Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3625/14.3TBALM.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: DESERÇÃO
CERTIFICADO DE ÓBITO
OMISSÃO
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE O PRIMEIRO RECURSO E IMPROCEDENTE O SEGUNDO
Sumário: I - A conduta negligente que conduz à figura da deserção traduz-se numa situação de inércia imputável à parte.
II - Uma das mais relevantes concretizações do dever de gestão processual é a promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação.
III - Não existe necessidade de notificar as partes para juntarem aos autos certidão de óbito, com a inerente pausa para a apresentação do documento, quando o tribunal dispõe de meios para obter oficiosamente a informação pretendida de modo célere e não oneroso junto dos serviços de identificação civil.
IV - Como consta expressamente do artigo 22.º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013, de 26.8, sempre que as condições técnicas o permitam, o tribunal deve consultar diretamente a informação disponível eletronicamente da titularidade de serviços da Administração Pública.
V - Segundo o n.º 2 do citado preceito, tal informação tem valor idêntico a uma certidão emitida pelo serviço competente, nos termos da lei.
VI - Não tendo o Tribunal recorrido diligenciado pela suspensão da instância em face da tomada de conhecimento da morte de três Autores, ex vi da base de dados dados SIRIC - Sistema Integrado do Registo e Identificação Civil, nenhum comportamento faltoso poderia ter assacado aos Autores sobrevivos pela não junção atempada das certidões de óbito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. Na presente ação especial de divisão de coisa comum, foram interpostos dois recursos de apelação pelos Autores, o primeiro da decisão que decretou a deserção da instância e o segundo da nulidade processual da omissão da notificação dos dois despachos anteriores àquela decisão (interposto apenas pela Autora AP…).
2. No dia 7.6.1999, o Município de Almada, VC… e marido JJ…, MC… e marido AM…, Ama… e mulher AS…, CJ… e mulher ML…, DS… e mulher MCP…, JA… e mulher HF…, FA…, FJ… e mulher MJ…, CM… e mulher FM…, NM… e marido JP…, JAM… e mulher IS…, OP…, MA… e marido LH…, ASF… e mulher MLS…, MA…, MT… e marido JM…, JPN…, FP… e mulher MO…, JF… e mulher MD…, JI… e mulher Autora EC…, FMS… e mulher MA…, ISR… e mulher BS…, CA… e SB… intentaram a presente ação especial de divisão de coisa comum contra MG…, IM… e marido JW….
3. Alegaram, em suma, que:
- Por alvará de loteamento n.º …, de ….3.1995, do Município de Almada, foi autorizado o loteamento urbano constituído por dois prédios com a área total de 22 307,40 m2, sitos na Quinta …, Casal de Santo António, freguesia de Charneca da Caparica, Concelho de Almada;
- Pelo referido loteamento foi autorizada a constituição de cinquenta e cinco lotes de terreno para construção, numerados de 1 a 55;
- Os Autores são comproprietários do referido loteamento, na proporção indicada no artigo 4.º da petição inicial;
- Os comproprietários acordaram e procederam já a uma divisão de facto dos lotes resultantes do loteamento, com atribuição da respetiva posse, conforme indicado no artigo 17.º da petição inicial;
- Os Autores não pretendem manter a indivisão da propriedade dos lotes resultantes do aludido loteamento;
- A divisão nesses termos só não foi até ao momento possível por infundada recusa da Ré MG… em outorgar a necessária escritura pública;
- A divisão dos bens é possível, atento o loteamento e a constituição dos referidos cinquenta e cinco lotes de terreno.
Terminam pedindo que, depois de fixadas as quotas dos proprietários, se proceda à divisão dos bens imóveis, com a adjudicação de acordo com previsto nos artigos 17.º e 19.º da petição inicial.
4. A Ré MG… apresentou contestação, na qual, entre outros factos e argumentos, invocou que o seu lote é superior ao indicado.
5. Determinou-se a realização de prova pericial por despacho de 14.7.2005.
6. O relatório pericial foi apresentado no dia 28.3.2007.
7. Os Peritos prestaram esclarecimentos sobre o relatório, por escrito, no dia 29.6.2007.
8. No dia 6.12.2007, a Ré/Contestante interpôs recurso de agravo do despacho que indeferiu a realização de segunda perícia, o qual foi admitido por despacho de 31.1.2008, a subir com o primeiro recurso que, depois dele, houvesse de subir imediatamente, ao abrigo dos artigos 734.º, a contrario, e 735.º do CPC de 1961, na sua versão originária.
9. A Ré MG… apresentou as alegações de recurso no dia 15.2.2008.
10. Por despacho de 14.7.2008, foi declarada suspensa a instância até os Autores juntarem certidão comprovativa do registo da ação, a qual findou pela apresentação de tal documento, conforme despacho de 19.2.2009.
11. Por despacho de 14.9.2009, determinou-se a tramitação subsequente dos autos sob a forma de processo comum adequado à causa.
12. Por despacho de 13.4.2010, foi admitida a intervenção principal de MC… e mulher MM…, e de IJ…, os quais, uma vez citados, declararam fazer seus os articulados dos Autores.
13. No dia 15.9.2011, foi proferido despacho saneador tabelar e organizaram-se os factos assentes e a base instrutória.
14. Os requerimentos de prova foram admitidos por despacho de 18.1.2012.
15. Por despacho de 12.3.2012, foi agendada uma tentativa de conciliação para o dia 11.4.2012.
16. Por despacho do dia 14.1.2013, foram designados os dias 15 e 28 de maio de 2013 para a audiência de discussão e julgamento.
17. No dia 15.5.2013, aquando da abertura da primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, o Mandatário da Ré deu conta de que tinha falecido a Autora MA… no dia 2.3.2003, pelo que a audiência foi adiada sine die.
18. Por sentença de 24.11.2014, foram habilitados MTJ… e JPN… para com eles prosseguir a ação, ocupando a posição da falecida Autora MA….
19. Por sentença de 24.11.2014, foram habilitados LH… e AP… para com eles prosseguir a ação, ocupando a posição da falecida Autora MA….
20. Por sentença de 24.11.2014, foram habilitados MC…, JL…, SM… e MLA… para com eles prosseguir a ação, ocupando a posição do falecido Autor AM….
21. Por despacho de 2.2.2015, foram designados os dias 29 de abril e 6 de maio de 2015 para a audiência de discussão e julgamento.
22. Por despacho de 16.4.2015, foi declarada suspensa a instância até à habilitação dos herdeiros da falecida Autora CA….
23. Por sentença de 27.10.2016, foram habilitados JFR… e AP… para com eles prosseguir a ação, ocupando a posição da falecida Autora CA….
24. Por despacho de 9.1.2017, foram designados os dias 2 de março, 3 de março, 9 de março e 10 de março de 2017 para a audiência de discussão e julgamento.
25. No início da audiência de discussão e julgamento, em 2.3.2017, foi dada notícia do falecimento do Autor JJ…, tendo sido impresso documento certificativo do óbito, como resulta do teor de fls. 1580 (documento extraído da base de dados SIRIC - Sistema Integrado do Registo e Identificação Civil).
No mesmo ato foi proferido despacho de suspensão da instância em face da morte do Autor e dadas sem efeito as sessões de julgamento designadas.
26. Por sentença de 2.11.2017, foram habilitados VC…, MI… e LF…, para com eles prosseguir a ação, ocupando a posição do falecido Autor JJ….
27. Por despacho de 24.4.2018, foram designados os dias 12 de outubro, 19 de outubro, 26 de outubro, 2 de novembro, 9 de novembro, 16 de novembro e 23 de novembro de 2018 para a audiência de discussão e julgamento.
28. Por despacho de 6.9.2018, foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Atendendo à proximidade do julgamento, determino que se proceda, na semana de 24 a 28 de setembro, a uma averiguação nas bases de dados com vista a apurar se se mostra registado o óbito de qualquer das partes do processo.
Conclua após, informando o resultado da pesquisa e juntando eventuais resultados positivos
29. No dia 28.9.2018, os autos foram conclusos com a seguinte informação:
«28-09-2018, informando V. Exa. que efectuadas as pesquisas ordenadas no despacho de 06-09-2018, verifiquei que foi declarado o óbito dos seguintes Autores:
- CM… (pesquisas constantes a fls. 1675/1676);
- ISR… (pesquisas constantes a fls. 1677/1678);
- BS… (pesquisas constantes a fls. 1679/1680);
pelo que faço os autos conclusos a fim de V. Exa. ordenar o que tiver por conveniente.»
30. Nessa data foi proferido o seguinte despacho:
«Compulsados os autos, constato que, não obstante ter sido ordenado por despacho de 2/11/2017 que se fizessem averiguações nas bases de dados, “concluindo após, com a informação apurada e juntando ao processo físico as pesquisas que indiquem o óbito” (sublinhado nosso), foi aberta conclusão em 24/4/2018 sem qualquer informação acerca do óbito das partes no processo e sem ter sido junto ao processo físico qualquer “print” de pesquisas.
Confiando no correto cumprimento do despacho proferido, não sendo informado qualquer óbito nem junta qualquer pesquisa, foi agendado julgamento.
Constata-se agora que, afinal, nas pesquisas então efetuadas constavam já as menções aos óbitos agora informados.
* Com cópia dos resultados das pesquisas acima identificadas, notifique os autores sobrevivos para, no prazo de dez dias, juntarem aos autos certidões de assento de óbito, ficando os autos a aguardar esse seu impulso ou a deserção da instância.
* Pese embora não constem dos autos, ainda, as certidões dos assentos de óbito, atendendo à fidedignidade das bases de dados consultadas, existe já certeza suficiente de que tais óbitos ocorreram, não sendo viável que a habilitação dos seus sucessores seja requerida e decidida a tempo da primeira sessão de julgamento, agendada para 12/10/2018.
Assim sendo, com vista à atempada desconvocação de todos os convocados e atendendo à necessidade de aproveitamento pelo Tribunal das datas agendadas para a marcação de julgamentos em outros processos, dou sem efeito o julgamento agendado para os dias 12, 19 e 26 de outubro, 2, 9, 16 e 23 de novembro do corrente ano.
Notifique e desconvoque.»
31. No dia 1.10.2018, o sistema informático CITIUS certificou a data de elaboração da notificação da Autora AP… do despacho referido no ponto 30 (ref.ª 380031361), do qual consta o seguinte:
«Fica V. Exª. notificado(a) que, nos autos supra identificados, foi dada sem efeito a data designada para audiência de discussão e julgamento
32. No dia 30.4.2019, foi proferido o seguinte despacho:
«Os autores sobrevivos foram notificados do despacho proferido em 28 de setembro de 2018 (cfr. fls. 1682) dando conta do apuramento do óbito dos autores CM…, ISR… e BS…, e convidando-os a, no prazo de dez dias, juntar aos autos as respetivas certidões do assento de óbito, para que os autos pudessem seguir a ulterior tramitação processual.
Fez-se constar em tal despacho, expressamente, que os autos ficariam a aguardar esse concreto impulso processual ou a deserção da instância, caso não houvesse impulso.
Os autores sobrevivos nada fizeram nem requereram até à presente data, mais de seis meses após a notificação que lhes foi expedida.
Uma vez que a inércia no impulso dos autos parece ser-lhes imputável, notifique os autores sobrevivos para, em dez dias, querendo, se pronunciarem sobre a verificação dos pressupostos de declaração de extinção da instância por deserção, ao abrigo do disposto no artigo 281º do Código do Processo Civil.»
33. A Autora AP… não foi notificada do despacho referido no ponto 32.
34. No dia 16.5.2019, os Autores apresentaram o seguinte requerimento:
«1. Por despacho de V. Exa. datado de 27 de setembro de 2018, a fls., foi dado sem efeito o julgamento que se encontrava agendado com início a 12 de outubro de 2018, tendo em consideração que, embora não constassem dos autos as correspondentes certidões, existia suficiente certeza dos óbitos dos AA. CM…, de ISR… e de BS…, atento a fidedignidade das bases de dados consultadas (oficiosa e previamente) pelo Tribunal.
2. A junção ao processo dos documentos comprovativos do falecimento dos referidos AA (no caso, os “prints” da pesquisa das aludidas bases de dados), e independentemente da certificação formal dos factos mediante junção das certidões de óbito, conforme determinação do mesmo despacho, determinaria, nos termos do artigo 270º do Código do processo Civil (C.P.C.), a imediata suspensão da instância e não, desde logo, o início de prazo para a respetiva deserção.
Como quer que seja,
3. Os AA, e também o Advogado signatário, desenvolveram desde logo diversas diligências para obtenção dos elementos e informações tendentes ao apuramento dos herdeiros dos falecidos.
No entanto,
4. A maioria dos AA não conhecia os falecidos (a circunstância de serem coautores não resulta de conhecimento recíproco, mas, naturalmente, de um interesse comum na divisão da propriedade), nem os respetivos herdeiros, o que desde logo dificultou e tornou morosa a identificação destes últimos.
5. A consequente inexistência de adequado mandato (procuração) inviabiliza a obtenção de elementos ou informações junto da Autoridade Tributária, nomeadamente eventual habilitação de herdeiros, escritura que também não foi possível obter junto de alguns Cartórios Notariais e Conservatórias consultadas.
6. A consulta do registo predial igualmente não surtiu efeito, visto que nenhum registo de aquisição com incidência em algum dos lotes do prédio indiviso foi efetuado desde 1995 até à data (cfr. documento anexo).
7. Acresce o facto de os vários herdeiros terem residências em locais distintos e diversos do prédio a dividir.
8. A identificação dos herdeiros resultou assim numa tarefa significativamente morosa, complexa e difícil, e resultou da recolha de elementos por vias informais e contactos pessoais, só agora concretizados.
9. Os AA. não obtiveram até ao momento a escritura de habilitação de herdeiros de qualquer dos falecidos, não obstante as diligências já realizadas.
Nestas circunstâncias,
10. Os AA. desenvolveram desde a referido despacho de V. Exa. todos os procedimentos possíveis para apuramento dos sucessores dos falecidos, não podendo considerar-se, em face do já exposto, que foi por sua inércia que o processo (ou a instância) se encontrou parado, entendendo-se ainda que, em rigor, a instância estaria suspensa (artigo 278º do C.P.C.).
Por outro lado, e sem prescindir,             
11. Tal como decorre das conclusões de recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09.11.2017, no processo 56277/09.1YIPRT.P2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/25edca8e4ecfc84b802581d80053e7b5?OpenDo cument), “a decisão de deserção da instância tem carácter constitutivo e ocorre ope judicis; enquanto não for declarada a deserção e a consequente extinção da instância é lícito às partes promover utilmente o andamento do processo”.
Por outro lado,
12. Atento o longo período de pendência do processo (instaurado em 2001), a necessidade do incidente processual em causa para continuação da lide (que, aliás, será o quarto incidente processual desta natureza), a onerosidade da recolha dos elementos para tanto necessários, a gravidade das consequência em face de uma eventual extinção da instância e todo o acquis processual existente, o prosseguimento do processo justifica-se, se não mesmo impõe-se, na decorrência dos princípios do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, bem como do princípio da economia processual.
Nestes termos, deverá determinar-se o prosseguimento dos autos, com vista à instauração do adequado e legal incidente de habilitação, em conformidade com o pedido que os AA. nesta mesma data formulam em requerimento autónomo
35. No mesmo dia 16.5.2019, os Autores deduziram o incidente de habilitação dos herdeiros dos Autores CM…, ISR… e BS…, com a junção aos autos dos três certificados de óbito.
36. No dia 27.5.2019, a Ré/Contestante apresentou o seguinte requerimento:
«- 1º -
Os autores não deram cumprimento ao ordenado no douto despacho de 28/09/2019, tendo o processo ficado a aguardar a ordenada junção de documentos, certidões de óbito.
- 2º -
Decorreram mais de 7 meses e os autores não juntaram os assentos de óbito, e incumbia-lhes o ónus de promoverem o regular andamento do processo, o que não fizeram.
- 3º -
Vieram agora os autores, decorridos mais de 7 meses, e só após terem sido notificados para se pronunciarem sobre a verificação dos pressupostos da declaração de extinção da instância por deserção, juntar certidões de óbito, datadas de 6 de Maio de 2019 e deduzir um pseudo incidente de habilitação de herdeiros e dizemos pseudo porque limitam-se a juntar as certidões de óbito e a indicar os herdeiros não juntando as certidões que demonstrem essa qualidade de herdeiros.
- 4º -
Certo é que os autores deixaram decorrer o prazo de seis, não juntaram as certidões cuja junção foi ordenada e só se podem queixar de si próprios e, por isso, verificados que se mostram os pressupostos para declaração da extinção da instância, deverá a mesma ser declarada
37. No dia 28.5.2019, foi proferida a seguinte decisão:
«Deserção da Instância
Os autores sobrevivos foram notificados do despacho proferido em 28 de setembro de 2018 (cfr. fls. 1682) dando conta do apuramento do óbito dos autores CM…, ISR… e BS…, e convidando-os a, no prazo de dez dias, juntar aos autos as respetivas certidões do assento de óbito, para que os autos pudessem seguir a ulterior tramitação processual.
Fez-se constar em tal despacho, expressamente, que os autos ficariam a aguardar esse concreto impulso processual ou a deserção da instância, caso não houvesse impulso.
Os autores sobrevivos nada fizeram nem requereram nos seis meses subsequentes à notificação que lhes foi expedida.
Uma vez que a inércia no impulso dos autos parece ser-lhes imputável, foram notificados para, em dez dias, se pronunciarem sobre a verificação dos pressupostos de declaração de extinção da instância por deserção, ao abrigo do disposto no artigo 291º do Código do Processo Civil.
Vieram agora juntar certidões do assento de óbito e deduzir o incidente de habilitação dos herdeiros.
Mais vieram justificar-se, dizendo que a instância devia ter logo sido declarada suspensa, dizendo que desde então têm levado a cabo difíceis diligências no sentido de apurar a identidade dos herdeiros, defendendo ainda que o despacho que declara a deserção é constitutivo, não se extinguindo a instância enquanto não for proferido,
Apreciando e decidindo:
Dispõe o artigo 281º, n.º 1 do Código do Processo Civil que: “Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontra a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”.
Em primeiro lugar, importa clarificar que a justificação apresentada pelos autores não colhe, na medida em que o ato que o processo ficou a aguardar foi a junção de certidões de óbito e não o incidente de habilitação.
Por isso, são irrelevantes as pesquisas e diligências alegadas pelos autores – de que não há qualquer reflexo no processo – porquanto as cópias das pesquisas das bases de dados donde constava o óbito, facultadas pelo Tribunal, continham dados suficientes para os autores obterem, em curto prazo, as certidões dos assentos de óbito que o processo ficou a aguardar.
Consequentemente, é forçosa a conclusão de que não existe qualquer justificação para a não junção, em seis meses, das certidões do assento de óbito.
A inércia causadora da deserção não resulta da demora no requerimento da habilitação de herdeiros, mas sim, na junção das referidas certidões.
Não se pode, aliás, deixar de atentar que as certidões que os autores juntam confirmam essa inércia, uma vez que apenas foram obtidas em 6 de maio de 2019, já após o despacho de convite à pronúncia quanto à deserção, quando os autores dispunham de elementos suficientes para as obter desde o final de setembro de 2018.
Face ao exposto, é inequívoco que a paragem do processo, a aguardar certidões durante mais de seis meses, se deve à sua inércia negligente, porquanto não só não as juntaram, impulsionando os autos, como de nada informaram o Tribunal durante esse período de seis meses, justificando a sua inércia ou, v.g., manifestando as dificuldades que só agora em maio de 2019 vêm relatar.
E é precisamente essa inércia negligente, consubstanciada numa total ausência de requerimentos ou qualquer outra intervenção no processo durante seis meses, que o legislador quis sancionar, julgando extinto o processo que ninguém quis impulsionar durante o período previsto na lei, presumindo juris et de jure um desinteresse pela continuação do processo, que não tem de ser real, nem carece de outra prova.
Finalmente, pese embora nas ações declarativas a deserção careça de ser julgada por despacho, afigura-se-nos que este não tem caráter constitutivo da deserção, mas meramente declarativo da verificação dos seus pressupostos, ou seja, da paragem por inércia das partes durante seis meses.
Assim, basta que o facto extintivo se tenha verificado para que o Tribunal tenha de declarar a deserção, não podendo já a parte vir impulsionar o prazo posteriormente; tal impulso é ineficaz, porquanto o facto extintivo que o Tribunal tem de julgar verificado, já ocorreu. Não procedendo os argumentos expostos, impõe-se declarar a instância extinta por deserção.
*Por tudo o exposto, indefiro o requerido e declaro extinta a instância por deserção, ao abrigo do disposto no artigo 281º, n.º 1 do Código do Processo Civil.
Custas pelos autores – artigo 527º, n.º 1 do Código do Processo Civil.
Notifique.»
38. Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram recurso de apelação da decisão referida no ponto 37, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«a) a decisão recorrida entendeu não ser aceitável a justificação para apresentação de certidões de óbito e o simultâneo requerimento de incidente de habilitação de sucessores, tendo em conta que o processo ficou a aguardar a junção das certidões não o impulso consubstanciado no pedido de habilitação, verificando-se assim que foi por inércia imputável aos recorrentes que o processo ficou parado por mais de seis meses, circunstância que determina a deserção da instância.
Refere-se ainda que o despacho não tem caráter constitutivo da deserção, mas meramente declarativo da verificação dos seus pressupostos, ou seja, da paragem por inércia das partes durante seis meses, bastando o facto que o facto extintivo se tenha verificado para que o Tribunal tenha de declarar a deserção;
b) por despacho de 27.09.20 deu-se por suficientemente reconhecido nos autos, atenta a fidedignidade dos elementos recolhidos oficiosamente pela secretaria do tribunal, que o falecimento dos indicados autores tinha ocorrido e, não sendo viável a dedução e decisão do correspondente incidente de habilitação dos seus sucessores a tempo do julgamento designado para data já próxima, deu-se este sem efeito;
c) o que estava em causa no decurso do referido prazo de seis meses era por isso a dedução do incidente de habilitação dos sucessores dos falecidos, já suficientemente provado no processo, e não a junção de certidões de óbito;
d) de acordo com o artigo 269º, nº 1, alínea a) do CPC, a instância suspende-se quando falecer uma das partes, situação que ocorre, desde logo, quando, como foi o caso, seja junto ao processo documento que prove o falecimento, nos termos do nº 1 do artigo 270º CPC.;
e) deste preceito resulta que, comprovado o falecimento, como foi o caso, oficiosamente pelo tribunal, o que se deverá seguir é a dedução do incidente de habilitação pelos interessados, de acordo com o artigo 351º do CPC., independentemente da entrega por estes das certidões de óbito, prestação que não pode deixar de considerar-se, no caso concreto, de mera adequação formal;
f) a possibilidade de requerer desde logo a habilitação na sequência de comprovação oficiosa do falecimento de uma das partes, in casu, o réu, é solução que também parece resultar do comando contido no artigo 351º, nº 2, do CPC., quando tal facto resulte das diligências de citação daquele;
g) a aceitar-se o entendimento seguido no despacho recorrido, resultaria que, num primeiro momento, abrir-se-ia um prazo (de seis meses) para a junção de certidões de óbito e, logo após o cumprimento desta formalidade, decorreria um novo, também de seis meses, para requerer a habilitação dos sucessores – solução que levaria à prática de um ato desprovido de utilidade, violando os princípios da economia e celeridade processual, visto que o falecimento se encontrava já dado como assente;
i) esta solução não é compaginável com os princípios da celeridade e economia processual, de boa gestão do processo, ínsitos, entre outros, nos artigos 6º, 130º e 131º do CPC, e conduziriam à prática de atos também dificilmente harmonizáveis com os princípios ou objetivos de simplificação e agilização processual contidos no referido artigo 6º;
j) os recorrentes, ainda que após o prazo de seis meses em causa, juntaram aos autos as certidões de óbito e deduziram simultaneamente o incidente de habilitação de sucessores, com indicação completa dos herdeiros;
k) para o efeito, invocaram então os ora recorrentes factos e circunstâncias (acima devidamente transcritos) que deveriam ter sido valorados positivamente para efeitos da justificação apresentada e admissão da prática do acto;
l) o despacho recorrido fez errada aplicação das regras e princípios contidos nos artigos 6º, 130º, 131º, 269º, nº 1, alínea c), 270º, nº 1, e 351º do C.P.C.;
m) na decisão recorrida afirma-se que “o despacho a julgar a deserção não tem caráter constitutivo da deserção, mas meramente declarativo da verificação dos seus pressupostos, ou seja, da paragem por inércia das partes durante seis meses”, e que “basta que o facto extintivo se tenha verificado para que o Tribunal tenha de declarar a deserção, não podendo já a parte vir impulsionar o prazo posteriormente; tal impulso é ineficaz, porquanto o facto extintivo que o Tribunal tem de julgar verificado, já ocorreu”;
n) tal como decorre das conclusões de recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09.11.2017, no processo 56277/09.1YIPRT.P2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/25edca8e4ecfc84b802581d80053e7b?OpenDocument), “a decisão de deserção da instância tem carácter constitutivo e ocorre ope judicis; enquanto não for declarada a deserção e a consequente extinção da instância é lícito às partes promover utilmente o andamento do processo”;
o) em conformidade com a doutrina expendida neste acórdão, era lícito aos ora recorrentes requerem e promoverem conforme o fizeram, visto, que embora decorrido o falado prazo de seis meses, a deserção não havia ainda sido declarada e por isso o ato foi praticado atempadamente;
p) decidindo como decidiu, o despacho sub-judice fez errada aplicação dos artigos 6º e 270º e 351º do CPC.
q) atento o longo período de pendência do processo (instaurado em 2001), a necessidade do incidente processual em causa para continuação da lide (que, aliás, seria o quarto incidente processual desta natureza), a onerosidade da recolha dos elementos para tanto necessários, a gravidade das consequência em face de uma eventual extinção da instância e todo o acquis processual existente, o prosseguimento do processo justifica-se impõe-se na decorrência dos princípios do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, bem como do princípio da economia processual – decisão que, aliás, várias decisões jurisprudenciais têm admitido, ponderados aqueles interesses e princípios.
r) o despacho recorrido violou, também neste âmbito, o disposto nos artigos 2º, 6º, 280º e 352º do CPC.».
39. A Ré/Contestante apresentou alegação de resposta, com as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª)- O Tribunal “ a quo “ efectuou uma correcta interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço;
2ª)- A decisão que declarou extinta a instância por deserção, ao abrigo do disposto no artigo 281º, nº 1, do C.P.C. é correcta considerando que os autores, foram notificados, por douto despacho de 27 de Setembro de 2018 para juntar aos autos as certidões de assento de óbito, considerando os eventos apurados nas bases de dados, sendo que o óbito só se demonstra pela junção aos autos do respectivo assento de óbito e não por qualquer print retirado de uma base de dados e, por isso, o Tribunal ordenou aos autores que juntassem os assentos de óbito, o que os demandantes, apesar de notificados para tal e sob pena de deserção da instância, não fizeram e incumbia-lhes o ónus de promoverem o regular andamento do processo, o que não fizeram;
3ª)- Há mais de dez anos que os autores sabiam do óbito de ISR…, desde 15 de Maio de 2007 e não informaram o processo, como deveriam – Cfr. artigo 270.º Nº 2, do C.P.C., nem promoveram o correspondente incidente de habilitação de herdeiros e as audiências de julgamento, tem sido sucessivamente adiadas por exclusiva culpa dos autores ao não informarem dos óbitos dos próprios autores e ao não promoverem os respectivos incidentes de habilitação de herdeiros;
4ª)- Apenas decorridos mais de 7 meses, e só após terem sido notificados para se pronunciarem sobre a verificação dos pressupostos da declaração de extinção da instância por deserção, é que os recorrentes juntaram nos autos as certidões de óbito, datadas de 6 de Maio de 2019, repare-se que já desde 2007 sabiam do óbito de pelo menos um dos autores, e deduziram um pseudo incidente de habilitação de herdeiros e dizemos pseudo porque limitaram-se a juntar as certidões de óbito e a indicar os herdeiros não juntando as certidões que demonstrem essa qualidade de herdeiros;
5ª)- O apelo ao disposto nos artigos 6º, 130º e 131º. do C.P.C. não pode servir de fundamento para os autores se desresponsabilizarem da conduta negligente que tem tido ao longo de todo este processo, com mais de 20 anos, não praticando os actos que a lei lhes impõe, sendo que o Tribunal no douto despacho de 27 de Setembro de 2018, expressamente os advertiu de que os autos aguardavam a junção dos assentos de óbito ou a deserção da instância.
6ª)- Os recorrentes só se podem queixar de si próprios ao não terem junto aos autos os assentos de óbito cuja junção lhe foi ordenada, no prazo de seis meses e não atribuir “responsabilidade” ao Tribunal, por não aplicar o disposto no artigo 6º do C.P.C..
7ª)- O Tribunal “ a quo “ ao decidir da forma que decidiu não violou qualquer preceito legal, efectuando uma correcta aplicação do direito, para além de ter proferido uma decisão inteiramente justa
40. No dia 16.6.2019, AP…, Autora/Habilitada, apresentou o seguinte requerimento:
«1. A ora requerente é, com os demais identificados, Autora nos presentes autos, em consequência da sentença proferida no processo de habilitação que, por apenso a este, correu termos sob o nº 3625/14.3TBALM-A, a qual julgou a ora requerente habilitada para ocupar e prosseguir na ação a posição da falecida Autora CA…, avó da requerente.
2. Tomou agora conhecimento a requerente do despacho/sentença proferido nestes autos em 28 de maio de 2019, o qual declarou a extinção da instância por deserção.
3. E, por via desse, tomou também agora a requerente conhecimento dos seguintes despachos de V. Exa.:
a) de 28 de setembro de 2018, nos termos do qual, e após verificação do óbito dos também Autores ISR…, BS… e CM…, se determinou a notificação dos autores sobrevivos para, no prazo de dez dias, juntarem aos autos certidões de assento de óbito, ficando os autos a aguardar esse seu impulso ou a deserção da instância, e,
b) de 30 de abril de 2019, que ordenou a notificação dos “(...) autores sobrevivos para, em dez dias, querendo, se pronunciarem sobre a verificação dos pressupostos de declaração de extinção da instância por deserção.”
4. Não obstante a expressa determinação de notificação dos despachos referidos no número anterior aos Autores sobrevivos, a verdade é que nenhum deles foi notificado à Autora, ora requerente.
5. Tal como também lhe não foi notificado o despacho referido no nº 2 supra.
6. Em qualquer dos casos, e independentemente da determinação constante daqueles dois despachos, a notificação à requerente de todos os despachos era obrigatória pela posição de Autora que ocupa na lide, tal como decorre, nomeadamente, dos artigos 157.º, 249.º e 253.º do Código de Processo Civil (CPC).
7. A omissão da notificação à requerente tem manifesta influência na decisão da causa, impedindo-a de exercer os seus direitos em igualdade com os demais intervenientes processuais, nos termos dos artigos 4º e nº 1 do artigo 195.º do CPC.
8. A falta de notificação consubstancia nulidade processual, que a ora requerente aqui expressamente argui, e determina a anulação de todos os atos posteriormente praticados, incluindo o despacho que declarou a extinção da instância (n.º 2 do artigo 195.º do CPC).
9. A requerente tem legitimidade para arguir a nulidade por ter interesse na prática dos atos processuais necessários ao prosseguimento da ação (artigo 197.º do CPC) e está em prazo para o fazer (artigo 199.º do CPC).
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser declarada a nulidade decorrente da falta de notificação dos despachos, com a consequente anulação de todos os atos posteriormente praticados e demais legais consequências
41. No dia 11.10.2019, foi proferida a seguinte decisão:
«AP…, habilitada autora, veio arguir três nulidades processuais por não lhe terem sido notificados os despachos datados de 28 de setembro de 2018, de 30 de abril de 2019 e de 28 de maio de 2019, defendendo que tal notificação era obrigatória e a sua omissão influi no exame e decisão da causa.
Cumpre apreciar e decidir:
i)
Quanto ao primeiro despacho, de 28 de setembro de 2018, a habilitada autora labora num lapso, porquanto se constata da consulta do processo que lhe foi expedida notificação deste despacho em 1/10/2018, notificação que tem a referência n.º 380031361. Não existe, por isso, qualquer omissão passível de ser qualificada como nulidade.
ii)
Quanto ao despacho de 30 de abril de 2019, a habilitada autora não foi, efetivamente notificada do mesmo, apenas o tendo sido os mandatários constituídos pelas partes.
O despacho em questão é aquele em que os autores sobrevivos foram convidados a pronunciar-se sobre a verificação dos pressupostos da declaração de extinção da instância por deserção.
É indiscutível que este despacho consubstancia um convite à pronúncia sobre uma questão de direito: se se verificam ou não os pressupostos legais da deserção da instância.
Sobre as questões de direito apenas se podem pronunciar as partes com mandatário constituído, não o podendo fazer as partes que não estão patrocinadas por profissional forense – cfr. artigo 40º, n.º 2 do CPC.
Por isso a secção de processos andou bem ao notificar apenas os mandatários constituídos pelas partes para se pronunciarem sobre a questão de direito.
Ora, na data em que este despacho foi proferido, 30 de abril, a habilitada autora não tinha ainda constituído mandatário nos autos, o que apenas agora veio fazer, no requerimento sob apreciação, entrado nos autos em 7 de junho de 2019.
Assim, é forçosa a conclusão de que não foi omitido qualquer ato prescrito pela lei de processo, porquanto o convite à pronúncia sobre questão de direito não tinha de ser notificada às partes não patrocinadas por advogado, não se verificando a apontada nulidade, nos termos do disposto no artigo 195º, n.º 1 do CPC.
É de indeferir, pois, a reclamação nesta parte.
iii)
Quanto à notificação do despacho que pôs termo ao processo, declarando a sua extinção por deserção, proferido em 28 de maio último, efetivamente não foi a autora habilitada do mesmo notificada.
Aqui já lhe assiste razão, na medida em que, por força do disposto no artigo 249º, n.º 5 do CPC, as decisões finais são sempre notificadas às partes, mesmo que não tenham mandatário constituído.
Contudo, tal omissão é ainda sanável e não determina a anulação de qualquer ato do processo, nos termos do disposto no artigo 195º, n.º 2 do CPC, porquanto tal notificação ainda pode ser efetuada, contando-se a partir da mesma o prazo para eventual reação pelos notificados.
*Por tudo o exposto, defiro parcialmente a reclamação:
- Declarando verificada a nulidade por omissão de notificação da decisão final proferida em 28 de maio último às partes sem mandatário constituído e ordenando que a mesma seja suprida, notificando-se tal despacho a todas as partes sobrevivas que ainda não o tenham sido;
- Indefiro a reclamação, na parte restante.
Notifique
42. Inconformada com o decidido, a Autora AP… interpôs recurso da decisão referida no ponto 41, com as seguintes CONCLUSÕES:
«a) a recorrente, que tem nos autos a qualidade de autora, não foi notificada dos despachos proferidos em 28 de Setembro de 2018 e em 30 de Abril de 2019, não obstante, desde logo, em ambos os casos constar a expressa determinação de notificação aos (a todos os) autores;
b) a recorrente teve conhecimento acidental de um outro despacho, proferido em 28 de Maio de 2019, que determinou a deserção da instância, despacho que também lhe não fora notificado;
c) requereu, consequentemente, a nulidade de todo o processado após o despacho de 28 de setembro de 2018, por falta de adequada notificação dos referidos despachos, que era legalmente devida;
d) na decisão recorrida entendeu-se que o despacho de 28 de Setembro de 2018 foi notificado à interessada, de acordo com a notificação expedida em 01.10.2018, constante dos autos com a referência 380031361;
e) tal ofício, no entanto apenas notifica a recorrente de que "(...) foi dado sem efeito a data designada para a audiência de discussão e julgamento";
f) desse ofício não consta cópia, transcrição ou referência ao citado despacho de 28 de Setembro de 2018;
g) o invocado fundamento da decisão (que é o teor da notificação) encontra-se em oposição com o sentido desta;
h) nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, é nula a sentença em que os fundamentos estejam em oposição com a decisão - nulidade que expressamente se invoca.
Sem prescindir,
i) a recorrente não foi notificada do despacho de 28 de Setembro de 2018;
j) não foi também notificada da decisão de 30 de Abril de 2019;
k) no despacho recorrido entende-se que este último não foi notificado à ora recorrente porquanto, consubstanciando o convite à pronúncia sobre uma questão de direito, o mesmo apenas teria de ser notificado às partes com mandatário constituído, o que não era o caso da recorrente;
1) nos despachos consta a expressa determinação de notificação de todos os autores - o que foi cumprido pela Secretaria, com exceção da notificação à recorrente;
m) do artigo 40º, nº 2 do CPC não resulta que as partes que não estejam representadas por advogado não devam ser notificadas, mas antes que podem apenas, por si, fazer requerimento em que não se suscitem questões de direito;
n) o requerimento sobre que incidiu o despacho agora recorrido foi minutado e subscrito pelo Advogado signatário, mandatado pela recorrente após ter conhecimento da anterior tramitação processual;
o) a notificação à requerente dos identificados despachos era obrigatória pela posição de autora que ocupa na lide, tal como decorre, nomeadamente, dos artigos 157.º, 249.º e 253.º do CPC;
p) a omissão da notificação impede a recorrente de exercer os seus direitos em igualdade com os demais intervenientes processuais, nos termos dos artigos 4.º e 195.º, n.º 1, do CPC, pelo que tem manifesta influência na decisão da causa;
q) a falta de notificação consubstancia nulidade processual e determina a anulação de todos os atos posteriormente praticados, incluindo o despacho que declarou a extinção da instância (n.º 2 do artigo 195.º do CPC);
r) o despacho recorrido, decidindo como decidiu, fez errada aplicação do disposto nos artigos 4.º, 40º n.º 2, 157.º, 195.º, nº 1, 259.º e 253.º do CPC.»
43. Por despacho proferido no dia 18.12.2019, os recursos de apelação foram admitidos, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
44. Convidada a pronunciar-se sobre o recurso de agravo por si interposto no dia 6.12.2007, a 1.ª Ré informou ter deixado de ter interesse no mesmo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões dos Recorrentes (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 3, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
- Da nulidade do processado e, consequentemente, do despacho que declarou deserta a instância, pela omissão da notificação da Autora AP... dos despachos de 28.9.2018 (para junção de certidões de óbito) e de 30.4.2019 (para pronúncia sobre a deserção da instância) – 2.º recurso interposto;
- Do erro de julgamento por não se verificarem os pressupostos da deserção, designadamente a negligência dos Demandantes – 1.º recurso interposto.
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração o iter processual descrito no relatório.
Apreciação dos recursos
2.º recurso interposto
Da nulidade por omissão da notificação dos despachos de 28.9.2018 (para junção de certidões de óbito) e de 30.4.2019 (para pronúncia sobre a deserção da instância)
No dia 28.9.2018, os presentes autos foram conclusos com a seguinte informação:
«28-09-2018, informando V. Exa. que efectuadas as pesquisas ordenadas no despacho de 06-09-2018, verifiquei que foi declarado o óbito dos seguintes Autores:
- CM… (pesquisas constantes a fls. 1675/1676);
- ISR… (pesquisas constantes a fls. 1677/1678);
- BS… (pesquisas constantes a fls. 1679/1680);
pelo que faço os autos conclusos a fim de V. Exa. ordenar o que tiver por conveniente
Na mesma data, foi proferido o seguinte despacho:
«Compulsados os autos, constato que, não obstante ter sido ordenado por despacho de 2/11/2017 que se fizessem averiguações nas bases de dados, “concluindo após, com a informação apurada e juntando ao processo físico as pesquisas que indiquem o óbito” (sublinhado nosso), foi aberta conclusão em 24/4/2018 sem qualquer informação acerca do óbito das partes no processo e sem ter sido junto ao processo físico qualquer “print” de pesquisas.
Confiando no correto cumprimento do despacho proferido, não sendo informado qualquer óbito nem junta qualquer pesquisa, foi agendado julgamento.
Constata-se agora que, afinal, nas pesquisas então efetuadas constavam já as menções aos óbitos agora informados.
* Com cópia dos resultados das pesquisas acima identificadas, notifique os autores sobrevivos para, no prazo de dez dias, juntarem aos autos certidões de assento de óbito, ficando os autos a aguardar esse seu impulso ou a deserção da instância.
* Pese embora não constem dos autos, ainda, as certidões dos assentos de óbito, atendendo à fidedignidade das bases de dados consultadas, existe já certeza suficiente de que tais óbitos ocorreram, não sendo viável que a habilitação dos seus sucessores seja requerida e decidida a tempo da primeira sessão de julgamento, agendada para 12/10/2018.
Assim sendo, com vista à atempada desconvocação de todos os convocados e atendendo à necessidade de aproveitamento pelo Tribunal das datas agendadas para a marcação de julgamentos em outros processos, dou sem efeito o julgamento agendado para os dias 12, 19 e 26 de outubro, 2, 9, 16 e 23 de novembro do corrente ano.
Notifique e desconvoque.» (negrito e sublinhado nossos).
No dia 1.10.2018, o sistema informático CITIUS certificou a data de elaboração da notificação da Autora AP… do despacho referido no ponto 30 (ref.ª 380031361), da qual consta o seguinte:
«Fica V. Exª. Notificado(a) que, nos autos supra identificados, foi dada sem efeito a data designada para audiência de discussão e julgamento
No dia 30.4.2019, foi proferido despacho no sentido das partes se pronunciarem, em dez dias, sobre a verificação dos pressupostos de declaração de extinção da instância por deserção, ao abrigo do disposto no artigo 281.º do CPC.
A Autora AP… não foi notificada deste último despacho.
Tendo reclamado da falta de notificação destes despachos, o Tribunal a quo indeferiu a reclamação nessa parte, com os seguintes fundamentos:
- Quanto ao despacho de 28.9.2018, a Autora labora num lapso, porquanto se constata da consulta do processo que lhe foi expedida notificação deste despacho em 1.10.2018, notificação que tem a referência n.º 380031361;
- Relativamente ao despacho de 30.4.2019, a Autora não foi notificada do seu teor, mas trata‑se da pronúncia sobre uma questão de direito, pelo que a Autora, sem mandatário constituído à data, não foi notificada nem tinha de o ser, atento o teor do artigo do 40.º, n.º 2, do CPC.
A Apelante alega que, independentemente da determinação constante daqueles dois despachos, a notificação de todos os despachos era obrigatória pela posição de autora que ocupa na lide, tal como decorre, nomeadamente, dos artigos 157.º, 249.º e 253.º do CPC.
Considera que, na decisão recorrida, entendeu-se erradamente que o despacho de 28.9.2018 foi endereçado à interessada, de acordo com a notificação expedida em 1.10.2018, quando dela afinal não consta qualquer cópia, transcrição ou referência ao citado despacho de 28.9.2018.
Invoca, antes de mais, a nulidade da decisão, por se encontrar o seu fundamento em oposição com o sentido desta, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma.
A nulidade invocada consiste num erro lógico-discursivo, nos termos do qual o juiz elegeu determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio, mas decide em colisão com tais pressupostos. Traduz-se numa contradição nos seus próprios termos, num «dizer e desdizer» desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo.
Esta nulidade não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
Ora, no caso, não procede a invocada nulidade, pois é invocado um claro erro de julgamento.
Na verdade, como resulta do ponto 31 do relatório, a notificação da Autora AP… não foi acompanhada da cópia do despacho, tendo sido apenas notificada de que foi dada sem efeito a data designada para a audiência de julgamento.
De qualquer modo, assiste razão à Apelante, quando argui que:
- Não foi notificada do despacho de 28.9.2018, contrariamente ao que afirma o Tribunal a quo;
- Deveria ter sido notificada dos dois despachos em apreço, ao abrigo dos artigos 153.º, n.º 2, 249.º e 253.º do CPC;
- Relativamente ao despacho de 30.4.2019, não é aplicável in casu o artigo 40.º, n.º 2, do CPC, pois do preceito não se retira que as partes que não estejam representadas por advogado não devam ser notificadas, mas que podem apenas, por si, fazer requerimentos em que não se suscitem questões de direito.
Não tendo sido notificada a Autora/Apelante, foi omitido um ato previsto na lei, irregularidade que, caso possa influir no exame ou na decisão a causa, consubstanciará uma nulidade processual, a «coberto de decisão judicial» - cf. artigo 195.º do CPC.
Porém, a questão de a omissão da notificação consubstanciar uma nulidade processual, determinativa da anulação de todos os atos posteriormente praticados, incluindo a decisão que declarou a extinção da instância (n.º 2 do artigo 195.º do CPC), é muito duvidosa, como veremos adiante.
Para que possamos concluir se a omissão em causa é ou não passível de influir no exame ou na decisão da causa, importa que passemos à apreciação da questão seguinte, objeto do primeiro recurso interposto, adiante se retomando esta questão.
1.º Recurso interposto
Do erro de julgamento por não se verificarem os pressupostos da deserção, designadamente a negligência dos Demandantes
Natureza e efeitos da deserção da instância
A deserção constitui uma das formas de extinção da instância, estando prevista no artigo 277.º, alínea c), do CPC.            
Na perspetiva de uma justiça célere e cooperante, prevê a lei mecanismos para obstar à eternização dos processos em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo (cf. acórdão do TRL de 9.9.2014, p. 211/09.3TBLNH-J.L1-7, in www.dgsi.pt).
A extinção da instância não está previamente dependente da sua interrupção, como sucedia, anteriormente, no Código de Processo Civil de 1961 (artigo 285.º).
Opera quando a instância fique paralisada por mais de seis meses, por negligência da parte. A conduta negligente que conduz à figura da deserção traduz-se numa situação de inércia imputável à parte. Está em causa a assunção pela parte de um ato ou de uma atividade unicamente dependente da sua iniciativa, como por exemplo o ato de requerer a habilitação de herdeiros em face do óbito de uma das partes.
Tal conduta omissiva e negligente só «cessará com a prática do ato que, utilmente, estimule a instância, ou com a superveniência de uma circunstância que subtraia à vontade da parte a possibilidade da sua prática» (Paulo Ramos de Faria, O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial, abril de 2015, p. 6, in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf).
Precisamente porque a noção de negligência das partes não se harmoniza facilmente com a ausência de uma decisão do juiz que a aprecie, «a deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator» (artigo 281.º, n.º 4, do CPC) – produzindo-se, pois, o seu reconhecimento ope judicis, e não ope legis (Paulo Ramos de Faria, obra citada, p. 9).
Em suma:
- A deserção da instância não é automática pelo simples decurso do prazo, ao contrário do que sucedia na lei anterior («independentemente de qualquer decisão judicial» - artigo 291.º, n.º 1, do CPC de 1961). Para além da falta de impulso processual «há mais de seis meses é também necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento» (acórdão do TRP de 2.2.2015, p.  4178/12.2TBGDM.P1, in www.dgsi.pt);
- O juízo exigido pela norma contida no n.º 4 do artigo 281.º é meramente declarativo, limitando-se o tribunal a constatar que a deserção se verificou por ter havido inércia negligente durante mais de seis meses da parte onerada com o impulso processual, não significando sequer que só na data desse despacho a deserção se tenha completado.
Sufragamos o entendimento de Paulo Ramos de Faria, para quem «Quando nos referimos a um efeito declarativo do julgamento da deserção, fazemo-lo dando à expressão o sentido adotado pela jurisprudência que aqui se recupera, adiante desenvolvido. Do que se trata é de saber se o facto jurídico processual extintivo da instância é interpretado (praticado) pelo juiz, ou se, diferentemente, este se limita a declará-lo. No primeiro caso, a decisão é verdadeiramente constitutiva, sendo a causa da extinção da instância, isto é, produzindo a sua extinção com efeitos processuais ex nunc – é o que ocorre com o julgamento da causa (al. a) do art. art. 277.º).
No segundo caso, a decisão diz-se meramente declarativa, embora, em rigor, estejamos perante um efeito processual constitutivo ex tunc» (cf. obra citada, p. 9).
Rematando com a conclusão de que estamos perante um decisão de natureza declarativa e efeito processual constitutivo ex tunc, contrariamente ao que sustentam os Autores/Apelantes, prossigamos na análise do caso.
Dever de gestão processual e correlativo dever de prevenção
Emerge dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º do CPC um dever de o juiz gerir o processo, desde logo promovendo o seu andamento célere em colaboração com as partes.
Não obstante o princípio da autorresponsabilidade das partes perdure no atual código (cf. artigos 6.º, n.º 1, ressalva, e 7.º, n.º 1, do CPC), quando se está perante um caso em que o impulso apenas cabe à parte, o juiz deve clarificá-lo nos autos, ficando a parte notificada plenamente consciente de que a demanda aguarda o seu impulso pelo prazo de deserção - cf. acórdão do TRG de 15.1.2015, p. 990/14.6T8BRG.G1, in www.dgsi.pt.
Ancorando-se o encerramento do processo no julgamento da verificação dos dois pressupostos da deserção, não pode ela ser declarada sem que as partes tenham oportunidade de se pronunciarem sobre a questão, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Porém, a necessidade do contraditório é de geometria variável, não sendo curial adotar soluções redundantes que o princípio do contraditório não exige (seguimos de perto o acórdão do TRL de 24.10.2019, com a mesma relatora, proferido no processo n.º 26244/17.8T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt).
Do exposto resulta que, não se poderá dizer, sem mais, que devem as partes ser ouvidas depois de se verificarem os pressupostos da deserção, mas antes do seu julgamento.
Tudo dependerá do grau de concretização pelo tribunal do princípio da cooperação, do dever de prevenção e do dever de gestão processual, antes de se ter completado o prazo de deserção. Em sentido contrário, destacando a importância do esclarecimento das partes após o termo do prazo para a sua ocorrência, pronunciou-se Miguel Teixeira de Sousa [in Blog do IPPC, «Jurisprudência (75)», nota 16, e «Jurisprudência (85) – Deserção da instância; aplicação da lei no tempo; dever de prevenção do tribunal», em comentário ao acórdão do TRP de 10.2.2015, p. 3936/08.7TJCBR.C1, publicado em 25.2.2015].
Volvendo ao caso em espécie, constata-se que o Tribunal a quo determinou a notificação das partes para se pronunciarem antes de declarar a deserção da instância.
Assim, no dia 30.4.2019, foi proferido o seguinte despacho:
«Os autores sobrevivos foram notificados do despacho proferido em 28 de setembro de 2018 (cfr. fls. 1682) dando conta do apuramento do óbito dos autores CM…, ISR… e BS…, e convidando-os a, no prazo de dez dias, juntar aos autos as respetivas certidões do assento de óbito, para que os autos pudessem seguir a ulterior tramitação processual.
Fez-se constar em tal despacho, expressamente, que os autos ficariam a aguardar esse concreto impulso processual ou a deserção da instância, caso não houvesse impulso.
Os autores sobrevivos nada fizeram nem requereram até à presente data, mais de seis meses após a notificação que lhes foi expedida.
Uma vez que a inércia no impulso dos autos parece ser-lhes imputável, notifique os autores sobrevivos para, em dez dias, querendo, se pronunciarem sobre a verificação dos pressupostos de declaração de extinção da instância por deserção, ao abrigo do disposto no artigo 281º do Código do Processo Civil.»
Neste despacho, o Tribunal fez atuar o dever de gestão processual e o conexo dever de prevenção, nos termos supra explicitados.
Porém, desde 28.9.2018 até ao momento em que o Tribunal a quo faz atuar o seu dever de prevenção, no dia 30.4.2019, há muito decorrera o prazo de seis meses previsto na lei.
E muito mais tempo se passou até que, no dia 16.5.2019, os Autores sobrevivos deduziram o incidente de habilitação dos herdeiros dos Autores CM…, ISR… e BS… e juntaram aos autos os respetivos certificados de óbito.
Inércia negligente dos Autores
Cumpre agora entrar no âmago do objeto deste recurso, com a análise do pressuposto da inércia negligente dos Autores.
O Tribunal a quo, quiçá escudado no disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual «A parte deve tornar conhecido no processo o facto da morte ou da extinção do seu comparte ou da parte contrária, providenciando pela junção do documento comprovativo», determinou a junção aos autos dos certificados de óbito de três dos Autores, após conclusão da Secretaria no sentido de se ter verificado o falecimento daqueles na base de dados SIRIC - Sistema Integrado do Registo e Identificação Civil.
Dispõe o artigo 269.º do CPC que «A suspensão da instância tem como efeito a paralisação da tramitação processual, na medida em que, enquanto perdurar, apenas podem ser praticados os atos urgentes destinados a evitar dano irreparável, nos termos do artigo 275.º, n.º 1, do CPC
Quanto a prazos, os mesmos não correm durante a suspensão, retomando-se a sua contagem logo que aquela cesse.
Segundo o preceituado no artigo 270.º, n.º 1, do CPC, «Junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado audiência de discussão oral ou o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão
Como escreveram Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Vol I, 3.ª edição, p. 531, o preceito deve ser interpretado restritivamente, por forma a abarcar apenas as situações em que a prova já tenha sido produzida e se passa para a fase das alegações orais (artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPC), isto é, a instância deve suspender-se sempre que a prova do falecimento ocorra em momento anterior ao início das alegações orais.
Na situação em apreço, o Tribunal a quo considerou que a informação da Secretaria era suficiente, porque fidedigna, para dar sem efeito a audiência de discussão e julgamento e desconvocar todas as partes, mas já não a considerou bastante para declarar a suspensão da instância ao abrigo do citado artigo 270.º, n.º 1, do CPC.
Se é evidente a necessidade de impulso processual a cargo da parte nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes, resultando claro do artigo 269.º, n.º 1, alínea a), do CPC, que a partir de então passa a recair sobre a parte o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como o revelam também os artigos 276.º, n.º 1, alínea a), e 351.º do CPC, o mesmo não se pode afirmar displicentemente no que tange ao ónus de juntar aos autos os certificados dos assentos de óbito das partes falecidas no decurso do processo.
Aliás, veja-se que o Tribunal a quo, ao longo de vários anos, teve posições diversas sobre a mesma problemática.
Assim, como se resulta do ponto 25 do relatório, no início da audiência de discussão e julgamento, em 2.3.2017, foi dada notícia do falecimento do Autor JJ…, tendo sido impresso documento certificativo do óbito, como resulta do teor de fls. 1580 (documento extraído da base de dados SIRIC - Sistema Integrado do Registo e Identificação Civil).
No mesmo ato foi proferido despacho de suspensão da instância em face da morte do referido Autor e dadas sem efeito as sessões de julgamento.
O Tribunal a quo, em 2017, não onerou as partes com o dever de juntar aos autos os certificados de óbito dos Autores falecidos.
E em 2018, numa situação similar, proferiu uma decisão diferente.
Ora, a apreciação da negligência ou do grau de diligência revelado pela parte deve ser feita em face dos dados conferidos pelo processo.
Assim, sempre que o impulso processual dependa da parte, esta tem o ónus e o interesse em informar o tribunal acerca da existência de algum obstáculo e, se for o caso, solicitar a concessão de alguma dilação.
Não foi esse o caso.
E não tinha de o ser.
Como alertam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 330, nota 12), «(…) quando não se suscitem dúvidas sobre a necessidade de impulso processual ou sobre as consequências da inércia da parte, a deserção da instância deve ser declarada a partir da mera observação dos elementos conferidos pelos autos. Mais cuidado há que ter nas situações em que a identificação, a incidência ou a exigência do impulso processual não sejam evidentes ou quando sejam equívocas as consequências decorrentes da inércia, a justificar um sinal mais solene da existência do ónus e/ou dos efeitos que serão extraídos do seu incumprimento
Na verdade, o sistema informático de suporte à atividade dos tribunais inclui aplicações que permitem identificar processos não movimentados por determinado período e aceder a bases de dados relevantes.
Cumprindo o seu dever de gestão processual, o juiz dispõe hoje da informação necessária à instrução da secção de processos no sentido de «reanimar» os autos desnecessariamente parados.
Não existe, pois, justificação para o juiz se limitar a notificar as partes para juntarem aos autos uma certidão de óbito, com a inerente pausa para a apresentação deste documento.
Como bem refere Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª ed., Vol. 1, p. 55), «O tribunal dispõe de meios para obter oficiosamente a informação pretendida de modo célere, seguro e não oneroso junto dos serviços de identificação civil.»
Neste sentido, vide o artigo 22.º da Portaria n.º 280/2013, de 26.8, que regula vários aspetos da tramitação eletrónica dos processos judiciais, o qual preceitua que:
«1 - Quando, no âmbito do processo, seja necessário consultar informação disponível eletronicamente da titularidade de serviços da Administração Pública, essa consulta deve ser efetuada diretamente pelo tribunal por meios eletrónicos sempre que as condições técnicas o permitam.
2 - A informação consultada nos termos do número anterior tem valor idêntico a uma certidão emitida pelo serviço competente, nos termos da lei.»
Atente-se em que a gestão processual, como bem tem frisado a doutrina alemã, mais do que uma exigência do legislador, é uma necessidade resultante da ética judicial (Sie ist eine Forderung des richterlichen Ethos) norteada para a correta resolução dos litígios (justiça do caso concreto) e, logo, para a pacificação da sociedade.
Uma das mais relevantes concretizações do dever de gestão processual é a promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação.
Nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, «O que o legislador pretende do juiz é uma permanente dinamização do processo. Já não basta que se interesse pela sorte da demanda quando lhe é aberta conclusão nos autos, promovendo então a diligência “regular” seguinte na cadeia que constitui o processo tipificado. O empenho do juiz deve ser permanente – mesmo quando o processo jaz numa prateleira da secretaria judicial ou num servidor mais ou menos longínquo» (obra citada, p. 54).
No caso em apreço, não tendo o Tribunal recorrido diligenciado pela suspensão da instância em face da tomada de conhecimento da morte dos três Autores, ex vi da base de dados dados SIRIC - Sistema Integrado do Registo e Identificação Civil, nenhum comportamento faltoso se pode assacar aos Autores sobrevivos.
Em face do que precede, não se verifica in casu qualquer atuação negligente dos Autores atendendo ao dever de gestão processual do juiz, a quem incumbia afastar o obstáculo em causa, como sucedeu no despacho proferido neste processo a 2.3.2017.
Conclui-se, assim, que o silêncio dos Autores não é passível de ser qualificado como uma inércia negligente.
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Finalmente, retomando a apreciação do 2.º recurso, interposto pela Autora AP…, conclui-se pela sua improcedência, pois a falta de notificação dos dois despachos que, como vimos, padecem de erro, constitui uma irregularidade não suscetível de influir na decisão da causa, sendo descabido anular o processado para a prática de atos inúteis e, como tal, proibidos por lei – cf. artigos 130.º e 195.º do CPC.
Do sentido da decisão dos recursos e das custas
Em face das considerações supra expendidas, o recurso interposto pela Autora AP… – 2.º recurso – deve improceder.
Não se verificando que a Apelante tenha dado causa à decisão recorrida e atento o fundamento da improcedência do recurso, não deve ser condenada no pagamento das custas do recurso – cf. artigo 527.º do CPC.
No que concerne ao recurso interposto pelos restantes Autores – 1.º recurso –, a apelação deve proceder, prosseguindo os autos os seus demais trâmites relacionados com a habilitação dos herdeiros dos falecidos Autores.
Uma vez que a Ré/Apelada ficou vencida, é responsável pelo pagamento das custas do 1.º recurso – cf. artigos 527.º, n.º 1, 530.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
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IV - Decisão
Nestes termos, decide-se:
- Quanto ao primeiro recurso: julgar procedente a apelação dos Autores e, em consequência, revogar a decisão sobre a deserção da instância e determinar que os autos prossigam os seus termos com a realização dos atos adequados e necessários ao prosseguimento da ação, designadamente a tramitação do incidente de habilitação de herdeiros.
- Quanto ao segundo recurso: julgar improcedente a apelação interposta pela Autora AP….
Mais se decide condenar em custas, quanto ao primeiro recurso, a Ré/Contestante MG….
Sem custas, quanto ao segundo recurso.

Lisboa, 5.3.2020
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira