Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9414/18.9T8SNT.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE
LIBERDADE DE IMPRENSA
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Os direitos de personalidade pertencem à categoria dos direitos absolutos, oponíveis a todos.
II- A liberdade de imprensa e a consequente faculdade de livre expressão e divulgação da informação, tem como limites: o valor socialmente relevante da notícia, a moderação na forma de a veicular e a verdade, medida esta pela objectividade, pela seriedade das fontes, pela isenção e pela imparcialidade do autor.
III- O princípio norteador da informação jornalística deve ser o de causar o menor dano possível pelo que quando se ultrapassam os limites da necessidade, a conduta é ilegítima.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I-RELATÓRIO

S…, com residência na residente na Rua …; intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum, contra:
1.º- J…, com domicílio profissional no Edifício G…;      
2.º- W… Lda., com sede na Rua …;         
3.º- S…M…, com domicílio profissional no Edifício G… e
4.º- V…, com domicílio profissional no Edifício G….
Pede a condenação dos Réus (proprietário da revista, proprietária do portal “I…”, jornalista e Diretor da revista “T…”, respetivamente) a pagarem solidariamente, à Autora, a quantia de 35.000,00€, a título de indemnização pelos danos morais pela mesma sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
Alega para tanto, em síntese, que os danos foram causados pelos Réus, em consequência da  publicação na “revista T…” impressa e no portal eletrónico “I…” de notícia relativa à A., acompanhada de fotografias, com o propósito de suscitar o interesse do público, contribuindo, com a publicação dessas fotografias, respetiva legendagem, com a chamada de capa e com a notícia, para aumentar a venda e audiência da “Revista T…”, através da devassa da vida privada da A..
Através da imputação à mesma de factos falsos e infundados, moral e eticamente censuráveis, os Réus abalaram a credibilidade e a reputação da A., ao nível pessoal, familiar e profissional.
Mais alega que, previamente contactada pelos jornalistas da revista R., a A. desmentiu categoricamente a veracidade do que se pretendia publicar, sendo que o pai da sua filha (também visado pela notícia) não quis, pura e simplesmente, fazer quaisquer comentários.

Os RR. regular e pessoalmente citados contestaram, quer por exceção quer por impugnação.
Excecionam os RR. a ilegitimidade passiva do 4º R., alegando para tanto que, à data da criação e publicação da notícia em causa, este último se encontrava a gozar dias de folga, durante os quais as funções de Diretor/Chefe de Redação foram desempenhadas por L….
Alegam também os RR., em suma, que, no essencial, os factos relatados na notícia são verdadeiros, sendo que a notícia não ofende, nem contém qualquer conotação de enxovalho, de rebaixamento ou malevolência em relação à A. e que a situação relatada veio a ser confirmada pelas informações constantes de processo crime que identificam.
Mais alegam que a A. é uma figura pública, devido à sua atividade artística e ao facto de assiduamente aparecer nos canais de televisão e em programas com alguma audiência.
Alegam ainda que a 3ª R. ao redigir a notícia efetuou todos os esforços para aferir o apuramento da verdade, noticiando os factos na séria convicção da sua veracidade.
Alega também a R. que agiu no estrito poder de informar, e que o direito à liberdade de expressão pela imprensa, é garantido pela Constituição da República Portuguesa.
Mais alega que é exagerado o valor peticionado a título de indemnização.
Conclui pela total improcedência da ação, por não provada e consequente absolvição dos RR. do pedido na sua totalidade.
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Notificada do teor da contestação, veio a Autora requerer a intervenção principal provocada de L…, para intervir nos autos como associado dos RR., alegando dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, nomeadamente sobre quem exerceu as funções de Direção/Chefe de Redação aquando da publicação da edição da Revista T… em causa nos autos.
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Por tempestiva e justificada, entendendo-se existir efetivamente dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, foi admitida a intervenção principal provocada de L…, para na qualidade de R. intervir nos autos, na sequência do que foi este citado para intervir nos mesmos.
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Citado o chamado, veio este apresentar contestação onde, em suma, declara que faz seu o articulado da contestação oferecida pelos demais RR., bem como a prova documental por aqueles apresentada.
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Foi proferido despacho saneador e agendada audiência de julgamento.

Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, absolvendo o Réu V… do pedido e condenando os RR. J…; “W…, Lda.”; S…M… e L…, solidariamente, no pagamento à A. da quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais; acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Inconformados com esta decisão, os Réus interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
I- Entendem os Recorrentes que os factos dados como provados identificados como números xvii.,xviii., xix., xxi., xxii., xxiii., xxv., xxviii., xxxii. e xliii. da sentença foram incorrectamente julgados,
II - E, bem assim, os factos dados como não provados identificados com as letras b., c., d., e., f., g. e h., da sentença foram incorrectamente julgados.
III - Tomando em consideração os depoimentos das testemunhas dos R.R., P… e C… impunha-se uma decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto provada e não provada constante da sentença.
IV - As testemunhas dos R.R. demonstraram ter conhecimento directo dos factos.
V- Pelo que não se aceita que o Tribunal a quo tenha feito “tábua rasa” da forma como a notícia foi elaborada, com recurso a fontes e ouvidas as duas partes.
VI - Tendo, inclusive, sido contactadas as duas partes intervenientes na notícia e transcrito na notícia o que declararam.
VII- Acresce ainda a prova documental junta aos autos, em que os Réus, na sua contestação, juntaram como Doc.1, a saber: o despacho de arquivamento do processo-crime, no qual consta expressamente que J… apresentou contra a A. queixa por “subtracção de menor”, tendo corrido os seus termos no DIAP de Oeiras, 1.ª secção, com o NUIPC …
VIII- Mais consta ainda que foi solicitado à PSP de Torres Vedras o expediente sobre este assunto, constando participações feitas pelo referido J…, em que este se deslocava a casa da Autora e esta se recusava a entregar a menor, alegando que não via a sua filha desde o dia 27 de maio de 2015, o que poderia integrar a prática do crime de subtracção de menor.
XIX- Os factos que constam do processo-crime eram indícios que poderiam consubstanciar a prática de um crime de subtração de menor e tal situação resultou da versão apresentada pelo pai da filha da Autora.
X- Pelo que tais factos vertidos na notícia eram verdadeiros.
XI- E ocorreram em momento temporal anterior ao da publicação, ou seja, cerca de duas semanas antes.
XII- Não resulta da prova produzida e dos testemunhos que os factos referidos na noticia não tenham sido provenientes das fontes jornalísticas e, bem assim, que a 3ª R. não tivesse diligenciado no sentido de apurar a verdade, até porque contactou as duas partes, cfr. consta dos factos dados como provados e que face às informações prestadas pelas fontes, se tivessem verificado circunstâncias que impedisse de as reputar como não verdadeiras.
XIII - Pelo que, a decisão deveria ter sido proferida no sentido de considerar como provado que:
- O corpo da notícia e as declarações que são proferidas são provenientes das fontes que a 3.ª R. contactou e não são da autoria da jornalista;
- Os factos relatados na notícia são verdadeiros;
- É plausível que se interprete o comportamento da A. de ter abandonado a casa de morada de família e levado a menor consigo, recusando-se a que o pai a veja ou com ela contacte, jornalisticamente e em termos sociais ou comuns que as expressões usadas possam ser empregues como tendo o mesmo significado;
- A factologia em causa no referido processo crime era apta a integrar um crime de subtração de menor cometido pela A.;
- A ao produzir e redigir a notícia em causa efetuou todos os esforços para aferir o apuramento da verdade;
- A R. noticiou tais factos na convicção séria da sua veracidade;
- Face às informações prestadas pela “fonte” e pelas circunstâncias da situação, os R.R. tinham fundamento para, em boa-fé, reputarem como verdadeiras as imputações descritas na notícia referentes à A.
XIV - Na fundamentação de direito da sentença, todos os excertos da notícia que o Tribunal a quo faz referência, resultam de afirmações/declarações proferidas pelas fontes contactadas pela 3.ª R. e não são afirmações da autoria da 3.ª R..
XV - A 3ª R. contactou diversas fontes e ouviu os dois intervenientes da notícia - a A. e o pai da sua filha.
XVI - Tendo colocado na notícia essa referência e o que ambos declararam, a negrito, ou seja, com destaque, respeitando, assim, o princípio do contraditório.
XVII- A 3.ª Ré, ao produzir e redigir a notícia em causa, efectuou todos os esforços para aferir o apuramento da verdade e noticiou tais factos na convicção séria da sua veracidade.
XVIII- Face às informações prestadas pela “fonte” e pelas circunstâncias da situação, os Réus tinham fundamento para, em boa-fé, reputarem como verdadeiras as imputações descritas na notícia referentes à Autora.
XIX - A notícia consiste num texto escorreito, contido, desprovido de especulações ou valorizações excessivas sobre a vida privada da A.
XX - A notícia não contém qualquer conotação de enxovalho, rebaixamento ou malevolência da A.
XXI - Aliás, se atentarmos de forma cuidadosa na capa da referida publicação, conclui-se que há outras notícias de maior destaque em relação à da A.,
XXII - Acabando por a notícia da A. estar em “segundo plano” e com a imagem mais pequena em relação às restantes noticias que constam da capa, cfr. o Tribunal a quo deu como provado a factos lxviii., lxix. e lxx.
XXIII - O tribunal a quo avança ainda com o entendimento de que não foram identificadas as fontes.
XXIV - “(…) O critério adoptado pelo nosso legislador é o de que o tribunal pode impor a quebra do segredo profissional quando esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. se justifica fazer tal ponderação se o levantamento do sigilo se mostrar indispensável para a investigação do crime.Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 4815/18.5T9LSB-A-3, de 06/02/2019, in www.dgsi.pt.
XXV - Pelo que, não estando em causa a investigação de um crime, não poderia o Tribunal a quo exigir que a 3.ª R. identificasse as fontes.
XXVI- O Tribunal a quo errou de forma assombrosa a apreciação dos factos e a aplicação do direito.
XXVII-
(…)
XXXIV- Do exposto, não se aceita que os Réus tenham agido com culpa.
XXXV - Em momento algum, foi intenção dos R.R. devassar a vida privada da Autora.
XXXVI- A Autora é uma figura pública, devido à sua actividade artística e, de forma assídua, aparece nos canais de televisão, em programas com alguma audiência, sendo pessoa do conhecimento público, por si só, suscita as suas atenções e curiosidades sobre aspectos da vida privada.
XXXVII- O mesmo se dizendo acerca do progenitor da menor que é apresentador de televisão, sendo igualmente uma figura pública.
XXXVIII- Nessa medida, os Réus agiram na prossecução de um interesse legítimo, assente no direito/dever de informar, em exercício do seu direito de livre expressão e de informação e na convicção de que os factos imputados à Autora eram verdadeiros.
XXXIX- À data em que a notícia foi publicada, encontrava-se a correr termos o processo de regulação das responsabilidades parentais da filha da Autora e vários processos crime que envolviam a Autora e o progenitor da sua filha.
XL- “O jornalista não é um historiador e muito menos um Tribunal a apurar factos. Não vai ficar eternamente a investigar. Apenas tem de proceder de boa fé para produzir informações actualizadas e credíveis”. vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 1361/09, de 11-09-2012, in www.dgsi.pt.
XLI- In casu, e feita uma análise do texto da notícia, conclui-se que a mesma traduz factos verdadeiros.
XLII- A 3.ª Ré ao elaborar a notícia, limitou-se a descrever as informações que obteve, sem tecer quaisquer considerações subjectivas que pudessem ofender o bom nome e honra da aqui Autora.
XLIII- Noticia-se a suspeição (das instâncias judiciais), visto à data da publicação estar a correr a fase de inquérito de processos-crime que envolviam a aqui Autora e o progenitor da sua filha.
XLIV- De forma inequívoca se pode concluir que, com a publicação do artigo e as fotos da notícia aqui em causa, os RR não cometeram qualquer ilícito.
XLV - Não havendo por isso qualquer fundamento legal para o dever de indemnizar.
XLVI - De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), as figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum, devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares , vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 1613/10, de 15.11.2011, in www.dgsi.pt
XLVII - Existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão que compreendem não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 310/13, de 23.3.2015.
XLVIII - Prevalece o direito à informação sobre o direito ao bom nome – actualmente fundamentada a notícia e com interesse público, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 142/09, de 21.5.2015;
XLIX - Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem e o direito a informar, sem impedimentos, discriminações ou censura, cfr. art.º 37.º, n.º 1 da CRP.
L - Ao estatuir-se a liberdade de imprensa na CRP não se limita ou condiciona a matérias do interesse público: é garantida a liberdade de imprensa, implicando nomeadamente a liberdade de expressão e criação dos jornalistas, cfr. art.º 38.º, nº 1 e 2 CRP.
Pelo que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, com a produção de Acórdão que revogue a sentença proferida pelo Tribunal a quo e, em consequência, absolva os R.R. do pedido,
Termos em que deverá ser julgado procedente o presente Recurso de Apelação e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida do Tribunal a quo.

A Autora apresentou contra-alegações nas quais se pronuncia pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II- OS FACTOS

Na 1.ª instância foram dados como provados, os seguintes factos:

i- O 1º R. era, tal como ainda é, proprietário da revista com o título/designação “T…”, aquando da publicação da edição semanal impressa dessa revista de 17 a 23 de junho de 2015.
ii- A edição da Revista “T…” trata-se de uma reprodução impressa de textos e imagens, tem o formato revista, está disponível ao público em geral, tem uma periocidade certa (semanal) e não tem duração limitada, estando por isso sujeita a registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, encontrando-se este registo efetuado sob o n.º ….
iii- A 2ª R. é proprietária do portal “I…”, com o endereço eletrónico http://www.i....pt que corresponde a um “site de informação que possibilita ao utilizador consultar notícias e conteúdos relevantes e atuais e anunciar em todas as revistas do grupo e numa base nacional de classificados”, tal como consta da informação publicada em http://www.i....pt/info.aspx, e do qual, além de outros títulos, faz parte a revista “T…”, em formato digital, tendo sido disponibilizado, em tal plataforma, a edição semanal da revista “T…” (relativa à semana de 17 a 23 de junho de 2015), com exibição de todo o conteúdo da revista então publicada em versão impressa, nomeadamente, as notícias, fotografias e informações relativas à A..
iv- A 3ª R. era, e ainda é, jornalista, integrando o quadro de “grandes repórteres” da “T…” e trabalhava, à data da publicação da notícia que motiva a presente ação, para o primeiro R. ou a este prestava profissionalmente serviços, tendo produzido, redigido e assinado, no exercício dessas funções, uma notícia publicada na edição semanal da revista “T…” (impressa e online) de 17 a 23 de junho de 2015, que visava a aqui A.
v- O 4.º R. era, e ainda é, o diretor da Revista “T…”, por ocasião da divulgação da notícia acima referenciada, cabendo-lhe, na qualidade de diretor da revista em apreço, editar, enquadrar, orientar, superintender e determinar o conteúdo da revista em causa.
vi- A revista “T…”, na sua edição semanal impressa (17 a 23 de junho de 2015) e na sua edição online (também de 17 a 23 de junho de 2015, em http://www.i....pt), ostentava, na sua capa, na metade superior e ao centro, uma fotografia da A., acompanhada da seguinte frase: “S… ACUSADA DE RAPTAR A PRÓPRIA FILHA”.
vii-  Tal chamada de capa encontrava-se redigida em letras maiúsculas, com variações de cor, quer no que respeita ao fundo do texto, quer quanto às próprias letras, mas com a palavra “ACUSADA” colocada em claro destaque e escrita com cor vermelha.
viii- O título acima referenciado não comportou mais qualquer ingrediente textual que contextualizasse a notícia.
ix-  O corpo da notícia, que ocupava 3 (três) páginas da citada edição de 17 a 23 de junho de 2015 da Revista “T…”, da autoria da 3ª R., que a assina, está acompanhada de várias fotografias da A., sendo que a primeira delas, de corpo inteiro, está encimada do título principal, que dada a dimensão das letras se estende por duas páginas: “ACUSADA DE RAPTO”, colocando-se ao lado da fotografia, e em destaque, a expressão “EXCLUSIVO T…”.
x- Destacavam-se, ainda, os seguintes subtítulos na notícia em causa: “Em Foco: S… enfrenta queixa-crime por proibir o ex-marido de ver a filha de apenas um ano”, “Em Foco: PSP de foi obrigada a intervir”.
xi- Ao longo do texto em apreço são ainda produzidas as seguintes afirmações, que se transcrevem:        
- “S… é agora notícia por ter sido denunciada pelo crime de subtração de menor” - “Fugiu com a bebé, e o pai para ver a criança tinha de ir todos os dias amas passar umas horas com a filha e tinha de ser nas condições que a S… queria”.
- “A PSP de foi a casa da mãe da S…, porque o pai da bebé fez uma participação, porque ela não deixou levar a filha. E fez queixa da S… por subtração de menor.”
- “Mas, depois, a S… encostou-o à parede a dizer-lhe: ou assinas este acordo ou não a tiras daqui.”
“Sem entendimento possível com a ex-companheira e depois de ter tido de recorrer à polícia depara poder estar com a filha (…).”.
xii- Na notícia em causa, coloca-se ainda especial ênfase na revelação da identidade do Pai da filha da A., identidade que esta nunca havia revelado à comunicação social, por não ser do seu interesse a exposição da sua vida privada e da sua Filha.
xiii- Na notícia em causa, diz-se: “Dado curioso é que a identidade deste nunca foi revelada pela, nem mesmo quando, em 22 de maio de 2014, revelou que tinha sido mãe (…). Contudo, a T… descobriu tratar-se de J…”.
xiv- Foi inserido como legenda e colocada na segunda página: “J…, filho do falecido apresentador com o mesmo nome, é o pai da criança.”.
xv- Foi aposto na revista o título: “S… ACUSADA DE RAPTAR A PRÓPRIA FILHA”, e mencionada a acusação da A., sem que se diga se criminalmente acusada ou simplesmente acusada/apontada por alguém, por esse “rapto”.
xvi- Do corpo da notícia, nas folhas interiores da revista, escreve-se que a A. teria sido antes, supostamente “denunciada pelo crime de subtração de menor”.
xvii- A generalidade das pessoas limita-se a ler as capas ou os títulos das revistas, não lendo o conteúdo das notícias.
xviii- Na notícia não são identificadas as respetivas fontes.
xix- Até à presente ação, nunca a A. foi confrontada com qualquer queixa-crime, seja de rapto, seja de subtração de menores, desconhecendo a existência da mesma.
xx- Foi noticiado, que a A. tinha fugido “(…) com a bebé, e o pai para ver a criança, tinha de ir todos os dias a, mas podia passar umas horas com a filha e tinha de ser nas condições que a S… queria.”.
xxi- A A. não fugiu de ninguém, muito menos com a bebé, nunca tendo impossibilitado o Pai da menor de estar com a Filha, pois sempre pugnou pela manutenção da relação Pai/Filha.
xxii- Não corresponde à verdade que a Autora tenha produzido a expressão que lhe é imputada, mormente que, dirigindo-se ao pai da sua filha, o tenha “encostado à parede a dizer-lhe”: “Ou assinas este acordo ou não a tiras aqui de casa”.
xxiii-    Não corresponde à verdade que: “(…) a S… proibiu-o de tirar a filha da casa da mãe, e ele, agora, se quer ver a bebé, tem de entrar em casa da mãe da S… às horas que ela entender”, e ainda quando se diz que: “(…) sem entendimento possível com a ex-companheira e depois de ter tido de recorrer à polícia depara poder estar com a filha”.
xxiv- A A. sempre procurou preservar, por entender não revestir qualquer interesse público a informação respeitante à identidade do Pai da Filha da Autora. 
xxv- Circunstância que era do conhecimento dos Réus.
xxvi- Na notícia diz-se: “Dado curioso é que a identidade deste nunca foi revelada pela
cantora, nem mesmo quando, em 22 de Maio de 2014, revelou que tinha sido mãe (…).
Contudo, a T… descobriu tratar-se de J…”.
xxvii- Como legenda e colocada na segunda página consta: “J…, filho do falecido apresentador com o mesmo nome, é o pai da criança.”.
xxviii- Os RR. sabiam que a ora A. e o Pai da sua Filha nunca tinha falado do assunto
publicamente.
xxix- A A. e o Pai da Filha da A. foram contactados, tal como consta da notícia, pelos
jornalistas da Revista T….
xxx- A A. desmentiu categoricamente a veracidade do que se pretendia publicar,
xxxi- O Pai da sua Filha não quis, pura e simplesmente, fazer quaisquer comentários.
xxxii- Os RR. agiram, ou permitiram que se agisse, com o claro propósito de suscitar o interesse do público, contribuindo, com a publicação das fotografias e respetiva legendagem, com a chamada de capa e com notícia, para aumentar a venda e a audiência da “Revista T…”.
xxxiii- A A. é cantora, com uma carreira consolidada, sendo conhecida do público em geral, quer enquanto cantora, quer como participante em vários programas de televisão.
xxxiv- A “Revista T…” tinha, à data da prática dos factos, e tal como tem hoje, ampla divulgação nacional.
xxxv- Em 2015, no ano da publicação da notícia que visou a Autora, a tiragem média bimestral (meses de Maio e Junho de 2015) da “Revista T…” foi de 146.880 exemplares (conforme dados obtidos no site da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação).
xxxvi- A Revista T… era, por ocasião da edição de 17 a 23 de Junho de 2015, tal como ainda é hoje, das revistas, no segmento de sociedade, com maior tiragem e venda semanal.
xxxvii- Os exemplares da revista em causa, tal como muitas outras do mesmo tipo, são lidos durante muitos meses, ou até anos, após a respectiva publicação, por um elevado número de pessoas que não são os habituais compradores destas revistas.
xxxviii- Para além dos exemplares adquiridos por particulares, é do conhecimento comum que a “Revista T…”, tal como outras do seu tipo, está disponível em cafés, restaurantes, cabeleireiros, barbearias, salas de espera de diversos consultórios, estando, por isso, disponíveis para serem lidas por todas as pessoas que frequentam esses estabelecimentos.
xxxix- Os factos imputados à Autora, expostos na “Revista T…” da edição semanal de 17 a 23 de Junho de 2015, mantêm-se, ainda hoje, disponíveis para consulta, quer nas edições impressas das revistas em diversos locais, quer na internet, o que  não permite à Autora esquecer a situação, até porque é confrontada, por diversas pessoas, com a notícia em apreço, que procuram saber se a mesma corresponde à verdade.
xl- É também do conhecimento comum que as notícias que envolvem as designadas “figuras públicas”, e ainda mais quando, como in casu, lhes apontam comportamentos socialmente ou criminalmente censuráveis, são massivamente consumidas.
xli- A notícia em causa teve ainda divulgação no site da 2ª R..
xlii- As próprias redes sociais ampliam relevantemente a difusão deste tipo de notícias, o que também sucedeu no caso concreto, com a publicação de inúmeros comentários, muitos deles maldosos e gratuitamente ofensivos.
xliii- Tendo a notícia que integrava factos e acusações falsos relativos à A., passado a ser tida (por quem a leu) como indiscutivelmente verdadeira.
xliv- A divulgação da notícia e das falsas imputações feitas à A., que foi identificada através do seu nome e por fotografias, espalhou o boato os rumores a respeito da A..
xlv- A A. ficou atormentada, absolutamente infeliz, vexada e envergonhada perante a mera ideia do que passaria pela cabeça das pessoas, fossem do círculo familiar e de amizade, fossem o público em geral, face às falsas informações noticiadas a seu respeito.
xlvi- A A. ficou interiormente arrasada ante a existência de dúvidas generalizadas, relativamente ao seu carácter e conduta.
xlvii- E assim continua (arrasada) continuará pela vida fora e por toda a vida.
xlviii- Essa mancha não mais se apagará.
xlix- A Autora passou inúmeras noites sem dormir, amargurada e angustiada com a publicação dos factos falsos e com a reacção das pessoas em seu redor, nomeadamente a possibilidade de alguém acreditar no que fora publicado pela “Revista T…”.
l- A A. viveu e continua a viver, atormentada pelas perguntas que lhe fizeram, e ainda fazem, concernentes à notícia em causa, tendo que dar explicações e justificações por algo que é totalmente falso e ultrajante.
li- Ficando deprimida e interiormente devastada ante a possibilidade de alguém acreditar nas imputações que, falsamente, lhe fizeram na edição da “Revista T…” de 17 a 23 de junho de 2015.           
lii- Mais sofrendo o enorme desgosto de saber que a sua Filha, um dia e quando for mais velha, irá ser confrontada com o teor desta notícia (conhecimento permitido por uma mera pesquisa na internet pelo nome da sua Mãe), vivendo com a angústia da revolta e dos danos que tal notícia possa causar à sua Filha.
liii- Tendo a Autora frequentes pesadelos e episódios de insónias por causa dessa sensação permanente de angústia, provocada pela imputação falsa de ter raptado a sua própria Filha.
liv- Vivendo preocupada com o facto de a Filha, um dia, julgar que ela pretendeu subtraí-la ao convívio com o Pai, convívio que ela, A., promove e incentiva, tal como sempre fez, e no superior interesse da sua Filha menor.
lv- A partir da publicação das notícias em causa, a A., com receio do “falatório” concernente às notícias publicadas pela “Revista T…” a seu respeito, resguardou-se mais na sua habitação, inibindo-se de sair, com verdadeiro pavor de ser confrontada com o teor da notícia.
lvi- Em face do conteúdo da notícia publicada pelo referido periódico, a A. viu o seu bom nome e dignidade moral prejudicados no meio social em que vivia e trabalhava, tendo sido vexada e humilhada na sua honra e dignidade.
lvii- O 4º R. não editou, enquadrou, orientou, superintendeu ou determinou o conteúdo da revista em causa nos presentes autos.
Lviii- O 4º R. não teve qualquer conhecimento da notícia à data em que a mesma foi criada e publicada.
lix- À data da criação e publicação da notícia em causa, o 4º Réu encontrava-se a gozar dias de folga.
lx- O 4º R. gozou dias de folga de 8 a 16 de Junho daquele ano.    
lxi- Não se encontrava presente no fecho daquela edição e na realização das matérias que foram publicadas na revista, incluindo, a notícia em causa nos presentes autos.
lxii- Durante o referido período de gozo de folgas por parte do 4º R., as funções de Diretor/Chefe de Redação da revista, foram desempenhadas por L….
lxiii- A A. em 2015, apresentou uma participação criminal contra os aqui RR. pelos mesmos factos que aqui estão em causa.
lxiv- Na dita participação criminal, a aqui A. imputava aos aqui R. o cometimento, em co-autoria, de factos aptos a integrar a prática do crime de difamação e crime de devassa da vida privada.
lxv- Tal processo criminal correu termos no Ministério Publico da Comarca de Lisboa Norte, DIAP, 2ª Secção de Torres Vedras, sob o nº ….
lxvi- O referido processo-crime foi objeto de despacho de arquivamento. 
lxvii- No referido processo se concluiu que das diligências efetuadas no âmbito do mesmo, não se encontraram reunidos quaisquer indícios suficientes para a prática pelos aqui RR. de qualquer um dos ilícitos criminais que lhes eram imputados.
lxviii- Na capa da publicação existem outras notícias de maior destaque em relação à da aqui A..
lxix- Sendo aquela remetida para “segundo plano”.
lxx- O intuito da capa foi “noticiar” a notícia publicada no interior da publicação, não desvendando à partida todo o conteúdo da mesma.
lxxi- Das declarações do progenitor no processo-crime n.º… consta que a A. abandonou a casa de morada de família e levou a menor consigo, recusando-se a que o pai a veja ou com ela contacte.
lxxii- As expressões alegadas no título, são detalhadas e explicadas no corpo da notícia.
lxxiii- Tal situação resultou da versão apresentada pelo progenitor da filha da Autora às autoridades judiciárias, em virtude da aqui Autora se recusar a que o progenitor visse a menor.
lxxv- A PSP de … foi chamada junto da residência da aqui Autora, pelo menos por duas ocasiões, durante esse mesmo mês de Junho.
lxxvi- O progenitor da menor é apresentador de televisão.
lxxvii- A 3ª Ré previamente à publicação da notícia contactou a Autora e o progenitor da filha menor, vertendo no texto do artigo, a negrito, as declarações de ambos.
Foram dados como não provados os seguintes factos:
a) O 4º R. não se opôs, através da ação adequada, à publicação da notícia que visava a aqui A., publicada na edição semanal (17 a 23 de junho de 2015) da revista em causa.
b) Os factos relatados na notícia são verdadeiros.
c) É plausível que se interprete o comportamento da A. de ter abandonado a casa de morada de família e levado a menor consigo, recusando-se a que o pai a veja ou com ela contacte, jornalisticamente e em termos sociais ou comuns que as expressões usadas possam ser empregues como tendo o mesmo significado.
d) A factologia em causa no referido processo-crime era apta a integrar um crime de subtração de menor cometido pela aqui Autora.   
e) A A. recusava que o progenitor contactasse com a menor.
f) A 3ª Ré ao produzir e redigir a notícia em causa efetuou todos os esforços para aferir o apuramento da verdade.
g) A 3ª R. noticiou tais factos na convicção séria da sua veracidade.
h) Face às informações prestadas pela “fonte” e pelas circunstâncias da situação, os Réus tinham fundamento para em boa-fé reputarem como verdadeiras as imputações descritas na notícia, referentes à Autora.

III- O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas e que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões a apreciar são as seguintes:

1- Impugnação sobre a decisão da matéria de facto;
2- Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil de molde a fundamentar a condenação dos Réus no pagamento de indemnização peticionada pela Autora.

1- Entendem os Recorrentes que os factos dados como provados identificados como números xvii.,    xviii., xix., xxi., xxii., xxiii., xxv., xxviii., xxxii., xliii., da sentença foram incorrectamente julgados. Bem como os factos dados como não provados identificados com as letras b., c., d., e., f., g. e h., da sentença foram incorrectamente julgados.
Para assim o afirmarem invocam os Apelantes os depoimentos das testemunhas dos Réus P… e C… defendendo que deveria ser considerado provado o seguinte:         
- O corpo da notícia e as declarações que aí são proferidas são provenientes das fontes que a 3.ª R. contactou e não são da autoria da jornalista;
- Os factos relatados na notícia são verdadeiros;    
- É plausível que se interprete o comportamento da Autora de ter abandonado a casa de morada de família e levado a menor consigo, recusando-se a que o pai a veja ou com ela contacte, jornalisticamente e em termos sociais ou comuns que as expressões usadas possam ser empregues como tendo o mesmo significado;  
- A factologia em causa no referido processo crime era apta a integrar um crime de subtração de menor cometido pela A.;
- A 3ª Ré ao produzir e redigir a notícia em causa efetuou todos os esforços para aferir o apuramento da verdade;
- A 3ª R. noticiou tais factos na convicção séria da sua veracidade;
- Face às informações prestadas pela “fonte” e pelas circunstâncias da situação, os R.R. tinham fundamento para em boa-fé reputarem como verdadeiras as imputações descritas na notícia referentes à A.
Ouvidos os depoimentos das referidas testemunhas, com especial enfoque nos excertos transcritos pelos Apelantes, verifica-se que os mesmos não põem em causa no essencial, a matéria que foi impugnada, até porque o seu depoimento versou sobre o procedimento habitual na elaboração das notícias, mas não mostrando conhecimento concreto sobre a forma como foi elaborada a notícia ora em apreço.
Assim, nada disseram as testemunhas referidas que ponha em causa o facto constante do número XVII: “a generalidade das pessoas limita-se a ler as capas ou os títulos das revistas, não lendo o conteúdo das notícias.” Como mencionado na sentença recorrida, este é um facto que resulta da experiência comum. Basta passar na rua para observar pessoas junto dos quiosques de venda de jornais e revistas, lendo as capas das mesmas, estrategicamente expostas de forma a chamar a atenção dos potenciais compradores. Efectivamente, muitos param para ler as capas e seguem o seu caminho.
Quanto ao facto impugnado xviii: “na notícia não são identificadas as respectivas fontes.” As testemunhas afirmaram que são sempre consultadas as fontes. Porém, não é essa a questão constante do facto em apreço. A questão está na identificação dessas fontes. E a verdade é que a notícia efectivamente não identifica as fontes.
Quanto aos pontos xix, por se tratar de matéria referente à Autora não faz sentido ser impugnada com base no depoimento de testemunhas que nem sequer se pronunciaram sobre tal matéria.  
Quanto ao ponto xx, transcreve o teor da notícia pelo que não se vislumbra qualquer erro de julgamento.         
Quanto aos pontos xxi, xxii e xxiii não foi apresentado qualquer meio de prova que contrarie o que ali consta.
No ponto xxv é dado como provado: “circunstância que era do conhecimento dos Réus”. Parece reportar-se ao ponto anterior em que se diz “A Autora sempre procurou preservar, por entender não revestir qualquer interesse público a informação respeitante à identidade do Pai da Filha da Autora.” Ora, nem as testemunhas puseram em causa este facto, sendo certo que da própria notícia em apreço, consta o seguinte: “dado curioso é que a identidade deste [pai] nunca foi revelada pela cantora nem mesmo quando, a 22 de maio de 2014, revelou que tinha sido mãe. Contudo, a T… descobriu tratar-se de J…” Portanto, está demonstrada a veracidade do facto em causa que deve manter-se no elenco dos factos provados.
No ponto xxviii dá-se como provado que “os Réus sabiam que a ora Autora e o Pai da sua Filha nunca tinham falado do assunto publicamente.” A demonstrar este facto está a própria notícia aqui em apreço no excerto supra transcrito. Pela mesma razão mencionada a propósito do ponto xxv, deve também este facto considerar-se provado e manter-se no elenco dos factos provados.
Quanto ao ponto xxxii, nenhum meio probatório foi apresentado em contrário. De resto é um facto notório que qualquer jornal e revista “age com o propósito de suscitar o interesse do público, contribuindo com a publicação das fotografias e respectiva legendagem, com a chamada de capa e com notícia para aumentar a venda e a audiência (…). É óbvio que as revistas e jornais destinam-se a ser vendidos e por isso, o propósito dos seus profissionais deve ser mesmo o de realizar o seu trabalho de forma a suscitar o interesse dos leitores, de molde a potenciar as vendas. A questão está em saber se os métodos utilizados são ou não legítimos. Mas isso é matéria para ser desenvolvida a seguir. Por ora, o que importa referir é que improcede a impugnação da decisão de dar este facto como provado.
Também quanto ao ponto xliii, nenhum meio probatório colocou em questão tal facto que se baseia igualmente nos dados de experiência comum. Normalmente, como é sabido, o grande público aceita como verdadeiras as notícias que lê, sem usar de sentido crítico.
Quanto aos factos não provados, não foram apresentados quaisquer meios probatórios que permitam com segurança, alterar o que foi decidido.
Assim, improcede in totum a impugnação mantém-se a decisão sobre a matéria de facto.

2- Estamos no domínio da ofensa aos direitos de personalidade e, por conseguinte, no âmbito da responsabilidade civil aquiliana. Uma vez que a alegada violação dos direitos de personalidade ocorreu através da divulgação de um artigo publicado numa revista, de circulação a nível nacional, (vide ponto xxxiv dos factos provados) a apreciação da questão que ora nos ocupa tem de fazer-se dentro do âmbito da chamada “liberdade de imprensa”, enquanto valor constitucionalmente protegido, e dos seus limites face a valores igualmente merecedores de tutela do direito.
Nenhumas dúvidas existem quanto à dignidade constitucional do princípio fundamental da liberdade de expressão e do direito de informação (“liberdade de informar”, “de se informar” e “de ser informado”).
Neste sentido, podem ser convocados os princípios plasmados no art.º 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-48 e no art.º 10º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 4-11-50, (integradas no direito interno “ex-vi” do art.º 8º da CRP) e com consagração constitucional - art.ºs 37º, n.ºs 1 e 2, e 38º, n.ºs 1 e 2 - Título II - Direitos, Liberdades e Garantias -, da CRP.
Todos têm o direito de exprimir e de divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações, sendo certo que a todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (art.º 37º).
Por isso, os direitos em colisão com a liberdade de expressão só podem prevalecer sobre esta, na medida em que a própria Constituição os acolha e valorize.
Ora, também se encontra constitucionalmente garantido o princípio da salvaguarda do
bom nome e reputação individuais, à imagem e reserva da vida privada e familiar – art.º 26º, nº1, da Constituição da República Portuguesa. Este é um dos vários preceitos que concretizam a ideia da protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade.
No mesmo sentido prescreve o art.º 70.º do Código Civil que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, encontrando-se esta tutela geral de personalidade integrada por direitos como, por exemplo, o direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à honra, à reserva da sua vida íntima e familiar, à saúde, à intimidade, à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ao repouso e ao descanso.
Concretamente no que se refere ao direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, estipula o art.º 80.º do Código Civil que “todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.” Estes preceitos transpõem o comando constitucional de protecção da pessoa humana – nas suas dimensões física e moral- para o campo do direito civil. Assim, o código Civil abrange na sua protecção todos aqueles “direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra-patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil (…)”[1] 
Coloca-se desde já a questão de saber como delimitar o exercício destes direitos cuja relevância assume dignidade constitucional. O princípio fundamental a respeitar nos casos de colisão de direitos está formulado no art.º 335.º do Código Civil e embora este diploma não se sobreponha à Constituição, este preceito consagra um princípio que a doutrina tem acolhido como princípio geral de direito [2].
Assim, havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. Surge, assim, a ideia dos limites ao próprio exercício do direito, que uma vez ultrapassados, conduzirá o agente para o campo da ilicitude.
Do que se trata no presente processo é de averiguar se foram ultrapassados tais limites por parte dos Réus, durante o exercício do seu direito à liberdade de expressão, fazendo incorrer estes em responsabilidade civil.               
Rege nesta matéria o disposto no art.º 483º do Código Civil, que preceitua “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
E, nos termos do art.º 484.º do Código Civil, “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”.     
Constituem pressupostos da responsabilidade civil: o facto voluntário, a ilicitude, a imputação do facto ao agente (a culpa), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano[3].
Analisados os factos provados impõe-se formular a questão de saber se estarão verificados os pressupostos da responsabilidade civil, por parte da Réus? Impõe-se adiantar desde já que a nossa resposta é afirmativa, no seguimento do que foi o entendimento bem fundamentado do Tribunal a quo.
É certo que a liberdade de expressão e de informação - liberdade de imprensa - constituem um elemento fundamental nas sociedades livres e democráticas, assumindo papel activo e preponderante na formação de uma opinião pública esclarecida, livre e informada, mas não menos verdade é o facto do respeito pelos direitos de personalidade constituírem o garante, um dos pilares, para uma sociedade justa, livre e democrática, que deixaria de o ser, se acaso se legitimassem violações a tais direitos, sob o pretexto da defesa ou prevalência do direito à liberdade de informação.
É, porém, recorrente, na actualidade, como já referido, o confronto entre os direitos de personalidade, e o direito de liberdade de expressão, no específico segmento da liberdade de imprensa e de informação, entendendo-se que o sacrifício dos primeiros só deve admitir-se quando ocorra uma causa justificativa, e esta causa justificativa respeite o princípio da proporcionalidade, da necessidade e da adequação do meio.
Com efeito, a reserva da privacidade deve ser considerada a regra e não a exceção. É esse o sentido que se retira, por um lado, da natureza do direito à privacidade como direito de personalidade e, por outro, da sua consagração constitucional como direito fundamental. O direito à privacidade só pode ser licitamente agredido quando e só quando um interesse público superior o exija, em termos tais que o contrário possa ser causa de danos gravíssimos para a comunidade.        
Tal como sucede com o direito à honra, o direito à privacidade colide frequentemente com o direito à liberdade de expressão, principalmente com a liberdade de imprensa. […] A divulgação e a credibilidade dos meios de comunicação social agravam a ofensa e tornam-na praticamente irreparável. Cai, portanto, sobre os meios de comunicação social um dever agravado de prudência na divulgação de comunicações que possam agredir a privacidade.»[4]
Analisando os factos provados, verifica-se que foram claramente ultrapassados os limites do legítimo exercício do direito de informar.
Frequentemente, os meios de comunicação social cedem a exageros que, longe de servirem os interesses dos cidadãos a serem convenientemente informados, apenas visam explorar sentimentos e, por vezes, tendências menos nobres dos leitores.
Ora, lendo o teor da notícia que a Revista “T…” ostentava na sua capa, junto da fotografia da Autora: “S… acusada de raptar a própria filha” é um exemplo bem elucidativo de que foram ultrapassados os limites, a que supra se aludiu, no exercício do direito de informar. Todo o teor da notícia com os desenvolvimentos escritos no interior da revista e reproduzidos na factualidade supra descrita, que nos dispensamos de repetir, relaciona-se com um conflito entre a Autora e o pai da sua filha, sobre a forma de exercerem as responsabilidades parentais. Trata-se de um assunto privado, que além do mais, se relaciona com a vida privada de uma criança. Significa que o assunto em apreço não interessa objectivamente a ninguém. Ou seja, o direito que as partes envolvidas têm à reserva da intimidade da sua vida privada não pode minimamente ser posto em causa, a favor da eventual curiosidade e “voyerismo”, interesses que não têm tutela legal. A publicação de tais notícias não satisfaz, pois, qualquer interesse legítimo do público a ser informado.
Tal como bem diz a sentença recorrida: “Resulta também da forma como foi publicada e destacada a própria notícia que esta se traduz exclusivamente na imputação de rapto ou subtração de menor à A., referindo-se à sua própria filha menor, bem como dar a conhecer ao público a identidade do pai da mesma, reconhecendo, desde logo, como supra transcrito que “a identidade deste nunca foi revelada pela cantora, nem mesmo quando, em 22 de maio de 2014, revelou que tinha sido mãe (…). Contudo, a T… descobriu (…)”.
Não se vê aqui qualquer discussão ou revelação de um qualquer interesse público para além da “coscuvilhice” pura ou saciedade da curiosidade do público, que faz vender publicações, quanto mais secreto ou escandaloso, maior o número de vendas.”
Cabe acentuar, embora nos pareça óbvio, que as chamadas “figuras públicas”, pelo facto de o serem, não ficam despojadas do referido direito à salvaguarda do bom nome e reputação individuais, à imagem e reserva da vida privada e familiar garantido, a todos, sem excepção, pelo art.º 26º, nº1, da Constituição da República Portuguesa.
“As chamadas “figuras públicas”, as pessoas com maior notoriedade, têm o mesmo direito à privacidade que todas as pessoas. Admitir para elas um estatuto pessoal degradado seria inconstitucional e colidiria com o princípio da igualdade. (…) a compressão da esfera de privacidade que eventualmente possam sofrer só pode fundar-se na publicidade e relevância do interesse em questão e nunca pode resultar simplesmente da notoriedade da pessoa”.[5]
Por outro lado, os Réus não se limitaram a noticiar um assunto que não satisfazia nenhum interesse legítimo do público, fizeram-no de forma desproporcional, colocando a tónica no plano “criminal”, ao mencionar logo na capa da revista: “S… acusada de raptar a própria filha”. Tal como bem observa a sentença recorrida, “ a   intenção foi imputar a prática desses crimes à A., pois só assim teria a notícia o sensacionalismo pretendido e suscetível de aumentar as procuradas vendas”. Resulta óbvia essa intenção, não só do título de capa, mas de todo o texto da notícia realçando a linguagem de teor criminal como “acusada”, “rapto”, “subtração de menor”, “Em Foco: PSP de foi obrigada a intervir”.
Além do mais, e mais grave ainda, a notícia nem sequer é verdadeira, pois ao que se depreende, a Autora nunca foi “acusada” do que quer que seja. À data da notícia, a Autora não tinha sido confrontada com qualquer queixa-crime.
Contudo, a existência de uma queixa não equivale a uma “acusação” de um crime. A acusação pressupõe a existência de uma investigação que culmina na decisão do Ministério Público de apresentar alguém a julgamento por lhe ser imputada a prática de algum crime. E nem se diga que esta é uma linguagem jurídica que não é aquela que é habitualmente usada na linguagem comum. Situemo-nos então, na linguagem e no pensamento comuns: Quando se noticia que alguém é acusado de um crime, ainda que apenas exista uma queixa na autoridade policial, para grande parte dos leitores, a pessoa visada já está, para todo o sempre, condenada. Não interessa se dessa queixa nem sequer vier a resultar um processo-crime, ou se existindo vier a terminar numa absolvição. Para o comum das pessoas, para sempre, essa pessoa será culpada, pois “não há fumo sem fogo” ou “a justiça é demasiado branda”.
Não há, pois, qualquer dúvida, de que a notícia ora em apreço “tem aptidão para
afectar a dignidade humana da visada ou a assacar-lhe, sem motivação e sem fundamento plausível, comportamentos suscetíveis de diminuir o seu reconhecimento social (…). A notícia em apreço coloca a A., sem sombra de dúvidas, numa posição incompatível com os padrões sociais de urbanidade, provocando uma clara diminuição do seu reconhecimento social”.
A ilicitude não está no objectivo de aumentar as audiências, nem em aumentar o lucro das empresas. A ilicitude só começa quando essas finalidades são obtidas pondo em causa direitos fundamentais dos cidadãos. «É ilícita a agressão à privacidade quando o interesse que a impulsiona seja eticamente pouco relevante como o simples interesse do lucro, de tiragem ou de audiência, ou eticamente negativo, como o sensacionalismo (…)»[6],
Sem necessidade de maiores desenvolvidos, cremos mais do que demonstrada a verificação dos primeiros pressupostos da responsabilidade civil: o facto ilícito e voluntário por parte do agente.

Quanto ao dano sofrido pela Autora, vejamos a factualidade provada:
xlvi- A A. ficou interiormente arrasada ante a existência de dúvidas generalizadas, relativamente ao seu carácter e conduta.
xlvii- E assim continua (arrasada) continuará pela vida fora e por toda a vida.
xlviii- Essa mancha não mais se apagará.
xlix- A Autora passou inúmeras noites sem dormir, amargurada e angustiada com a publicação dos factos falsos e com a reacção das pessoas em seu redor, nomeadamente a possibilidade de alguém acreditar no que fora publicado pela “Revista T…”.
l- A A. viveu e continua a viver, atormentada pelas perguntas que lhe fizeram, e ainda fazem, concernentes à notícia em causa, tendo que dar explicações e justificações por algo que é totalmente falso e ultrajante.
li- Ficando deprimida e interiormente devastada ante a possibilidade de alguém acreditar nas imputações que, falsamente, lhe fizeram na edição da “Revista T…” de 17 a 23 de junho de 2015.  
lii- Mais sofrendo o enorme desgosto de saber que a sua Filha, um dia e quando for mais velha, irá ser confrontada com o teor desta notícia (conhecimento permitido por uma mera pesquisa na internet pelo nome da sua Mãe), vivendo com a angústia da revolta e dos danos que tal notícia possa causar à sua Filha.
liii- Tendo a Autora frequentes pesadelos e episódios de insónias por causa dessa sensação permanente de angústia, provocada pela imputação falsa de ter raptado a sua própria Filha.
liv- Vivendo preocupada com o facto de a Filha, um dia, julgar que ela pretendeu subtraí-la ao convívio com o Pai, convívio que ela, A., promove e incentiva, tal como sempre fez, e no superior interesse da sua Filha menor.
lv- A partir da publicação das notícias em causa, a A., com receio do “falatório” concernente às notícias publicadas pela “Revista T…” a seu respeito, resguardou-se mais na sua habitação, inibindo-se de sair, com verdadeiro pavor de ser confrontada com o teor da notícia.
lvi- Em face do conteúdo da notícia publicada pelo referido periódico, a A. viu o seu bom nome e dignidade moral prejudicados no meio social em que vivia e trabalhava, tendo sido vexada e humilhada na sua honra e dignidade.”
Da factualidade descrita resulta inequivocamente a existência de graves danos não patrimoniais sofridos pela Autora.
Não se suscitam dúvidas tão pouco quanto aos demais requisitos, a saber: a imputação do facto ao agente (a culpa) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.       
Decorre, por conseguinte da factualidade apurada que se encontram verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil de molde a constituir os Réus no dever de indemnizar a Autora.
O valor fixado na sentença recorrida foi criteriosamente definido de acordo com os critérios legais aplicáveis e não perdendo de vista os critérios jurisprudenciais prevalecentes.Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro”.[7]
Improcedem as conclusões dos Apelantes, devendo ser confirmada integralmente, a sentença recorrida.

IV- DECISÃO

Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2023
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate
_______________________________________________________
[1] R. Capelo de Sousa, “A Constituição e os Direitos de Personalidade”, in Estudos sobre a Constituição, Vol.”, Lisboa, 1978, p. 93.
[2] Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2009, in www.dgsi.pt
[3] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 8.ª ed., p.532.
[4] Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 9.ª edição, p.71-72
[5] Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 9.ª edição, p.73.
[6] Idem, Ob. Cit., p.72.
[7] Vide Acórdão do STJ de 16-06-2020, Processo 1981/14.2TBOER.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt