Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
36/14.4TTLSB.1.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCIDENTE DE REVISÃO
REMIÇÃO DA PENSÃO
CÁLCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: Quando na sequência do pedido de revisão há um agravamento da incapacidade de que padece o sinistrado, e a pensão inicialmente fixada foi remida, sendo também obrigatoriamente remível a pensão resultante da revisão, o critério a seguir para efeitos do pagamento devido ao sinistrado por parte da entidade responsável, é o que resulta da operação de substração entre os valores da pensão e não entre os do capital da remição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório 
1.1.  Na presente ação especial por acidente de trabalho em que figura como sinistrado AAA e como entidade responsável a BBB., veio aquele requerer exame de revisão alegando, em síntese, encontrar-se pior das lesões sofridas em consequência de acidente de trabalho ocorrido em 4 de Julho de 2013 na sequência do qual lhe fora atribuída a IPP de 4,8%.
Realizado o referido exame de revisão, concluiu o senhor perito médico do INML que o sinistrado não sofreu agravamento das lesões emergentes do acidente de trabalho por si sofrido.
Notificados do teor do resultado do aludido exame médico de revisão requereu o sinistrado a realização de exame por junta médica.
Realizada a junta medica e os exames de especialidade, nela se concluiu encontrar-se o sinistrado afetado com uma IPP de 9,24%.
Proferida decisão, nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
Declarando procedente o incidente de revisão, condeno a entidade responsável a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual de euros 1.534,3, obrigatoriamente remível, com efeitos a partir de 21 de agosto de 2015, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde essa data até efectivo e integral pagamento, devendo ser descontada a parte já remida e entregue.”
1.2. Discordando desta decisão, dela recorre o sinistrado, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1 – Considerando o grau de incapacidade que foi fixado à sinistrada (9,24%)após a revisão e a sua retribuição anual, o valor total da pensão devida é 1.534,30;
2 – Pelo que, deduzindo a esse valor, o que inicialmente foi objecto remição, deve ser decidido que o valor da pensão agora devida é de 737,26 €;
 3 – Da decisão recorrida, que fixou um valor da pensão aumentado relativamente ao inicial por força da revisão da incapacidade, resulta que seja calculado o capital de remição com o valor da pensão total e que a esse capital seja deduzido o valor do inicialmente pago;
4 - Com esta interpretação, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 75.º da Lei 98/2009, de 04-09 e na Portaria n.º 11/2000, de 13-01;
5 - O cálculo do capital de remição é efectuado com base em dois factores, ou seja, o valor da pensão e a taxa correspondente à idade do sinistrado; (cfr 5p. 442/09.6TTVNF.1.G1, in dgsi.pt 6 Proferidas, respectivamente, nos processos 585/08.3TTSTB.E1, 436/03.5TTFUN.L1-4 e 565/12.4TUBRG.G1, toos disponíveis em dgsi.pt)
6 - E esses factores são os que se verificam na data em que se mostram reunidos os pressupostos da remição obrigatória;
7 - A pensão inicialmente devida extinguiu-se por força da remição obrigatória e o cálculo desta teve como base, para além do valor da pensão, a idade do sinistrado e a taxa legalmente prevista para essa idade na data em que se verificaram os pressupostos da remição.
8 - Os factores considerados aquando do cálculo do capital de remição são também abrangidos, pelo menos de forma implícita, pelos efeitos do caso julgado da decisão que fixou a pensão e a data a partir da qual foi devida;
9- Não pode, por isso, ser considerada agora a idade do sinistrado, mais elevada do que era aquando da remição inicial, e a taxa correspondente, necessariamente menor, para ser calculado todo o capital de remição que corresponderia à pensão aumentada, dado que isso significaria aplicar um dos factores do cálculo do capital de remição, a idade e a respectiva taxa legal, à totalidade da pensão, ignorando-se e pondo-se em causa os efeitos jurídicos da extinção da pensão que já ocorreu com a remição inicial;
10 - Tendo sido aumentado o valor da pensão, que desta forma “renasce,” por força da revisão da incapacidade, o que é devido ao sinistrado é a diferença entre o valor da pensão inicial remida e o que resulta da revisão e não a diferença entre o capital de remição, calculado agora com base no valor total da pensão aumentada, e o inicialmente pago;
11 – Deve, por isso, ser revogada a douta sentença recorrida e ser a responsável condenada pagar ao sinistrado o diferencial entre o valor da pensão já remida e a pensão aumentada, ou seja, 737,26 €, e determinar-se que esta pensão é obrigatoriamente remível desde 10-01- 2014. Com o que se fará Justiça.
1.3. Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
1.4. O recurso foi admitido na espécie, efeito e regime de subida adequados.
1.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir
 2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e das não apreciadas pela solução dadas a outras ainda não decididas com trânsito em julgado - artigos 635.º, números 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil. Assim, a questão a apreciar no âmbito do presente recurso, consiste em saber se em caso de revisão da incapacidade, a entidade responsável deve ser condenada no diferencial entre o valor da pensão já remida e o da pensão aumentada.
3. Fundamentação de facto
A matéria de facto a considerar é a resultante do antecedente relatório e a seguinte:
1.Em resultado de acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em 4.07.2013, foi-lhe atribuído pelo perito médico em exame realizado no IML  a IPP de 4,80% desde 09-01-2014 (fls. 85 a 87).
2.No âmbito da tentativa de conciliação promovida pelo Ministério Público, foi acordado pagar a entidade responsável ao sinistrado a pensão anual, obrigatoriamente remível, de € 797,04 (fls. 95 a 97).
3.Procedeu-se ao cálculo do capital de remição no valor de € 12.645,84 (fls. 103) que foi entregue ao sinistrado (fls. 107).
4.O sinistrado requereu exame de revisão em 21.08.2015 (fls. 110).
4. Fundamentação de Direito
Do diferencial entre o valor da pensão já remida e o da pensão aumentada
Antes mais importa referir que tendo acidente de trabalho ocorrido em 4-07-2013, é-lhe aplicável a Lei 98/2009, de 4 de Setembro (LAT).
No presente caso, o sinistrado deduziu o incidente de revisão, no âmbito do qual foi sujeito a Junta Médica, vindo esta a considerar ter corrido “um agravamento das sequelas derivadas do acidente de trabalho”, tendo-lhe atribuído a IPP de 9,24%.
Nos termos do disposto no art.º 70.º nesse diploma, tem lugar a “Revisão”, “Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada”.
Sobre esta matéria, tem-se vindo a entender que a revisão não dá origem a nova pensão, uma vez que na génese da mesma também não está uma nova incapacidade. Com efeito, como refere Alberto Leite Ferreira, “Código de Processo do Trabalho Anotado”, Coimbra, 4.ª edição, pág. 641: "A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente. Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização.  Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova". Na verdade, conforme assinalado nomeadamente no Acórdão do TRE de 28-11-2000, proc. 1740/00, in CJ Tomo I, pág. 295, no “ incidente de revisão não se fixa uma pensão nova, apenas se aumenta, reduz ou extingue uma pensão anterior, revestindo o incidente a natureza jurídica de um acto meramente modificativo duma pensão anteriormente fixada”. Neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 25-3-83, BMJ 325, pág. 499  e de 17-6-83, BMJ 328, pág. 458. Assim, tratando-se da mesma incapacidade, embora em diverso grau, a pensão a fixar após a revisão não é uma pensão nova, mas antes uma pensão de valor diverso, face à alteração da incapacidade sofrida pelo sinistrado.
Posto isto, o que importa agora dilucidar é qual o critério a seguir para efeitos do pagamento devido ao sinistrado por parte da entidade responsável, quando, como sucede no presente caso, há um agravamento da incapacidade de que padece o mesmo na sequência do pedido de revisão e a pensão, inicialmente fixada foi remida, sendo também obrigatoriamente remível a pensão resultante da revisão.
O art.º 75.º da LAT, define as condições que dão origem à remição das pensões “1 - É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte. Resulta do art.º 76.º do mesmo diploma, como deve ser efectuado o cálculo do capital de remição: “A indemnização em capital é calculada por aplicação das bases técnicas do capital da remição, bem como das respectivas tabelas práticas”. Determinando, por seu turno, o art.º 77.º, que a remição não prejudica: a) O direito às prestações em espécie; b) O direito de o sinistrado requerer a revisão da prestação; c) Os direitos atribuídos aos beneficiários legais do sinistrado, se este vier a falecer em consequência do acidente; d) A actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão”.
Através da figura da remição das pensões o legislador pretendeu que, verificados certos requisitos, a pensão seja convertida em capital, podendo desse modo ser mais rentavelmente aplicada pelo sinistrado do que a permitida pela mera percepção de uma renda anual (Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 379/2002, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.º Volume, pág. 313 e segs.).
Deste modo, consoante emerge dos citados normativos, concretizada a remição da pensão e entregue o respectivo capital ao sinistrado, tal não afecta seja o direito às prestações em espécie, seja o direito do sinistrado requerer a revisão da pensão, seja a actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante da revisão de pensão.
A remição da pensão corresponde, pois, através da entrega do respectivo capital, calculado em função da base técnica aplicável fixada (Portaria  11/2000, de 13 de Janeiro) à entrega do capital que o sinistrado receberia até ao termo (previsível) da sua vida
Ou seja, “indemnização em capital mais não é, segundo os termos da lei, do que o valor de uma pensão remida», devendo sempre nesse caso definir-se a pensão e o seu valor antes de determinar a sua remição e a condenação no pagamento do capital dela decorrente. Tratando-se da mesma pensão, importará todavia constatar, após o novo apuramento do valor da pensão, para maior valor em resultado do agravamento da incapacidade definido no incidente de revisão, que a mesma está em parte remida (…). Sendo a mesma, a pensão passa a concretizar-se de maneira diversa, cresce e transmuta-se, mas isso não pode levar a desconsiderar que o crédito a parte dela está extinto pela remição e pagamento do correspondente capital.» (Sublinhados nossos) Cfr. o Acórdão do TRC de 17-01-2013, proc. 67/09.6TTOAZ.1.C1.
E também, entre outros, os Acórdãos do TRL de 9-05-2007, proc. 2229/2007-4, do TRP de 05-01-2015, proc. 360/09.8TTVFR.P1, do TRE de 5-07-2012, proc. 585/08.3TTSTB.E.1 e do TRG de 15-12-2016, proc. 565/12.4TUBRG.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Deste modo, à luz da lei e de acordo com o apontado entendimento que se subscreve, é de considerar que com a entrega do capital da remição se extingue o direito (ao montante correspondente) à pensão devida para reparar a incapacidade laboral ao abrigo do qual foi calculada.
Assim sendo, o que é devido ao sinistrado é a diferença entre o valor da pensão inicial, remida, e o que resulta da revisão, e não a diferença entre o capital da remição, calculado com base no valor da pensão aumentada e pago inicialmente. A operação de substração a efetuar deve, assim, fazer-se entre os valores da pensão e não entre os do capital da remição, o que se traduz presente caso, no seguinte: tendo em conta o valor da pensão aumentada € 1.543,30 e a já remida €797,04 (1.543,30 - €797,04=737,26), tem o autor direito à diferença que corresponde à pensão obrigatoriamente remível de € 737,26.
Procede, pois, a presente questão.
5. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, pelo que se revoga a sentença recorrida, condenando-se a entidade responsável a pagar ao sinistrado o diferencial entre o montante da pensão já remida e o da pensão aumentada, obrigatoriamente remível, no valor de euros 737,26 desde 21-08-2015.
Custas pela entidade responsável.

Lisboa, 2020-04-29
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro