Loja das Amoreiras da Clínica com aparelho Alexandrite em 21/09/2021 e 05/11/2021.
33\ A autora fez depilação a laser meias pernas + axilas na Loja da Oeiras da Clínica com aparelho YAG em 21/02/2022, na mesma loja fez pernas inteiras e virilha no Alexandrite em 21/04/2022 e pernas inteiras e axilas no Alexandrite em 28/06/2022.
34\ Face às sessões que antecedem realizadas sem qualquer reclamação da autora esta confiava na Clínica para a realização de tratamentos de depilação a laser.
35\ No dia 23/09/2022, por volta das 12h30, a autora dirigiu-se à Clínica, Oeiras, para uma sessão de tratamento de depilação a laser nas zonas meia perna, virilha e axila, previamente agendada.
36\ A autora foi atendida pela empregada das rés chamada AF, especializada na realização de tratamentos de depilação a laser.
37\ A técnica AF, responsável pela sessão em causa, é colaboradora da Clínica, admitida em 2007, com mais de 15 anos de experiência.
38\ SC-SA, emitiu em 20/10/2016 certificado de assistência em nome da técnica AF no qual consta que a mesma participou e concluiu o programa de formação clínica continuado dado pelo pessoal de Formações da SC respeitante a curso teórico-prático sobre o uso do laser Gentlelase Pro (cf. certificado de formação junto como doc.4 com a contestação).
39\ Foi a técnica AF que realizou a sessão de 21/04/2022 referida em 30.
40\ Antes do início do tratamento, foram colocadas questões à autora, pela referida técnica relativas a recente exposição solar (ou a solário), toma de medicação, tendo a autora respondido negativamente (cf. ficha técnica supra junta como doc.3 com a contestação).
41\ A referida técnica fez avaliação da pele e do pêlo da autora.
42\ Mais solicitando, também em conformidade com o procedimento em vigor nas várias Clínicas, uma segunda opinião relativamente a essa avaliação da colaboradora CG, admitida em 2009, com 15 anos de experiência.
43\ SC-SA emitiu em 06/04/2011 certificado de assistência em nome da colaboradora CG no qual consta que a mesma participou e concluiu o programa de formação clínica continuado dado pelo pessoal de formações da SC-SA respeitante a curso teórico-prático sobre o uso do laser Gentlelase Pro (cf. certificado de formação junto como doc. 5 com a contestação).
44\ Em função do tom que, à referida data, a pele da autora apresentava, foi definido o tipo de laser Neodimio-Yag, indicado para peles escuras, negras, morenas ou bronzeadas.
45\ O tratamento iniciou-se na zona da axila, sem qualquer perturbação e dentro do que seria o procedimento normal estando a autora, protegida com óculos de protecção nos olhos.
46\ Na mudança da sessão da axila para a virilha e pernas, a autora ouviu um barulho oriundo do aparelho a laser que a técnica se encontrava a manusear, consistente em som do tipo “apito”.
47\ A técnica, após terminar as axilas, procedeu à calibração do aparelho para uma nova potência, para a zona das pernas virilhas a tratar, antes do início do tratamento dessa zona do corpo da autora [o rasurado foi substituído pelo sublinhado, como pedido pelas rés, por ser evidente o erro, pois, como decorre do facto 48, o tratamento prosseguiu na zona das virilhas]
48\ Prosseguindo o tratamento, na zona das virilhas, a autora referiu à técnica que estava a sentir dores, e que nunca havia sentido dores semelhantes nas sessões anteriores.
49\ A referida técnica informou que era normal sentir alguma dor e prosseguiu o tratamento, chegando a reduzir a intensidade do aparelho.
50\ Não obstante a dor sentida pela autora, como esta confiava nas técnicas das rés e no referido pela técnica em 49, foi suportando a dor e o tratamento em causa foi realizado na sua totalidade, tendo sido realizado tratamento de depilação a lazer nas zonas do corpo da autora tal como inicialmente definidas (axilas, virilhas e meias pernas), tendo a sessão se prolongado desde as 12h42 até cerca das 13h.
51\ A autora não conseguia ver o estado das suas virilhas e pernas durante a sessão por estar com os óculos de protecção.
52\ Imediatamente após terminar a sessão, a autora e a técnica verificaram que, nas zonas objecto do tratamento de depilação a laser, a pele apresentava um rubor/eritema severo, manifestando sinais de queimadura, conforme fotografias juntas como doc.6 com a PI.
53\ A técnica ainda chegou a aplicar gel Aloé Vera sobre as zonas tratadas, porém dado o vermelhão nas zonas afectadas a mesma técnica decidiu aplicar também uma pomada tópica de nome comercial Biafine.
54\ A pomada Biafine é uma emulsão óleo em água formulada para tratamento de feridas cutâneas superficiais não infectadas, queimaduras de 1º grau e eritema solar (cf. website https://www.biafine.pt/o-que-e-biafine/).
55\ A técnica AF face às queixas de dor severa apresentadas pela autora, solicitou o apoio da colega técnica da Clínica, LS, quando esta a encontrou no corredor quando ia buscar pomada biafine.
56\ A técnica LS é colaboradora da Clínica admitida em 2003, com cerca de 20 anos de experiência, tendo o departamento clínico da SC-SA certificado que a mesma recebeu formação sobre as aplicações clínicas e a utilização do equipamento laser SC gentlelase para tratamentos de depilação a laser junto como doc. 11 com a contestação).
57\ Como a autora já tinha saído para a recepção esta técnica solicitou à autora que entrasse novamente no gabinete de tratamento para ser observada, aplicando-lhe a pomada Biafine.
58. Em face do agravamento das dores, o latejar da pele nas zonas afectadas e das evidências de que havia sofrido queimaduras provocadas pelo tratamento, autora solicitou ser vista por um médico.
59\ Feito o contacto telefónico junto dos serviços centrais da Clínica, solicitando apoio médico pela técnica LS seguiu-se algum tempo de espera, durante o qual as dores continuaram a intensificar-se e as queimaduras a desenvolverem-se (cf. registos telefónicos juntos como doc.13 com a contestação).
60\ Cerca das 13h30, a médica que dá assistência às Clínicas na região Norte do país, por ser aquela que naquela altura se mostrou disponível, naquele momento, contactou, a partir do seu número móvel pessoal, a Clínica de Oeiras, na qual ainda se encontrava a autora.
61\ Perante as queixas álgicas e o estado das pernas e virilhas relatadas pela autora, a médica dada a distância em que se encontrava – Porto - não tinha possibilidade de se deslocar em tempo útil à Clínica para um exame presencial à autora, tendo-a aconselhado na colocação de uma pomada tópica (Biafine) e compressas grossas sobre as áreas afectadas.
62\ A autora referiu-lhe que atentas as dores que sentia e o estado da pele das pernas seria melhor dirigir-se a uma urgência hospitalar ao que a médica lhe sugeriu que o fizesse, se achasse melhor.
63\ Após o que a autora, se vestiu e dirigiu à recepção da Clínica informando que não iria pagar o preço pela sessão de tratamento em causa, atento o estado das suas virilhas e pernas.
64\ Saindo, a autora, de seguida, da Clínica de Oeiras em estado de enorme desespero, angústia e aflição, causado pelas fortes dores que sentia nas zonas atingidas das pernas e virilhas.
65\ A autora, em face das dores sentidas, que continuavam a aumentar, decidiu apanhar um TVDE - por não conseguir conduzir o seu carro com o qual se tinha deslocado à clínica - para ir a um serviço de urgências hospitalar.
66\ A autora deu entrada nas Urgências do Hospital da Luz de Oeiras, onde lhe foi atribuída pulseira amarela na triagem das urgências – correspondente à classificação de “urgente” - tendo sido, de imediato, vista pelo Dr. RS, médico responsável na urgência do Hospital da Luz, que lhe diagnosticou queimaduras de primeiro grau.
67\ Em face das dores severas que a autora sentia, foram-lhe imediatamente receitados e administrados analgésicos por via endovenosa e realizado tratamento tópico especializado, conforme nota de alta da urgência geral e guia de tratamento junta como docs. 7 e 8 juntos com a PI.
68\ Consta da nota da alta de urgência geral do Hospital da Luz de 23/09/2022 preenchida pelas 14h07 e imprimida pelas 14h15, pelo Dr. RS no resumo do episódio “Mulher de 33 anos sem ap relevantes. Recorre por quadro de queimadura dos membros inferiores após sessão de depilação a laser esta tarde. Queixosa com dores nos membros inferiores… presença de queimaduras grau I sem flictenas, em ambos os membros inferiores, desde as virilhas até aos tornozelos. Plano sulfadiazaina prata + penso queimadura. … Plano - alta medicada com analgesia. Guia de tratamento para penso em dias alternados + consulta de reavaliação pela cirurgia plástica… Intensidade da dor: 7 – Dor intensa. Dor: Dor Aguda. de dor: intermitente.”
69\ Mais foi receitado à autora repouso, bem como prescritos medicamentos analgésicos e pomadas tópicas sulfadiazaina prata e penso em dias alternados (cf. docs. 7 e 8 juntos com a PI).
70\ Foi, igualmente, prescrita a marcação de consulta de reavaliação pela cirurgia plástica, para avaliação especializada da evolução das queimaduras sofridas (cf. docs. 7 e 8 juntos com a PI).
71\ Posteriormente, após um contacto telefónico da autora para a Clínica de Oeiras, para pedir o contacto dos responsáveis, pelas 16h17 do mesmo dia, a médica [das rés] contactou a autora, através do telefone da Clínica sita na Av. da Boavista, e para o número pessoal da autora (cf. registos telefónicos juntos como doc. 13 com a contestação).
72\ A autora referiu-lhe que tinha ido à urgência do Hospital da Luz e a médica referiu a sua disponibilidade para voltar a entrar em contacto com a autora, e prestar-lhe a assistência possível.
73\ No dia 27/09/2022, a autora foi a uma consulta de cirurgia plástica dermatologia no Hospital da Luz, tendo-lhe sido prescrito continuação do tratamento Diprogenta e emoliente e protector solar, necessidade de roupas largas e impedimento de qualquer exposição ao sol e marcação de consulta de seguimento (da especialidade de dermatologia).
74\ A autora passou a ser acompanhada no Hospital da Luz de Oeiras, pela medica dermatologista Dr.ª FP, com quem foi consultada, logo no dia 27/09/22 por indicação do cirurgião plástico, em consulta de seguimento no dia 16/12/2022.
75\ No dia 16/12/2022 a Dr.ª FP elaborou o relatório médico junto como doc. 9 com a PI onde declara, além do mais, que “… a [autora] foi por mim observada no dia 27/09/22, a pedido do cirurgião plástico, apresentando queimadura de 1.º grau das pernas e virilhas, em locais onde realizou depilação com laser de Alexandrite, realizada no dia 23/09/2022. Foi medicada com Diprogenta e emoliente. Dia 16/12/2022 teve consulta de seguimento, apresentando áreas extensas de hipopigmentação pós-inflamatória das pernas e virilhas, circulares, desenhando o formato do disparo do laser… por manter dor insuportável, não tolerando o vestuário sobre as lesões, recorreu ao serviço de Urgência do H. Luz Oeiras, onde foi feita medicação endovenosa para as dores, aplicado Silvaderme e ligaduras e marcada consulta de Cirurgia plástica. Hoje a doente foi medicada com Tacrolimus e emoliente” - cf. doc. 11 junto com a PI.
76\ No dia 23/09/2022, a autora apresentou, por e-mail, à Clínica uma reclamação pelo sucedido na referida sessão de depilação a laser, conforme doc. 10 junto com a PI.
77\ No dia seguinte, 24/09/2022, pelas 10h30, a autora foi novamente contactada pela Dr.ª AS, médica do serviço da Clínica, por seu turno na região de Lisboa, e através do telefone da Clínica do Saldanha, para acompanhamento da situação (cf. registos telefónicos supra juntos como doc.13).
78\ Tendo a autora informado que teria agendada uma consulta de dermatologia para o subsequente dia 27/09/2022, a Dr.ª AS ficou de voltar a entrar em contacto com a autora após tal consulta.
79\ No dia 26/09/2022, pelas 19h02, a técnica SF, colaboradora da Clínica, entrou, também, em contacto com a autora, através do telefone da Clínica sita na Av. da Boavista (cf. registos telefónicos supra juntos como doc.13).
80\ No dia 29/09/2022, pelas 18h16, e através do telefone da Clínica das Amoreiras, a Dr.ª AS contactou a autora (cf. registos telefónicos supra juntos como doc. 13), não tendo esta manifestado interesse em ter acompanhamento médico da Clínica, dado estar a ser acompanhada pelo Hospital da Luz Oeiras.
81\ No dia 14/10/2022 em resposta à reclamação electrónica AV da ré informou a autora que “Acusamos a recepção da sua exposição/reclamação, a qual mereceu a nossa melhor atenção. A Clínica dispõe de acompanhamento médico e técnico, caso necessite de alguma orientação, agradecemos por favor, que entre em contacto com a clínica…” cf. doc. 11 junto com a PI.
82\ Durante o referido tratamento de depilação a laser a autora sofreu queimaduras cutâneas de 1.º grau nas pernas dos joelhos aos tornozelos e virilhas que lhe infligiram dores severas.
83\ A acrescer às dores fortes dores sentidas durante e imediatamente após a referida sessão de tratamento de depilação a laser realizada pelas rés, a autora tem vivido em estado de angústia e ansiedade resultando de dores que continuou a sentir e do desconforto e mal-estar causados pelas referidas lesões que têm vindo a impedi-la de fazer a sua vida com normalidade.
84\ No dia da ocorrência das lesões, durante a sessão de tratamento de depilação a laser, a autora sentiu dores, numa escala de 1 a 10, em grau 7.
85\ No dia 08/11/2022, a autora, através do seu mandatário remeteu às rés uma carta, registada com aviso de recepção, de que junta cópia como doc.12 com a PI, solicitando a identificação das técnicas e da médica e o pagamento de uma indemnização à autora que computa no valor de 60.000€.
86\ No dia 28/11/2022, a autora recebeu, também por carta, a resposta das rés, na qual não identificam a médica que assistiu telefonicamente a autora após a sessão de tratamento em causa e descartam quaisquer responsabilidades relativamente aos danos ocorridos nessa sessão de tratamento, referindo que “(…) o tratamento em causa, realizado dia 23/09/2022, foi correctamente efectuado, por recurso a técnica e aparelho devidamente certificados e operacionais, e em conformidade com as melhores prática nacionais e internacionais.” (conforme doc. 13 junto com a PI).
87\ Acrescentam ainda as rés na referida carta, “(…) o tratamento de depilação a laser pode ter determinados efeitos, considerados normais, sem que tal represente qualquer inadequação/incorrecção do mesmo.”
88\ Na data em que deu entrada a PI, em 17/03/2023, a autora ainda apresentava áreas extensas de hipopigmentação pós-inflamatória das pernas dos joelhos aos tornozelos e virilhas, circulares, desenhando o formato de disparo do laser.
89\ No dia 05/06/2023, a autora foi consultada pela Dr.ª FP do Hospital da Luz mantendo hipopigmentação em áreas extensas. Nas virilhas apresentava já repigmentação parcial. Nas pernas mantinha hipopigmentação, adivinhando-se discreta repigmentação folicular em algumas áreas. Foi medicada com fotoprotecção, emoliente e tacrolimus 0,1 (cf. relatório médico junto pelo requerimento de 11/07/2023).
90\ No dia 28/06/2023, a autora foi a uma consulta no Centro de Dermatologia de Lisboa com o Dr. MC o qual elaborou o relatório junto como doc. 2 com o requerimento de 11/07/2023 onde descreveu que a autora “apresentava diversas máculas circulares hipopigmentadas com o propósito de depilação. O nexo causal do tratamento laser, relativamente às manchas existentes de momento é inquestionável…”
91\ No dia 11/07/2023, as pernas da autora apresentavam o aspecto visível nas fotografias juntas com o requerimento de 24/07/2023.
92\ Na data em que foram tomadas declarações à autora em 08/04/2024 ainda se viam manchas, mas a pele estava a repigmentar não ia ficar com sequelas e em um / dois anos a cor da pele estará uniformizada.
93\ [A autora] e viveu momentos de grande aflição, o que constituiu uma experiência traumática que ainda hoje causa tristeza e angústia à autora. [o acrescento entre parenteses, o rasurado e o itálico, foram feitos por este TRL a título de correcção de erro de escrito evidente, já que faltava o início da frase, não havendo dúvidas sobre o sujeito a que o verbo se reporta, o ‘e’ fica a mais e ‘angusta’ não tem sentido no contexto].
. 94\ Durante um período de, pelo menos, um mês, a autora manteve fortes dores nas zonas do corpo atingidas.
95\ Durante uns dias, viu-se impedida de desempenhar as suas tarefas domésticas diárias, cuidar dos seus 3 filhos, todos menores; de os levar a escola; e ajudar nas suas rotinas diárias, tendo de se socorrer da ajuda da sua sogra, o que lhe causou enorme ansiedade.
96\ A autora não trabalhou no dia da sessão à tarde por causa das lesões sofridas com os tratamentos de depilação a laser, passou o fim de semana em repouso absoluto, retomando o trabalho profissional na 2.ª feira, com esforço acrescido, atentas as dores que ainda sofria.
97\ Durante cerca de um ano a autora deixou de usar vestidos curtos, saias, curtas e calções, usando roupas largas e compridas.
98\ Durante alguns dias após a sessão em causa a autora sentiu-se desconfortável na intimidade com o seu marido devido às dores que sentia nas virilhas e nas pernas.
99\ No Verão de 2023, a autora não pôde ainda expor-se à luz solar; ir à praia e/ou piscina, sendo um dos programas que fazia parte dos seus fins de semana e férias de Verão em família e com amigos.
100\ A autora sentiu vergonha, ansiedade preocupação e tristeza pelo estado em que ficaram as suas virilhas e pernas.
101\ No dia da sessão em causa nos autos as técnicas das rés não informaram a autora da existência de quaisquer riscos de danos inerentes ao tratamento em causa, nomeadamente aqueles que se vieram a verificar nem esta nesse dia assinou qualquer declaração de consentimento.
102\ A autora suportou os custos inerentes aos tratamentos das referidas lesões e consultas médicas, na parte não comparticipada pelo seguro Multicare que possuía.
103\ Resultaram da referida sessão de depilação a laser realizada na Clínica, Oeiras, prejuízos económicos para a autora consistentes nos custos do acompanhamento e tratamentos no Hospital da Luz de Oeiras na quantia de 292,56€, conforme facturas e comprovativos de pagamento juntas como doc.14 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
104\ A autora não efectuou o pagamento da sessão de depilação a lazer em causa nos autos.
105\ A SC emitiu em 23/05/16 a factura 773 junta como doc.7 com a PI relativamente aos artigos 9030 n.º de série 4445 Com a descrição GPULS, LSFA; ACC LSDSA e LSSDSKA, ACC.
106\ Pela SC-SA foi emitido o certificado de segurança em Maio de 2022, com a validade de 1 ano, pelo Serviço Técnico Oficial da mesma entidade, a SC, através do qual foi confirmada e atestada a respectiva verificação do equipamento GP com o número de serie 4445 “certifica que este equipamento foi verificado em todos os seus parâmetros de funcionamento que garantem o correcto desempenho das aplicações para as quais foi indicado, seguindo os protocolos de manutenção e verificação estabelecidos pelo fabricante e que garantem o cumprimento da legislação sanitária em vigor” (cf. certificado que ora se junta como doc.8).
107\ O respectivo certificado de segurança e qualidade do equipamento GP com o número de serie 4445 foi em Maio de 2023 renovado, por mais 1 ano, pelo departamento técnico da SC (cf. certificado junto doc.10 com a contestação).
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
Vai-se analisar esta impugnação sem transcrição da fundamentação da convicção – cerca de 10 páginas cheias - que consta da sentença recorrida, para evitar estar a repetir argumentos. Dá-se por pressuposta, como enquadramento.
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As rés querem que o facto 46 seja considerado não provado.
Invocam, para o efeito, o depoimento da técnica AF e o depoimento da comercial da SC-SA, EA, a que contrapõem as declarações de parte da autora.
Não têm razão. As rés estão a ler no facto mais do que o que lá está. O facto constata apenas a audição de um barulho tipo apito, o que os depoimentos das testemunhas indicadas pelas rés não põem em causa.
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As rés querem que sejam eliminados as primeiras partes dos factos 48 e 50, isto é, na parte em que se referem às dores que a autora estava a sentir durante o tratamento, comunicação das dores à técnica AF e ter ido suportando o tratamento até ao fim apesar das dores.
Dizem que a sentença se baseou apenas nas declarações de parte da autora, as quais não fazem sentido, a que contrapõem o depoimento da técnica AF, que negou a comunicação das dores e que disse que o tratamento decorreu com normalidade até ao final, e o depoimento da técnica LS a quem a autora só teria comunicado um desconforto, depois do tratamento (esta testemunha não fez o tratamento) e a regra da experiência de que se a autora tivesse sentido dores não teria continuado a sujeitar-se ao tratamento até final (isto apesar de nas transcrições, referirem uma passagem em que a Sr. juíza refere o depoimento do médico em que diz que é impossível a pessoa não estar a sentir dores). E ainda invocam os depoimentos das testemunhas CG e EA no sentido de que as técnicas estão treinadas para detectarem (desde logo visualmente) eventuais reacções cutâneas no decurso do tratamento. E ainda o depoimento do médico MC que tentam aproveitar para a desresponsabilização das rés.
Conjugando as declarações de parte da autora com o estado em que a autora ficou – demonstrado com o relatório de alta de urgência geral pouco mais de 1h depois do termo da sessão –, com o facto de a autora ter saído do local anunciando que não pagava, a denotar um estado de revolta com o que se tinha passado (a que só se chega depois de uma completa provação) e com as regras da experiência comum das coisas (salvo alguém com uma insensibilidade ou uma resistência à dor extraordinárias – circunstâncias que tinham que ser alegadas e estarem provadas – é que não sentiria dor e não a expressaria), o resultado é mais do que suficiente para dar como provado os factos que aqui as rés põem em causa. Sendo, assim, o depoimento da técnica AF é, naturalmente, desculpatório. E os das técnicas CG e LS e da comercial EA não estão baseados no que se passou durante o tratamento (a que não assistiram) e destinam-se, simplesmente, a ajudar a testemunha colega de trabalho e trabalhadora das clientes da testemunha EA, desculpando aquela e a desresponsabilizando as rés. O depoimento do médico não tem, claramente, o sentido que as rés lhe dão, mas o sentido contrário, qual seja, o de confirmar as regras da experiência comum das coisas, como decorre do que se segue:
Como diz o médico MC, com 36 anos de experiência [aqui como de seguida utilizaram-se as transcrições feitas pelas rés]:
(00:23:17:) […] agora acho […] isto de certeza que há de ter dado dor, e a MD de certeza que se há de ter queixado. […]. (00:23:49) … e o efeito… o efeito. A pele de certeza que inchou após cada disparo. De certeza que houve edema. Porque não se chega a… não se chega a este ponto sem um dano suficiente. […] (00:24:53) […] Isto há de ter doído bastante. […] (00:25:24) É que não tenho dúvida. Para ter resultado hipopigmentação, aqueceu a união entre a epiderme e a derme, aqueceu razoavelmente, é lá que estão os nervos. A nossa sensibilidade é através da pele. E é sobretudo dos nervos que estão, os terminais nervosos que estão entre a epiderme e a derme. A MD ou é faquir ou há de se ter queixado mesmo, porque isto dói. […]
Mandatário da autora 00:43:25 […]. O Sr. Dr. referiu há pouco que este tipo de lesões causa dores severas. De zero a dez estamos a falar… Testemunha: 00:43:40 Não são as lesões, é a captação de energia que leva às lesões. Isto é, depois daquilo… depois do dano feito, o desconforto tende a diminuir. No momento, de zero a dez, eu diria entre sete e oito. A pele é muito sensível. A pele é muito sensível. Na tradição da maldade humana, as torturas, os métodos de tortura incidem muito em fazer coisas na pele. […]
00:48:04 Isso significa já um… para se fazer terapêutica endovenosa para a dor, num cenário destes, eu não sabia disso, até qualifica mais a intensidade da dor do que aquilo que eu imaginava. […] 00:48:22 O que eu quero dizer é: não se faz isso senão se está frente a uma situação com relevância. Mandatário da autora 00:48:32 OK. Só para casos extremos [impercetível] Testemunha 00:48:35 Extremos também… para dores… a dor tem que ser suficientemente intensa, tem que ter uma intensidade tal que não seja abordável por terapêutica oral. Para um médico ter essa escolha, é porque já é um nível de dor considerável. A MD não ficou internada a fazer morfina endovenosa. Pronto. Isso é… pronto, a dor do cancro, a dor… é outro patamar, mas saindo desse, para dor excruciante, fazer terapêutica endovenosa por dor não é uma banalidade. Juíza 00:49:20 - É mesmo quando é uma dor forte. Testemunha 00:49:23 - É quando tem uma dor suficientemente forte, é a dor da cólica renal, é a dor… pronto, nesse cenário faz-se terapêutica endovenosa.
Aliás, até a médica das rés o acabou por admitir:
Testemunha 00:28:17 - Temos enervação em todos os órgãos, a pele é o nosso maior órgão, e temos [impercetível] portanto, de nervos e de vasos e é normal que a pessoa sinta dor, não é? Em determinadas patologias a pessoa não sente dor, mas num ser humano normal obviamente que temos dor, não é? Nós até… Mandatário da autora 00:28:37 - Portanto, em relação… este tipo de lesões, que viu aqui as fotografias… Testemunha 00:28:42 Ah, sim. Mandatário da autora 00:28:43 São dolorosas? Testemunha 00:28:46 São… é doloroso, sim. Sim.
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As rés querem que seja eliminado o facto 49. Invocam para tanto os elementos que retiram dos documentos 3 (registo de tratamentos desde 2013), 9 (relatório alegadamente deste tratamento) e 10 (certificado de segurança da máquina que, alegadamente, terá feito o tratamento) que juntaram com a contestação, conjugados com os depoimentos das testemunhas CG e EA e declarações de parte das rés.
Antes de mais, tudo o que as rés dizem reporta-se apenas à parte final do facto 49 (“chegando a reduzir a intensidade do aparelho”), sendo, pois, errado, aqui como noutras partes, referirem-se à totalidade do facto.
Por outro lado, a valia da prova indicada depende de se acreditar que as rés só tinham de facto, na data em questão, o equipamento em causa no local da sessão (que aplicava as duas tecnologias: a alexandrite e a yag) e/ou que foi esse que aplicaram. E o facto de as técnicas e o representante legal das rés o terem dito não é suficiente para o efeito, pois que se sabe que as rés têm 70 máquinas de depilação.
Para além disso, os documentos não coincidem entre si.
Quanto aos docs.3 e 10, não há dúvidas: o doc. 3 é o registo dos tratamentos da autora desde 2013. O doc.10 é um certificado de segurança do equipamento a que respeitam os documentos 6 e 9 (todos estes documentos foram juntos aos autos em 10/05/2023, mas os docs. 6 e 9 foram completados a 10/02/2024 com um registo e uma declaração, que se julgam suficientes para comprovar que realmente os docs. 6 e 9 dizem respeito àquele equipamento). Mas o doc.10 (Maio de 2023) não serve de garantia de que, no dia da sessão (23/09/2022), o equipamento estivesse em condições. Tal como não o serve o doc.8 que diz respeito ao mesmo equipamento, mas um ano antes (Maio de 2022). Ou seja, não são, por si, garantia de que o aparelho não se tenha, entretanto, avariado, ou temporariamente avariado.
Mas o facto de os docs. 8 e 10 dizerem respeito ao equipamento a que respeita o doc. 9 (e o doc. 6) não é prova de que o equipamento em causa tivesse sido o utilizado na sessão da autora no dia 23/09/2022. Teria que se acreditar nos depoimentos das técnicas (AF, LS e CG) e nas declarações de parte das rés. Ora, os depoimentos das três técnicas já foram analisados acima e já se viu que se tratam de depoimentos que tentam desculpar a técnica AF e desresponsabilizar as rés. E as declarações das rés, pelo legal representante, não passam também disso mesmo e não são, no seu todo, minimamente credíveis (desde logo invoca uma investigação interna ao acontecido de que as três técnicas não têm conhecimento; aliás tudo o que ele conta é o que consta como comunicado ao escritório das rés pelas técnicas). Quanto ao depoimento da técnica EA só teria valor como leitura dos documentos e já se vai ver que não serve para o efeito.
Veja-se melhor: o documento 9 é uma fotografia de um monitor com 4 períodos de aplicação de laser, alegadamente à autora, entre as 12:42:28 e as 14:59:32 (ou seja: cerca de 2h e 20m…), com 4 variações de J/cm2: 10, 13, 11 e 10. Seria complementado pelo doc.6, que é um relatório do momento em que as calibrações do aparelho estariam prontas a serem aplicadas (quando apitam).
O quadro do doc.9 pode ser resumido, no que importa, ao seguinte:

2022-09-2312:48:51 – 14:59:3210 J/cm2
2022-09-2312:44.06 – 12:47:4111 J/cm2
2202-09-2312.43:47 – 12:43:5213 J/cm2
2022-09-2312:42:28 – 12:43:1110 J/cm2

As linhas do doc.6 podem ser resumidas, no que importa, ao seguinte:

12.113:40:18
12.113:37:54
12.113:36:46
15.212:39:05
15.212:38:34
15.212:38:15
15.212:38:04
15.212:37:31
12.112:37:12
15.212:36:30
12.112:36:14
15.212:35:28
15.212:35:13

E agora veja-se:
Desde logo, segundo o mandatário das rés:
“00:18:31 Este… o que está aqui em causa, a sessão que está aqui em causa foi prestada entre o 12:41 e as 13h. Dali resulta que houve alguma paragem nessa sessão?”
Ora, não há, nestes dois documentos, qualquer sessão que tenha começado às 12:41 e terminado às 13 (13h não é igual a 15h, ou 14h59…). Aliás, nenhum daqueles momentos é referido em qualquer destes registos.
Depois, não há qualquer coincidência entre os dois quadros: o doc. 6 dará notícia de uma série de apitos, primeiro entre as 12h35 e as 12h39 e depois entre as 13h36 e as 13h40. Enquanto no doc. 9 se dará notícia, aparentemente, de quatro momentos de aplicação entre as 12h42 e as 14h59. Portanto, repete-se não há coincidência entre os documentos.
Aliás, registe-se que os documentos foram juntos pelas rés, mas as rés não tentaram iniciar qualquer interrogatório às suas testemunhas sobre o doc.9 e fizeram apenas umas perguntas sumárias à testemunha EA sobre o doc.6 (depois de todas as outras terem sido ouvidas). Teve que ser a Sr.ª juíza a interrogar, pela 1.ª vez, a testemunha CG sobre o doc.9. Ora, esta testemunha, com base em tal documento (monitor de um écran, que tem de estar habituada a ‘ler’), logo disse que a sessão da autora tinha começado às 12h42 e terminado às 12h48 (ou melhor, seria 12h47:41). Logicamente. Pois que, diz este TRL, o período ininterrupto das 12h48 às 14h59 parece ser uma pausa longa (para almoço) do aparelho que teria permanecido parado na aplicação de 10 J/cm2. O que se verá mais à frente parecer ter confirmação no que diz a testemunha EA (e as rés nas alegações de recurso, ao falarem no período de pausa para almoço). Apesar de a testemunha CG ter dito aquilo (sessão das 12h42 às 12h48), as rés não dizem nada contra tal durante a audiência, isto é, que a testemunha esteja a dizer algo de errado. Mas depois, quando interrogam a testemunha EA, fazem as perguntas como se a sessão da autora tivesse sido ininterruptamente desde as 12h41 até às 13h (indiferentes ao que foi dito pela testemunha CG). E agora já se sabe que sem qualquer suporte nos documentos, nem no que foi dito; a autora fala numa sessão de 35 minutos e a testemunha AF numa sessão de 20 minutos a começar às 12h30.
E se isto foi assim na audiência, nas alegações as rés continuam com as incongruências: citam a passagem da testemunha CG (00:29:30) em que diz que o tratamento da autora terminou por volta das 12:48. E ao mesmo tempo, no §67 das alegações, dizem que “o tratamento da última zona (meias pernas) teve início cerca as 12h48m e fim pelas 13h00m.” E no §66 as rés até esclarecem “entre as 12h48m51s e o final da sessão [foi aplicada] a potência de 10 J/cm2 (referente à parte da frente das meias pernas).” Ou seja, as rés lêem o documento 9 de forma diferente da testemunha CG e nem sequer assinalam a discrepância ou dão conta dela.
Mais. O final desta parte da sessão, segundo as rés (iniciada às 12h48) ocorreu, segundo o doc. 9, às 14h59, isto é, 3h da tarde (durou, por isso, mais de 2 horas ininterruptas). Ora, se o tratamento da autora terminou por volta das 13h, o equipamento teria continuado a aplicar, ininterruptamente, a potência 10 até às 14h59. Ou seja, o equipamento continuou a funcionar até às 15h apesar da autora se ter ido embora por volta das 13h (mas o documento não dá notícia da saída da autora ou termo da sessão…). E continuou a fazer aplicação de 10 J/cm2 sem ninguém lá estar. Ou a máquina faz um registo de aplicação de 10 J/cm2 sem a estar a aplicar. O que retira toda a credibilidade ao doc.9 apresentado com a contestação, bem como retira credibilidade à leitura que as rés fazem do documento.
Mais ainda: na primeira linha do doc.3, que é o relatório do tratamento da autora refere-se em observações: ax14vr10/13mp10/11; ou seja, diz este TRL: axilas intensidade 14, virilhas intensidades 10/13, meias pernas intensidades 10/11. Ora, no doc.9 não aparece a intensidade 14.
Em suma, de novo: não há prova positiva que convença que os documentos 6 e 9 digam respeito à sessão da autora de 23/09/2022, antes pelo contrário, os próprios documentos servem para pôr em causa que digam respeito a essa sessão. Ou, se dizem realmente respeito a esta sessão, reportam-no de forma extremamente insuficiente, incompleta, pelo que não servem para prova de nada.
Compreende-se, por isso, que as rés, na audiência final, não tenham procurado interrogar as suas testemunhas sobre eles. Teve que ser a Sr.ª juíza a interrogar a técnica CG sobre o doc.9 e o mandatário da autora a desenvolver as perguntas à testemunha EA sobre o doc. 6.
Tudo o que foi dito sobre estes documentos, para confirmação do que foi sendo dito para cima, pode ser visto nas passagens 00:24:18 a 00:29:30 da testemunha CG e nas passagens 00:16:25 a 00:19:02 (sobre o doc. 6), das 00:19:29 a 00:24:57 (sobre o doc. 9) e das 00:40:21 a 00:56:54 (sobre os dois docs., 6 e 9, ao mesmo tempo) da testemunha EA.
Em suma, os elementos indicados pelas rés não comprovam a impugnação da parte final do facto 49; não há nada que possa ser apontado à sentença, ao basear-se nas declarações de parte da autora (Juíza 00:55:47 - Percebeu se a técnica chegou a tentar reduzir a intensidade do… Autora 00:55:51 - Tentou. Juíza 00:55:53 …ainda reduziu a intensidade? Mas continuou… Autora 00:55:54 - Até se nota pelas [impercetível] que há… de um lado das pernas são muito mais visíveis e depois, como ela diminui a intensidade, do outro lado era muito menos visível. […]), como elemento de clarificação dos outros elementos objectivos de prova.
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As rés querem que os factos 52 e 82 sejam eliminados. Isto apesar de limitarem a impugnação à questão das queimaduras.
Invocam para tanto os depoimentos das técnicas AF e LS, põem em causa as fotografias juntas aos autos, quer como doc.6 da PI quer os juntos em audiência de julgamento, porque não se encontram datados e deles não seria possível identificar a quem pertencem (maxime à autora) e ainda invocam os depoimentos dos médicos AS e MC.
Sabendo-se que a autora, menos de 1h depois de sair da depilação estava num hospital onde foi observada e onde se constataram queimaduras e que, logicamente, antes do início da sessão não tinha nada de parecido, pois que senão a técnica AF não teria feito a depilação, é evidente que as queimaduras apareceram durante a depilação. Quanto às fotografias (há fotografias no doc.6 da PI, no requerimento de 24/07/2023 e, a cores, nas páginas 9 e 10 do documento junto a 01/02/2024), o que as rés afirmam sobre elas é inaceitável e só tem paralelo na afirmação (feita na peça de 08/08/2023) de que “o único registo no qual é possível visualizar a pessoa neles retratada (cuja identidade, aliás, as rés desconhecem) - e, de resto, a data do periódico Correio da Manhã -, não demonstra quaisquer alterações na pele daquela”, quando a fotografia em causa, nos últimos 2cm (numa fotografia com cerca de 52 cm), demonstra exactamente as mesmas alterações que resultam das outras fotografias e nas outras, tendo em conta esta, não há qualquer dúvida de que se tratam das pernas da autora (o que o tribunal recorrido pôde comprovar muito melhor, como decorre das várias referências que estão feitas às observações das pernas da autora durante a audiência final). Os depoimentos das técnicas são simples desculpas próprias de quem fez o serviço que está em causa e da colega da primeira. As passagens citadas pelas rés dos depoimentos dos médicos são irrelevantes para esta questão. Tendo em conta a sequência das fotografias, o que foi constado objectivamente no Hospital e o que já foi dito e transcrito acima do depoimento do médico MC (e ainda o seguinte: 00:12:37 - Sim. Distingue-se das lesões iniciais porque passou de hiperpigmentação para hipopigmentação. Que significado é que isso tem? Significa que houve uma destruição melanocitária relevante. Inicialmente há um processo inflamatório com libertação de melanina dos queratinócitos, e fica tudo mais escuro. [ruído causado por manuseamento do microfone] havido uma destruição… um dano relevante às células que produzem pigmento. A seguir, em vez de hiperpigmentação há hipopigmentação, que foi o caso. […] 00:13:53 - Quando o dano é suficiente para da hiperpigmentação evoluir para hipopigmentação, e isto tem… Juíza - 00:13:58 - Quando é que isso é suficiente? Testemunha 00:14:01 - Quando houve suficiente destruição das células que produzem o pigmento. Isto é… Juíza 00:14:08 - Então explicando, hiperpigmentação é o quê? Testemunha 00:14:11 Hiperpigmentação é um escurecer da pele, hipopigmentação é um embranquecer. Se a destruição causa um processo inflamatório mais superficial, há hiperpigmentação, fica mais escuro, e depois o escuro vai-se desvanecendo, até que a cor uniformiza. Quando a destruição é um pouco mais profunda, há hipopigmentação. Há uma diferença dos sítios que receberam a energia, os sítios que sofreram o dano, estão mais claros que a pele normal. Por toxicidade sobre as células que produzem a melanina. […] Mandatário da autora: Portanto, neste caso [impercetível] lesões profundas da pele? Testemunha 00:15:34 Não. Profundas significaria uma alteração da superfície, haveria dano da derme. Houve foi um dano mais significativo quando há exclusivamente hiperpigmentação. De qualquer modo a estrutura da pele, excepto no que diz respeito ao sistema pigmentar, está normal. Se passasse… se o Sr. Dr. passasse… se o Sr. Dr. passasse com a mão em cima da pele, constataria que a derme, a pele estava lisa, não tinha havido cicatriz. Há é alteração da pigmentação por um dano mais relevante do que quando há só hiperpigmentação. Não sei se me estou a explicar bem. Cicatriz é outra coisa), as declarações de parte da autora servem para esclarecer que as fotografias juntas como doc. 6 da PI demonstram o estado das pernas dela após terminar a sessão (a mesma disse quanto à data das fotografias que as tinha no telemóvel e a questão não foi desenvolvida naturalmente por falta de interesse dado que a questão era líquida).
Não é verdade, por outro lado, o que as rés dizem: no doc.9 da PI, relatório médico, consta expressamente que “a autora foi por mim [médica: FP, dermatologista] observada a 27/09/2022 […] apresentando queimadura de 1.º grau das pernas e virilhas. […].” O que as rés dizem, ou seja, “Em todo o caso, os mesmos apresentam não queimaduras, mas vermelhidão, eritema ou indícios de hipopigmentação (como, aliás, expressamente referido no relatório médico junto com a PI como doc.9)”, nem sequer consta, nesses termos, do relatório médico em causa: Nele não constam, por exemplo, as palavras ‘vermelhidão’ nem ‘eritema’, nem ‘indícios.’ Consta apenas, mais à frente, a frase: “Dia 16/12/2022 [ou seja, mais de 3 meses depois], teve consulta de seguimento, apresentando áreas extensas de hipopigmentação pós-inflamatória […].” Veja-se ainda o que diz o médico MC: Mandatário da autora 00:28:17 Este tipo de lesões pode-se qualificar como um vermelhão? Vermelhidão. Testemunha 00:28:28 Não.
E ainda quanto ao argumento do Biafine usado pelas rés: médico MC: Mandatário da autora 00:35:08 […]. A questão é: em face da ocorrência destas queimaduras, o tratamento adequado é a aplicação de Biafine? Testemunha 00:35:25 - Aqui é-me difícil pronunciar porque não eu observei no imediato, e aí estamos a falar do imediato. Eu observei já as sequelas. Eu diria que na fase inicial o tratamento tem que ser adaptado às alterações verificadas concretamente naquela pessoa concreta. Grosso modo parece-me uma abordagem um pouquinho ligeira e excessivamente genérica do que terá sido, e estou a especular, porque eu não vi a MD no momento agudo, mas não se chega uma situação de hipopigmentação sem uma perturbação da pele que se manifeste de uma maneira que o Biafine exclusivamente… que o Biafine seja abordagem exclusiva. Juíza 00:36:20 - Quer dizer que não… para si… ai, desculpe, Sr. Dr. o Biafine era insuficiente, é isso? Testemunha 00:36:27 - Acho que deve ter… deve ter havido uma inflamação suficientemente severa na fase inicial para justificar uma abordagem terapêutica mais incisiva. E isto sem que esta testemunha soubesse, ainda, nesta parte do depoimento, da terapêutica endovenosa aplicada. E sendo nítido que, por uma questão de cortesia profissional, não quer pôr muito em causa o tratamento prescrito, pelo telefone, pela médica das rés.
Acrescente-se que o doc.7, nota de alta urgência geral [com impressão às 14:15, como foi esclarecido pela Sr.ª juíza – pouco mais de uma hora depois do termo da sessão], escreve expressamente: “eo: […] presença de queimaduras grau I, sem flictenas, em ambos os membros inferiores, desde as virilhas até aos tornozelos.” Sendo que o “eo:” quer dizer: em observação. Ou seja, é algo que o médico observou, não foi algo de que a autora se queixou.
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As rés querem eliminar o facto 55.
Isto com base no facto de a autora não ter manifestado dores nem queixas, para o que volta a invocar os depoimentos das técnicas AF e LS.
Já se viu a questão das dores e a falta de credibilidade dos depoimentos das testemunhas AF e LS, para já nestas partes (a preocupação idêntica das 3 testemunhas técnicas é dizer que a autora fala exclusivamente em ardor e desconforto, numa linguagem que não convence ninguém, por nada ter de natural, como lembrou a Sr.ª juíza na audiência), pois que estão a arranjar desculpas para o serviço mal prestado.
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As rés querem eliminar os factos 58 e 59 (embora também refiram o 62).
Trata-se, de novo, da ocorrência de queimaduras e de a autora ter manifestado dores intensas e as rés voltam à “prova já anunciada a este respeito”, ou seja, aos depoimentos das técnicas AF e LS.
Pelo que já foi dito acima, os depoimentos destas testemunhas não merecem credibilidade. Desvalorizam todo o ocorrido – apesar das evidências decorrentes dos elementos objectivos já analisados – de modo a desresponsabilizar as rés e a técnica que fez a depilação (aquela testemunha AF).
De resto, é contraditório pretender fazer crer que foi a técnica LS que teve a iniciativa de contactar a médica perante a desvalorização, pela técnica, das queixas da autora (é esta que convence do contrário, quando conta o episódio, tendo em conta tudo o que já foi dito sobre os outros elementos de prova). E a 1.ª parte do facto 59 não quer dizer o que as rés pretendem retirar dele (e note-se, de novo, a impugnação de todo o facto, mas depois o aproveitamento de parte dele), já que o que se está aqui a discutir é de quem partiu a iniciativa.
As rés, entretanto, esqueceram-se que também anunciavam estar a impugnar o facto 62.
Face aos elementos objectivos já referidos, esclarecidos pelas declarações de parte da autora, os factos em causa estão provados no seu todo (os elementos objectivos e as declarações de parte são prova positiva deles; os depoimentos invocados pelas rés, prova negativa, não os tornam duvidosos: art. 346 do CC).
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As rés querem eliminar os factos 64 e 65.
Isto partindo da tese das rés de que a autora não manifestou dores.
Voltam a recorrer aos depoimentos das testemunhas AF e LS e invocam ainda as declarações de parte do representante das rés, que disse o que teria sido comunicado para o escritório.
Face aos elementos objectivos já referidos esclarecidos pelas declarações de parte da autora, considera-se que a prova feita pelas rés não torna duvidosos os factos em causa.
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As rés querem eliminar o facto 67.
Baseiam-se, segundo dizem, nos documentos 7 e 8, e em considerações genéricas da médica AS.
O doc.7 já foi analisado e dele não resultam apenas as queixas subjectivas da autora, mas aquilo que foi observado pelo médico, com a necessária experiência, e, por isso, o porquê da medicação. E o doc.8 limita-se a confirmar o tratamento prescrito. Deles não se retira nada contra o facto 67, antes pelo contrário. As considerações genéricas da médica têm pouco interesse, mas até apontam em sentido contrário. O médico que atendeu a autora, para ser mais rápido a aliviar as dores de que ela se queixava, que ele aceitou com a experiência que tem, deu a solução que seria mais rápida para o efeito. Aliás, neste sentido, vai o espontâneo depoimento do médico MC quando sabe que foi administrada terapêutica endovenosa (já transcrito acima).
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As rés querem eliminar os factos 70 e 73.
Invocam o que consta dos docs. 7 e 9 juntos com a PI e as declarações de parte da autora, bem como o depoimento de AA, que não dizem quem seja.
O que consta do facto 70 é a prescrição de uma consulta e o fim dela; a prescrição retira-se sem qualquer dúvida do doc.7 e o fim dela das regras da experiência comum das coisas (a prescrição daquela consulta tem, naturalmente, o fim visado).
O que consta do facto 73 está certo, à excepção de dois erros que importa corrigir: a consulta feita não foi de cirurgia plástica, mas de dermatologia, e a consulta marcada foi, mais precisamente, de seguimento. A prescrição das outras coisas que constam do facto 73 para além dos medicamentos não tinha de constar de receita médica e naturalmente foi dada de viva voz (e está indiciada, para além de com a natureza das lesões, ainda com a referência ao facto de a autora não tolerar o vestuário sobre as lesões).
De resto, os elementos de prova indicados pelas rés apenas apontam para tal erro e não para o resto da pretensão (eliminação dos factos). A testemunha indicada é a sogra da autora e fala do tratamento realizado, não do prescrito.
O facto 73 será, pois, alterado, apenas para acolher as correcções assinaladas.
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As rés querem eliminar os factos 83, 84, 96 e 101.
Dizem que a decisão destes factos se baseou “nas declarações de parte prestadas pela autora, as quais foram, a este propósito, completamente exacerbadas, contrárias às regras da experiência comum e a juízos de normalidade, e, em todo o caso, não corroboradas por qualquer outra prova.”
E invocam os elementos de prova já analisados para os factos das lesões, danos e dores fortes, com as conclusões, que já tinham tirado, de “não resultar da prova produzida que a autora tenha sentido, nem durante nem imediatamente após o tratamento em causa, dores, muito menos fortes ou de grau 7.” Ainda desvalorizam o que foi dito pelo médico MC. E transcrevem duas passagens do depoimento da médica AS a propósito de lesões permanentes.
Antes de mais, os factos em causa não têm a unidade de sentido invocada pelas rés para se permitirem analisar a todos em bloco, designadamente os factos 101 e 84 não têm nada a ver um com o outro, nem com os outros dois. Aliás, as rés não têm qualquer linha da impugnação relativa ao facto 101.
De qualquer modo: tendo em conta os elementos objectivos (observação do médico na nota de alta, relatórios médicos, fotografias), as regras da experiência comum das coisas quanto às consequências do que dali resulta (todos nós já sofremos queimaduras ao longo da vida, de grau variado, e sabemos as dores, mal estar e desconforto que provocam, também em grau variado), é perfeitamente credível o que foi dito a propósito destes factos (83, 84 e 96) pelo marido e sogra da autora, pelo médico MC e, para esclarecimento, pelas declarações de parte da autora.
Note-se que o sentido do facto 83 é, nesta parte, empolado pelas rés, mas ele deve ser lido, por exemplo, tendo em conta o que também consta do facto 96. É, portanto, despropositada a transcrição das declarações de parte da autora no sentido de que não tirou nenhuma dia de baixa, porque dos factos alegados pela autora não consta o contrário, sendo também erradas as conclusões que as rés vão tirando, como por exemplo nos §§ 159 e 160, sem qualquer suporte em quaisquer regras conhecidas da experiência comum das coisas: “ora, é do senso comum que se a autora tivesse, efectivamente, ficado com dores fortes e lesões, seguramente que não teria, por mais forte e boa profissional que fosse, conseguido ir trabalhar no dia útil imediatamente seguinte à sessão em causa. Se a autora estivesse, efectivamente, incapacitada, não teria conseguido levantar-se, vestir-se e deslocar-se ao seu local de trabalho, onde terá permanecido todo o dia (o que se repetiu nos dias seguintes)” (apenas por exemplo, desde quando é que normalmente as pessoas com fortes dores deixam de ir trabalhar, sem mais? As rés estarão a referir-se apenas a pessoas com capacidades económicas e/ou trabalhadores independentes, ou que não têm de suportar sacrifícios para conseguir manter o emprego ou que não gostam do trabalho que fazem ou que não sentem responsabilidade por ele; e “escassos” minutos de consulta não é uma medida da gravidade de lesões independentemente da natureza delas).
Tal como é despropositada as transcrições das passagens do depoimento da médica AS, a propósito de lesões permanentes, que não constam em nenhum dos factos provados.
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As rés querem eliminar os factos 88 e 91.
Dizem que as fotografias que estão nos autos não são de 17/03/2023, nem existem outros elementos que permitam sustentar o alegado estado das pernas da autora à referida data; e que “o primeiro relatório médico posterior à instauração da presente acção, de 05/06/2023 (junto como doc.1 com o requerimento da autora de 11/07/2023), refere que as zonas em causa apresentam já repigmentação parcial e repigmentação folicular (cf., aliás, facto provado n.º 89). E dizem “não se compreende como pôde o mesmo Tribunal considerar provado que, em 11/07/2023, as pernas da autora apresentavam o aspecto visível nas fotografias juntas com o requerimento de 24/07/2023”, “não só tais registos constituem fotocópias/digitalizações simples, desconhecendo-se a genuinidade/fidelidade da exactidão da sua reprodução mecânica e/ou conformidade com o original, como o único no qual é possível visualizar a pessoa neles retratada ⎯ e, de resto, a data do periódico Correio da Manhã ⎯ não demonstra quaisquer alterações na pele daquela.
Quanto ao facto 88, as fotografias já foram analisadas acima e delas é possível retirar o que consta do facto. O facto utiliza expressões utilizadas num documento anterior, mas que, naturalmente ainda eram adequadas à data da PI, segundo as regras da experiência comum das coisas: basta comparar as fotografias juntas com a PI e as juntas com o requerimento de 24/07/2023 e aquilo que o tribunal pode observar na audiência de julgamento, conjugado com o que foi dito pelo médico MC sobre a evolução das queimaduras. O facto 91, face ao que já se disse sobre as fotografias, está inequivocamente certo e as rés não têm qualquer razão para repetir agora, aquilo que já tinham dito em Agosto de 2023 quanto ao requerimento de 24/07/2023. O que consta do relatório de 05/06/2023 não tem qualquer interesse para estes dois factos.
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As rés querem eliminar o facto 92.
Servem-se para tal de passagens do depoimento da médica AS e das declarações da autora na audiência.
As rés negam, na resposta de 08/08/2023, aquilo que é evidente numa fotografia. Agora, põem em causa o que deve ter sido constatado pela própria Sr.ª juíza no decurso da audiência final. Este TRL dá mais credibilidade ao que foi constatado pela Sr.ª juíza. As declarações de parte não têm o sentido que lhes é dado pelas rés: a autora e sua mandatária fazem a reserva: “praticamente” (veja-se ainda Autora: 00:20:25 […]. E as manchas ainda se notam, mesmo que digam que não, eu sei que as minhas pernas não estão iguais ao que eram antes, e sinto que não… não… não estou à vontade como estava de antes, agora. E mais à frente: Juíza: 00:46:28 E quando é que isto desapareceu praticamente? Diz que acha ainda está um bocadinho diferente. Autora: 00:46:31 - Ainda tem manchas. Está diferente, não está tão marcado como estava aí… Juíza: 00:46:36 - Mas pelo que o médico disse, não ficou com sequelas. Sequelas, quer dizer, não ficou… Autora 00:46:41 - Há uma manchinha ou outra que ficou. […] Juíza 00:47:03 - Já começou a notar que estava melhor? Autora 00:47:06 Não está bom, ainda.)
Aliás, o depoimento do médico MC é significativo (e cita-se apenas uma pequena parte do que o mesmo disse a propósito e perante isto é surpreendente que as rés defendam que não está provado o que consta do facto 92): 00:42:19 Ó Dra., muito perplexo ficaria eu se não repigmentasse. Com esta diferença… eu vi a MD há seis meses… Juíza 00:42:28 Há um ano. Testemunha 00:42:29 Há um ano, seis meses. Juíza 00:42:29 Não, não foi há um ano. Foi em Junho de 2023. Testemunha 00:42:33 - Pronto. A diferença de cor é significativa, melhorou bastante, há… se eu estivesse a ver a MD em ambiente de consulta, dizia, “MD, garantidamente vai ficar bem”. Juíza 00:42:48 - Acha que não vai gerar… porque há pouco o Sr. Dr. usou a palavra sequela, daí que eu tenha pegado nessa… Testemunha 00:42:51 - Agora não. Juíza 00:42:54 - À partida não lhe parece que vá ficar… Testemunha 00:42:56 - Mas isto é muita sorte… é uma sorte, porque com aquelas manchas brancas já vi… já vi para a vida. Juíza 00:43:03 - Mas ainda se vê? Testemunha 00:43:05 - Ainda se vê. Ainda se vê. Mas daqui a um, dois anos não se vai ver. […]. Juíza 00:43:11 - Dois anos… sim, sim, sim. Terá cura total? Testemunha 00:43:14 - Porque vai repigmentar, vai uniformizar.)
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As rés querem eliminar os factos 93, 94, 95, 97, 98, 99 e 100.
Dizem que “tais alegações [sic - TRL] são exclusivamente baseadas nas declarações de parte da própria autora (ou de familiares seus), com particular interesse na causa, como são contrariadas, quando não pelas regras da experiência comum, pela demais prova produzida. E invocam passagens daquelas declarações e depoimentos do marido e da sogra da autora.
Se se ler de forma linear – em vez de forma distorcida como o fazem as rés - aquilo que consta daqueles factos provados, resulta evidente que tudo o que lá consta não é, de modo algum, contrariado pelas supostas regras da experiência alegadas pelas rés e passagens de declarações e depoimentos invocadas pelas rés. Antes pelo contrário. Para além de as rés se basearem em pressupostos não provados (ausência de dores, inexistência de queimaduras), como já se viu acima. E a autora, o marido e a sogra não disseram, nas passagens invocadas, que a autora foi à praia no Verão de 2023 expondo ao sol as pernas com as manchas (e é disto que o facto 99 fala), como abusivamente as rés dizem.
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As rés querem eliminar os factos 102 e 103.
Trazem para o caso, de novo, a despropósito, a questão da ausência de bolhas e da falta de identificação das fotografias; bem como do facto de a autora não se ter deslocado a unidades de saúde para trocar os pensos…; referem ainda a falta de recibos, apesar de todos os documentos das consultas e dos produtos serem facturas-recibos com o número de contribuinte da autora. Terminam com a afirmação de que “Ficou, assim, por demonstrar que a autora tivesse sofrido qualquer reacção duradoura, a sua gravidade e/ou extensão, e, consequentemente, a alegada necessidade ou conveniência da referida medicação/terapêutica para o respectivo tratamento (se e quando efectivamente adquirida para e a expensas da autora).”, que nada tem a ver com os factos 102 e 103.
As consultas do hospital da luz custaram, em 23/09/2022, 62€; em 27/09/2022, 17,50€; em 16/12/2022, 17,50€; o que totaliza 99€.
Foi-lhe receitado em 23/09/2022 penso em dias alternados (com pomadas locais) e analgesia (medicação analgésica): diprogenta e emoliente (a própria médica das rés disse-lhe para comprar pomada na farmácia e colocar compressas grossas); compra Nolotil 20 [tudo o que se segue é retirado das bulas médicas ou das indicações dos produtos: o Nolotil é um medicamento que possui acção analgésica, antipirética e espasmolítica. […] está indicado na dor aguda e intensa, incluindo dor espasmódica e dor tumoral, e na febre alta, que não responde a outras terapêuticas antipiréticas] por 2,69€ no dia 23/09/2022, com factura/recibo; compra no dia a seguir Elocom creme [Elocom é indicado para o alívio da inflamação e do prurido (coceira) nas doenças de pele que respondem ao tratamento com corticóides tópicos] por 4,82€, com factura recibo; compra no dia 25/09 elocom creme por 4,82€ com factura recibo; compra no dia 27/09, um spray Isdin wetskin [protecção solar invisível e ligeira, fotoprotector corporal em spray], por 27,35€, com 23% de iva; uriage xémose bals apazig [Uriage Xémose Bálsamo Óleo Apaziguante anti-prurido é um bálsamo rico, que ajuda a hidratar intensidade, enquanto regenera, fortalece e acalma a pele do corpo irritada] por 28,50€ por 23% de iva; e 2 cremes diprogenta por 7,64€; mais um hidrospot gel bisnaga [este medicamento está indicado no tratamento de hiperpigmentações cutâneas […] e hiperpigmentações residuais pós-inflamatórias] por 21,96€, tudo com factura recibo; compra, no dia 03/10/2022, um lrposay cicaplast gel [Favorece uma óptima recuperação epidérmica: a função de barreira da pele restabelece-se mais rapidamente. Pode ser utilizado para massajar cicatrizes. Deixa a pele mais flexível, com menos vermelhidão e dolorosa] por 14,10€; um silipack loox Cr sil pele por 26,30€ [loox silipack creme silicone é utilizado para alisar o tecido da cicatriz, aumentando a sua elasticidade e reduzindo as alterações de cor, melhorando visivelmente o seu aspecto], um uriage xémose creme emoliente [este creme nutritivo e protector diminui o prurido que leva à necessidade de coçar oferecendo um conforto duradouro. Com uma textura fluida e “não colante”, permite um fácil espalhamento. Espaça as fases de secura severa e proporciona um conforto duradouro. Apazigua de imediato. Este cuidado proporciona uma acção apaziguante […] Reforça as 3 barreiras cutâneas para uma acção apaziguante duradoura] por 28,10€, no total de 68,50€ mas com um desconto de 18,60€, o que dá 49,90€, com factura recibo; compra no dia 11/10/2022, o mesmo silipack por 26,60€ com um desconto de 2,66€, com o resultado de 23,94€, com factura recibo; e novamente o mesmo silipack por 23,94€ com factura recibo no dia 17/10/2022. Tudo no total de 195,56€.
Em 16/12/2022 foi medicada com tacrolimus [“a substância activa do Tacrolímus […] é um agente imunomodulador. […] Na dermatite atópica, uma reacção excessiva do sistema imunitário da pele causa inflamação da mesma (comichão, vermelhidão, secura). O Tacrolímus […] altera a resposta imunitária anormal e alivia a inflamação da pele e a comichão] e emoliente e não apresenta despesas.
No dia 05/06/2023 é-lhe receitada fotoprotecção (protector solar gel wet), emoliente e tacrolimus 0,1 (pomada bisnaga) e não apresenta despesas.
Tendo em conta que nem tudo o que os médicos prescrevem implica receita médica (o que é o caso do que consta acima com iva a taxa a 23%, mas não com 6%) e que a autora comprou tudo aquilo de que pede o reembolso até 11/10/2022, tudo enquadrado nas necessidades decorrentes das queimaduras provocadas e implícito nas prescrições médicas, o que se pode dizer é que a autora foi demasiado comedida e, por outro lado, que tudo o que comprou pode ter levado à reversibilidade das lesões, em benefício também das rés (sendo que o valor da soma das parcelas é superior ao valor que consta do facto 103).
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O tribunal considerou não provadas as seguintes alegações de facto feitas pelas rés:
d\ A sessão em causa decorreu com inteira normalidade, sem quaisquer intercorrências ou complicações, e segundo os parâmetros previamente definidos como adequados.
i\ Em momento algum a autora referiu quaisquer queixas ou dores, caso em que a técnica responsável teria interrompido, de imediato, o tratamento em causa.
j\ E sem que se tenha registado qualquer redução das potências aplicadas em cada uma delas, maxime nas virilhas e nas pernas, muito menos motivada por qualquer desconforto (não) demonstrado pela autora.
As rés querem que tais alegações sejam consideradas provadas.
Dizem que tais factos decorrem inequivocamente da prova produzida, nomeadamente documental e testemunhal, especialmente quando apreciada à luz da lógica, das regras da experiência comum, e da normalidade do acontecer. Invocam o que consta da ficha técnica junta com a contestação (doc.4) bem como o registo do aparelho junto com a contestação (doc. 9), remetendo, a propósito da sua autenticidade, veracidade e correspondência com o aparelho utilizado na referida sessão, para o que se deixou dito acima quanto ao facto 49. Invocam também o que foi dito a propósito pelas técnicas AF e CG. E invocam os factos 41, 42 e 28 e o que foi dito pelas testemunhas a propósito e o que contaram a propósito do que costuma acontecer e que dizem ter acontecido no caso. Invocam ainda o que resulta da informação livremente acessível na página de Internet da Clínica. E ainda o que foi dito pelo seu legal representante, argumentando com a lógica das coisas e não com o que se passou de facto no caso. E vão buscar também o que a testemunha EA diz da formação que dão (embora quando esta testemunha foi inquirida sobre questões de formação, tenha respondido que é técnica e que não dá formação…).
Tudo isto já foi analisado e discutido. Trata-se de matéria de impugnação que não deve nunca ficar a constar dos factos provados, pois que, ou não se prova (e não há factos), ou deve levar apenas à falta de prova dos factos alegados pelos autores (tornando-os duvidosos: art. 346 do CC). Seja como for, perante a prova já analisada, é óbvio que dela não resulta, de modo algum, o que consta de d\, i\ e j\, precisamente porque se provou o contrário, ou seja, os factos alegados pela autora, como já está fundamentado.
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O tribunal considerou não provadas as seguintes alegações de facto feitas pelas rés:
e\ As potências nela utilizadas [«Intensidade» 10 e 13 (virilhas, parte de fora e parte de dentro, respectivamente), e 10 e 11 (meia perna, frente e trás, respectivamente)], por meio do suporte «Campo 24mm», haviam já sido aplicadas numa sessão anteriormente realizada pela autora na mesma Clínica, em 21/02/2022 (cf. ficha técnica supra junta como doc.3).
k\ Na zona das virilhas foram mantidas, ao longo da sessão em causa, as intensidades 10 e 13, e nas meias pernas as intensidades 10 e 11.
l\ Potências essas já anteriormente aplicadas na sessão de 21/02/2022.
As rés querem que tais alegações sejam consideradas provadas.
Vão buscar para o efeito o que consta do doc.3 da contestação, o que a técnica AF diz sobre o que aconteceu na sessão e o que a técnica CG diz que deve ter acontecido. E o que o legal representante diz sobre uma alegada averiguação interna e sobre o que lê dos documentos que lhe são exibidos. E ainda vão buscar o depoimento do marido da autora para tentar demonstrar que nas anteriores sessões tudo tinha decorrido bem, o que, evidentemente, a autora aceita, pois que senão não tinha ido a nova sessão. E ainda o que foi dito pela testemunha EA sobre os documentos e a máquina.
Já se disse que não há prova de que a máquina com a qual foi feito o tratamento da autora seja a máquina a que se reportam os documentos 9 e 10 (ou outros juntos em audiência), e também já se desvalorizou o depoimento desculpatório da testemunha AF, pelo que nada disto pode ser dado como provado. O registo constante do doc.3 tem dados gerais e não especifica o que é que foi acontecendo de facto na sessão (tal seria representado pelo doc. 9, se ele fosse o documento do aparelho e se documentasse tudo, o que não é nada certo: note-se, voltando ao assunto, que os apitos do doc.6, se fosse do aparelho que fez o tratamento, não têm coincidência com as fases da sessão que o doc.9 relataria se fosse do aparelho que fez o tratamento: apita 3 vezes entre as 13h36 e as 13h40, quando a máquina, segundo as rés, estaria parada para a hora do almoço desde as 13h – até às 15h).
Veja-se tudo aquilo que já foi dito especificamente sobre os documentos 3, 6 e 9 da contestação.
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O tribunal considerou não provadas as seguintes alegações de facto feitas pelas rés:
f\ qualquer paragem do aparelho fica registada no respectivo sistema informático, não tendo, entre as 12h39m e as 13h36m do dia 23/09/2022 sido registada qualquer paragem (cf. registo que ora se junta como doc.6).
g\ Fora desse intervalo temporal, os únicos avisos [e não erros ou anomalias] efectivamente registados no aparelho em causa [«15.2» e «12.1»] dizem respeito a parâmetros técnicos testados na respectiva preparação e operacionalização, sendo, por isso, perfeitamente normais e inócuos para a adequada realização do tratamento de depilação laser.
As rés querem que tais alegações sejam consideradas provadas.
Para tanto invocam o doc.6 da contestação – que dizem reflectir os “avisos” do próprio sistema do aparelho de depilação a laser, nomeadamente os parâmetros técnicos testados antes do equipamento ficar operacional – e o doc.9 da contestação – que dizem reflectir, esse sim, a sessão de tratamento e respectivos dados técnicos (e a sua variação ao longo da sessão) e dizem que o tribunal confundiu os dois. E invocam outros documentos para prova de que aqueles outros são da máquina em causa.
As rés dizem também que de tais documentos e do que as testemunhas EA e AF disseram sobre eles resulta provado o que consta das alegações f\ e g\.
O que decorre dos documentos 6 e 9 e dos depoimentos das testemunhas EA e CG já foi exaustivamente analisado e nada é aproveitável como já se demonstrou. O que a testemunha AF disse sobre o assunto é inócuo.
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Entretanto, as rés apresentaram, para junção, com o recurso, um documento n.º 2, com a alegação de que “apenas na Sentença se ter colocado, aparentemente, a dúvida sobre a sua correspondência (e que corresponde a uma parte do documento junto pelas Rés com o requerimento de 10.02.2024, sob a referência Citius n.º 25013915)].”
A alegação das rés não justifica a apresentação do documento neste momento. A força probatória de todos os documentos que ela apresentou antes estava sujeita a livre apreciação, pelo que elas não podiam deixar de saber que o tribunal podia não se fiar neles. Assim sendo, se tinham outros documentos para reforçar aquela força probatória, tinham que os juntar no mesmo momento.
Assim sendo, não se admite a junção aos autos do documento 2 apresentado com o recurso; o mesmo terá, por isso, de ser desentranhado e as rés terão de ser condenadas em multa (artigos 443 do CPC e 27 do RCP).
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O tribunal considerou não provadas as seguintes alegações de facto feitas pelas rés:
h\ O aparelho em causa estava perfeitamente operacional no dia em causa, e assim permaneceu nos dias e meses subsequentes.
As rés querem que tais alegações sejam consideradas provadas.
Começam por dizer que o tribunal insinuou que o aparelho não estava em condições. Depois, segundo as rés, quer do doc.6 da contestação quer do depoimento das técnicas AF e LS e ainda das declarações do legal representante das rés [que se limita a contar o que aquelas lhe contaram]) resulta que o aparelho em causa não registou qualquer paragem, avaria ou anomalia no decurso da sessão da autora. E o mesmo resultaria do doc. 9 da contestação, isto é, o mesmo continuou a funcionar, normalmente, após aquela sessão, nomeadamente após a pausa para almoço (a partir das 14h59m45s).
Ora, isto é surpreendente, porque, se tiver havido uma pausa para o almoço até às 15h, como dizem agora as rés, então essa pausa estaria reflectida na 1.ª linha do doc.9 acima transcrita, ou seja, a linha das 12:48 até às 14h59. Pelo que a sessão da autora teria terminado às 12:47:41. Isto tudo seria lógico, mas contraria a versão das rés – mas não da sua testemunha CG, por exemplo -, de que a sessão da autora “foi prestada entre o 12:41 e as 13h.” E se, segundo as rés, o aparelho esteve parado para almoço, até às 14h59m45s (desde que horas fica ao arbítrio das rés; ou então teriam de admitir que estaria parado desde as 12h48), então afinal as linhas do doc.9 não se referem, necessariamente, às sessões de tratamento.
As rés, depois, ainda gastam mais uma página a tentar demonstrar que a sentença está errada quanto à hora até à qual aquela máquina teria estado a trabalhar, que a sentença terá dito ter sido até às 16h e a testemunha EA, quando confrontada com o doc. 9 da contestação, disse “até às 16… até às 16 e [impercetível] mais ou menos, que a máquina esteve a trabalhar.”
Lembre-se entretanto que as rés estão a tentar aproveitar, para tudo e mais alguma coisa, os documentos 6 e 9 da contestação, quando, como foi dito acima, teve que ser a Sr.ª juíza a fazer perguntas à testemunha CG sobre tal documento e teve que ser o mandatário da autora a desenvolver as poucas perguntas que as rés tinham feito à testemunha EA sobre o doc.6.
As rés gastam ainda mais algumas páginas a tentar provar que os documentos 8 e 10 da contestação dizem respeito ao equipamento adquirido pelas rés em Maio de 2016, instalado na Clínica de Oeiras e utilizado na sessão em causa, dizendo que é o mesmo equipamento a que, de resto, se referem os documentos 6, 7 e 9 da contestação, e o documento junto com o requerimento das rés de 10/02/2024 e, a acrescer à prova (documental e pessoal) enunciada a propósito do facto 49 (e para a qual integralmente remetem), invocam ainda uma passagem do depoimento da testemunha EA quando confrontada com os documentos 7, 8 e 10 da contestação.
Ora, aceitando-se que os documentos em causa dizem todos respeito a uma certa máquina, eles não provam que fosse essa a máquina que fez o tratamento.
E com os certificados de segurança de Maio de 2022 e Maio de 2023 as rés tentam convencer que há prova suficiente da alegação h\, quando esses documentos se limitam a provar que nos momentos em causa a máquina foi certificada, não afastando, de modo algum, que a máquina em causa – que, de resto, repita-se não se sabe se foi a máquina que fez o tratamento ou sessão de tratamento – pudesse ter-se avariado no dia da sessão ou que tivesse sido mal operada/manuseada.
Depois, as rés alegam que o mal funcionamento daquele equipamento também não deriva, sem mais, da alegada ocorrência de queimaduras durante a sessão da autora, nem da sua aparente falta de causa, isto porque o facto de se ter verificado uma reacção na pele da autora não significa, necessariamente, uma avaria do aparelho de depilação, antes consubstanciando um efeito adverso possível, mesmo que o procedimento seja efectuado correctamente, e com o equipamento em pleno funcionamento. Dizem que tal decorre do depoimento da técnica CG.
Mas, o facto de as queimaduras poderem aparecer mesmo que o aparelho esteja bom, não quer dizer que o aparelho esteja bom e a funcionar bem (nem que tenha sido bem operado).
Em suma não há qualquer prova do que consta de h\.
Entretanto, as rés tentam juntar mais um doc.3, aqui sem sequer tentarem justificar o facto de só agora o fazerem. Pelo que não se admite o mesmo, ele será desentranhado e as rés condenadas em multa.
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O tribunal considerou não provadas as seguintes alegações de facto feitas pelas rés:
m\ O ardor que a autora afirma ter experimentado no final da sessão em causa constitui um dos possíveis efeitos indesejáveis do tratamento de depilação laser.
As rés querem que tais alegações sejam consideradas provadas.
Desde logo, porque da prova produzida resulta que, no final da sessão de tratamento, a autora apresentava, não queimaduras, mas vermelhidão, eritema ou indícios de hipopigmentação, com sensação de ardor/desconforto (e não dor, muito menos severa), remetendo para aquilo que já disseram a respeito dos factos 48, 50, 52 e 82, e acrescentando as declarações de parte do legal representante das rés que se limita a repetir o que lhe foi reportado pela técnica LS.
Depois as rés põem-se a discutir se o ardor constitui efeito secundário comum, normal e imediato ao tratamento em causa, o que resultaria directamente, quer do consentimento informado junto com a contestação como doc.12, quer da captura da página de Internet da CUF referente a uma publicação datada de 23/06/2023, junta pelas rés no decurso da primeira sessão da audiência de julgamento (01/02/2024) e ainda da informação livremente acessível na página de Internet da Clínica. Acrescentam que é, aliás, justamente por a depilação a laser ter efeitos secundários possíveis (entre outros riscos) que se prevê a apresentação, explicação e assinatura de uma declaração de consentimento, como a assinada pela autora, como resultaria daquilo que teria sido dito pelos médicos MC e AS e ainda pelos pelas técnicas da Clínica e da colaboradora da SC.
Ora, a alegação de facto que está em causa é o ardor. E como não se prova que a autora tenha sofrido um ardor, mas sim queimaduras (como já foi discutido suficientemente acima), a discussão não tem qualquer sentido.
As rés, depois, dizem que ainda “que se tratasse, verdadeiramente, de uma queimadura, o que não se concede, tal efeito secundário possível estaria, igualmente, embora de ocorrência rara, abrangido pelos referidos documentos”, como resultaria do que foi dito pelas técnicas AF e LS, pelos médicos AS e MC, pela comercial da fornecedora, EA, e pelo legal representante das rés e ainda resultaria do que consta do ponto 9 do consentimento doc.12. E depois ainda se põem a discutir a necessidade ou não de novos consentimentos ou do que é que devia constar dos consentimentos.
O art. 640/1 do CPC dispõe o seguinte sob os Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto: Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; […] c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
As rés estão aqui a impugnar o decidido relativamente ao que consta de m\ e o que entendem é que o consta de m\ deve ser considerado provado. E não convenceram.
Ora, nada do que as rés dizem por último tem algo a ver com o que consta de m\: O ardor que a autora afirma ter experimentado no final da sessão em causa constitui um dos possíveis efeitos indesejáveis do tratamento de depilação laser.
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O tribunal considerou não provadas as seguintes alegações de facto feitas pelas rés:
n\ A potência utilizada no tratamento das virilhas e das meias pernas (10 a 13) correspondem a potências médias no espectro laser do tipo Neodimio-YAG para o mesmo suporte (campo 24mmm), que se estende até ao parâmetro 16, o que mais ainda afasta qualquer possibilidade de queimadura.
As rés querem que tais alegações sejam consideradas provadas.
As rés dizem, antes do mais, que as referidas potências foram, efectivamente, as aplicadas na sessão em causa, remetendo-se, para maior facilidade, para toda a prova enunciada a respeito dos factos não provados e\, l\ e k\, o que já se discutiu e se considerou improcedente.
Depois as rés põem-se a defender que quer a tecnologia definida (Neodimio-Yag), que quer as potências aplicadas, foram as adequadas ao fotótipo de pele e de pêlo da autora, para o que invocam os depoimentos da técnica AF e CG e do médico MC.
Ora nada disto está em causa nas alegações constantes de n\.
Mas, mesmo que se pudessem utilizar, para aqui, aqueles elementos de prova, por exemplo o da técnica CG quando diz que “A intensidade aplicada é muito pouco provável que possa despoletar qualquer situação deste género.”, a verdade é que, como já se viu, não resultou provada qual foi, de facto, a potência e a tecnologia utilizadas.
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O tribunal considerou não provadas as seguintes alegações de facto feitas pelas rés:
o\ A reacção verificada na pele da autora, resultou de factores exógenos ao mesmo como reacções orgânicas do próprio organismo, associadas aos respectivos antecedentes médicos, toma de medicação, e aplicação de determinados produtos cosméticos/farmacêuticos, ou ao seu comportamento anterior ou posterior a cada sessão, indevida exposição solar ou recurso a solário,
p\ e não dos parâmetros definidos e aplicados na sessão em causa, de um qualquer incorrecto manuseamento ou defeito de funcionamento do aparelho utilizado no âmbito da mesma, ou de um eventual erro de execução ou desempenho pela técnica responsável.
O tribunal fundamentou assim a respectiva decisão:
Quanto aos factos constantes dos factos (d), (i) e (n) e (o) os mesmos mostram-se contrariados pelos factos provados 29 a 62 relativamente ás circunstâncias em que ocorreram os factos e as provadas queixas da autora.
Relativamente aos factos não provados (n) e (o) as rés não fizeram prova dos mesmos sequer de que as queimaduras tenham derivado de factores exógenos, porquanto, por um lado não era a primeira vez que a autora fazia sessões de depilação a laser com a autora e em nenhuma delas isso aconteceu, o que indicia que as características da pele da autora eram compatíveis com a depilação a laser sem que tivessem alguma vez ocorrido efeitos secundários e adversos como os que as rés referem na declaração de consentimento assinada pela autora em Fevereiro de 2013.
Note-se ainda que como referido pelas testemunhas AF e CG foi feito um questionário à autora para realizar a ficha técnica, bem como analisada a pele da autora e não se crê que com a experiência das técnicas das rés não tivessem percebido que a autora tivesse estado exposta ao sol nos dias antes da sessão de depilação se tal tivesse ocorrido. Ademais, diremos que nenhuma prova as rés fizeram que a autora tomasse medicação incompatível com a realização da sessão de depilação a laser. Acresce ainda referir que a testemunha Dr. MC foi peremptória em afirmar o nexo de causalidade entre as lesões que a autora apresentava e os disparos do aparelho de laser, referindo que o que ocorreu foi uma absorção de energia superior à adequada que as lesões foram causadas por uma fonte de energia. Observou as lesões. Não há doença que o cause.
Mais disse que o resultado que constatou nas pernas é decorrente garantidamente de causa externa ao corpo da autora. As alterações de pigmentação tinham um formato geométrico preciso e cada disparo do lazer tem também um formato específico. Afirma que na sua experiência de 36 anos de dermatologista nunca viu lesões similares com uma causa distinta. O que se pretende no tratamento de depilação a lazer é destruição do pêlo, mas com preservação da pele, o que não aconteceu aqui que danificou para lá do pelo. Para si, a energia foi desadequada à situação concreta da autora não tem dúvida.
As rés querem que aquelas alegações sejam consideradas provadas.
A fundamentação para tal é que ficou demonstrado dos autos, à uma, que as potências aplicadas na sessão em causa foram as adequadas ao fotótipo de pele e de pêlo da autora, e, à outra, que o aparelho utilizado estava perfeitamente operacional, e assim continuou; tendo, de resto, o tratamento decorrido com normalidade e sido realizado até ao final, conforme resulta da segunda parte do facto provado 50 [dando por reproduzida toda a prova supra enunciada a respeito dos factos não provados d\, e\, l\, k\, f\, g\ e h\]. Pelo que, tendo a autora realizado, anteriormente, outras sessões de tratamento de depilação a laser, incluindo com as mesmas potências/intensidades, é da mais elementar lógica que a reacção verificada, além de ser um efeito adverso possível da depilação a laser [reproduzindo-se, aqui, a prova enunciada a respeito do facto não provado m], só poderá ter resultado de factores exógenos como reacções do próprio organismo (que, como órgão vivo, se vai alterando ao longo do tempo), toma de medicação, aplicação de determinados produtos cosméticos/farmacêuticos, exposição solar ou recurso a solário, ou outro comportamento anterior à sessão em causa.
Ora, considerando que os pressupostos de facto de que as rés partem são todas as alegações de facto que pretendiam que fossem dadas como provadas, sem o conseguirem, é claro que as conclusões que pretendem tirar não têm as correspondentes bases de facto.
Depois as rés propõem-se rebater a argumentação do tribunal para não dar como provadas tais alegações. Face à falta de prova das alegações que pretenderam provar, as rés utilizam, agora, especulações sobre o que poderá ter ocorrido. Por exemplo, dizem que a autora poderá, na resposta às questões colocadas no questionário feito pela técnica, ter mentido, omitido ou simplesmente esquecido de mencionar a toma de determinada medicação, a utilização de cosméticos ou mesmo a exposição solar, o que, como referido pelas técnicas LS e CG, não seria de excluir.
E continuam por aí fora, com especulações e hipóteses. Esquecem-se daquilo que está em causa, ou seja, a impugnação de uma decisão do tribunal de não dar como provadas as alegações de facto o\ e p\. Tinham, por isso, de dar elementos de prova dessas alegações – o que fizeram para cima e tudo isso já foi analisado e afastado. E podem continuar a discussão a nível do Direito. Mas é escusada toda a argumentação que se segue, aqui, pois que de modo algum se reconduz à indicação de elementos de prova das alegações o\ e p\.
Assim, ainda por exemplo, quando se referem à possibilidade de terem ocorrido factores hormonais que nem a própria autora conhece ou controla, ou de ela já estar bronzeada, ou de ter tido exposição solar nos dias ou semanas anteriores à sessão em causa.
Ou a tentativa de adaptar a explicação do médico MC às hipóteses que formulam, distorcendo completamente o sentido do que ele disse, transmitido correctamente pela sentença recorrida; ou aproveitarem os depoimentos dos médicos AS e do já referido MC para sustentarem (as rés) a possibilidade de reacções adversas do corpo da autora. Ou de fazerem o mesmo com os depoimentos desculpatórios e desresponsabilizadores (da colega de trabalho, delas próprias, das rés), já apreciados, das técnicas LS e CG, e da comercial EA.
Continuam tudo a ser hipóteses, possibilidades e especulações, mas não indicação de elementos de prova de que realmente tenha acontecido o que consta das alegações o\ e p\ dadas como não provadas, que, aliás, por si não passavam de especulações.
E voltam à questão do consentimento informado aproveitando para com ele continuarem a lançar hipóteses e possibilidades (chegando ao ponto de ficar sugerida a hipótese de a autora, depois da sessão, se ter ido expor ao Sol, como se tivesse havido tempo para isso).
E terminam com o argumento de que “se a reacção verificada resultasse da não observância, pela técnica responsável, das boas práticas na realização do tratamento em causa, mormente das potências utilizadas, ter-se-ia, com enorme probabilidade, verificado um quadro de hipopigmentação também por ocasião da sessão realizada no dia 21/02/2022, […] o que não sucedeu.” E de que “a reacção [sic - TRL] teria, seguramente, surgido em todas as zonas do corpo da autora objecto de tratamento ⎯ desde logo, nas axilas, zona por natureza mais sensível, e sobre a qual foi, até, aplicada potência mais elevada (intensidade 14) ⎯, o que (também) não se verificou.” Esquecendo que toda esta argumentação tem por base o pressuposto de que a máquina não avariou, mesmo que temporariamente, ou não foi mal manuseada, o que não se provou.
De qualquer modo acrescente-se que a relação causal entre as lesões e o tratamento a laser está claramente provada: as lesões foram logo (depois de acabada a aplicação, quando a autora se sentou e tirou os óculos) vistas pela autora e pelas trabalhadores das rés (embora estas as desvalorizem) [factos 51 e 52] e estão constatadas, como queimaduras, pouco mais de um hora depois num hospital [factos 55, 66 e 68] e, como explicou detalhadamente, o médico MC, não há nenhuma explicação alternativa para a existência das marcas das queimaduras [facto 90], que são inúmeras e de forma circular regular desenhando o formato do disparo a laser [facto 88], como é visível em todas as fotografias. São lesões que, nas circunstâncias descritas, só podem proceder da aplicação do laser. Ou seja, como já referido acima, não podem dever-se a uma exposição ao Sol pela autora antes da sessão, nem depois da sessão.
Nos termos do médico MC:
00:04:18 - A MD tinha alterações da pigmentação dos membros inferiores, essencialmente hipopigmentação, com forma geométrica precisa, que não… não decorre nunca de um processo natural, digamos assim. O que eu quero com isto dizer é: não há doença que possa originar este tipo de alteração da pigmentação. A MD referiu que surgiu na sequência de tratamento de laser. É absolutamente admissível, nada me leva a duvidar que a MD estivesse a dizer algo que não fosse verdade, visto aquelas lesões serem induzidas por algo, uma fonte de energia laser ou outra fonte de luz, mas não há doença natural… não sei se me estou a explicar bem.
[…]
00:08:01 - Posso dizer que é garantidamente de causa externa. Posso dizer que é muito pouco provável haver uma causa que não a do tratamento laser, porque as alterações de pigmentação tinham um formato geométrico preciso, e cada disparo do laser tem um formato geométrico preciso. Não… não consigo imaginar, e quero… não só não consigo imaginar como na minha experiência, e eu sou velho e experiente, tenho vasta experiência na matéria, nunca vi lesões similares com uma causa distinta.
*
As rés entendem ainda que deveria constar dos factos provados o seguinte:
“Os equipamentos da Clínica são objecto de verificação periódica pela entidade fabricante SC, para garantia da segurança do tratamento”.
Invocam para o efeito os certificados juntos com a contestação como documentos 8 e 10, as declarações prestadas pelo legal representante das rés, falando sobre eles, e o depoimento da comercial EA.
É completamente irrelevante. O que tinha de ficar provado é que foi aquele equipamento que foi utilizado, que ele estava bom e não avariou, nem mesmo temporariamente, e que não foi mal manuseado.
Aliás, as próprias rés lembram que nos factos provados já consta os 19 e 22 que tratam da matéria.
*
As rés entendem ainda que deveria constar dos factos provados o seguinte:
“As máquinas da Clínica dispõem de um sistema de segurança que, perante a verificação de um problema técnico ou avaria, pára/interrompe automaticamente o seu funcionamento”.
Invocam para tanto o “relatado por todas as testemunhas com conhecimento directo e concreto dos equipamentos detidos pela Clínica (e, por isso, com especial razão de ciência na matéria).” E voltam a transcrever passagens dos depoimentos da técnica LS e da comercial EA.
É irrelevante. É da experiência comum, que as coisas avariam, que nem sempre funcionam bem. Não importa se o equipamento possui ou não o sistema invocado, mas sim se ele estava a funcionar bem naquela sessão e não avariou, nem mesmo temporariamente.
*
As rés entendem ainda que deveria constar dos factos provados o seguinte:
“Antes do início da sessão em causa, a técnica AF efectuou um teste de sensibilidade/reacção da pele da autora ao laser, com o qual a técnica CG concordou”.
As rés invocam para tanto os depoimentos das técnicas em causa, a que acrescentam o depoimento da técnica LS e ainda o que resulta da informação livremente acessível na página de Internet da Clínica.
Os depoimentos destas testemunhas já foram analisados e não convencem por tudo aquilo que já foi dito sobre esses depoimentos. E o que se diz num anúncio de apresentação, não quer dizer que seja cumprido.
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As rés entendem ainda que deveria constar dos factos provados o seguinte:
“No final da sessão em causa, a autora referiu sentir algum ardor e desconforto, pelo que foi aplicado Biafine sobre as zonas tratadas, e, minutos depois, solicitado apoio médico”.
As rés invocam para tanto “os meios de prova […] já enunciados a respeito dos factos 48, 50, 55, 83, 84, 96 e 101” e para os não provados d\, i\ e j\, acrescentando-se, ainda, passagens dos depoimentos das técnicas AF e LS.
A questão já foi apreciada a outro propósito. A prova produzida foi que a autora sofreu queimaduras, não ardor. E não estando estabelecido o termo da sessão com segurança, não é possível dizer que foi solicitado apoio médico minutos depois. E um contacto telefónico em que o médico não pode visualizar as lesões não corresponde a um apoio médico efectivo.
*
As rés entendem ainda que deveria constar dos factos provados o seguinte:
“No final da sessão em causa, a pele da autora apresentava vermelhidão, eritema ou indícios de hipopigmentação (e não queimaduras), um dos possíveis efeitos do tratamento de depilação laser, previsto no consentimento informado assinado pela autora”.
“Ainda que se tratassem, verdadeiramente, de queimaduras, a autora foi, também, devidamente esclarecida sobre essa remota possibilidade, mesmo que o tratamento seja correctamente efectuado, de acordo com o procedimento pré-determinado e exigido, e em linha com as melhores práticas”.
“A autora foi devidamente informada dos possíveis riscos inerentes ao tratamento de depilação laser, como o foi, também, relativamente aos cuidados a ter de modo a evitá-los ou mitigá-los”.
As rés dão aqui por reproduzidos todos os meios de prova enunciados a respeito dos factos 48, 50, 52, 82, 55, 58, 59 e 62, bem como os nãos provados m\, o\ e p\”, acrescentando, ainda, passagens dos depoimentos das técnicas LS, CG e AF, da médica AS e do legal representante das rés, a respeito da informação prestada sobre os possíveis riscos do tratamento em causa, incluindo o esclarecimento de quaisquer dúvidas suscitadas pelos clientes (quer pelas técnicas, quer pelas médicas da Clínica, que estão sempre disponíveis para o efeito).
Quanto ao que a autora apresentava no final da sessão em causa nos autos, a questão já foi analisada, discutida e decidida.
Quanto aos esclarecimentos:
Os documentos e depoimentos prestados não convencem minimamente do que as rés pretendem que se terá passado aquando da assinatura pela autora do doc.12 (a que as rés chamaram consentimento informado, mas que não tem esse nome) – esclarecimento e informações prestadas. Aliás, em nenhumas das passagens de tais depoimentos é sequer referido o que é que passou em concreto no caso, não tendo nenhum das testemunhas, nestas passagens, dito que foi com ela que o documento foi assinado e que esclareceu ou informou seja do que for. E isso cerca de 9 anos antes.
Quanto ao que costuma acontecer aquando da assinatura de tal documento é também claro que não são prestados nenhuns esclarecimentos minimamente relevantes.
Neste sentido os depoimentos das técnicas AF e LS:
Apenas por exemplo: Mandatário da autora 00:25:44 - Olhe, em relação ao consentimento informado. Portanto, eu ouvi-a dizer que, portanto, é consigo que isto é tratado? Testemunha [AF] 00:25:55 - Sim, foram as técnicas… Mandatário da autora 00:25:57 - Sim. E o que é que faz? Dá às pessoas para ler? Testemunha 00:25:59 Exatamente. Mandatário da autora 00:26:01 - As pessoas lêem… Testemunha 00:26:02 - Sim, e depois, no final, colocam as dúvidas que têm. Mandatário da autora - 00:26:07 - Mas, portanto, resume-se a isso? Testemunha 00:26:11 - Sim. […] Mandatário da autora 00:26:26 Não tem [impercetível] não tem medicina. Então, se calhar, eu não sei se me sabe responder a esta pergunta, se sabe a diferença entre hiperpigmentação ou hipopigmentação. Testemunha 00:26:40 Não. Mandatário da autora - 00:26:41 Isso não faz ideia, o que é que isso… 00:26:45 - Então se lhe perguntarem isso, relativamente ao consentimento informado que dá às clientes para ler, não lhe sabe responder? Testemunha 00:26:56 - Sei, sei que fica com um eritema, e que esse eritema… Mandatário da autora - 00:26:59 Não, se lhe perguntarem isto que eu acabei agora de perguntar, o que é que é hiperpigmentação e o que é que é hipopigmentação. Testemunha 00:27:07 São manchas na pele. Mas não sou médica para…
Ou a técnica LS: Testemunha 00:17:01 - Mas está escrito no consentimento [impercetível – corte de som] Mandatário da autora 00:17:07 - Mas mostram imagens… Testemunha 00:17:08 [impercetível – corte de som] está escrito um por cento. Mandatário da autora 00:17:10 E queimaduras como esta, mostram? Certo. Testemunha 00:17:12 - Certo. Mandatário da autora 00:17:13 Queimaduras como esta, mostram? Testemunha 00:17:18 - Mas porque é que a gente tem que mostrar? Mandatário da autora 00:17:19 - Estou-lhe a perguntar se [falas sobrepostas] Testemunha 00:17:20 Não. Não. Não. […] Mandatário da autora 00:18:13 Sabe? O que é? Qual é a diferença entre um e outro? Testemunha 00:18:17 Híper, fica mais pigmentado. Hipo fica com umas manchinhas. Juíza 00:18:26 - Fica o quê? Testemunha 00:18:29 Híper, fica mais pigmentado, já fica mais [impercetível] e a hipor [sic] fica um bocadinho ali… ali com a pigmentação. Mandatário da autora 00:18:40 - É isso que sabe sobre o tema? Testemunha 00:18:42 - Sim. Mandatário da autora 00:18:43 - Se lhe perguntarem é isso que responde? Testemunha 00:18:44 - Eu não sou médica. Tudo o que é… tudo o que é reacções mais adversas ou que a gente acha, a gente encaminha tudo para a médica. A gente não somos médicas, a gente somos técnicas. […] Juíza 00:19:00 - Mas o consentimento, quem entrega o consentimento são vocês, não é a médica? Testemunha 00:19:07 - Somos nós, sim.
Mas as rés tentaram convencer do contrário, por exemplo com o depoimento da testemunha EA: Testemunha 00:14:56 Eu sei que eles têm médicos que fazem a primeira consulta, pelo menos é o conhecimento que eu tenho, a primeira consulta é sempre feito por médicos, e depois as médicas… Mandatário das Rés 00:15:07 É feito por médico ou é feito por técnico e o médico, se houver dúvidas, esclarece? Testemunha 00:15:12 - Eu… a informação que tenho é essa, não sei se fazem de outra forma. Isso já não lhe sei dizer. Sei que a Clínica tem médicos que pode atender ou atende os pacientes, e caso haja algum problema, esses pacientes são encaminhados para o médico, o médico que faz a…
Por fim, sob a forma como um consentimento, para ser relevante, devia ser prestado, é esclarecedor o depoimento do médico MC: 01:00:14 […] Consentimento informado para ser efectivo tem que transmitir à pessoa, de um modo muito real, os riscos a que a pessoa está sujeita e o potencial benefício que tem. […] Nesta situação concreta está ali escrito tudo. É verdade. Agora, efectivamente é transmitido à pessoa esta realidade? Acha que se alguém visse estas fotografias ia fazer o tratamento? Não, ninguém ia. Eu sei a resposta… […] Mais à frente: 01:02:34 …abrange tudo. Certo. Agora, o consentimento informado é muito mais do que um documento, é um acto de uma relação médico-doente. E tem que ser assim. Porque a medicina tem que ser pessoas a tratar de pessoas, e tem que se efectivamente pugnar pelo interesse da pessoa que está à nossa frente. […] 01:02:57 Sra. Dra., se eu der esse papel a assinar e o ler de modo… na diagonal, é uma coisa. Juíza 01:03:05 Sem ser explicado por um médico, não é? Testemunha 01:03:06 - É uma coisa. Se eu disser à pessoa, “olhe, vamos fazer isto, sim, senhor. No geral até corre bem, mas pode acontecer isto, isto, isto, isto. E isto é assim, assado”. Nesse processo não… é um processo que não leva dois ou três minutos, é evidente. Explicar isso para ser efectivamente um consentimento informado, estamos a falar de uns vinte a trinta minutos. Se eu acho que haja algum sítio em que os consentimentos informados sejam verdadeiramente informados? Tenho a maior das reservas, e acho que nós, médicos, temos a responsabilidade, face ao doente concreto que temos em frente, de o ajudar a decidir. Muito mais do que um documento. Mas o documento está lá e tem lá as coisas. Certo. […] 01:18:35 - Ou por outra, subtilmente, em termos de linguagem, até, excepto chegar ao patamar de ter que ir fazer analgésico endovenoso, pronto, isso manifestamente não está, mas o resto, o resto está aí. Agora eu pergunto-lhe: nesta sala, à excepção de mim, quando se houve a palavra “hipopigmentação”, alguém sabe do que se está a falar? Se eu lhe ler, “olhe, pode acontecer…”, o Sr. Dr. está… é que o problema do consentimento informado é que só é verdadeiramente informado se a pessoa que está a informar, informar, porque o que está nos papéis é muito fácil ler em viés…[…] 01:21:37 […] Consentimento informado tem que ser informação. Muito mais do que defesa jurídica, tem que ser informação honesta. É verdade. É um problema. Isto é um problema. […] 01:22:33 […] Mas verdadeiramente honesto é falar com a pessoa. Muito mais do que… “olhe… assina isso, siga”. É falar, falar. Explicar. Consentimento informado é informar.”
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As rés entendem ainda que deveria constar dos factos provados o seguinte:
“A autora vestiu-se e abandonou, caminhando normalmente, a Clínica”.
Dizem as rés: como relatado pelas técnicas da Clínica presentes, a autora vestiu-se e abandonou, caminhando, pelo seu próprio pé, e normalmente, as instalações de Oeiras. A título de exemplo, o depoimento da técnica LS. E depois as declarações do legal representante da ré, que se limita a contar o que lhe terá sido reportada pela técnica LS. Remetendo, no mais, para a prova enunciada a respeito dos factos 64 e 65.
Aquilo que a técnica LS diz sobre o assunto – contrariado aliás pelas declarações da autora com suporte em dados objectivos e nas regras da experiência (todos sabemos como é que as pessoas se sentem quando apanham alguma queimadura e todos facilmente aceitam, perante isso, o que a autora relatou) - não convence minimamente.
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As rés entendem ainda que deveria constar dos factos provados o seguinte:
“A autora recusou-se a ser acompanhada pela Clínica”.
A este propósito, as rés recordam os factos provados 3, 10 e 12. E depois invocam o que a propósito foi dito pela técnica LS, pelo legal representante das rés (que conta o que lhe foi contado) e pela médica AS. Acabam por lembrar o que o tribunal já deu como provado, a propósito, no facto 80.
Os elementos de prova indicados pelas rés apenas convencem do que já está dado como provado no facto 80, sendo tudo o resto afirmações daquilo que se teria feito se não se tivesse passado o que se passou, que não custa nada dizer, mas que não têm o menor apoio objectivo, sendo que os factos provados apontam em sentido contrário.
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As rés entendem ainda que deveria constar dos factos provados o seguinte:
“Em 08/04/2024, a autora não apresentava alteração da pigmentação nas pernas, nem sequelas ou lesões permanentes”.
As rés invocam o depoimento da médica AS e as declarações da autora, tal como acima.
Esta questão já foi expressamente decidida. A existência de sequelas permanentes tinha de estar provada para ser relevante.
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Assim, para além das correcções introduzidas nos factos provados pelos motivos neles indicados, a impugnação da decisão da matéria de facto improcede totalmente.
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As rés juntaram 3 documentos com as alegações de recurso. Ao longo das alegações tentaram justificar a admissão de um deles, referiram-se a um outro, e nada disseram quanto ao primeiro (apenas está referido numa nota de pé de página, de passagem). Acima, já se tratou de dois deles. Quanto ao primeiro (doc.1), vale o mesmo que se disse quanto aos outros dois (3 e 2) por maioria de razão.
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Do recurso sobre matéria de direito
A fundamentação de Direito da sentença recorrida foi a seguinte, na parte que interessa, com simplificações:
A matéria fáctica disponível aponta para a sua integração no art. 1154 do CC, onde se estatui que “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Assim o entenderam também, em casos semelhantes, os acórdãos do TRP de 10/10/2011 [proc. 84/08.3TVPRT.P1] e de 10/07/2019 [proc. 732/18.7T8VNG.P1] e do TRE de 13/02/2014 [proc. 1843/08.2TBLLE.E1].
Também não há dúvida de que as partes nesse contrato foram efectivamente a autora e as rés, estas através das técnicas identificadas nos factos provados (AF, LS e CG) que agiram enquanto empregadas e por conta das rés.
No contrato em questão o prestador de serviços assume uma obrigação de resultado – no caso concreto, sessão de depilação a lazer das zonas abrangidas pelo contrato de prestação de serviços - e que lhe ficam a caber as responsabilidades inerentes à execução da sua prestação.
É uma obrigação de resultado, pois a clínica contratada compromete-se a alcançar um resultado específico traduzido no reduzir ou eliminar os pelos dos clientes/consumidores sem a acidentes. Se isso não acontecer haverá uma inexecução da obrigação.
Não está em dúvida que a ré tenha efectivamente conseguido o resultado a que se vinculou, alcançando esse objectivo – mas antes a consideração de que cumpriu defeituosamente a obrigação, de modo a originar consequências danosas que não podem ser consideradas inerentes à prestação, inconvenientes necessários a suportar como contrapartida do resultado desejado.
Aquele que está vinculado ao cumprimento de uma obrigação deve cumpri-la pontualmente, segundo os ditames da boa fé, e cumpri-la integralmente.
Se a prestação efectuada não corresponder, na sua integridade, ou na sua identidade, ao que resultava do enquadramento contratual e legal a considerar estamos perante cumprimento defeituoso, que a lei trata como uma modalidade de incumprimento, a que será aplicável o disposto nos artigos 798 e 799 do Código Civil.
Considerando os factos 23 e 27 e o constante da declaração junta como doc.12 assinada pela autora, a depilação laser consiste num sistema que produz um intenso e suave feixe de luz que fragmenta e elimina a raiz do pêlo sem danificar os tecidos e as estruturas adjacentes, que atravesse a epiderme sem risco de queimaduras.
Ora, no caso dos autos houve danificação dos tecidos e das estruturas adjacentes à raiz do pêlo durante a sessão de depilação a laser em causa nos autos, o que se traduz-se, indubitavelmente, na feitura de tratamento de forma deficiente, porquanto, nem tal se pode considerar risco permitido num tratamento desta natureza, atenta a dimensão das zonas afectadas das pernas (dos joelhos aos tornozelos e virilhas) abrangendo praticamente todas a área a tratar. Acresce que se a técnica da ré tivesse considerado as queixas da autora e averiguado o que se passava, sempre poderia ter detectado o que estava a causar as queimaduras e parado os tratamentos minorando a extensão dos danos.
Por isso não podemos deixar de considerar que ocorre violação das leges artis na feitura do tratamento.
Ademais, o facto ilícito conduziu à violação do direito subjectivo da autora à integridade física e à saúde.
Em consequência do tratamento de depilação a laser efectuado pela técnica das rés a autora sofreu diversos danos, que não podem ser considerados como consequências normais e típicas do tratamento em causa.
As queimaduras, e manchas nas pernas, ainda por cima persistentes durante mais de dois anos, não podem efectivamente considerar-se sequelas normais e típicas da depilação a laser, praticada segundo as regras impostas pelas legis artis e com a diligência exigível e pelo princípio da boa fé.
Não cabe à autora provar onde esteve a falta, nomeadamente se de defeito de funcionamento da máquina ou o erro de execução ou desempenho da técnica, uma vez que à autora só lhe competia provar a relação jurídica existente entre as partes e a deficiente execução da prestação por parte das técnicas das rés, com os consequentes efeitos danosos, causados pelo tratamento.
No caso é obvia a desconformidade entre o resultado pretendido e as consequências advenientes - e em face de tal prova competia às rés afastar a sua culpa, até por força da presunção estabelecida no art. 799 do CC.
Ademais, ao caso é de aplicar o DL 84/2021, de 18/10, relativo aos direitos do consumidor, posicionando-se a autora, enquanto consumidora porquanto é uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo DL, actuou com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. Este DL é aplicável aos bens fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bastando ao consumidor provar a desconformidade do bem (art. 12 do DL).
Na linha também da Lei de defesa do Consumidor, Lei 24/96 de 31/07, com as alterações decorrentes da versão em vigor à data decorrente do DL 109-G/2021 de 10/12 (que não da versão mais recente da Lei 28/2023 de 04/07, pois que posterior aos factos).
Prescreve a Lei de Defesa do Consumidor, no seu artigo 4.º, que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.
Assim, decorre dos preceitos legais destinados à defesa do consumidor que este apenas terá de alegar e provar o defeito ou desconformidade; para se ilibar da responsabilidade o fornecedor, terá de alegar e provar que a causa da desconformidade imputável ao consumidor, ou a terceiro, ou é devida a caso fortuito.
Provada que está a prestação de serviço defeituosa, urge aferir qual a consequência.
Prescreve o art. 12 da Lei do Consumidor, que o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
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Pretendem as rés afastar a sua responsabilidade invocando o texto da “declaração de consentimento” que foi junta aos autos (doc.12 – facto 30), e está assinada pela autora, na qual um texto impresso pela ré consigna enfaticamente que o cliente foi previamente informado de todas as condicionantes do tratamento e onde este expressamente assume todas as responsabilidades pela realização do mesmo e pelas eventuais consequências negativas que dele resultarem.
Não basta invocar a existência de consentimento informado assinado. Tratando-se de um facto impeditivo, nos termos do art. 342/2 do CC, é necessário demonstrar que foi prestada à autora a informação suficiente para esta se poder considerar esclarecida quanto ao tratamento. Ser prestada informação esclarecedora e suficiente é um requisito da validade do consentimento. Cabia às rés fazer a prova de que esse documento significava realmente aquilo que pretende, ou seja o consentimento prévio da autora para a realização do tratamento naquelas condições concretas e a exclusão da possibilidade de responsabilização da ré pelas respectivas consequências.
Cabia às rés demonstrar que cumpriram cabalmente e atempadamente o dever de informação a que estavam adstritas, enquanto empresas que oferecia ao público o serviço referido, e que a autora de forma livre e esclarecida subscreveu aquelas condições.
O direito à integridade física é um direito de personalidade.
Os tratamentos e as intervenções clínicas representam uma ofensa à integridade física e moral do paciente e, por isso, de forma a excluir a sua ilicitude, estas carecem de consentimento nos termos do artigo 81 e 340 do CC. No artigo 81 está prevista uma autorização de limitação voluntária dos direitos de personalidade onde se inclui a limitação voluntária ao direito à integridade física nas intervenções médicas, estéticas, entre outras, a qual é revogável. Por sua vez, no artigo 340, estamos perante o regime do consentimento do lesado onde a ilicitude é afastada, mediante um consentimento válido e sem vícios, devendo no plano da responsabilidade civil médica/estética o paciente prestar o seu consentimento para o acto, para que a actuação não seja ferida de ilicitude.
Termos em que, só com a prestação de informações correctas é que o consentimento será válido, por ser prestado com certezas sobre as consequências e riscos que o paciente poderá sofrer naquela intervenção.
Os formulários não funcionam como uma substituição do dever de informação do prestador do serviço. O consentimento, ou o acto de concordar com um tratamento, não é alcançado apenas com o mero preenchimento de um documento que é colocado no prontuário do paciente, mas sim, através de um processo que envolve a troca de informações entre o profissional e o paciente, e a sua permissão e concordância, devendo os ditos formulários estar sujeitos à aplicação das disposições legais das cláusulas contratuais gerais (DL 446/85 de 25/10, com a mais recente alteração do DL 323/2001, de 17/12).
Para André Dias Pereira (O consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, Coimbra Editora) as declarações do consentimento do paciente estão caracterizadas pela ratio de protecção das cláusulas contratuais gerais. Assim, aquela lei aplica-se aos formulários para impor limites ao conteúdo do documento que são vistos como essenciais, sendo assim proibidas cláusulas que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas; que excluam ou limitem a responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares em caso de dolo ou culpa grave, sendo que em matéria de actuação médica nem a culpa leve poderia ser excluída; e as cláusulas do “consentimento em branco”.
Os formulários são documentos que devem ser preenchidos com os devidos esclarecimentos para que o paciente não tenha dúvidas sobre o procedimento que está a consentir. Na falta de esclarecimento do paciente, o médico/técnico não deverá invocar estes formulários como comprovativo de um esclarecimento que não prestou.
Ademais, para que um tratamento seja praticado de forma lícita, o paciente tem de prestar o seu consentimento em momento prévio à prática do acto. Nos casos em que há um intervalo significativo entre o momento do consentimento do paciente e o início da intervenção, o consentimento deverá ser reafirmado, para que se confirme que o doente/cliente não mudou de opinião ou que não houve mudanças e desenvolvimentos clínicos de que deverá ser informado. Deve ser conferida ao paciente a possibilidade de rever as suas decisões, para que possa formar uma nova opinião que deve ser transmitida sempre antes da intervenção ou tratamento.
É descrito pelo artigo 81/2 do CC que “A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte”.
O consentimento do paciente é livremente revogável, sendo importante que este conheça essa possibilidade para evitar quaisquer pressões psicológicas que o impeçam de revogar um procedimento indesejável (art. 81/2 do CC).
O consentimento informado é composto por dois elementos fundamentais: a compreensão e o livre consentimento.
No caso dos autos não necessitamos de enveredar pelo caminho das cláusulas contratuais gerais, dado que para além da declaração ter sido assinada em Fevereiro de 2013, muito antes da sessão em causa que ocorre em 23/09/2022, passados quase 10 anos, a mesma foi assinada noutra Loja. Não revestindo de actualidade, o consentimento deveria ter sido reafirmado, para que se confirme que o declarante não mudou de opinião, não lhe tendo sido dada a possibilidade de rever as suas decisões e de questionar as clausulas. Assim, a declaração invocada não exclui a responsabilidade das rés.
Ademais, a declaração em causa nunca poderia cobrir o dano em causa atenta a sua extensão e dor severa, não referidas no mesmo e muito para além do ponto 9 [do doc.12 / facto 30 - TRL].
Destarte, o último parágrafo constitui um “consentimento em branco” de tudo inadmissível.
Do exposto se conclui que do doc. 12 não é susceptível de excluir a ilicitude relativamente à deficiente prestação do serviço que causou danos à autora e em causa nos autos.
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Resta, portanto, concretizar o quantum indemnizatório a atribuir à autora pelos danos que decorre dos factos provados 65 a 103, traduzidos nas dores, sofrimento físico e psicológico, tratamentos que teve que realizar, consultas. O desespero e a angústia, se as zonas afectadas iriam voltar ao normal.
As queimaduras, cicatrizes e manchas nas pernas e virilhas que se verificaram, impuseram alteração do modo de vida e de vestir da autora. A obrigação de repouso. O não ter podido ir à praia no Verão seguinte. As limitações ao nível das tarefas domésticas e no cuidar dos filhos menores.
A tristeza e o abalo psicológico sofridos, constituem indubitavelmente danos não-patrimoniais que pela sua natureza e gravidade merecem a tutela do direito.
Ademais, há que atender às dores sofridas, em grau 7 numa escala de 10 valores. Essas dores prolongaram-se para além da sessão por cerca de um mês.
Na fixação da indemnização dever-se-á ter em conta a juventude da autora, a circunstância de mesma ser frequentadora da praia e ainda o facto das consequências negativas se prolongarem por mais de dois anos, mas que não deixarão, porém, sequelas, o que deve relevar para efeitos de fixação do quantum indemnizatório.
Constitui imperativo legal a procura de equidade e equilíbrio, conforme impõe o art. 496/3 do Código Civil.
A autora sofreu lesões físicas e estéticas, duradouras nas duas pernas, com efeitos psicológicos e afectação da sua vida social.
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No que concerne ao nexo de causalidade, dir-se-á que é fundamental que esses danos tenham sido consequência directa e necessária da actuação dos tratamentos de depilação a laser realizados pela técnica das rés, pois só assim pode esta ser responsável pela indemnização dos mesmos ou, noutras palavras, é essencial que se apure o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito.
O art. 563 do CC preceitua que a obrigação de indemnizar se reporta única e exclusivamente aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Consagra este dispositivo a teoria da causalidade adequada na formulação negativa, segundo a qual não basta, para a existência da obrigação de reparar o dano que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição sine qua non do dano, é necessário que, ainda que em abstracto ou em geral, o facto seja uma causa adequada do dano (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª Edição, Vol. I, pág. 859).
Tal como se refere no ac. do STJ de 13/05/2004, proc. 04B927, o nexo de causalidade no âmbito do direito civil não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite: não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não; como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.
Daí que, para esta modalidade, o facto-condição só não deve ser considerado causa adequada do dano quando se mostre, pela sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas por ocorrência de circunstâncias anómalas ou excepcionais.
Dispõe o art. 562 do CC que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Dúvidas não há de verificação do nexo de causalidade.
[…]
Quanto aos danos não patrimoniais, sopesando tudo o referido, entendemos ser de arbitrar à autora de acordo com a equidade e a justiça o montante de 10.000€ por danos não patrimoniais.
[…]”
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Contra o que antecede, as rés começam por dizer que “a depilação a laser não se inclui no conceito de acto médico, na medida em que não constitui uma medida terapêutica relativa à saúde das pessoas. Tanto assim é que a execução das técnicas de laser não tem que ser realizada por profissionais de saúde, nem tem que ser levada a cabo numa clínica médica. Note-se, aliás, que a Clínica, apesar da sua designação, não é uma clínica médica. […] É, na verdade, um instituto de beleza […]”
Quanto a isto diga-se que são as rés que, entre o muito mais, (i) põem no fim do documento 12 (facto 30) espaço para a assinatura de um médico, (ii) chamam clínica as suas lojas, (iii) falam na existência de supervisão médica, (iv) invocam o consentimento informado e (v) falam em tratamento (deixando sugerido, no contexto, que se trata de um tratamento médico).
Por outro lado, uma simples pesquisa na internet, permite a constatação de que em Espanha a jurisprudência trata destas questões no âmbito de tratamentos por médicos e de consentimentos informados (uma pesquisa com as palavras depilacion Y quemadura Y responsabilidad Y laser, dá origem a 158 resultados em https://www.poderjudicial.es/search/indexAN.jsp, muitos deles consultados e vários relacionados com a matéria) e que em França existe vária jurisprudência e doutrina (https://www.doctrine.fr/t/epilation-laser) sobre a prática de crimes e de exercício ilegal de medicina neste âmbito, porque “toda a depilação por meio de um aparelho a laser só pode ser feita por um médico ou sob a sua responsabilidade.”
Mas é verdade que sim, que no nosso país se deixa fazer a aplicação de um aparelho a laser num corpo de uma pessoa por quem não tem qualquer competência médica e a questão não tem sido tratada como uma questão de tratamento médico.
Mas a questão não tem qualquer relevo no caso, pois que a sentença não condenou as rés por responsabilidade médica.
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Depois as rés dizem que “a obrigação de prestação de serviços de tratamento de depilação a laser configura, não uma obrigação de resultado, mas uma obrigação de meios. Assim é, desde logo, porque existe um grau considerável de aleatoriedade na obtenção do resultado, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, e porque o sucesso do tratamento depende de diversos factores externos e incontroláveis pelo devedor.”
Mas não é assim e o tribunal recorrido já tinha esclarecido que, mesmo quando está em causa uma actuação médica – sem considerar que tal fosse o caso –, “[p]or vezes, ainda que partindo de uma obrigação de meios, é exigível ao clínico que atinja um resultado. Tem-se defendido que tal exigência ocorre, por exemplo, nas intervenções cirúrgicas estéticas de embelezamento na realização de exames de diagnóstico de grande fiabilidade técnica em que a margem de erro é muito reduzida ou negligenciável bem como na feitura de tratamentos de depilação a laser, como é o caso dos autos onde os objectivos a alcançar não dependem senão da competência técnica dos técnicos e dos equipamentos utilizados podem configurar-se como obrigações de resultado.”
No mesmo sentido, por exemplo, veja-se o ac. do STJ de
02/06/2015, proc.
1263/06.3TVPRT.P1.S1: II – Nas cirurgias estéticas, que se destinam a corrigir um determinado defeito físico ou a melhorar a aparência ou a imagem de uma pessoa, a dimensão do resultado assume maior relevo nas obrigações contratuais dos médicos do que nas cirurgias curativas ou assistenciais, típicas obrigações de meios, sendo também densificados os requisitos de manifestação da vontade dos pacientes e os deveres de esclarecimento dos médicos.
Aliás, que se está perante uma obrigação de resultados, é algo que corresponde a um entendimento jurisprudencial estabilizado, desde há muito, sendo disso exemplo o já antigo (e já citado pela sentença recorrida) acórdão do TRP de 10/10/211, proc. 84/08.3TVPRT.P1: “No caso dos autos foi celebrado um contrato de prestação de serviço, tal como se encontra definido no artigo 1154 do CC, entre a autora e a 1.ª ré, para depilação definitiva a laser a ambas as pernas do joelho para baixo ou como usualmente se domina a meia perna. Não houve um assumir de prestação de meios, mas a obrigação de um resultado – a depilação. “
O ac. do STJ que as rés citam em sentido contrário, que é ac. de 15/11/2012, processo 117/2000.L1.S1, não tem nada a ver com o caso, pois que nesse acórdão se tratou de um implante mamário, através de uma intervenção cirúrgica.
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As rés dizem que, no caso, “da prova produzida não resulta, jamais e em caso algum, a prática de qualquer acto ilícito, seja por acção, seja por omissão, muito menos ⎯ que é quanto basta ⎯ um reconduzível ou imputável às rés.”
O acto ilícito é, no caso, a realização defeituosa da prestação do serviço contratado, qual seja, a anunciada depilação sem dores nem lesões e com apoio médico (factos 3, 5, 9, 10, 11, 23 e 27) quando afinal se verificaram dores e lesões e o apoio médico das rés foi perfeitamente insuficiente, tendo a autora que ir buscá-lo a terceiros (factos 48 a 80, 82 a 84 e 88 a 96).
Como dizem os três acórdãos citados na sentença recorrida, na fórmula sintetizada pelo último, “Existe cumprimento defeituoso se em resultado das técnicas utilizadas a cliente veio a sofrer queimaduras cutâneas, e posteriormente pequenas cicatrizes e manchas brancas em ambas as pernas, que tardaram quase dois anos a desaparecer.”
As rés entendem, no entanto, que, de um lado, a depilação “respeitou todas as regras e procedimentos aplicáveis e em vigor, designadamente (i) a obtenção de informação relevante por parte da autora, (ii) a avaliação do fotótipo de pele e de pêlo da autora, (iii) a realização de um teste de sensibilidade, por forma a definir o tipo de laser indicado e os respectivos parâmetros, e, ainda, (iv) a prestação de informações à autora sobre os cuidados a ter antes e após cada sessão. Do outro, (v) a tecnologia laser aplicada foi a indicada às características da pele e do pêlo da autora, (vi) os parâmetros os adequados, (vii) o tratamento realizado por uma técnica com vasta experiência e formação técnica para o efeito e (viii) por recurso a um aparelho devidamente certificado e em perfeito estado de conservação e funcionamento.” (a numeração foi colocada parcialmente por este TRL).
Mas o que consta de (iii), (iv), (v), (vi) e a segunda parte de (viii) são apenas alegações de facto que as rés tentaram provar, sem êxito (ou seja, não constam dos factos provados). E o que consta de (i), (ii), (vii) e primeira parte (excluindo o conclusivo ‘devidamente’ que não está demonstrado) de (viii) são naturalmente insuficientes para o efeito pretendido pelas rés (só seriam minimamente relevantes todos em conjunto).
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As rés põem em causa a aplicação do DL 84/2021, na medida em que não está em causa a compra e venda de bens, nem a entrega de bens no âmbito de um contrato.
Aceita-se esta crítica (teria que haver a entrega de um bem para se estar no âmbito de aplicação do diploma – veja-se Jorge Morais Carvalho, Manual de direito de consumo, 7.ª edição, 2021, Almedina, páginas 278-279, embora relativamente ao DL 67/2008, sem diferenças no que respeita a este ponto, agora previsto no art. 3/1-b), mas a questão não tem relevo, dado que a fundamentação da sentença não precisava de tal apoio (aliás, a invocação do DL faz-se depois da palavra ‘ademais’; para trás já estava feita a demonstração da execução defeituosa da prestação), para que aplicasse, bem, a legislação da defesa do consumidor (que, ela própria, não seria necessária, para que se chegasse aos mesmos resultados: os três acórdãos do TRP e de TRE não a aplicaram e tal não evitou a condenação das rés).
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Dizem as rés, “configurando o tratamento em causa uma intervenção estética, o mesmo não careceria […] de prévio consentimento. Não obstante, a verdade é que à autora foram, ainda assim, transmitidos os riscos inerentes à depilação a laser. Com efeito, anteriormente à realização da 1.ª sessão, no âmbito de uma consulta de esclarecimento expressamente prevista para o efeito ⎯ na qual é feita uma apresentação visual, em formato PowerPoint ⎯, foi informada e assinada a declaração junta com a contestação como doc.12, tendo a autora tido a oportunidade de esclarecer todas as dúvidas acerca do tratamento em causa (inclusive, querendo, com alguma das médicas disponíveis na Clínica). Não se tratando, pois, do simples preenchimento de um formulário, em cumprimento de uma mera formalidade, mas antes de um processo completo, detalhado e dinâmico, com, efectivamente, troca de informações [independentemente, acrescente-se, de à autora não terem sido mostradas imagens fotográficas das possíveis reacções adversas, o que não é exigível nem no âmbito médico, muito menos no âmbito estético […]] à autora foi, pois, prestada informação esclarecedora e suficiente. E o facto de tal declaração ter sido assinada anos antes da sessão em causa não lhe retira validade (nem actualidade). Desde logo, a técnica/procedimento utilizado não sofreu alterações relativamente à 1.ª sessão realizada pela autora, mantendo-se, independentemente da zona tratada, igual […].”
O consentimento foi invocado pelas rés como causa de exclusão da ilicitude da sua conduta (e foi ela que resolveu chamar consentimento informado ao doc.12) e foi analisado na sentença por causa disso. De qualquer modo, se a sentença fala no consentimento informado, refere-se, no entanto, principalmente, a questões de informação.
E é isto que importa, pois que o doc.12 nem sequer é uma declaração de consentimento (mas, se se entendesse que o era, tudo o que se diz de seguida valeria para tal consentimento).
Ora, quanto à informação – e é dela que as rés falam (desenvolvidamente, transcrevendo de novo passagens de depoimentos, como se ainda estivessem na parte do recurso dedicada à impugnação da matéria de facto) -, de tudo o que as rés dizem acima nada foi provado (o facto provado 40 não trata de informações dadas pelas rés, apesar de elas o invocarem aqui): o único facto que está dado como provado é a assinatura do doc.12 pela autora (facto 30), documento dito de “informação” sobre o tratamento (quando a autora tinha 23 anos - e não, como disse o mandatário das rés [01:15:43], 25 anos, induzindo em erro o médico MC -, 10,5 anos antes da prestação do serviço em causa).
Segundo o artigo 3/1-b da LDC, o consumidor tem direito: […] À protecção da saúde e da segurança física; […] Em consequência, por força do art. 8/3 da LDC, [o]s riscos para a saúde e segurança dos consumidores que possam resultar da normal utilização de bens ou serviços perigosos devem ser comunicados, de modo claro, completo e adequado, pelo fornecedor ou prestador de serviços ao potencial consumidor (sendo que tal “dever de informar não pode […] prejudicar o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais ou outra legislação mais favorável para o consumidor.” – art. 8/6 da LDC; este regime, por outro lado, como lembra a sentença recorrido, invocando para tal a obra de André Gonçalo Dias Pereira, páginas 541-543, é aplicável às declarações unilaterais / formulários predispostos por outrem).
Assim, a informação pressupõe a comunicação (no mesmo sentido, os artigos 5 e 6 do RJCCG). A comunicação do conteúdo de um documento não é o mesmo que a dar a alguém um documento pelo tempo suficiente para o poder assinar. A comunicação adequada pressupõe dar-lhe o tempo para o ler na íntegra, em condições para o efeito, sem pressões. A assinatura aposta num documento só demonstra que a pessoa o teve por tempo suficiente para o assinar, não para o ler na íntegra, em condições, sem pressões.
Pelo que, não é pelo facto de o documento estar assinado que se pode dizer que há prova da comunicação do que lá está escrito.
O facto de estar incluído no conteúdo do documento a informação de que a pessoa que o assina teve conhecimento do seu conteúdo, na íntegra, não serve de prova de nada, pois que, para tal era necessário que se fizesse prova da comunicação do seu conteúdo, entre o mais de tal informação/afirmação.
A assinatura de cláusulas de confirmação (também ditas confirmatórias ou comprovativas) é, pois, quando muito, apenas um princípio de prova; ou seja, insuficiente para, só por si, servir de prova de tal comunicação (neste sentido, por exemplo, os acórdãos do TRL de 28/06/2012, proc. 2527/10.7TBPBL.L1; de 14/09/2017, proc. 9065/15.0T8LSB.L1; de 09/07/2020, proc. 2268/19.0T8LSB.L1; de 28/01/2021, proc. 26321/17.5T8LSB.L1; de 12/05/2022 proc. 14149/20.0YIPRT.L1-2; de 07/11/2024 proc. 21787/21.1T8LSB.L1-2; todos os acórdãos são relatados pelo relator deste, mas têm inúmeras referências jurisprudenciais e doutrinárias para as quais se remete; veja-se também a anotação 5 ao art. 5 do RJCCG de José Manuel de Araújo Barros, Almedina, 2024, páginas 65 a 67, que ainda as analisa como cláusulas que tentam atestar conhecimentos das partes, art. 21/1-e, págs. 251-252, ou cláusulas que tentam inverter o ónus da prova, art. 21/1-g, págs. 261-262).
O ónus da prova da prestação da informação cabia às rés, pois que é o cumprimento de um dever (art. 342/2 do CC e art. 5/3 do RJCCG; neste sentido, por exemplo, as CCG de Araújo Barros, citada, anotação 8 ao art. 5, páginas 69 a 73, e Jorge Morais Carvalho, Manual citado pág. 135; e também David Falcão, Lições de Direito de Consumo, 3.ª edição, 2022, Almedina, pág. 47, este mesmo sem referência ao regime das CGG e com invocação de jurisprudência).
Tais cláusulas têm o óbvio fim de serem normalmente usadas para as predisponentes das clausulas inverterem, em termos práticos, o ónus da prova. Daí que sejam, para além do que antecede, consideradas relativa ou absolutamente proibidas e não só nos contratos com os consumidores (artigos 19/d e 21/e-g do RJCCG). Assim, por exemplo, Jorge Morais Carvalho, Os contratos de consumo, Almedina, 2012, págs. 183 a 188; e no fim da nota 345 da pág. 134 do Manual citado, onde refere dois acórdãos do TRL que decidiram em sentido contrário, dizendo que eles contrariam a orientação dada pela jurisprudência do TJUE que também cita; Margarida Lima Rego, Temas de Direito dos Seguros, pág. 24; A propósito de uma cláusula deste tipo André Gonçalo Dias Pereira, na obra de 2004 citada pela sentença recorrida, lembra, na página 549: “Para terminar, faremos referência ao facto de os tribunais alemães terem vindo a realizar um controlo dos formulários do consentimento com base na antiga AGB-Gesetz. Assim, por exemplo, uma cláusula, na qual o paciente comprova pela sua assinatura que ele foi informado com toda a amplitude e de acordo com a lei, é nula por força do §11 Nr. 15 (actual §309, Nr. 12 BGB): esta norma proíbe as cláusulas que imponham uma inversão do ónus da prova 1274. Entre nós, tal situação constituiria uma violação do art. 21º, al. g).”)
Por fim, mesmo que as informações tivessem sido comunicadas, tal não bastaria. Como decorre do regime das cláusulas contratuais gerais, informar não é dar um documento para as mãos do consumidor e dizer-lhe para ele ler o documento e pedir os esclarecimentos que quiser, mas antes chamar-lhe a atenção para todas as cláusulas mais relevantes segundo o ponto de vista do consumidor e informá-lo de todos os aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (artigos 5 e 6 do RJCCG), o que no caso teria de querer dizer chamar a atenção para todas as cláusulas que indicavam os riscos em que a autora ia incorrer, e explicar esses riscos com indicação pormenorizada das consequências possíveis (incluindo fotografias das queimaduras que já se tinham verificado noutras situações).
Por fim, como também sugere a sentença recorrida e resulta claramente dele, tal documento consubstancia uma cláusula de exclusão da responsabilidade.
Ou seja, o documento é também um conjunto de informações aparentemente prestadas pela autora, de forma predisposta pelas rés, de forma a exonerá-las de responsabilidade (indirecta ou directamente) daquilo que viesse a acontecer.
Ora, tal exclusão – se se tivesse provado que a autora teve conhecimento de que a tinha assinado -, também não teria, tal como sugerido pela sentença recorrida, qualquer validade, tendo em conta a extensão da cláusula em causa (sem quaisquer restrições quanto ao tipo e grau de culpa, nem quanto às consequências patrimoniais ou não patrimoniais, nem quanto aos seus agentes) e o tipo de lesões que estão em questão: no corpo e na saúde da autora.
É o que resulta, desde logo, de a cláusula constar de um documento predisposto pelas rés relativamente ao qual apenas consta que ela o assinou e, de, por isso, ser aplicável o regime das CCG, entre o mais o do art. 18 que contem a lista exemplificativa das cláusulas absolutamente proibidas: São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: a) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas; b) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros; c) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave; d) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares, em caso de dolo ou de culpa grave. Para além de que ainda seriam aplicáveis as normas do art. 21/1-d [São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: d) Excluam os deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação […]] e 22/1-g do mesmo regime [1 - São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: […] g) Afastem, injustificadamente, as regras relativas ao cumprimento defeituoso ou aos prazos para o exercício de direitos emergentes dos vícios da prestação].
E – continuando, a benefício da discussão, a esquecer-se que não há prova de que o documento tenha sido assinado pela autora com conhecimento da cláusula – a cláusula nunca poderia ser reduzida a limites aceitáveis, por exemplo, para excluir só a culpa leve, não só devido à natureza dos direitos em causa (direitos de personalidade), mas porque, como diz Almeno de Sá:
“[…] isso implicaria fazer do juiz como que um “procurador” ou “representante” dos interesses do utilizador, levando-o a encontrar uma formulação da cláusula que, por um lado, favoreça o mais possível o utilizador e, por outro, se contenha ainda dentro dos limites do admissível. Acresce que um dos objectivos essenciais da lei é o de fazer com que as condições gerais utilizadas na prática sejam reconduzidas a um conteúdo adequado e justo, o que certamente se malogrará se for permitido ao utilizador ir, sem perigo, até ao limite daquilo que pode ainda ser alegado em seu favor, libertando-o assim do risco da nulidade total da cláusula. O utilizador retiraria mesmo daqui um estímulo para inserir, nas suas condições gerais, cláusulas claramente contrárias à lei, pois saberia de antemão que, uma vez reduzida a cláusula, se manteria, de qualquer modo, numa posição mais benéfica do que aquela que em princípio resultaria da aplicação do direito dispositivo.
De resto, o recurso à redução da cláusula iludiria a ordenação legal do efeito jurídico das proibições, que aponta para a aplicação do direito dispositivo como consequência normal da nulidade, pois impediria, na maior parte dos casos, que surgisse uma lacuna necessitada de preenchimento pela via do direito dispositivo (nota: de facto, se, pela via indirecta da redução conservadora da validade. se vem a evitar que uma dada cláusula - que contém em si intrinsecamente germes de invalidade – seja declarada nula, é a vontade de aplicação do direito dispositivo, como solução para tal vicissitude, que é posta em causa – cf. artigos 12 e 13, n.ºs 1 e 2). Por outro lado, aquela solução redundaria em uma forma de revisão ou adaptação judicial do contrato, de carácter conformador, beneficiando quem recorre a condições ilegais, em clara violação do sistema de controlo instituído, marcado pela vinculação do juiz a uma sindicação meramente negativa das cláusulas proibidas. Tarefa do julgador é a de, pura e simplesmente, declarar válida ou inválida determinada cláusula, com a consequente aplicação do direito dispositivo convocável, em caso de opção pela invalidade, e não a de ajustar os termos do contrato, em ordem a definir ex novo um autónomo e diferente arranjo negocial.” (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, 2.ª edição, 2001, Almedina, páginas 264 e 266; no mesmo sentido, Araújo Barros, obra citada, páginas 188-190).
Compreende-se, neste contexto, o que é dito pelo autor citado pela sentença recorrida, na mesma obra e página já referidas, ao lembrar: “Num outro caso o BGH declarou nula uma cláusula inserta num formulário, que previa a exclusão da responsabilidade do prestador de cuidados de saúde, por violação dos §§9 (actual §307, princípio da boa-fé - Treu und Glauben), e do 11 Nr. 7 e 8 AGBG (actual §309, Nr. 7 e 8 BGB - limitação da responsabilidade).1275” (com desenvolvimento sobre as normas do art. 18 do RJCCG, José Manuel Araújo Barros, obra citada, páginas 180 a 193).
Em suma, não se prova que a autora tenha tido conhecimento efectivo de tudo o que constava do doc.12 que ela assinou (facto 30), não podendo esse documento, por isso, funcionar como prova de que à autora foram prestadas todas as informações que dele constam, nem como cláusula de exclusão da responsabilidade das rés (acompanhando-se, assim, a sentença recorrida no essencial da sua fundamentação, mas não no relevo que dá, no caso, i\ ao período de tempo que mediou entre a assinatura do documento e a sessão de 2022, ii\ à necessidade da sua renovação, até porque, no caso, não tendo tal documento qualquer valor, não faz sentido falar-se na reafirmação ou renovação do mesmo, iii\ à dor sentida pela autora, que, nesta parte não tem de ser considerada, e iv\ ao facto de a sessão ter tido lugar numa loja diferente daquele onde foi assinado o doc.12).
Não tendo as rés feito qualquer prova da comunicação, da informação e do esclarecimento de quaisquer questões, não havendo qualquer consentimento nem tendo qualquer validade qualquer cláusula de exclusão da responsabilidade das rés, não tem sentido discutir-se, como fazem as rés, com apoio em acórdãos que invocam, a extensão do consentimento.
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As rés dizem que não só actuaram sem culpa, como sempre teriam ilidido, de forma indubitável, a presunção de culpa legalmente prevista no âmbito da responsabilidade contratual.
Para além de invocarem factos gerais sem valor, só por si, para o caso em causa, invocam, “em concreto, que: (i) a técnica que realizou o tratamento tinha vasta experiência e formação adequada; (ii) foi cumprido o procedimento interno de análise do histórico da autora, (iii) de avaliação da pele e (iv) de realização de testes de sensibilidade antes do início da sessão; (v) as potências utilizadas foram as mesmas que já haviam sido aplicadas em sessão anterior; (vi) o aparelho estava em perfeitas condições de funcionamento, (vii) não se tendo registado qualquer avaria, erro ou anomalia; e (viii) a autora não referiu queixas durante a sessão, tendo o tratamento sido realizado na íntegra.”
Ora, os factos que importavam, realmente, para a exclusão da culpa, eram os indicados sob (v), (vi), (vii) e (viii) e esses, ao contrário do que as rés dizem, não os conseguiram provar, pelo que não ilidiram a presunção de culpa (art. 799 do CC) inerente à provada execução defeituosa da prestação.
Para além disso, a culpa não é só presumida: não se pode considerar que as rés, através da sua trabalhadora, tenham actuado com a diligência que lhes era exigida na aplicação do aparelho a laser porque as queixas de dor pela autora (factos 48, 50, 82 e 84), em resultado daquilo que se veio a apurar serem queimaduras (factos 52, 58, 66, 68, 82 e 90), deviam ter levado à imediata interrupção da depilação, por alguém minimamente diligente que estivesse de facto a controlar a aplicação (a autora e a trabalhadora das rés, mal terminou a aplicação, constataram os sinais de queimadura – factos 45, 51 e 52), que é anunciada pelas rés como “praticamente indolor e proporcionando o máximo conforto durante o mesmo” (facto 11).
As rés ainda invocam uma sentença proferida num outro caso (de uma outra lesada num outro momento, Dez2016), o que, como é evidente, não serve para nada, porque os factos são diferentes num e noutro caso e com base em prova diferente.
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As rés dizem que os danos patrimoniais não se provaram. É a questão de facto discutida a propósito do facto 103 que não faz sentido discutir de novo aqui.
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E dizem também que não se provaram danos não patrimoniais, já que as limitações, incapacidades ou impossibilidades alegadamente experimentadas pela autora na sequência da sessão em causa (seja no desempenho das suas tarefas diárias, seja na alteração do seu modo de vida, de vestir, ou de planos de férias), consubstanciam meros inconvenientes/incómodos, não merecedores da tutela do direito.
É notório, no entanto, que as dores (factos 48, 50, 55, 58, 59, 61, 62, 64, 65, 67, 82, 84, 94 e 96), os sentimentos e emoções (factos 64, 83, 93, 95, 98 e 100), as limitações (factos 65, 67, 73, 83 e 98), os impedimentos (factos 95 a 98) e lesões (factos 66, 75, 82 e 88 a 92), tudo prolongado no tempo, principalmente as lesões, sentimentos e emoções, de que ainda existiam sinais mais de um ano e meio depois, não são, para um cidadão razoável, com um sensibilidade normal, meros inconvenientes ou incómodos, mas antes “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” (art. 496/1 do CC).
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As rés dizem – continuando a transcrever passagens de depoimentos, quer no texto quer em notas, como se na parte de discussão de Direito continuasse a interessar discutir os factos - que as consequências provadas não deviam ser indemnizadas com o valor com que o foram, 10.000€. Invocam nesse sentido doutrina que se pronuncia em termos gerais sobre a indemnização de danos não patrimoniais e diversa jurisprudência, entre ela, para um tipo de danos com a mesma origem, a sentença de um julgado de paz de 30/05/2014 processo 105/2014-JP, que atribui apenas uma indemnização de 2500€, o ac. do TRP, já citado, de 10/10/2011, proc. 84/08.3TVPRT.P1, que apenas atribuiu uma indemnização de 5000€, e o ac. do TRE de 13/02/2014, proc. 1843/08.2TBLLE.E1, também já citado, que também só atribuiu uma indemnização de 5000€. E ainda dizem que “em situações de verificação de lesões duradouras na sequência de tratamentos de depilação laser, quando os mesmos não tenham sido correctamente realizados, situações graves, incapacitantes e irreversíveis ⎯ ou seja, situações que nada têm que ver com o caso em apreço ⎯, o quantum indemnizatório fixado não ultrapassa os poucos milhares de euros: Veja-se, a título exemplificativo, a sentença do Julgado de Paz de Lisboa de 12/06/2018, proc. 838/2017-JPLSB, na qual, a propósito de dores, desvalorização estética e inibição relativamente a determinadas partes do seu corpo, e atendendo aos “padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência”, foi considerada adequada e fixada uma indemnização no valor de 1.000€. Pelo que, atendendo a critérios de equidade, à gravidade do dano, e, ainda, a todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, numa lógica de proporcionalidade e de equilíbrio ⎯ no sentido de que a danos graves correspondem montantes mais avultados ⎯, sempre deveria qualquer valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais ⎯ sem conceder na sua exigibilidade / ressarcibilidade ⎯ ser, no limite, significativamente reduzido.
A sentença de 30/05/2014do julgado de paz de Sintra, no proc. 105/2014-JP, que fixou uma indemnização de 2500€, reporta-se a uma situação relativa a danos com a mesma origem mas num caso muito menos grave (verificado de Março de 2013ao Verão de 2013) do que o dos autos. E no caso do ac. do TRE os factos reportam-se a fins de 2007 e no do ac. do TRP de 2011 os factos reportam-se a 2005-2007.
Deixando de lado as sentenças dos julgados de paz, mais timoratas ou tendo por objecto pedidos mais timoratos (embora não tanto como as rés dizem como se vê da sentença de 2014), e actualizando (com o uso da ferramenta do INE: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc) os valores do acórdão do TRP de 2011 (que serviu de base ao do TRE de 2014), temos, como ponto de partida, o resultado de cerca de 6250€ em Março de 2025 (a data mais próxima possível deste acórdão, o que se justifica visto que os juros, de acordo com a sentença, nesta parte transitada, só se vencem a partir do trânsito) e já não o de 5000€, para o tipo e gravidade de danos em causa. Ora, no caso, considerando as dores, iniciais de grau 7 numa escala até 10, e menos intensas por cerca de 1 mês, os sentimentos, emoções e lesões por mais de um ano e meio, e os impedimentos e limitações prolongados, embora por menos tempo, considera-se que elas merecem a indemnização atribuída pela sentença.
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As rés defendem que não resulta demonstrado o necessário nexo de causalidade para efeitos da sua responsabilização: seria imprescindível estabelecer um nexo causal entre as condutas atribuídas às rés, por um lado, e os danos alegados pela autora, por outro, e não um nexo causal entre o tratamento propriamente dito (depilação a laser) e os mesmos putativos danos.
O que a lei (art. 798 do CC) exige é um nexo de causalidade entre a realização defeituosa da prestação e os prejuízos alegados. Ora, os prejuízos (as consequências patrimoniais e não patrimoniais) alegados pela autora são consequência das lesões em que se consubstancia a execução defeituosa da prestação. Só não seria assim se se tivesse provado – o que evidentemente não se provou - que a execução defeituosa da prestação não se apresentava de molde a agravar o risco da verificação desses prejuízos (seguiu-se Galvão Telles, Direito das obrigações, 2.ª edição, 1997, Coimbra Editora, págs. 404-410).
Portanto, a sentença está certa também quanto ao nexo de causalidade entre a execução defeituosa e os danos cuja indemnização a autora reclama.
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Nos termos do art. 530/7 do CPC, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: (a) Contenham articulados ou alegações prolixas […]. O artigo reporta-se ao art. 6/5 do RCP: O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.
As alegações do recurso das rés têm 252 páginas cheias, 169 delas dedicadas à impugnação da decisão da matéria de facto, onde repetem, por várias vezes, questões já tratadas, e têm 341 conclusões que ocupam 42 páginas ainda mais cheias e com letra mais pequena. Fizeram, com isso, que fosse ocupado, com a apreciação do recurso, muito mais tempo que qualquer recurso normal com questões muito mais complexas. Tempo que este TRL deixou de poder aplicar a outros processos. Monopolizaram, pois, a máquina da justiça, em prejuízo dos outros utilizadores. Devem, por tudo isto, ser condenadas naquela taxa.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte (não há outras), pelas rés (a taxa de justiça que se segue não entra nas custas de parte).
As rés vão ainda condenadas a pagar, pelo recurso, a taxa de justiça da tabela I-C (13,5 UC), descontando-se o que já pagaram (4,5UC). Ou seja, têm de pagar mais 9 UC.
Retire do recurso (electrónico e em papel) e restitua às rés (quando e se o requererem) os três documentos apresentados com as alegações do recurso, com 3 UC de multa a pagar pelas rés (artigos 443/1 do CPC e 27/1 do RCP).

Lisboa, 08/05/2025
Pedro Martins
Higina Castelo
Rute Sobral