Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1696/06.5TMLSB-A.L1-1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
MAPA DE PARTILHA
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
ACTAS
DOCUMENTO AUTÊNTICO
INTERPRETAÇÃO
MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A regra geral estabelecida é a da dedução do passivo ao ativo (passivo que tenha sido aprovado segundo as normas que regem essa matéria e que se encontram vertidas nos artigos 1353.º, n.º 3 e1354.º e seguintes, do CPC).
2. Correspondendo o passivo a uma dívida hipotecária, esta regra não sofre alteração
3. No caso em apreço, o mapa de partilha foi organizado em conformidade com o decidido no despacho que deu forma à partilha, o qual considerou que o passivo se abatia ao ativo, levando em conta o valor da licitação do bem, pelo que nenhuma censura merece o despacho determinativo da partilha.
4. Não tendo a apelante suscitado o incidente de falsidade da ata da conferência de interessados e tendo esta a natureza de documento autêntico, o que dela consta, em termos de declarações proferidas no ato, e percecionadas pelo Juiz que presidiu à diligência, faz prova plena, ressalvada a possibilidade de retificação (artigos 159.º, n.º 1 e 3, do CPC, artigos 371.º e 372.º, do Código Civil).
5. Se da leitura da ata resultar de forma cristalina que a licitação incidiu sobre a verba única do ativo pelo valor de x e também decorre da mesma que o licitante declarou suportar na íntegra, e sozinho, o remanescente do passivo, decorre que o mesmo não se encontrava pago àquela data, onerando o bem licitado.
6. A interpretação de documentos formais, como é o caso, segue a regra do artigo 238.º do Código Civil, pelo que não pode a interpretação prevalecer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso.
7. Ora, a interpretação que a apelante faz da declaração do licitante não tem essa correspondência mínima com o teor da ata, sendo certo que também não vai de encontro ao regime legal, já que o imóvel se encontrava onerado no momento da realização da licitação, não fazendo qualquer sentido que o licitante atribuísse ao bem um valor acrescido do valor em dívida e ainda se dispusesse a suportar o pagamento integral desta ao credor hipotecário.
II.
8. O decaimento da pretensão recursória, só por si, não evidencia de forma clamorosa má fé por parte da recorrente., ainda que o fundamento do recurso não encontra respaldo na lei, mas não passa disso mesmo.
9. Não está configurada a situação de má-fé instrumental, quando um interessado no processo de inventário litiga de má-fé ao não questionar os atos praticados no processo, nos termos previstos na lei, aceitando o modo como se desenrolou o processado, impugnando apenas a sentença homologatória da partilha, e com ela, o despacho que a determinou, quando é a própria lei a relegar para essa fase a impugnação do despacho determinativo da partilha,
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


I – RELATÓRIO
Em 09/02/2011, AV, divorciado, intentou ação especial de inventário para partilha dos bens comuns do casal, contra a sua ex-mulher, AS (que também usou o nome Ana Cristina Correia Paiva Setúbal Vieira).
Alegou que o casamento foi dissolvido por divórcio (sentença transitada em julgado em 17/06/2009) e que existe um bem imóvel para partilhar, correspondente à casa de morada de família, sobre o qual incide uma dívida proveniente do empréstimo bancário relativo à sua aquisição.
Prosseguiu o processo os termos do inventário, exercendo o requerente as funções de cabeça de casal (fls. 19 e 24-25).
Foi apresentada a relação de bens, conforme consta de fls. 27, sendo o ativo composto pela verba única (imóvel):
“Fracção Autónoma designada pela letra “Z”, destinada a habitação, que corresponde ao 5º andar esquerdo, lote 19, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua .., número .., freguesia e concelho de .., descrito na Conservatória do Registo Predial de .. e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de .. sob o artigo …, com o valor patrimonial de €21.186,20”.

Como passivo, a verba única:
“Dívida à Caixa Geral de Depósitos, S.A., referente ao contrato de mútuo celebrado por escritura pública de 06/02/1998, relativo à aquisição da Verba única do Activo, no montante actual de €.64.243,22.”

Citada a requerida e a credora Caixa Geral de Depósitos, não foi apresentada reclamação contra a relação de bens.
Realizada a conferência de interessados, conforme conta da ata de fls. 51 a 52, e por os interessados não terem chegado a acordo quanto à partilha, procedeu-se à licitação do bem, constando da ata o seguinte:
“Pelo Cabeça de Casal foi dito que licita a verba que constitui a verba única do activo, fracção Autónoma designada pela letra “Z”, destinada a habitação, que corresponde ao 5º andar esquerdo, lote .., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, número .., freguesia e concelho de ..s, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Odivelas sob o artigo …, pelo valor de €140.000,00 ( cento e quarenta mil euros).
Pelo cabeça de casal foi ainda dito que suportará na íntegra o remanescente do passivo devido à Caixa Geral de Depósitos, SA, referente ao contrato de mútuo celebrado por escritura pública relativo à aquisição do imóvel supra identificado, no montante actual de €60.238,94, conforme declaração de dívida ora junto aos autos.
A interessada AS não licitou no bem.
Dada a palavra ao Exmº Mandatário do Credor Caixa Geral de Depósitos, no seu uso disse: nada ter a opor a que o bem imóvel seja adjudicado ao cabeça de casal, não prescindindo, contudo, da solidariedade da dívida.”

Foi de seguida proferido o seguinte despacho:
“Adjudico ao Cabeça de Casal AV, o bem constante da relação de bens pelo valor pelo qual foi agora licitado.
Reconheço o passivo no valor actual de €60.238,94, (sessenta mil duzentos e trinta e oito euros e noventa e quatro cêntimos) referente ao empréstimo contraído junto da Caixa Geral de Depósitos.
Ficam os interessados notificados para virem dar a forma à partilha, ao abrigo do disposto no artigo 1373º/1 do CPC.”

Não tendo os interessados apresentado forma à partilha, foi proferido o correspondente despacho (fls. 53 a 54), com o seguinte teor:
“Requerente e Requerida foram casados, em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão de adquiridos.
Por sentença decretada a 17 de junho de 2009, já transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre Requerente e Requerida por mútuo consentimento.
Da relação de bens fazem parte um bem imóvel e uma dívida à Caixa Geral de Depósitos.
Na conferência de interessados não foi possível alcançar o acordo, tendo-se procedido a licitações e tendo sido licitada pelo Requerido a verba n.º 1, única verba do ativo pelo valor de €140,000,00.
Elabore o mapa de partilha da seguinte forma:
Ao total resultante da licitação do bem abate-se o valor do passivo e o valor obtido divide-se em duas partes iguais (vd. art.º 1375º/2 do Código de Processo Civil). Uma parte constitui a meação do cabeça de casal e como tal lhe será adjudicada.
A outra parte constitui a meação da interessada e como tal lhe será adjudicada.
O bem imóvel será adjudicado ao cabeça de casal que nele licitou, ainda que excedendo o seu quinhão (art.º 1374º al. a) do C.P.C.), tendo-se em consideração que o mesmo assumiu o pagamento da integralidade da dívida da responsabilidade do casal e assim se preenchendo a sua meação.
À interessada ficam-lhe a caber tornas, caso o bem licitado exceda a quota do outro interessado e não venha requerer a composição do seu quinhão.”

Seguiu-se a apresentação do mapa informativo a que alude o artigo 1376.º do CPC (fls. 55-56) e o cumprimento do disposto no artigo 1377.º do mesmo diploma.
A requerente veio reclamar o pagamento de tornas, nos termos do artigo 1378.º, n.º 1, do CPC.
O requerente requereu o diferimento do pagamento das tornas, que a requerida não aceitou, pelo que foi proferido o despacho de fls. 69.
Foi ordenado a elaboração do mapa de partilha, que foi elaborado conforme consta de fls. 73 a 74.
Posto em reclamação, nada foi junto aos autos nesse sentido.
Foi, então, proferida sentença que homologou o mapa de partilha, conforme consta de fls. 75.[1]
A interessada AS, notificada do teor desta sentença, interpôs recurso, apresentando as conclusões das alegações que abaixo se transcrevem, pugnando pela alteração da sentença homologatória da partilha.
Foram apresentadas contra-alegações que pugnam pela improcedência do recurso e pela condenação da recorrente como litigante de má fé, conforme consta das conclusões que também se transcrevem.
O recurso foi admitido conforme despacho de fls. 104 e remetidos os autos a esta Relação.
Neste Tribunal, verificando-se nada obstar ao conhecimento do recurso, foi ordenada notificação da recorrente para, querendo, se pronunciar sobre o pedido de condenação como litigante de má fé, o que fez, conforme consta de fls. 122 a 123.
Foram colhidos os vistos legais.

Conclusões da apelação:
1. (…)

Conclusões das contra-alegações:
A. (…)

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, importa decidir:
- Se deve ser alterado o despacho determinativo da forma da partilha, correspondente mapa de partilha e sentença homologatória da mesma.
- Se a apelante incorreu em litigância de má fé.

B- De Facto
As ocorrências processuais relevantes para a apreciação do objeto do recurso constam do antecedente Relatório.

III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO
Identificadas as questões a decidir, passemos à sua análise.
1. Se deve ser alterado o despacho determinativo da forma da partilha, correspondente mapa de partilha e sentença homologatória da mesma da mesma:
A apelante defende que o despacho que determinou a forma à partilha não respeitou o resultado da conferência de interessados, porquanto a licitação do interessado do imóvel não foi €140.000,00, mas sim este valor mais o pagamento do remanescente do passivo (€60.238,94), ou seja, o total de €200.238,94, pelo que é sobre esse valor que deve ser abatido o passivo e elaborado o correspondente mapa, tendo a apelante direito a receber, a título de tornas, o valor de €70.000,00, e não de €39.880,53, como consta do mapa de partilha, em execução que o mesmo faz do despacho que a determinou.
Vejamos.
Ao processo especial de inventário em consequência do divórcio, são aplicáveis as normas do processo de inventário (cfr. artigo 1404.º do CPC 1961 e artigos 1326.º e seguintes do mesmo diploma[2]), o qual  tem como finalidade a partilha dos bens dos ex-cônjuges, na medida em que, nos termos do artigo 1688.º do Código Civil, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, ou seja, pelo divórcio, cabendo a cada um deles o recebimento dos bens próprios (se for o caso) e a sua meação no património comum, com assunção da responsabilização pelo pagamento das dívidas (próprias e/ou comuns, em conformidade com o disposto na lei, mormente nos termos dos artigos 1689.º, n.º 1 e 2, 1695.º e 1696.º, do Código Civil).
Os bens a partilhar são os que constam da relação de bens (ou que resultem da decisão que aprecie a respetiva reclamação) e são especificados por verbas, às quais são atribuídos valores, sendo as dívidas relacionadas em separado (artigo 1345.º, n.º 1 e 2, do CPC).
Na conferência de interessados, os interessados deliberam sobre a composição dos quinhões, bem como sobre a aprovação do passivo e forma de pagamento (artigo 1353.º, n.º 1 e 3, do CPC).
O artigo 1375.º, do CPC regula o modo como se organiza o mapa de partilha, tendo como pressuposto o decidido no despacho sobre a forma à partilha.
Da conjugação dos artigos 1373.º, n.º 3 e 1382.º, n.º 2, do CPC, decorre que o despacho determinativo da partilha só pode ser impugnado aquando da impugnação da sentença homologatória da partilha por só desta caber recurso.
Dispõe o artigo 1375.º, n.º 2, do CPC, do seguinte modo:
“Para a formação do mapa acha-se, em primeiro lugar, a importância total do activo, somando-se os valores de cada espécie de bens, conforme as avaliações e licitações efectuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos; em seguida determina-se o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens; por fim, faz-se o preenchimento de cada quota com referência aos números das verbas da descrição.”

Resulta deste preceito, aplicável ao presente inventário, que a regra geral estabelecida é da dedução do ativo ao passivo (passivo este que tenha sido aprovado segundo as normas que regem essa matéria e que se encontram vertidas nos artigos 1353.º, n.º 3 e1354.º e seguintes, do CPC).
Correspondendo o passivo a uma dívida hipotecária, esta regra não sofre alteração, tanto mais que, por força do artigo 2100.º, n.º1, do Código Civil, entrando bens na partilha com direitos de natureza remível, como é o caso da hipoteca, “descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem.”[3]
Trata-se de solução jurídica que nem sequer se perspetiva como polémica e já foi inclusivamente objeto de outros arestos, onde se ponderou situação semelhante, realçando-se que o raciocínio subjacente à solução jurídica, é muito claro e simples.
Na verdade, quando um ex-cônjuge licita um imóvel, licita tendo em mente a aquisição do direito de propriedade. Se sobre o direito de propriedade recai, na titularidade de terceiro, um direito real de garantia, como seja o caso de uma hipoteca, que confere a esse titular o direito de sequela desse mesmo bem, “a medida deste direito é a medida da desvalorização do bem o que significa que atribuir a um dos cônjuges um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca”, a não ser que “a hipoteca seja remida antes da partilha, através do pagamento que a extingue – art. 730.º. al.a) do CCivil.”[4]
No caso em apreço, o mapa de partilha foi organizado em conformidade com o decidido no despacho que deu forma à partilha, o qual considerou que o passivo se abatia ao ativo, levando em conta o valor da licitação do bem, pelo que nenhuma censura merece o despacho determinativo da partilha.
Alega, porém, a apelante que o despacho determinativo da partilha não respeitou o resultante da conferência de interessados, referindo que o cabeça de casal licitou o bem em €140.000,00 mais o pagamento do remanescente do passivo.
A argumentação da apelante não pode ser acolhida.
Primeiro, porque não tendo suscitado o incidente de falsidade da ata da conferência de interessados e tendo esta a natureza de documento autêntico, o que dela consta, em termos de declarações proferidas no ato, e percecionadas pelo Juiz que presidiu à diligência, faz prova plena, ressalvada a possibilidade de retificação (artigos 159.º, n.º 1 e 3, do CPC, artigos 371.º e 372.º, do Código Civil).
Ora da leitura da ata resulta de forma cristalina que a licitação incidiu sobre a verba única do ativo pelo valor de €140.000,00. Também decorre da mesma que o licitante declarou suportar na íntegra, e sozinho, o remanescente do passivo, donde decorre que o mesmo não se encontrava pago àquela data, onerando o bem licitado.
Segundo, porque a interpretação de documentos formais, como é o caso, segue a regra do artigo 238.º do Código Civil, pelo que não pode a interpretação prevalecer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Ora, a interpretação que a apelante faz da declaração do licitante não tem essa correspondência mínima com o teor da ata, sendo certo que também não vai de encontro ao regime legal, já que o imóvel se encontrava onerado no momento da realização da licitação, não fazendo qualquer sentido que o licitante atribuísse ao bem um valor acrescido do valor em dívida e ainda se dispusesse a suportar o pagamento integral desta ao credor hipotecário.
Improcedem, assim, as conclusões da apelação.

2. Da litigância de má fé da apelante:
Nas contra-alegações, o apelante defende que a recorrente litiga de má fé, pedindo a sua condenação em multa a fixar pelo Tribunal e na totalidade das custas processuais e encargos a que deu causa, porquanto:
- O recurso não tem fundamento, não passando de uma manobra dilatória;
- A recorrente não deu forma à partilha;
- Não reclamou sobre o mapa de partilha;
- Requereu o pagamento de tornas em conformidade com o mapa de partilha elaborado;
- Impugnou agora o mapa de partilha.
Foi dado cumprimento ao contraditório, pronunciando-se a recorrente pela inexistência de má fé.
Os requisitos da litigância de má fé encontram-se previstos no artigo 456.º do CPC 1961, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25/09 (e que se encontram reproduzidos, sem alterações, no atual artigo 542.º do CPC 2013).
A má fé a que se reporta o preceito corresponde a um ilícito meramente processual. Na interpretação da lei,  é comum fazer-se a distinção entre lide temerária e lide dolosa, agindo o sujeito, no primeiro caso, com culpa grave ou erro grosseiro e, no segundo caso, com dolo, ou seja, embora tendo a consciência da inexistência de fundamento legal válido, opta por litigar.
A má fé traduz-se, assim, e em última análise, na violação dos deveres de cooperação imposto às partes.
Na previsão normativa do artigo 456.º do CPC tem-se distinguido entre má fé substancial, material ou direta e entre máfé substancial instrumental, processual ou indireta.
O critério de distinção reside na distinção entre relação jurídica material controvertida ou de direito substantivo e relação jurídica processual. [5]
Assim, há má fé substancial quando a mesma se relaciona com o mérito da causa, isto é, a parte não tem razão, atua no sentido de obter uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual; há má fé instrumental quando não estiver em causa a razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, mas o seu comportamento processual.
Aplicando estas noções à previsão normativa do n.º 2 do artigo 456.º do CPC, verificamos que há dolo substancial quando a parte tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (alínea a); quando tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (alínea b); e há dolo instrumental quando tiver praticado omissão grave do dever de cooperação (alínea c), e quando tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedindo a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (alínea c).
No caso presente, atenta a fundamentação do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pelo apelado, aparenta enquadrar-se, em primeira linha, na má fé substancial (falta de fundamento para apresentação do recurso) e, em segunda linha, mais sublinhada, aliás, na má fé instrumental (utilização do recurso como manobra dilatória em face da postura de passividade processual anteriormente assumida pela apelante).
Não cremos que se verifique litigância de má fé, num numa, nem noutra das vertentes referidas.
Quanto à má fé substancial, não cremos que exista porque o decaimento da pretensão recursória, só por si, não evidencia de forma clamorosa má fé por parte da recorrente. É certo que o fundamento do recurso não encontra respaldo na lei, mas não passa disso mesmo.
Quanto à má fé instrumental, não podemos subscrever que um interessado no processo de inventário litiga de má fé ao não questionar os atos praticados no processo, nos termos previstos na lei, aceitando o modo como se desenrolou o processado, impugnando apenas a sentença homologatória da partilha, e com ela, o despacho que a determinou, quando é a própria lei a relegar para essa fase a impugnação do despacho determinativo da partilha.
Improcede, assim, o pedido de condenação da apelante como litigante de má fé.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelante, sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.

Lisboa, 25 de março de 2014

Maria Adelaide Domingos

Eurico José Marques dos Reis

Ana Grácio

[1] O teor da sentença é o seguinte: “Nos presentes autos de partilha de bens em casos especiais a que se procedeu
por força da dissolução do matrimónio contraído entre António Joaquim Leitão Vieira e Ana Cristina Dinis Correia Paiva Setúbal, homologo por sentença a partilha constante do mapa de fls. 73 e 74, o qual depois de rubricado e posto à reclamação, não foi objecto de qualquer reclamação e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, adjudicando a cada um dos cônjuges os quinhões que aí lhe foram atribuídos.
Custas por ambas as partes herdeiros, nos termos do art.º 1405.º, do CPC.
Registe e notifique.”
[2] Considera-se para o efeito a data da propositura da presente ação, a circunstância da Lei n.º 29/2009, de 09/06, na redação dada pela Lei n.º 44/2010, de 03/09, nunca ter tido vigência efetiva. Por outro lado, a alteração do regime jurídico do inventário decorrente da Lei n.º 23/2013, de 05/03, que entrou em vigor em 02/09/2013, não se aplica aos autos por ser posterior à data da interposição da presente ação (cfr. artigos 6.º, 7.º e 8.º da parte preambular da lei mencionada em último lugar).
[3] Sem prejuízo, de se tal não suceder, o interessado poder acionar o disposto no n.º 2 do referido artigo 2100.º do Código Civil.
[4] Ac. STJ, de 17.12.2009, proc. 147/06.OTMAVR.C1.S2, em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “1 – Atribuir a um dos cônjuges, no inventário para separação de meações, um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca.
2 – O passivo garantido por hipoteca deverá ser imputado ao cônjuge adjudicante e a partilha dos bens condicionará e será condicionada por essa imputação.”
Cfr. também, no memso sentido, Ac. RC, de 19.06.2013, proc. 1489/10.5TBGRD.C1, disponível no mesmo site.
[5] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, Coimbra, 1981, página 263.

Decisão Texto Integral: