Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2334/17.6T8CSC.L1-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA PARTILHADA
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A residência alternada pode ser fixada pelo tribunal mesmo que os progenitores estejam em desacordo com ela e sem que seja necessário que não exista conflito entre eles.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO

AI… propôs acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança ML…, nascida a … de Junho de 2012 (actualmente com 7 anos de idade), contra PM….
A 06.11.2017 realizou-se conferência de pais, no âmbito da qual não lograram os progenitores chegar a acordo, aí tendo sido fixado regime provisório de regulação das responsabilidades parentais.
Remetidos para Audição Técnica Especializada e realizada a continuação da inicial conferência de pais, nessa sequência, não lograram os progenitores, novamente, consensualizar.
Notificados nos termos e para os efeitos do artigo 39º, nº 4 do RGPTC, apresentaram Requerido e Requerente as respectivas alegações e requerimentos probatórios.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.
Foi proferida sentença, onde, a final se decidiu:
«(…) regular o exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança ML… da seguinte forma:

As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da ML… serão exercidas em conjunto e de comum acordo por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer um dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

a) A criança ficará a residir à guarda e cuidados de ambos os pais, alternando a residência uma semana com cada progenitor.
b) Na falta de outro acordo dos progenitores, as semanas de guarda de cada um dos progenitores iniciam-se à Sexta-feira, indo o progenitor que inicia a sua semana de guarda buscar a criança ao estabelecimento escolar no final das actividades escolares, ou, fora do período lectivo ou nos dias em que não existam actividades escolares, a casa do outro progenitor em horário a combinar, ou, na falta de acordo, às 17H00.
c) O facto de a criança estar doente em alguma das semanas não obsta a que se mantenha o regime de guarda alternada.
d) Os documentos pessoais da criança, designadamente o cartão do cidadão, boletim de vacinas, cartão de saúde (seguro ou subsistema de saúde), cartão escolar, etc, deverão estar na posse do progenitor que tiver a guarda dos menores nessa semana.
e) Ambos os progenitores podem contactar diariamente e directamente a criança, devendo o progenitor que tem a guarda nessa semana assegurar a concretização de tal contacto enquanto a criança não tiver autonomia suficiente para receber e efectuar tais contactos directamente.
f) Na companhia de cada um dos progenitores e dentro dos respectivos períodos de guarda, a criança poderá viajar para fora da sua área de residência ou para o estrangeiro, mas, neste último caso, será sempre necessária a autorização escrita do outro progenitor, devendo ser comunicada antecipadamente o destino da viagem, sua duração, local onde a criança pode ser encontrada e forma de contacto directo com a mesma.
g) A eventualidade de doença, acidente ou qualquer outro evento relevante na vida da criança deverá ser imediatamente comunicada ao outro progenitor.
h) As comunicações entre os pais, necessárias nos termos deste regime e bem assim para a documentação de acordos entre os pais, devem ser efectuadas para os actuais endereços de email dos progenitores.

a) A ML… passará um período consecutivo de 15 dias seguidos das férias escolares de verão na companhia de cada um dos progenitores. Para tanto, os progenitores comunicarão ao outro os respectivos períodos de férias na companhia do menor até 31 de Março de cada ano.
b) A eventualidade de a criança estar doente, não obsta a que seja entregue à guarda do progenitor cujo período de férias na companhia do menor se inicia.
c) Durante os períodos de férias supra referidos fica suspenso o regime de semanas alternadas.
d) Na ausência de outro acordo dos progenitores, durante os períodos de férias e em que não existam actividades escolares, incumbe ao progenitor que iniciar o respectivo período de férias ou guarda da criança ir buscá-la a casa do outro progenitor.

a) Independentemente de ser um dia em que a ML… esteja na companhia e à guarda do outro progenitor, respectivamente, no dia de aniversário da mãe e no dia da mãe, e no dia de aniversário do pai e dia do pai, a criança estará na companhia do progenitor respectivo, podendo com ele pernoitar.
b) Independentemente de ser um dia em que o menor esteja na companhia e à guarda do outro progenitor, no dia de aniversário da ML…, esta estará na companhia de ambos os pais, mediante acordo dos pais. Na ausência de outro acordo, estará com o progenitor que não tem a guarda desde as 11H30 desse dia e até às 16H30 e com o outro o restante tempo.
c) Independentemente de ser um período de férias ou guarda da mãe ou do pai, a criança passará a véspera de Natal e véspera de Ano Novo com um dos pais e o dia de Natal e dia de Ano Novo com o outro, alternando anualmente. Na falta de acordo, caberá ao pai a escolha nos anos pares e à mãe nos anos impares.
d) Os dias festivos supra referidos iniciam-se às 11H00 e terminam às 11H00 do dia seguinte, indo o progenitor cujo dia se inicie buscar a criança a casa do outro.

a) Cada um dos progenitores assegura o pagamento das despesas com alimentação (em casa e na escola), habitação, produtos de higiene pessoal (incluindo cremes e produtos de farmácia de uso diário), actividades culturais e sociais (exposições, cinema, festas de aniversários, etc) e transporte da criança nas respectivas semanas de guarda.
b) Na falta de outro acordo dos progenitores, existindo uniformes ou roupa escolar ou objectos ou roupa específica para a prática de algum desporto ou actividade extra-curricular, as despesas com tal roupa e objectos serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de 50% para cada um, mediante a apresentação do documento comprovativo das mesmas. Nesse caso, os progenitores devem assegurar a entrega, manutenção e limpeza dessas roupas e objectos na respectiva semana.
c) A escolha dos estabelecimentos escolares a frequentar pelo criança será feita por acordo entre os pais.
d) As despesas com os estabelecimentos escolares privados escolhidos por acordo dos pais serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de 50% para cada um, mediante a apresentação do documento comprovativo das mesmas.
e) As despesas com livros, material escolar, equipamento para a prática de desporto na escola e demais despesas e actividades escolares obrigatórias serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de 50% para cada um, mediante a apresentação do documento comprovativo das mesmas.
f) As actividades extra-curriculares a frequentar pela ML… serão acordadas previamente entre os progenitores.
g) As despesas com as actividades extra-curriculares escolhidas por acordo dos pais serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de 50% para cada um, mediante a apresentação do documento comprovativo das mesmas.
h) As despesas escolares ou extra-curriculares que tenham carácter permanente e/ou valor períodico certo (ex. mensalidades, anuidades,etc), deverão ser pagas, se possível, directamente por cada um dos progenitores à instituição respectiva. Não sendo tal possível, um dos progenitores fica responsável pelo pagamento directo às instituições.
Neste último o progenitor não responsável pelo pagamento directo à instituição deverá efectuar o pagamento da respectiva parte nas despesas, mediante depósito ou transferência bancária, em conta bancária do outro progenitor a indicar, até dia 5 de cada mês.
i) As despesas escolares ou extra-curriculares esporádicas ou não referidas na alínea anterior serão pagas directamente por um dos progenitores e reembolsadas pelo outro no prazo de 10 dias após a apresentação do documento comprovativo da sua realização, mediante depósito ou transferência bancária, em conta bancária do outro progenitor a indicar.
j) Todas as despesas médicas e de saúde, designadamente com consultas, intervenções ou tratamentos médicos, meios auxiliares de diagnóstico, próteses (aparelhos dentários, óculos ou outros) e medicamentos, na parte não comparticipada por seguros de saúde ou subsistemas de saúde, serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de 50% para cada um, desde que devidamente comprovada a sua realização.
l) A escolha dos médicos da criança será feita por acordo entre os pais.
m) Sempre que haja necessidade de marcação de consultas médicas de rotina deverá ser escolhida data que permita que ambos os progenitores estejam presentes e deverá sempre ser o outro progenitor informado com antecedência da realização da consulta, para que, querendo, possa estar presente.
n) As despesas de saúde supra referidas serão pagas directamente por um dos progenitores e reembolsadas pelo outro no prazo de 10 dias após a apresentação do documento comprovativo da sua realização, mediante depósito ou transferência bancária, em conta bancária do outro progenitor a indicar.
(…)
Inconformada com tal decisão, veio a Requerente recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:
«a) Com o devido respeito, é entendimento da recorrente que a douta sentença padece dos seguintes vícios:
a) Nulidade da sentença, considerada na al. d) do nº 1 do artigo 615º do Código Processo Civil, por falta de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse apreciar e conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento;
b) Incorreta decisão da matéria da matéria de facto.
c) Erro de julgamento.
b) Nulidade da sentença, considerada na al. d) do nº 1 do artigo 615º do Código Processo Civil, por falta de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse apreciar
 Analisadas as alegações apresentadas pelos progenitores nos termos do nº 4 do artigo 39º da RGPTC e a avaliação técnica especializada sobressai que o modelo apresentado pelo progenitor pai em defesa da residência alternada assentar na família constituída por ele e a avó paterna com residência na morada desta última, na entreajuda centrada entre o pai e avó paterna e as condições habitacionais escrutinadas foram a habitação T2, pertença da família paterna e modelo de família apresentado ao Tribunal.
 Foi com base neste projecto apresentado pelo pai, que a recorrente geriu toda a sua oposição ao modelo de residência preconizado por aquele, tendo, inclusive em alegações finais, defendido a manutenção da regulação das responsabilidades parentais tal como resulta do regime provisório instituído com a possibilidade de se passar para a residência alternada, logo que o pai demonstre reunir condições para ter a filha consigo.
 Resultam provados, entre outra factualidade, a seguinte:
10. O Requerido vive, em união de facto, com IM…, desde Dezembro de 2018.
11. Residem numa moradia, propriedade desta, de tipologia T6, na Malveira da Serra.
12. Quando a ML… está com o Requerido, por vezes pernoita na referida moradia e outra vezes pernoita, só com o Requerido, num apartamento T2 que o mesmo possui em Cascais.
13. Em ambos os imóveis, a ML… tem um quarto próprio.
 Ou seja, o modelo de residência alternada defendido pelo pai e centrado na família por ele constituída com a avó paterna e na habitação familiar não foi apreciado pelo Tribunal, tendo a decisão sobre a residência alternada da ML… resultado dos factos novos que supra foram dados como provados.
Ocorre, pois, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse apreciar
c) Nulidade da sentença, considerada na al. d) do nº 1 do artigo 615º do Código Processo Civil, conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento;
 Como supra se alegou, o modelo familiar que o progenitor pai apresentou ao tribunal em defesa da residência alternada centrava-se na família por ele constituída com a avó paterna e na residência familiar.
 Foi com base nesse modelo de família que a recorrente preparou a sua defesa de oposição à residência alternada e foi também esse o modelo familiar que a Avaliação Técnica Especializada avaliou.
 Sucede que o progenitor pai em plena audiência de julgamento revelou ao Tribunal uma outra solução que colheu de surpresa a recorrente, não foi objecto do exercício do contraditório e/ou escrutinada pela Segurança Social.
 Que, colheu até de surpresa a própria companheira do progenitor pai.
 Neste particular, remete-se para as declarações do recorrido – 20190508095408_3965784_2871342_00:00:36 – precisamente para as proferidas a 00:00:34 a 00:03:21, que revelam ser sua intenção casar com a Senhora D. I…; residir na Malveira da Serra e a ML… passará a viver nesta residência, onde até já tem um quarto só para ela e a relação dura há 1 ano.
 Todavia esta declaração de intenções também colheu de surpresa a companheira do progenitor pai (20190508111257_3965784_2871342 — 00:29:17), concretamente a 00:00:10 a 00:05:23, de 00:12:40 a 00:16:35, de 00:19:47 a 00:21:18:
 Contradição entre o que as declarações do pai e as da sua companheira. Segundo o pai, vai casar e viver na Malveira da Serra, com a companheira I…. A companheira, apesar de imperceptível na gravação, o projecto “casamento” colheu-a de surpresa e a organização da vida comum com o pai, segundo suas palavras, estava dependente da decisão do tribunal.
 Ora, com o quadro factual dado como provado sob os pontos 10., 11., 12. e 13., o Tribunal veio a pronunciar-se sobre questões novas que não devia apreciar e, se bem percebeu a recorrente, o Tribunal a quo defendeu para a ML… uma residência que vai alternando entre a casa materna, a casa paterna e a casa da companheira do progenitor pai.
 Solução que a recorrente não encontra plasmada na letra da lei e mostra-se, neste particular, de extrema preocupação para o equilíbrio físico e psíquico da ML….
Entende, com o devido respeito, o Tribunal a quo cometeu a nulidade prevista na segunda parte da al.d) do nº 1 do artigo 615º do CPC e a sentença é nula, com as legais consequências.
d) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
 A recorrente considera que foram alegados e provados factos ignorados pelo Tribunal a quo que devem ser dados como provados, que se transcrevem:
- A ML… continua a ser transportada no automóvel do pai sem uma cadeira apropriada;
- O pai não criou condições para receber a ML… e a ausência de domicílio estável causa inquietação na filha.
 Com respeito à primeira da factualidade não dada como provada, a recorrente alegou que o pai desvaloriza a segurança rodoviária da ML… quando a transporta sem cadeira de segurança apropriada para a idade da filha, juntou documentos- documentos 1 a 5 que acompanharam as alegações do nº 4 do artigo 39º da RGPTC -, indicou e foram ouvidas testemunhas que impunham dar como assente este factos de extra importância e que revelam o deszelo do pai no que tange à segurança da filha.
 Destacam-se os depoimentos das testemunhas:
o PMS… (20190508103120_3965784_2871342- 00:38:16), a 00:04:06; o 0 Depoimento da testemunha indicada pelo recorrido pai, IM… (20190508111257_3965784_2871342-00:29:17), a 00:17:31 a 00:18:25;
 Não obstante a fonte dos testemunhos ser distinta – a primeira por ter ouvido dizer e a segunda na primeira pessoa – um denominador comum que o tribunal a quo não deveria ter ignorado: o pai transporta no seu carro a ML… apenas com o cinto de segurança e sem cadeira amovível adequada à idade da filha.
Termos em que defende dever ser revogada a decisão sobre a matéria de facto, aditando-se aos factos provados o seguinte:
25. A ML… é transportada no carro do pai só com o cinto de segurança e sem cadeira amovível adequada à idade.
 Relativamente ao segundo dos factos alegados e que não resultaram provados - O pai não criou condições para receber a ML… e a ausência de domicílio estável causa inquietação na filha. o Desde logo, destaca-se o depoimento do recorrido (20190508095408_3965784_2871342-00:04:35), a 00:02:23 a 00:02:31; o Os esclarecimentos dados pela testemunha MLL… (20190508095847_3965784_2871342-00:32:30) a 00:02:55, 00:03:33 a 00:04:45, a 00:06:39 a 00:07:14 o Os esclarecimentos da testemunha indicada pelo recorrido pai, IM… (20190508111257_3965784_2871342-00:29:17), a 00:12:40 a 00:03:54 e a 00:15:05 o Do relato das testemunhas e declarações do recorrido pai, o tribunal a quo ficou esclarecido que:
 A ML…, ora dorme com o pai porque a casa maternal não reúne condições para recebê-la e nem é crível que o pai passe a dormir no sofá na sala.
 A ML… ora dorme na casa paterna ora na da companheira e esta situação causa inquietação a menor. A avó maternal esclareceu o tribunal que é preocupação da neta saber onde vai dormir.
Termos em que deve ser revogada a decisão sobre a material de facto a fim de se adicionar esta factualidade como provada:
26. O pai não criou condições para receber a ML… e a ausência de domicílio estável causa inquietação na filha
e) Erro de Julgamento
 Tendo em consideração que a ML… tem apenas sete anos de idade, por razões de segurança e estabilidade, a prudência aconselharia a manter o regime provisório que esteve em vigor até à sentença e que se demonstrou plenamente satisfatório e salutar para a ML….
 Por razões biológicas e sociológicas deve dar-se preferência à mãe nos casos de crianças de tenra idade.
“Naquelas situações em que o cuidador primário era o pai, o autor descobriu que vinculação da criança à mãe não depende da quantidade do tempo passado junto da criança. Nestas situações, em situações de sofrimento emocional, a criança prefere a base da segurança maternal” Cf. Lamb Et Al.,<Effects of paternal involvement on infant preferences for mothers and fathers> Child Development, 1983, vol 54, nº 2, pp. 450-458.
 Princípio 6º da Declaração dos Direitos da Criança Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU nº 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959, segundo a qual “salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe”, e, no caso em apreço, esta opção foi determinante para o percurso da ML….
 Neste sentido os seguintes acórdãos: Ac. RE, de 23.02.89, CJ, 1989, p 255; Ac. RL, 23.02.94, relatado por Lopes Bento, proc. 0071621, in www.dgsi.pt; Ac. RL, 09.01.96, relatado por Diniz Nunes, proc. 0004411, in www.dgsi.pt ; O Ac RL, de 25.10.2012, relatado por Ana de Azeredo Coelho, processo 4547/11.5TBCSC-A.L1-6;
 Á ML…, o Tribunal a quo fixou-lhe um regime de guarda alternada com mudança de residência todas as semanas, em resposta aos seus superiores interesses.
 Fazendo uma retrospecção destes autos, constatamos que os progenitores separaram-se quando a ML… ainda tinha um mês e, quatro anos depois, foi adoptado um regime provisório que fixou a sua residência com a recorrente e pernoitas, em fins-de-semana alternados, com o pai de sexta-feira e até segunda-feira á hora de entrada na escola. Na semana em que o pai não tinha a filha, pernoitava à quarta-feira.
 A avaliação técnica especializada e as testemunhas – MLP… (avó materna) (rotações: 00:15:20 a 00:15:48, 00:15:53 a 00:16:21), PMS… (amiga de adolescência) (rotações: 00:20:53 a 00:20:55, oo:23:30 a 00:23:45, 00:31:59 a 00:33:05), IF… (companheira do pai) (rotações: 00:03:53 a 00:04:00, 00:07:51, 00:10:46), de forma assertiva e sem rodeios, elucidaram o Tribunal que a ML… é uma criança feliz, perfeitamente adaptada à separação dos progenitores, boa aluna, extrovertida, atenta e sensibilizada a tudo o que a rodeia.
 Não existe informação de que a ML… seja uma menina triste e que a sua nova vida, a decorrente da aplicação do regime provisório, lhe causava sofrimento, angústia ou que esta realidade lhe provocava, em moldes definitivos, um qualquer desarranjo da sua vida. Muito embora, foi esclarecido o tribunal que a ML… quando regressa da casa paterna, vem cansada, sonolenta, irrequieta e nervosa (MLP… (rotações 00:06:21 a 00:07:14) PMS… (rotações 00:6:26 a 00:07:45) e sente intranquilidade quanto à incerteza do lugar da pernoita – se na casa paterna ou se na casa da companheira – ( MLP… (rotações 00:03:33 a 00:04:45) (PMS… (rotações 00:02:16, 00:06:26 a 00:07:45).
 Não estão obviamente em causa os afectos, a carências, os equilíbrios emocionais e psíquicos da ML…. Aqui, o Tribunal soube que os progenitores são pais atentos, preocupados e envolvidos na criação e educação da sua filha.
 Tão pouco, as testemunhas e o próprio pai denunciou que os laços com a família materna, estavam comprometidos ou ameaçados. Pelo contrário, a integração e a ligação da ML… com a avó materna, é perfeita e saudável (neste sentido, a posição do requerido nos autos e a ATE).
 O mesmo não ocorre com o lado paterno. Todas as testemunhas destacaram que o relacionamento entre pai e avó paterna é conflituoso e reflete-se negativamente na ML…. A testemunha MLG… (00:16:21, 00:27:57 a 00:29:40) (PMS… (rotações 00:08:16 a 00:11:01) “A separação da criança das pessoas que, independentemente dos laços biológicos, desempenham a função parental, causa às crianças danos psicológicos e de saúde mental, como depressões, fúrias violentas, adaptação superficial às outras pessoas, angústias, risco de instabilidade afectiva ou fuca” Cf. Maurice Berger.
 O que é que esteve em causa durante o regime provisório que comprometeu os superiores interesses da ML… e justifica a aplicação do regime da guarda alternada? A douta sentença não esclareceu fundadamente o fracasso de um regime e quais as razões para o substituir por um regime de guarda alternada.
 Exigia-se, por um lado, demonstrar que o regime provisório anteriormente fixado não se tinha mostrado adequado à defesa dos superiores interesses da ML… e a referência, por outro, do motivo pelo qual o regime da residência alternada, agora instituído, seria o adequado para cumprir tal finalidade. Conforme decorre do n.º2 do art.º 154.º do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma "fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma.” José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol.1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, p.302-303.
 Também a já mencionada figura primária de referência parece ter sido esquecida na douta Sentença, enquanto critério objectivo e funcional, relacionado, com o dia-a-dia da criança, e com a realização de tarefas concretas prestadas à menor, no quotidiano. Tem-se entendido que o factor relevante para determinar o superior interesse da criança é constituído pela regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve ser confiada à pessoa que cuida dela no dia-a-dia.
Como refere a Drª Clara Sottomayor, "esta regra permite, por um lado, promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e por outro, atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade para cuidar destes e a quem estes estão mais ligados emocionalmente. A figura primária de referência será, também, em regra, aquele progenitor com quem a criança prefere viver" - “in”Regulação do Exercício do Poder Paternal Nos Casos de Divórcio, 3ª edição, página 46, Almedina, 2000.
 Não se trata de justiça salomónica, dividir a filha ao meio, nem de colmatar o conflito entre os progenitores através da sujeição da filha de ambos a esta nova realidade. Na opinião da recorrente o que está em causa é o superior interesse da ML… e não o regime que mais agrade a um ou a outro dos progenitores.
 Depois, a constatação de que ML… está bem quanto está com o pai e está bem quando está com a mãe, por um lado, tal se deve à capacidade que os progenitores demonstraram para agirem em prol das necessidades da filha e também ao êxito do regime provisório acolhido inicialmente e que se revelou virtuoso para a ML…: com a fixação da residência na casa materna a filha interiorizou rotinas (comer, deitar, estudar, brincar em horários adequados ao seu salutar crescimento) e teve estabilidade psíquica e emocional que lhe foi proporcionada pelos estreitar dos laços com ambos os progenitores.
 Porém fundamenta a Meritíssima Juiz o estabelecimento da residência alternada na conclusão, diga-se errada e contraditória, de que:
“No caso concreto nenhum dos progenitores imputa ao outro alguns dos factos de risco supra referidos. Não existe notícia que algum dos progenitores não cumpra de forma adequada com as suas funções parentais ou que ponha a criança em risco ou que assuma comportamentos aditivos ou desviantes (...)
Acresce que a receio verbalizado pela progenitora de que uma residência alternada iria pôr em perigo o equilíbrio e a estabilidade da ML…, nomeadamente, ao nível das suas rotinas, mostra-se infirmado pela informação colhida pela técnica da Segurança Social junto da educadora de infância da criança, que referiu não se manifestarem diferenças de comportamento na ML… que demonstrassem ter estado à guarda da mãe ou do pai, mais referindo que a criança vai bem com ambos os progenitores à hora da saída.
Refira-se que, ao invés do alegado pela mãe, também não é óbice à aplicação de tal regime a circunstância de os progenitores se mostrarem num incompreensível conflito parental que, apenas, tem a virtualidade de causar danos psicológicos, alguns deles irreversíveis para a criança”
 Alegou e ficou demonstrado cabalmente demonstrado quer pelas testemunhas indicadas pela recorrente, quer pelos documentos nos autos, quer pelos incidentes suscitados pelo pai que esta sentença é contrária aos superiores interesses da ML… e, caprichosamente, foram ignorados factos na douta sentença que apontam para o desacerto da solução da residência alternada.
 Desvaloriza a Meritíssima Juiz o depoimento das testemunhas – MLG… (rotações 00:02:15 a 00:02:55, 00:03:33 a 00:04:45, 00:06:21 a 00:07:14, 00:09:08 a 00:09:22, 00:09:45 a 00:11:00) PMS… (rotações 00:02:16, 00:03:42 a 00:04:60, 00:06:26 a 00:07:45 e 00:11:45 a 00:15:20, 00:31:11 a 00:31:58) IF… (rotações 00:12:40 a 00:13:54, 00:15:05, 00:17:31 a 00:18:25, 00:19:47 a 00:20:54) e do pai (rotações 00:02:23 a 00:02:23, 00:02:31, 00:02:45) -, que dão noticia da inexistência de qualquer tipo articulação parental entre os progenitores da ML…, que só comunicam por SMS ou por correio electrónico, de alterações nas rotinas da filha (mais cansaço, sonolência e irritação), intranquilidade da filha relativamente ao local onde vai pernoitar (se na casa paterna ou se na casa da companheira), o a desvalorização e desinteresse repetido do pai em transportar a filha com segurança no carro, não obstante todos os apelos que lhe foram dirigidos ao longo destes autos e as declarações contraditórias do pai sobre este assunto que muito preocupa requerente, a indisponibilidade do pai para partilhar informação com a mãe quando tem a filha à sua guarda.
 De destacar que, no que tange as condições habitacionais do pai, a sentença louva-se na informação da ATE relativamente a um modelo de família centrado no pai e avó paterna que se apresentou ultrapassado, sem conhecimento da recorrente, sem ausência de contraditório e sem ter sido avaliado pela Segurança Social.
 Nesta particular questão, caso o tribunal a quo não fosse tão confiante das virtualidades do regime da guarda alternada, teria, a partir do depoimento do pai e dos esclarecimentos da companheira, concluído que o novo modelo de família que oferece à filha não é estável e revelou-se até desconhecido para a companheira que foi surpreendida com esta solução em plena inquirição.
 Acrescem, como supra se elencou, outros factos que foram alegados e produzida prova que merecia outra valoração pelo Tribunal a quo.
Nomeadamente:
o A ML… continua a ser transportada no automóvel do paisem uma cadeira apropriada
o O pai não criou condições para receber a ML…;
o O modelo de família centrada na casa paterna defendido pelo recorrido revelou-se uma falácia;
o Não há diálogo nem entendimento entre os dois progenitores, quanto a questões de particular importância da vida da ML…, como sejam as atinentes à sua saúde e as escolares.
 Pelos documentos juntos aos autos e através dos esclarecimentos prestados pelas testemunhas, estes episódios foram desvalorizados pelo Tribunal, muito embora, este raciocínio tenha traído a Meritíssima Juiz quando conclui “tem a virtualidade de causar danos psicológicos alguns deles irreversíveis, à criança”.
 Se podem causar danos psicológicos irreversíveis à ML… será do superior interesse da filha que seja ignorado pelo tribunal a quo este importante impedimento à guarda alternada?
 O modelo educacional e a matriz familiar dos progenitores são completamente diferentes. A ML… está habituada a regras, rotinas e a harmonia na casa da mãe, as quais são fundamentais para o seu equilíbrio emocional. O pai não tem uma estrutura familiar sólida e a ML…, quando está à guarda do pai, ouve frequentemente discussões violentas entre o progenitor e a avó paterna (que reside actualmente com o pai) e é uma pessoa completamente desequilibrada que vive a denegrir a imagem da progenitora e da família materna e tem uma relação conflituosa com o próprio filho e hostil para com a neta. Tudo isto gera ansiedade na criança e em nada contribui para o desenvolvimento da sua personalidade e para a sua auto-estima.
 O artigo 1906º nº 5 e 7 do Código Civil, em consonância com os artigos 37º e 40º RGPTC, o tribunal determinará a residência do menor e os direitos da visita de acordo com o interesse deste, ponderando os acordos dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro progenitor.
 Aquele preceito legal – artigo 1906º nº 5 e 7 do Código Civil -, aponta para um regime regra de residência habitual ou principal, junto de um dos progenitores.
 A solução da residência alternada só deve ser considerada num contexto de consenso, confiança mútua entre os progenitores, profundo respeito pelo outro progenitor e real desejo de colaboração com ele.
 No actual quadro Legal, artigo 1906º nº 7 do Código Civil, este acordo é pressuposto essencial para a determinação de duas residências do menor e, na sua ausência, não se consagra qualquer presunção de guarda partilhada nem a possibilidade de uma residência dupla da criança.
 É também pressuposto que exista bom relacionamento entre os progenitores, que não existam crispações entre eles e que tenham vivências e projectos educativos comuns. O que não ocorre no caso dos autos.
 Norteados pelo princípio do "melhor interesse da criança" nas relações parentais, ponderando a proximidade física diária entre mãe e filha, entende a recorrente querente que a situação de facto existente não devia ter sido alterada. Pelo menos, com a idade precoce da ML….
 À cautela, pensamos nós, a Meritíssima Juíz do Tribunal a quo no âmbito dos poderes inquisitórios, dado que já tinha em mente adoptar o regime da guarda alternada e como este regime se apresenta totalmente inovador para a ML…, podia, ter incluído uma cláusula de revisão para a hipótese de o recorrido vir a demonstrar sem equívocos que passou a reunir condições para ter a filha, uma vez, o modelo que escolheu para a ML… se revelar adverso e a adopção deste sistema constituir um salto para o desconhecido, sujeitando a ML… a um modelo de experimentação de resultados imprevisíveis e sem possibilidade de recuo imediato caso se demonstre nefasto.
 Tendo sido frustradas todas as tentativas de acordo entre os progenitores e, não tendo havido acordo sobre a guarda alternada, a fixação dele viola o nº 5 do artigo 1906º do Código Civil quando dispõe que “o tribunal determinará a residência do filho”, utilizando a forma singular, é óbvio que o legislador não previu expressamente tal hipótese, além de a solução proposta não ser a que melhor defende e perpetua o bem-estar e o interesse da ML….
 Norteados pelo princípio do "melhor interesse da criança" nas relações parentais, ponderando a proximidade física diária entre mãe e filha, o bem estar sociopsicológico da ML…, entendemos que a situação de facto existente não devia ter sido alterada.
 Neste sentido: O Ac da RL de 13.12.2012, relatado por Rijo Ferreira, processo 1608/07.9TBCSC.L1-1; O Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 30.01.2014, relatado por Ana Luísa Geraldes, processo 6098/13.4TBSXL-B.L1-8; Ac. RE, de 30.06.2011, relatado por António Manuel Ribeiro Cardoso, processo 459/05; Ac. RL, de 22 de Janeiro de 2015, relatado por Teresa Pardal, processo 4547/11 ; Acs RL 18/03/2013, P. 3500/10 7/11/2013, P. 7598/12, 26/06/2014, P. 4089/10 e 11/09/2014, P. 1869, todos em www.dgsi.pt; Ac. RL, de 24 de Junho de 2014, relatado por Isabel Fonseca, processo 4089/10; Ac. RP, de 13 de Maio de 2014, relatado por Rodrigues Pires, processo 5253/12;
 A lei e a jurisprudência fazem depender a escolha da residência do menor do acordo dos progenitores e a sua disponibilidade para promoverem relações habituais do filho com o outro progenitor.
 No caso em apreço, esse acordo não existe mas não há a menor dúvida de que ambos os progenitores revelam disponibilidade para promover aquele relacionamento.
 Se existe o reconhecimento do papel do outro progenitor, não conseguem, todavia, ultrapassar dissonâncias tão importantes como seja a escolha e fixação das férias, a comunicação de uma doença e a ida a um hospital, o cumprimento da comparticipação nos encargos, e não se vislumbra entendimento entre ambos, visto que as suas escolhas, se prendem com formas de estar distintas mas que acreditam ser a melhor para a formação da menor em causa.
 Perante o exposto, parece assim evidente que o princípio da igualdade dos progenitores tem de ser sacrificado em nome do bem-estar e estabilidade da ML…. O pretendido é garantir uma estabilidade necessária, para que a ML… cresça de forma harmoniosa e sem recalcamentos de qualquer espécie, de forma a assegurar de que num futuro próximo seja responsável pelas suas escolhas e decisões.
 O facto de a ML… se revelar uma criança feliz e madura para a sua idade, é fruto do esforço de um trabalho contínuo e meritório de todos os intervenientes na sua vida e não de uma guarda artificial que não atende aos superiores interesses da menor.
 O esforço para que a falta de entendimento não se reflita na ML…, é destinta em ambos os progenitores, não tendo ficado provado que a guarda provisória adotada para a ML… a tenha afectado na relação de confiança e de amor pleno com ambos os pais, parecendo imprudente, nesta fase de mudanças intensas na rotina da vida da ML…, impor uma alteração no regime a que a mesma está habituada e que já tem interiorizado.
 A ML… iniciou o ensino primário que é comumente aceite pelos psicólogos como a fase marcada pelo desenvolvimento psicológico, que se reflete ao nível social, emocional e mental, permitindo à criança analisar os padrões ensinados pela família e a sociedade. É considerada a fase em que as importâncias dos modelos dos pais e família deixam de ser predominantes, assumindo os amigos e os professores um papel fundamental nas suas vidas.
Parece demasiado ambicioso, exigir que também consiga processar de forma saudável e correta mais essa mudança na sua rotina diária, sendo, pois, pertinente questionar quais os fundamentos reais e objetivos que levaram a Meritíssima Juiz a quo a não manter a rotina e horários diários da menor?
 Não se trata de desvalorizar a capacidade de adaptação das crianças, mas sim o de assegurar que a sua integração na nova realidade escolar seja feita de forma a permitir que a ML… consiga processar de forma estruturada todas as transformações que a vida lhe exige, não lhe impondo o ónus acrescido de aceitar a mudança da sua rotina diária ao nível familiar, nem lhe criando medos, angústias, retrocessos ou dúvidas para as quais não está preparada para resolver, ao afastar-se do ambiente securizante que até hoje proporcionou que crescesse e se desenvolvesse em termos francamente satisfatórios.
 Sem questionar o afecto dos progenitores, a verdade é que a situação de conflito não foi resolvida. E, tendo sido atribuída a responsabilidade parental provisória à recorrente, tratou-se de uma opção que encontra nos autos, na jurisprudência, e na experiência da vida, suficiente justificação para se determinar a sua confirmação. Decisão essa que mais se evidencia adequada quando se verifica que, é permitido ao pai, o estreitamento do relacionamento com a filha, a guarda em fins-de-semana alternados, e as pernoitas todas as Quartas-feiras medidas que, evidenciando a tutela do interesse da menor, encontram guarida no que se dispõe no art. 1906º do CC.
 Não negando as imensas competências do pai e o seu amor pela filha, é com a recorrente que a ML… deve manter a sua residência, cabendo a esta o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente, nos termos do art.º 1906.º n.º3 do Código Civil, por a ML… sempre ter vivido com a mãe, tendo ficado à guarda desta desde a separação dos pais, a sua tenra idade (7 anos) e não haver notícia de quaisquer factos que desabonem a sua capacidade de garantir os cuidados adequados à sua filha.
 Não resulta dos autos que a recorrente não esteja está atenta às necessidades da filha e não seja capaz de colocar os interesses da ML… à frente das suas próprias motivações. Por isso defende a maior aproximação possível com o pai e que a guarda alternada seja uma realidade quando o pai apresentar um modelo estável de família e que o mesmo possa ser previamente avaliado pela recorrente, pela segurança social e pelo Tribunal.
 Por sua vez, a experiência do regime provisório revelou ser o sistema que melhor defende os superiores interesses da ML…, que se apresenta emocionalmente estável e feliz.
Nestes termos e com o douto suprimento de Vexas., deve ser revogada a sentença proferida pelo tribunal a quo e, em sua substituição, manter-se o regime de regulação das responsabilidades parentais da ML… tal como fixado provisoriamente, com uma cláusula de revisão para a hipótese de o recorrido vir a demonstrar sem equívocos que passou a reunir condições para ter a filha.
Por ser aquele que melhor defende os superiores interesses da ML….
Assim se fará Justiça.»
O Ministério Público e o Requerido apresentaram contra-alegações, tendo contrariado as posições assumidas pela Apelante e defendido a bondade da decisão recorrida.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões das alegações da recorrente.
Nesta medida, a apreciação do recurso incidirá sobre a questão fulcral que se prende com o saber se a L…, sendo alvo de guarda partilhada, deverá ter residência alternada com os progenitores, como foi decidido, ou antes com a sua mãe, como é pretensão desta, expressa no presente recurso.
Tendo em vista tal desiderato, a Apelante suscita no presente recurso as seguintes questões:
1 – Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC)
2 – Impugnação da matéria de facto ( 2 factos que não foram dados como provados e que o deveriam ter sido)
3 – Erro de julgamento – indevida fixação de residência alternada 
III – FUNDAMENTOS
1. De facto
São os seguintes os factos dados como provados na sentença:
1. Requerente e requerido são pais de ML…, nascida a … de Junho de 2012.
2. Requerente e Requerido separaram-se quando a ML… tinha 1 mês.
3. Desde a data da separação de Requerente e Requerido, que a criança reside com a mãe.
4. Por decisão de 06 de Novembro de 2017, o Tribunal fixou regime provisório de regulação das responsabilidades parentais da criança, nos seguintes termos:
1- A criança ML… fica à guarda e cuidados da mãe, com quem residirá, sendo esta quem exerce as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente.
2- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
3- A L… estará com o progenitor fins-de-semana alternados, entendendo-se por fim-de-semana o período compreendido entre quinta e segunda feira, indo, para o efeito, o progenitor buscar a L… à escola na quinta-feira no final das actividades lectivas e aí a entregando na segunda-feira seguinte, antes do início das actividades lectivas.
4- Na semana em que o fim-de-semana pertence à mãe, a L… pernoitará com o pai de quarta-feira para quinta-feira, indo este buscá-la à escola na quarta-feira no final das actividades lectivas e aí a entregando na quinta-feira, antes do início das actividades lectivas.
5- A L… passará alternadamente com cada um dos progenitores os dias 24, 25, 31 de Dezembro e 1 de Janeiro, em termos a combinar entre ambos.
a) No presente ano de 2017, a L… passará o dia 24 de Dezembro com o pai e o dia 25 de Dezembro com a mãe, indo esta, para o efeito, buscar a L… a casa do pai dia 25 de Dezembro pelas 11h00m e o dia 31 de Dezembro com o pai e o dia 1 de Janeiro com a mãe, indo esta, para o efeito, buscar a L… a casa do pai dia 01 de Janeiro pelas 12h00m.
6- Nas férias de Natal da L…, esta passará com o progenitor a primeira semana.
7- A criança passará com o pai o dia de aniversário deste e o dia do pai e com a mãe o dia de aniversário desta e o dia da mãe.
8- As deslocações da ML… ao estrangeiro dependem sempre da autorização de ambos os progenitores.
9- O progenitor pagará a título de pensão de alimento devidos à criança a quantia de €125,00 (cento e vinte cindo euros) mensais, a pagar até dia 8 de cada mês à progenitora, através de transferência bancária para o IBAN PT….
10- A prestação de alimentos referida no número anterior será actualizada anualmente de acordo com a taxa da inflação verificada no ano anterior (índice de preços ao consumidor excluindo a habitação) publicitada pelo INE.
11- As despesas escolares (materiais escolares, livros e viagens de estudo), bem como as despesas médicas e medicamentosas que a criança gerar, na parte não comparticipada por sistema de saúde ou seguro de saúde, serão pagas na proporção de 50% por cada progenitor, mediante envio de comprovativo, no prazo de 10 dias, devendo o pagamento ser efectuado em igual período.”
5. No período que mediou entre a separação de Requerente e Requerida e a fixação do regime provisório, o Requerido estava diariamente com a filha, em casa da avó materna da criança, dando-lhe o jantar e estando com a mesma ao Sábado, sem pernoita.
6. O Requerido sempre foi um pai presente.
7. Os progenitores da ML… nunca conseguirem chegar a acordo relativamente às pernoitas da criança com o pai.
8. A Requerente é médica veterinária, sendo proprietária de uma clínica veterinária em Cascais, auferindo o vencimento mensal líquido de €627,94.
9. A Requerente vive com a ML… num apartamento, em Cascais.
10. O Requerido vive, em união de facto, com IM…, desde Dezembro de 2018.
11. Residem numa moradia, propriedade desta, de tipologia T6, na Malveira da Serra.
12. Quando a ML… está com o Requerido, por vezes pernoita na referida moradia e outra vezes pernoita, só com o Requerido, num apartamento T2 que o mesmo possui em Cascais.
13. Em ambos os imóveis, a ML… tem um quarto próprio.
14. O Requerido é engenheiro na sociedade “Somague Engenharia”, auferindo o vencimento mensal líquido de €2.500,00.
15. A ML… apresenta-se como uma criança ansiosa, com sinais sintomáticos, sendo disso exemplo o roer as unhas.
16. Até Janeiro de 2018 a ML… induzia o vómito tendo, a partir dessa data, começado a comer bem, em termos de quantidade.
17. Denota um comportamento reservado e selectivo nas amizades.
18. A ML… demonstra grande interacção com ambos os progenitores.
19. Apresenta um comportamento de pertença e afecto em relação ao pai.
20. Demonstra vinculação e pertença relativamente à mãe e à casa de ambos.
21. Na escola, a ML… não apresenta diferenças no comportamento que denunciem ter estado à guarda da mãe ou do pai.
22. Na hora da saída da escola, a ML… vai bem com ambos os progenitores.
23. A companheira do progenitor apoia-o no seu propósito de que a ML… divida o seu tempo, em termos equitativos, entre a mãe e o pai.
24. O relacionamento entre Requerente e Requerido pauta-se por uma grande conflitualidade, só conseguindo os mesmos contactar por escrito, designadamente, por e-mail.
2. De direito
Apreciemos as questões que se encontram suscitadas no recurso.
1 – Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC)
Nos termos do disposto no nº 1 - d) do art. 615.º do CPC é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Tal nulidade traduz-se no incumprimento por parte do julgador do dever consignado no art. 608.º, n.º 2  do mesmo Código – “resolver todas as questões submetidas à sua apreciação”, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada.
Constituiu hoje entendimento pacífico que as “questões” referidas na citada al. d), do n.º 1, do art.º 615.º, são as respeitantes ao pedido ou à causa do pedido. Na verdade, vem sendo dominantemente entendido, que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. Tal vício só ocorre, assim, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre as “questões” pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente[1].
Delimitando o significado das aludidas “questões” ensinava Alberto dos Reis[2] «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3], referem que não estando o juiz sujeito às alegações das partes quanto à indagação e interpretação das normas jurídicas, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido não têm de ser separadamente analisadas. «Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado».
A apelante reconduz a arguida omissão de pronúncia ao facto do Requerido pai ter alicerçado a sua posição de defesa de residência alternada na circunstância de pretender que a menor pudesse viver também consigo e com sua mãe numa fracção T2, pertença da família, sendo que veio a ser decidida a fixação dessa residência alternada com base em factualidade algo distinta, que passou a integrar a possibilidade de também coabitar com o seu pai e a sua companheira em habitação distinta daquela. Sustenta a recorrente que o Tribunal não chegou a apreciar a situação inicialmente descrita, o que, na sua óptica, implica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ao mesmo tempo que considerou a nova situação, o que se traduzirá num excesso de pronúncia (igualmente susceptível de enquadrar a nulidade da sentença prevista na mesma alínea do n.º 1 do art.º 615.º do CPC).
Afigura-se-nos não assistir razão à Apelante.
Na realidade, a sentença deve apreciar a situação que se vivencie tão perto quanto possível da sua prolação, sendo por outro lado certo que a situação descrita não envolve mais do que a apreciação de factos que foram carreados para o processo, relativamente aos quais a Recorrente sempre teve a oportunidade de exercer o contraditório ao longo daquele, mas que não implicam a omissão de apreciação dum pedido ou da sua causa de pedir, bem como não inibiam o tribunal de deles conhecer.
O Tribunal apreciou o pedido de regulação das responsabilidades parentais, de acordo com a factualidade que lhe foi apresentada, sendo que no tocante ao destino da menor e da sua residência entendeu que os factos exibidos impunham que a guarda fosse partilhada e que a residência fosse alternada. Não houve assim qualquer omissão ou excesso de pronúncia passível de conduzir à nulidade invocada pela Recorrente.
Convirá ainda ter presente que nos encontramos face a um processo de jurisdição voluntária, em que os critérios de legalidade estricta cedem o passo à equidade, sendo de não olvidar o que se refere nos artgs. 986.º, n.º 2 – “O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes”  - e 988.º, n.º 1, ambos do CPC  - “Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.”
Improcede assim esta questão.
2 – Impugnação da matéria de facto (3 factos que não foram dados como provados e que o deveriam ter sido)
A Apelante considera que foram alegados e provados factos que não constam do elenco dos factos tidos como provados e que assumem relevância para a acção.
A saber:
. A ML… é transportada no carro do pai só com o cinto de segurança e sem cadeira amovível adequada à idade;
. O pai não criou condições para receber a ML… e a ausência de domicílio estável causa inquietação na filha.
Ora, no que concerne ao primeiro dos factos indicados, que se pretende passe a integrar a factualidade provada, há que referir que dos elementos constantes dos autos (quer dos docs. 1 a 5 das alegações subsequentes à Conferência de pais, quer da prova testemunhal produzida em audiência) não resulta a mesma demonstrada.
Com efeito, desses elementos fica a convicção de que se é certo que num primeiro momento o Requerido não possuía cadeira própria por supor que a sua viatura a dispensava, corrigiu tal lapso [após ter sido alertado pela requerente e pelo Director Comercial da Porsche] passando a utilizar na sua viatura uma cadeira (banco) amovível, o que é legalmente admissível. Do depoimento da testemunha PC… apenas se retira que teria sido informada pela mãe da menor que durante certo tempo o Requerido não teria utilizado qualquer cadeira, sendo certo que para além dessa informação (não resultado de observação directa) não é detentora de nenhuma outra, pois que a menor nunca tal lhe disse.
Não se veem assim razões para aditar esse facto à matéria provada.
Relativamente ao segundo dos pontos indicados, há que referir, no que tange à sua primeira parte (“o pai não criou condições para receber a ML… …”) que o mesmo se traduz numa conclusão que careceria de ser densificada factualmente para por ela se concluir.
No que concerne à segunda parte desse ponto (“a ausência de domicílio estável causa inquietação na filha”), também não se encontram elementos que suportem a afirmação.
Tirando a “impressão” expressa pela avó materna da ML… [“Vem mais irrequieta, mais nervosa, mas isto é uma ideia minha”], quanto ao comportamento exibido pela sua neta quando regressa de casa do pai, nada mais aponta para qualquer mal-estar da criança derivado desse circunstancialismo, sendo que do relatório social se extrai precisamente o contrário [“Nunca foram constatados pelos Educadores diferenças no comportamento da Criança que denunciassem que tinha estado à guarda da mãe ou do pai. Na hora de saída da Escola é observado que a Criança vai bem com ambos os progenitores”]. O seu questionar: “onde vou dormir esta noite?”, não se nos afigura estranho ou problemático no seio de uma família de pais separados e em que existe mais do que uma casa onde a criança pernoita, não tendo surgido elementos demonstrativos da invocada “inquietação”.     
Não se acolhe assim, também este facto.
3 – Erro de julgamento – indevida fixação de residência alternada 
Aqui chegados, importará apreciar agora se assiste razão à apelante em ver alterado o regime de guarda conjunta com residência alternada que foi fixado na sentença, ou, pelo contrário, passer a definitive o regime provisório que foi estabelecido na Conferência de pais, onde foi estipulada a guarda a cargo da mãe com um regime de visitas por parte do pai.
Sustenta a Apelante que o pai não criou/tem ainda as necessárias condições para que se possa avançar para tal tipologia regulatória, tanto mais que o facto de se verificar um distanciamento entre os progenitors, com falta de comunicação entre si e incapacidade de encontrarem consensos nas questões de particular interesse para a menor e a sua tenra idade, desaconselham a opção pelo regime fixado.
Vejamos.
Encontramo-nos perante uma regulação do exercício das responsabilidades parentais, que obedecerá ao estipulado no art.º 1906.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 61/2008 de 31 de Outubro.
No âmbito desta lei, para além da substantiva alteração do anterior “Exercício do poder paternal” para o “novo” “Exercício das responsabilidades parentais” (visando introduzir uma visão essencialmente responsabilizante dos progenitores face aos seus filhos e no interesse destes), pretendeu-se igualmente acentuar o estatuto de igualdade de pai e mãe, estabelecendo-se como regra o exercício comum das responsabilidades parentais, privilegiando-se a guarda conjunta, em detrimento da guarda única, com a confiança da criança a um só dos progenitores (vide n.º 1, do apontado art.º 1906.º).
Seja essa guarda conjunta ou única, a lei consagra depois no n.º 5 do preceito que «O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste».
Vale isto por dizer que a questão da residência, não colidirá necessariamente com o tipo de guarda que seja estipulado ou acordado.
Para que tal melhor se entenda, será talvez conveniente esclarecer alguns conceitos, que por vezes se confundem.
Assim, e fazendo apelo ao que é dito no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 19-06-2012[4]: «Como ensina Maria Clara Sottomayor (Exercício do Poder Paternal Relativamente à Pessoa do Filho após o Divórcio ou a Separação Judicial de Pessoas e Bens, Universidade Católica Portuguesa-Editora, Porto, 1995:290/295), «a vulgarmente designada “guarda conjunta” inclui uma componente jurídica – traduzida no exercício conjunto do poder paternal (ou das responsabilidades parentais) por ambos os progenitores – e uma componente material, que respeita à vivência diária do filho. Nesta sede, o menor pode residir com um dos progenitores, gozando o outro de um amplo direito de visita, ou pode habitar alternadamente com ambos, de acordo com determinado ritmo temporal. Nesta última situação, “as decisões imediatas do dia-a-dia relativas à disciplina, dieta, actividades, contactos sociais, cuidados urgentes, etc. pertencem ao progenitor com quem a criança reside no momento”.
Já a também vulgarmente denominada “guarda alternada” significa que “cada um dos pais detém a guarda da criança alternadamente”, exercendo, no período de tempo em que detém aquela guarda, “a totalidade dos poderes-deveres integrados no conteúdo do poder paternal, enquanto o outro beneficia de um direito de visita e de vigilância”.»
No caso em apreço, é preconizada a passagem duma guarda única (na pessoa da mãe) para uma guarda conjunta, com estipulação de residência alternada da menor.
Verifica-se que o pai é de entendimento favorável a esse regime e que a progenitora o considera contrário aos interesses da menor, pelas razões que acima se apontaram.
Diremos desde já pelos dados obtidos – revelados na matéria provada - que nenhum dos progenitores exibe quaisquer incapacidades educativas para poder ter junto de si a ML…, de tê-lo a residir consigo, importando porém saber se a decisão assumida é a que mais garantias dará de um são desenvolvimento da menor e propiciador de um regular e salutar relacionamento desta com ambos os pais.  
Na realidade, se é certo que a ML… sempre viveu com a mãe desde que nasceu, a qual sempre lhe prestou os cuidados necessários a um são desenvolvimento, não é menos verdade que o progenitor sempre foi um pai presente, estando diariamente com a menor em casa da avó materna, dando-lhe o jantar e estando com ela aos sábados, sem pernoita [até ser estipulado o regime provisório em 06/11/2017]. Por outro lado, após a fixação do regime provisório, apurou-se que a ML… deixou de induzir o vómito, tendo a partir de Janeiro de 2018 começado a comer bem, em termos de quantidade, sendo certo que demonstra grande interacção com ambos os progenitores e apresenta um comportamento de pertença e afecto em relação ao pai e vinculação e pertença relativamente à mãe e à casa desta.
Todo este quadro aconselharia a que se avançasse, como se avançou, para uma situação de guarda conjunta com residência alternada, posto que uma das objecções avançadas pela progenitora – a tenra idade da menor – não é situação que se vivencie aqui. Com efeito, convirá ter presente que a ML… conta já com 7 anos, tendo assim já uma idade que não exige os cuidados especiais e o afecto que só uma mãe consegue dar e transmitir. Nesta sua muito jovem idade, o pai pode ter idêntico papel, sendo que não está minimamente em causa afastar a progenitora de todo o carinho e dedicação que possa e queira dar-lhe.
Acresce a circunstância de se ter registado que no período que decorreu entre a fixação do regime provisório (06/11/2017) e a data do julgamento (08/05/2019), em que as pernoitas junto do pai ocorreram, nada houve de especial a assinalar, denotando haver aceitação por parte da menor a tal sistema.
O único sério óbice que parece surgir como dificultador dum regular funcionamento do regime de guarda conjunta com residência alternada parece assentar na comprovada dificuldade de relacionamento entre os progenitores, que só conseguem contactar por escrito.
A este propósito, e para que possamos refletir sobre se esse circunstancialismo é, ou poderá ser, determinante para que não se fixe um regime com residência alternada, aqui se deixa passagem do texto do Procurador da República Dr. Pedro Faria, apresentado no âmbito da “Colecção Formação Contínua” – “Questões do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, resultado de reflexão dum grupo de trabalho promovido pelo Centro de Estudos Judiciários[5]:
«13. RESIDÊNCIA ALTERNADA
É de decretar a residência alternada em situações em que entre os progenitores exista algum conflito?
Pode haver fixação de residência alternada contra a vontade de um dos progenitores?
Não existe uma resposta padronizada e unívoca a qualquer uma das perguntas.
A fixação da residência alternada da criança não deve ficar refém de um qualquer conflito entre os progenitores ou de uma qualquer discordância que entre eles exista quanto a esta configuração do exercício das responsabilidades parentais.[6]
O facto de ambos pretenderem que a residência seja fixada junto de si não deve, desde logo, ser considerado um conflito relevante para afastar a possibilidade da residência alternada.
O regime de exercício das responsabilidades parentais deve ser estabelecido ponderando, acima de tudo, a manutenção e o desenvolvimento da relação que os filhos têm com os pais, procurando uma solução que permita uma efetiva partilha do processo de crescimento.
Quando o artigo 1906.º, n.º 7, do C.C. estabelece como trave mestra do regime de exercício das responsabilidades parentais a preservação e consolidação da proximidade dos filhos com ambos os progenitores, tal não pode deixar de significar uma participação tendencialmente igualitária ou equivalente nas rotinas e nos tempos dos filhos.
Neste sentido, a residência partilhada, um modelo em que os progenitores assumem por períodos alternados de tempo o papel de cuidadores principais dos filhos, é tendencialmente aquele que melhor garante a grande proximidade que se pretende preservar.
Participar ativamente nas rotinas, estar presente quando há um sucesso ou um problema, lidar com uma birra ou assistir a um progresso, é a forma de conhecer o filho, de participar ativamente na sua formação, de lhe dar instrumentos para enfrentar os desafios.[7]
Isto dito, porque o interesse dos filhos é, regra geral, continuar o modelo relacional que existia antes da separação dos progenitores, é-lhes exigido um esforço muito sério de superação de conflitos que existam entre ambos.
E, acrescenta-se, a participação equitativa na vida dos filhos pode até ser uma forma de os resguardar do conflito, na medida em que permite que os progenitores se foquem nas suas necessidades e concertem mecanismos de diálogo quanto às questões dos filhos.
Apenas em caso de elevado conflito, que inquina a própria forma de viver a parentalidade[8], se deverá afastar a residência alternada.
Assim, por exemplo, quando os progenitores se atribuem mutuamente capacidade para responder de forma positiva às necessidades do filho mas apenas se recriminam quanto àquilo que foi a vivência do casal ou sustentam a sua oposição em diferenças não estruturais quanto ao modelo educativo que cada um segue (o pai não põe regras, a mãe é muito rígida, “ele” deixa-a fazer tudo o que ela quer; ela não larga o pequeno da mão; ele não tem paciência para brincar com eles; ela está sempre a dizer mal da minha família), não se está perante um conflito relevante. Esse conflito já será relevante quando é acompanhado de atos que tendem a impedir uma prática de efetiva coparentalidade, condicionando as rotinas dos filhos para que o outro progenitor lhes seja subtraído, fazendo imputações de maus tratos ou mesmo abusos ou induzindo nos filhos, de forma sistemática, uma representação negativa do outro progenitor.[9] (…).
(…)
Acompanhamos e perfilhamos o teor da reflexão que vimos de apresentar o que nos conduz à inexorável conclusão de que, no caso, não nos encontramos perante situação de elevado conflito condicionante da forma de viver a parentalidade.
Com efeito, pese embora os pais da ML… tenham evidentes dificuldades de comunicação entre si, não resulta minimamente demonstrado dos autos (diremos até muito pelo contrário, atentas as declarações que proferiram quer na Conferência inicial, quer mesmo ao longo do processo) que questionem o envolvimento, afecto e capacidade educacional que cada um deles manifesta para com a sua filha. Existe uma evidente e comprovada ligação entre mãe-filha e pai-filha, que não é questionada pelos próprios progenitores, situação que é de saudar.
Não vislumbramos, assim, razões para que, no caso, não seja fixado o regime estabelecido na sentença recorrida, sendo ainda de salientar que a posição assumida, pese embora não seja uniforme quer na doutrina, quer na jurisprudência, encontra em ambas enorme apoio.
A este propósito, pelo particular e relevante trabalho de pesquisa que envolveu, aqui se deixa transcrito parte do recente acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-09-2019[10], onde se enumeram as variadíssimas referências a casos em que se sustentou a bondade da opção pela residência alternada:
«(…).
Já depois daquele acórdão do TRL (em que se invocam vários outros no mesmo sentido), pronunciaram-se também no mesmo sentido, da desnecessidade de acordo dos progenitores e da irrelevância de princípio da existência de um qualquer litígio entre eles, os seguintes acórdãos:
O ac. do TRC de 24/10/2017, proc. 273/13.9TBCTB-A.C1:
Mesmo não existindo acordo dos pais, a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais – artigo 1906 do CC –, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes ou se mostrar que a medida não promove os interesses do filho.
O ac. do TRG de 02/11/2017, proc. 996/16.0T8BCL-C.G:
5. Não obstante a boa relação que o menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação que ambos lhe dispensem, a residência alternada só poderá ser uma opção se for do interesse dos menores (n°s 5 e 7 do artigo 1906°, do CC);
6. É importante avaliar, na escolha do regime, se é esse o que, na prática, os pais vêm seguindo com sucesso, se é essa a vontade manifestada pelos próprios filhos, se estes mantêm uma relação afetiva sólida com ambos os pais e se as residências são próximas da escola/jardim-de-infância dos filhos;
7. Se todos estes fatores se conjugarem é, indubitavelmente, de defender que a residência alternada é o regime que mais evita conflitos de lealdade e sentimentos de abandono ou de rutura afetiva. Só a residência alternada conclama os progenitores para a participação mútua na vida dos filhos, porque permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, ou seja, tal regime permite concretizar o princípio da igualdade de ambos os progenitores, no exercício das responsabilidades parentais;
8. Apesar de uma das três crianças ainda não ter autonomia - dado ter apenas 2 anos de idade – e de ser do seu interesse um regime que privilegie a estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida, o regime da residência alternada mostra-se viável por os progenitores, pessoas cultas, manterem uma relação que privilegia o interesse dos filhos, os avós e tia-avó paternos continuarem a auxiliar (como já vinha acontecendo antes de cessar a coabitação dos progenitores) e o pai contar com auxílio de empregada doméstica, serem três os menores, sendo os outros dois mais velhos (com 8 e 5 anos de idade) e o progenitor ter fixado residência na cidade onde as crianças frequentam o colégio (escolhido pelos progenitores quando coabitavam, por ambos trabalharem nessa cidade);
9. O regime da residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias;
10. Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas;
11. É de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência em termos de plena igualdade com a mãe e com o pai, sendo, como é o caso, em tudo idênticas as condições afetivas, materiais, culturais e sócio-económicas de ambos os progenitores.
O ac. do TRE de 09/11/2017, proc. 1997/15.1T8STR.E1:
Residindo ambos os pais na mesma localidade, tendo ambos condições económicas e de habitabilidade para terem o filho consigo, dando ambos garantias de velar pela segurança, saúde, educação e desenvolvimento do filho e inexistindo quaisquer razões ponderosas que o desaconselhem, é de fixar a residência alternada, com ambos os pais, a um menor de 12 anos, por ser a solução que melhor defende o seu interesse.
O ac. do TRL de 12/04/2018, proc. 12-04-2018:
[…] esse desacordo dos pais não será, em princípio, impeditivo da fixação de residência alternada com ambos os progenitores.
Ac. do TRE de 07/06/2018: proc. 4505/11.0TBPTM.E1:
1. A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
2. A lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
3. Mas esta solução apenas é possível caso os progenitores não residam a longa distância um do outro, porquanto os menores em idade escolar não podem ser obrigados a mudar de escola todas as semanas ou a realizar longos percursos para não faltar às aulas.
Sem exigir o acordo dos pais, veja-se também o estudo de Guilherme de Oliveira, A “residência alternada” na lei nº 61/2008, provavelmente dos primeiros meses de 2015, em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Carlos Pamplona Corte Real, Almedina, Nov2016, que não foi tomado em consideração naquele primeiro acórdão proferido neste processo, por não se ter atentado nele.
Afastando a necessidade de acordo, veja-se também o estudo de André Lamas Leite, publicado na Revista do Ministério Público, Julho-Setembro de 2017, n.º 151, págs. 65-81: O art. 1906.º do Código Civil e a (in)admissibilidade do regime de guarda (e residência) alternadas dos Menores, com as seguintes conclusões finais:
A Lei 61/2008, de 31/10, veio prever, como regime regra, no caso de ruptura do casamento ou de relação análoga, o regime de exercício partilhado das responsabilidades parentais, assim dando um cumprimento mais perfeito ao art. 36/3, da Constituição, o qual é uma concretização do princípio geral da igualdade do art. 13.
O art. 1906 do CC, admite a possibilidade de o tribunal, na ausência de acordo, decidir, mesmo sem que nenhum dos progenitores o tenha pedido, no sentido da guarda partilhada dos menores e, em consequência, da sua residência também alternada, tudo em conformidade com os elementos literal, histórico, sistemático e teleológico (em especial este último) usados na hermenêutica jurídica, como houve ocasião de demonstrar. Assim, interpretar o mesmo artigo em sentido contrário afigura-se-nos materialmente inconstitucional, por vulneração dos sobreditos preceitos.
Embora se não possa dizer, com toda a honestidade intelectual, que o art. 1906 do CC consagra uma preferência pela guarda e residências alternadas, também se não pode inferir do mesmo que a guarda apenas por um dos progenitores seja legalmente preferida. Destarte, terá de ocorrer uma análise casuística pelo tribunal, na ausência de acordo dos progenitores, sempre tendo por critério-rector o superior interesse do menor - n.º 7, do art. 1906, do CC.
Existem, na literatura da especialidade, posições divergentes quanto à maior conveniência para o processo de construção da personalidade e de desenvolvimento da mesma de ser decidida uma guarda alternada, pelo que voltamos à necessidade de uma ponderada análise caso a caso. Em decorrência, sempre e tão-só quando se prove a existência de uma situação de igualdade material do prisma dos vários aspectos das condições que os progenitores podem oferecer aos seus filhos, não é de eliminar - em nossa perspectiva, pelo contrário, é mesmo de preferir que o Tribunal se decida pela guarda alternada.
A concepção segundo a qual a mãe é sempre a única «figura de referência» está totalmente ultrapassada pelos instrumentos de Direito Internacional que vinculam Portugal, pela literatura especializada, pela lei constitucional pátria e pela lei ordinária, podendo, ao invés existir várias figuras de referência, as quais podem mesmo não ser necessariamente os progenitores.
Contra, mas anterior a todos estes acórdãos e doutrina, embora não referido no primeiro acórdão porque ainda não tinha sido publicado, veja-se o estudo de Maria Clara Sottomayor, O interesse da criança e a guarda partilhada nos casos de divórcio, provavelmente de fins de Março ou Abril de 2017, publicado em Edição comemorativa do cinquentenário do Código Civil, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Outubro 2017, págs. 557 a 578. Este estudo não tem novos argumentos.
Contra ainda, vai o ac. do TRE de 22/03/2018, proc. 297/15.1T8PTM-C.E1, também sem novos argumentos.
(…).»  
Os exemplos, as decisões e as posições doutrinárias expostas no acórdão que vimos de citar encontram algum paralelismo com a situação que se vivencia no caso em apreço.
Perante uma situação em que ambos os progenitores assumem as suas responsabilidades parentais de forma efectiva, com manifestações de afecto e amor pela ML… e em que esta demonstra uma grande interacção e comportamentos de pertença e afecto com ambos os progenitores, não se encontram razões válidas, suficientemente relevantes, para que não seja fixado um regime de guarda conjunta com residência partilhada como ficou estabelecido na sentença recorrida.
Atrevemo-nos a parafrasear o que foi referido no ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-12-2018[11], dado afigurar-se-nos ser realidade a ter sempre presente nestes casos:
«(…) E podemos acrescentar que esta medida (guarda compartilhada - com residência alternada junto de cada um dos progenitores) só não produzirá bons resultados se os pais não forem compreensivos e colaborantes um com o outro e se não colocarem o interesse da menor à frente dos seus interesses particulares (dando prioridade aos interesses da filha em detrimento dos seus problemas e conflitos entre ambos) ou se não conseguirem vislumbrar o melhor caminho para promoverem os interesses da filha.(…).»
Entendemos, assim, inexistir o apontado erro de julgamento, antes se entendendo que a sentença deverá ser confirmada.   
IV – DECISÃO 
Nesta conformidade, os juízes desembargadores que integram este colectivo, acordam em julgar a apelação improcedente, assim mantendo a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa,
José Maria Sousa Pinto
Jorge Vilaça Nunes                                                        
João Vaz Gomes
_______________________________________________________
[1] Vidé a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”; Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”; Ac. do STJ de 25/2/97, in “BMJ 464 . 464” e Ac. do STJ de 22/1/98, in “BMJ 473 –427
[2] No «Código de Processo Civil  Anotado», Coimbra Editora, vol. V, pag. 143.
[3] No «Código de Processo Civil Anotado», Almedina, II vol., 3ª edição, pag. 737.
[4] Proc.º 2526/11.1TBBRR.L1-1, disponível em www.dgsi.pt
[5] E-book editado pelo CEJ, em Julho de 2019 e disponibilizado na sua página oficial.
[6] Sublinhado nosso.
[7] Sublinhado nosso.
[8] Sublinhado nosso.
[9] Sublinhado nosso.
[10] P.º 835/17.5T8SXL-2, em que foi relator Pedro Martins.
[11] P.º 1032/17.5T8CBR.C1, em que foi relator Fonte Ramos.