Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | AGUIAR PEREIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE MEDIAÇÃO REMUNERAÇÃO CONCLUSÃO DO CONTRATO CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE ÓNUS DA PROVA ANULAÇÃO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/14/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Sendo o contrato de mediação imobiliária um típico contrato de prestação de serviços, em regra a remuneração relativa à actividade de mediação imobiliária só é devida com a perfeição do negócio visado pela mediação. 2. No caso de ter sido acordada exclusividade na mediação entre a mediadora e o cliente a remuneração é, porém, devida, independentemente da conclusão do negócio visado pela mediação, se a não concretização deste negócio se ficar a dever a causa imputável ao cliente; 3. Em qualquer caso o direito à remuneração pressupõe que a mediadora cumpra a sua prestação contratual e pratique actos de mediação e promoção adequados e suficientes à conclusão do negócio; 4. Incumbe à mediadora a prova dos elementos constitutivos do direito a remuneração e da relação de causalidade entre os actos de promoção e mediação levados a cabo e a perfeição do negócio visado; 5. A simples inserção em página on-line da mediadora de anúncio de intenção de venda de uma fracção de um imóvel e o acompanhamento de uma visita por parte de um terceiro interessado, sem que se demonstre a realização de qualquer outro acto de promoção e mediação imobiliária não são, em si mesmos, suficientes nem causais da determinação das partes à conclusão do negócio; 6. Nessas circunstâncias, tendo o contrato de mediação sido “anulado” por decisão unilateral do cliente, mesmo que o contrato visado venha a ser posteriormente celebrado entre o cliente e o terceiro a quem a mediadora acompanhou na visita á fracção, não é devida a remuneração da mediadora por inexistir relação de causalidade entre os actos de promoção e mediação levados a cabo e conclusão do negócio visado; 7. Não há lugar á restituição por enriquecimento sem causa quando a lei faculta ao lesado meio de obter o ressarcimento dos danos alegadamente sofridos; 8. Não se demonstrando que a actividade desenvolvida pela mediadora foi determinante da conclusão do negócio visado pela mediação não existe enriquecimento do cliente à custa da mediadora na medida da remuneração acordada. ( Da Responsabilidade do Relator ) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, ACORDAM OS JUÍZES DESEMBARGADORES DA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – RELATÓRIO a) A ( … Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª), com sede na (…) instaurou a presente acção declarativa com processo sumário contra B , residente na (…) Oeiras, visando, na procedência da acção a sua condenação a pagar a quantia de € 6.050,00 (seis mil e cinquenta euros) por incumprimento do contrato de mediação outorgado entre as partes ou, se assim não se entender, a pagar a indicada quantia a título de enriquecimento sem causa à custa da autora, e bem assim nos juros vencidos e vincendos e na sanção pecuniária compulsória de € 150,00 (cento e cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento da decisão condenatória. Em síntese, alega que no da 21 de Fevereiro de 2004 acordou com o réu, em regime de exclusividade, a mediação para venda de uma fracção autónoma de um imóvel, tendo o réu indicado a quantia pela qual tal fracção deveria ser alienada, tendo, para essa eventualidade, sido acordada uma comissão no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor. Mais alega que procedeu a diligências tendo em vista a alienação da fracção em causa, incluindo uma visita ao local por parte de António ….. no próprio dia 21 de Fevereiro de 2004 e no dia 3 de Março de 2004. Em 27 de Abril de 2004 o réu comunicou à autora que tinha deixado d estar interessado na venda da fracção, vindo a autora a saber que a fracção em causa tinha sido efectivamente vendida pelo réu ao cliente que a autora apresentara – António … . O réu violou o contrato de mediação em exclusivo que celebrou com a autora ao vender directamente a fracção a comprador angariado pela autora, tendo esta direito a receber a comissão acordada. Caso assim se não entenda o réu obteve um enriquecimento à custa do trabalho desenvolvido pela autora e com o seu consequente empobrecimento, estando, por isso, obrigado a pagar à autora o valor com que injustamente se locupletou. b) O réu contestou alegando que uma vendedora da autora se apresentou na fracção intitulando-se potencial compradora da mesma e que só após ter visto a casa o informou que não estava interessada em comprar mas que representava uma mediadora e que lhe pediu para assinar um documento para apresentar à sua entidade patronal a confirmar que tinha estado no local. Ante a insistência da referida vendedora da autora o réu acabaria por assinar um contrato cuja anulação pediu logo que dele recebeu, em sua casa, uma cópia. Mais alega que a mencionada vendedora não desempenhou qualquer actividade de mediação na venda da fracção e que a venda não resultou do exercício da mediação. O réu pede a condenação da autora como litigante de má-fé. c) A autora apresentou ainda articulado de resposta à contestação. d) Foi oportunamente proferido o despacho saneador e dispensada a selecção da matéria de facto. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento. Decidida a matéria de facto controvertida foi proferida douta sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido. e) Inconformada com tal decisão dela interpôs recurso a autora, o qual foi admitido como de apelação com efeito devolutivo. São do seguinte teor as conclusões das respectivas alegações: “A. Em face da prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal, entende a Apelante que o Tribunal a quo, e salvo o devido respeito, falha no enquadramento jurídico que daqueles factos apurados e provados se terá de fazer uma vez que estão provados os pressupostos, suficientes e bastantes, dos direitos por si invocados. B. Assim, quanto à matéria de Direito em aplicação nos presentes autos, considera a Apelante que foram incorrectamente interpretadas e aplicadas as normas reguladoras da Mediação Imobiliária, nomeadamente os artigos 3°, nº 1 e nº 3 e 19°, nº 1 e n° 2, ai. a) do DL 77/99 de 16 de Março, motivo pelo qual coloca a ora apelante a douta sentença do Tribunal a quo em crise. C. Desde logo entende a apelante ter feito prova da existência de um adequado nexo de causalidade entre a actividade da ora apelante e a conclusão do negócio entre o apelado e o "interessado" por si angariado, o Sr. António, estando, pois, reunidos os pressupostos legais para que se conclua pelo direito da apelante à comissão devida por via do seu cumprimento contratual (artigo 3°, nº 1 e nº 3 e 19°, nº 1 do DL 77/99 de 16 de Março). D. Caso não entenda existir o referido nexo de causalidade, deverá o Tribunal ad quem entender ter a apelante direito à remuneração contratada, nos termos do artigo 19°, nº 2, ai. a), provado que ficou que o negócio visado pelo contrato de mediação, celebrado em regime de exclusividade, não se concretizou por causa imputável, única e exclusivamente, ao apelado. Subsidiariamente E. Considera igualmente a apelante que o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente o artigo 473°, nº 1 e 2 do Código Civil, norma reguladora do instituto do enriquecimento sem causa, porquanto entende que foi efectivamente feita prova dos requisitos deste instituto, nomeadamente: a) O enriquecimento do apelado, facto que se consubstanciou na venda do imóvel sem que, em contrapartida, tenha entregue à apelante a comissão que lhe era devida pelo cumprimento do contrato de mediação imobiliária; b) O enriquecimento do apelado deu-se à custa do empobrecimento da apelante, em virtude de esta ter levado a cabo a divulgação do imóvel e encetado esforços de forma a angariar um "interessado" para o imóvel do apelado, resultado que foi alcançado; c) A inexistência de qualquer causa justificativa para tal enriquecimento, porquanto absteve-se esta de pagar à apelante a comissão legal e contratualmente devida, em virtude do cumprimento contratual por parte desta. F) Termos em que, entende, assim, a Apelante que deverá ser alterada a decisão a quo nos termos do nº 1 do 690º do Código de Processo Civil.” Remata a apelante pedindo a alteração da douta sentença proferida no sentido de ser o apelado condenado a pagar à apelante o valor total da comissão peticionada e devida nos termos do contrato de mediação, ou, subsidiariamente, ser o apelado condenado a pagar á apelante o montante com que injustificadamente se locupletou à custa da apelante. f) O réu apelado apresentou contra alegações que conclui da forma seguinte: “A. A autora não demonstrou e provou que teve intervenção, influencia no negócio celebrado entre o réu e o Sr. António, B. A autora não provou e demonstrou que tenha contribuído para aproximação do vendedor com o comprador e que dessa aproximação se tenha concluído o negócio, pois o réu e o comprador eram vizinhos, já se conheciam há bastante tempo. C. A autora não demonstrou e provou que fez diligências, de acordo com os deveres que lhe estavam incumbidos para angariar clientes e nos termos da sua actividade. D. A conclusão da mediação é condição essencial para que o mediador tenha direito à remuneração, prova que não foi feita nos presentes autos, pois a venda feita pelo réu não teve nenhuma influencia da vendedora da autora. E. A autora não demonstrou, nem provou a concretização perfeita de nenhum negócio, ou aproximação de algum cliente, F. Nem demonstrou e provou que existiu algum negócio que não se fez por culpa imputável ao vendedor. G. Andou bem o Tribunal a quo quando concluiu "Considerando que dos factos acima elencados não resulta que a autora tenha sido desenvolvida qualquer actividade de mediação que tenha dado origem a uma compra e venda, tal como também não se provou que foi por facto imputável ao réu que a compra não se efectivou, entende-se que não se encontra preenchida a previsão do artigo 19º nº 1 nem o nº 2 do referido diploma legal”. g) Colhidos os vistos legais dos Exmº Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre agora apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS São os seguintes os factos considerados provados na douta sentença impugnada: 1. A autora é uma sociedade de mediação imobiliária, licenciada pelo IMOPPI, com a licença nº (…) (Artigo 1° da petição inicial). 2. Numa das suas lojas de atendimento sita na Rua (…) em Lisboa, exerce a sua actividade profissional, angariando imóveis e apresenta-os no intuito de encontrar clientes interessados na sua aquisição (Artigos 2° e 3° da petição inicial). 3. A autora e o réu assinaram o contrato de mediação imobiliária datado de 21 de Fevereiro de 2004, para venda da fracção autónoma designada pela letra "E" descrita na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n° (…) e correspondente ao 2° andar direito do prédio sita na (…), em Lisboa, em regime de exclusividade, sendo o valor da venda fixado em € 11.474,00 e o valor da comissão em € 5.000,00, acrescido de IVA à taxa de 19% sobre o preço da venda efectivamente conseguido, contrato este válido pelo período de 90 dias a contar da sua assinatura (Artigos 4°, 5° e 6° da petição inicial). 4. A autora inseriu os dados do imóvel na sua base de dados, ao qual foi atribuído o código (…), ficando o mesmo disponível "on ine" na sua página da internet, (…) artigos 9° e 10° da petição inicial). 5. O Sr. António visitou o imóvel a que se referem os autos no dia 21 de Fevereiro de 2004, pelas 11 horas, tendo assinado a ficha de visita n° 6585 (Artigo 14° parte inicial da petição inicial). 6. A autora recepciona uma carta registada com aviso de recepção, datada de 21/04/2004, sendo a data de expedição dos CTT de 27/04/2004, em que o réu declara "( ... ) anular o contrato que fiz com a C, com o número de cliente (…) e número de imóvel (…) de 21 de Fevereiro de 2004, por deixar de estar interessado na venda do meu andar, da Rua (…)" (Artigos 27° e 28° da petição inicial). 7. A propriedade da fracção autónoma designada pela letra "E" do prédio sito na Rua (…) em Lisboa encontra-se registada a favor de António e mulher sob a Ap. .../..., por compra a João ... (Artigo 33° da petição inicial). Aquando da decisão sobre a matéria de facto provada foram considerados não provados os seguintes factos articulados pelas partes: “1. Desde a data da angariação do imóvel, os vendedores da autora fizeram contactos diversos com potenciais clientes em carteira para o tipo de imóvel em causa (Artigo 11º da petição inicial). 2. Desse trabalho resultaram várias visitas ao imóvel objecto de mediação, de potenciais clientes interessados (Artigo 12º da petição inicial). 3. O Sr. António visitou o imóvel a que se referem os autos no dia 03 de Março de 2004, pelas 20 horas e assinou a ficha de visita nº 6593 (Artigo 14º parte final da petição inicial). 4. O cliente visitante, Sr. António manifestou, aquando das visitas, grande interesse no imóvel, de modo a comprometer-se com a vendedora da autora a apresentar uma proposta para a sua aquisição, proposta esta que vem a apresentar para a aquisição do imóvel pelo valor de 100.000,00 € (Artigos 15º e 16º da petição inicial). 5. A vendedora da autora comunicou telefonicamente com o réu a recepção desta proposta e o réu rejeita o valor apresentado (Artigos 17º e 18º da petição inicial). 6. O cliente comprador é informado telefonicamente pela vendedora da autora da rejeição da sua proposta por parte do réu, ao que solicita que seja apresentada uma nova contraproposta de aquisição, no valor de 105.000,00 € (Artigo 19º da petição inicial). 7. Novamente a vendedora da autora contactou telefonicamente o réu e informou-o desta 2ª contraproposta, o qual volta a rejeitar (Artigo 20º da petição inicial). 8. Contudo aceita baixar o seu preço de venda para o montante de 113.476,52 € (Artigo 21º da petição inicial). 9. Deste facto a vendedora informa telefonicamente o cliente comprador e este solicita um prazo de reflexão e compromete-se a dar uma resposta assim que tenha consultado a sua família (Artigos 22º e 23º da petição inicial). 10. O cliente comprador nunca mais contacta a vendedora da autora, nem esta consegue com o mesmo qualquer outro contacto, levando a entender a autora que este havia desistido do negócio (Artigos 24º e 25º da petição inicial). 11.Após esta data, torna-se também difícil o contacto com o réu, no sentido de se continuar a mostrar o seu imóvel (Artigo 26º da petição inicial). 12. O réu nunca explicou a sua atitude à autora, nem mais a contactou a partir dessa data, tendo-se sempre mostrado indisponível para atender as chamadas telefónicas da vendedora da autora (Artigo 31º da petição inicial). 13. O cliente comprador, Sr. António também se mostrou sempre indisponível e incontactável às várias tentativas por parte da vendedora da A (Artigo 32º da petição inicial). 14. Com o seu comportamento, o réu teve intenção de prejudicar a autora e enriquecer à sua custa (Artigo 41º da petição inicial). 15. Com a assinaturas das fichas de visita, a autora tentou obter documentos para provar situações que não existiram na realidade e dessa forma demonstrarem ao tribunal que têm direito a certas quantias quando na realidade não têm (Artigo 54º da contestação)”. O DIREITO Importa agora apreciar as questões colocadas nas conclusões das alegações de recurso as quais delimitam, em regra e com ressalva das questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso. Na presente apelação pretende a apelante que dos factos apurados resulta ter direito à remuneração acordada no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado, em regime de exclusividade, com o réu tendo em vista a alienação de uma fracção de um imóvel propriedade deste. Para o caso de se entender que não tem direito a tal remuneração ao abrigo da legislação sobre o exercício da actividade de mediação imobiliária, entende dever o réu ser condenado com base no instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º e seguintes do Código Civil). 1. O regime legal do exercício da actividade imobiliária tem vindo a ser regulado, em diversos e sucessivos diplomas, em termos substancialmente idênticos no que se refere à sua caracterização e ao direito à remuneração do mediador. À data da celebração e termo final do contrato de mediação a que os autos se reportam estava em vigor o Decreto-Lei 77/99 ([1]), de 16 de Março. O contrato de mediação tem sido uniformemente considerado pela doutrina e pela jurisprudência como um contrato de prestação de serviços, pelo que para que o mediador cumpra a sua prestação contratual não é suficiente que desenvolva determinada actividade, mas que através dela proporcione à outra parte um determinado resultado (artigo 1154º do Código Civil). Ora o resultado a que o mediador imobiliário se obriga é a concretização de um determinado negócio entre o proprietário do imóvel e o terceiro interessado, relevando aqui a noção de interessado constante do artigo 3º nº 2 do mencionado diploma: “Para efeitos do disposto no presente artigo, interessado será o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação.” Daí que, em regra, ao mediador apenas assiste direito a auferir a remuneração acordada após a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. É isso mesmo que consta da regra contida no artigo 19º nº 1 do Decreto Lei 77/99, de 16 de Março, mantida nos regimes legais posteriores. 2. Há, porém, excepções a essa regra, uma das quais importa aqui analisar. Na verdade, como no caso acontece, se tiver sido acordada a mediação imobiliária para a concretização do negócio em regime de exclusividade entre o mediador e o proprietário do imóvel, o direito à remuneração do mediador que tiver sido acordada também existe, independentemente de tal concretização, desde que a não concretização do negócio se fique a dever a causa imputável ao proprietário cliente do mediador. Tal não significa, porém, que o mediador num contrato com exclusividade fique desonerado de praticar os actos de mediação adequados a promover e facilitar a concretização do negócio. Bem ao contrário, o direito à remuneração implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, nomeadamente a prática dos actos adequados a conseguir que seja atingido o objectivo do contrato – a concretização e perfeição do negócio visado com a mediação – e que tal objectivo só não seja atingido por conduta impeditiva do cliente. O que traduz e acentua a existência da relação causal entre as condutas do proprietário e do mediador e a concretização do negócio visado pela mediação. Assim sendo o direito à remuneração, no caso de mediação em exclusividade, pressupõe que o mediador demonstre que praticou todos os actos necessários à concretização do negócio entre o seu cliente e o terceiro interessado e que, só por conduta imputável ao cliente, o negócio visado se não concretizou. E, como se escreve no acórdão do Tribunal da relação do Porto de 15 de Julho de 2009 (Apelação nº 2187/07.2TBVRL.P1 de que é relator o Juiz Desembargador Carlos Paula Moreira, consultável em www.dgsi.pt), “incumbe à mediadora, se impetra nos autos a remuneração a que se acha com direito, a prova dos elementos constitutivos deste o que, in casu, passa pela existência daquela relação de causalidade”. 3. Analisemos então a matéria de facto provada à luz das considerações que se deixaram expressas. Está provado que a autora inseriu os dados do imóvel na sua base de dados on-line, dando conta, naturalmente, que o réu se propunha vender a fracção em causa. Mais está provado que no próprio dia em que foi celebrado o contrato de mediação, pelas 11 horas, António visitou o imóvel a que se referem os autos, assinando uma ficha de visita utilizada pela autora. Não resultou provado que a autora tenha procedido a qualquer outra diligência, nomeadamente que tenha contactado quaisquer outros eventuais interessados, que outras pessoas tenham visitado o imóvel por iniciativa sua, que o próprio António tenha manifestado interesse na aquisição do imóvel e apresentado qualquer proposta de aquisição por valor inferior ao anunciado. Em 27 de Abril de 2004, mais de dois meses depois da celebração do contrato previsto para vigorar durante noventa dias o cliente da autora, ora réu, comunicou à autora que dava sem efeito o contrato que com ela tinha celebrado. Não está demonstrado que nesse período de tempo tenha sido desenvolvida pela autora qualquer actividade de mediação imobiliária em relação ao imóvel referenciado nos autos. Ora ainda que não se acompanhe inteiramente a afirmação contida na douta sentença impugnada de que “não resulta que a autora tenha desenvolvido qualquer actividade de mediação que tenha dado origem a uma compra e venda”, não pode deixar de se concluir que a simples prática dos actos de inserção on-line de anúncio da intenção de alienação e do acompanhamento na visita de um terceiro eventual interessado, sendo adequados ao fim em vista, sejam actos de mediação suficientes para a determinação das partes à conclusão do negócio visado. Daí que não possa também afirmar-se a existência de uma relação causal entre a actividade desenvolvida pela autora, ora apelante, e a concretização do negócio que viria a ser celebrado entre o cliente da autora e o terceiro interessado. Com o que cai pela base um dos pressupostos do direito à remuneração acordada: a prática de actos de mediação susceptíveis de conduzir à concretização do negócio visado entre o cliente da autora e terceiro interessado, e que não se celebrou exclusivamente por culpa do cliente da mediadora. 4. E quanto á conduta do réu impeditiva da concretização do negócio, que, segundo a ora apelante, teria sido a anulação do contrato de mediação? Em si mesma, e em rigor, a anulação do contrato de mediação não impede a celebração do contrato visado com a mediação. O que impede é a verificação da condição de que depende, em circunstâncias normais, e no âmbito da vigência do contrato de mediação, o direito à remuneração do mediador. No artigo 19º nº 2 alínea a) do Decreto – Lei 77/99, de 16 de Março o que o legislador decidiu tutelar foi a boa fé do mediador exclusivo que, tendo cumprido a sua prestação contratual, vê frustrado o direito a receber a sua remuneração por causa apenas imputável ao cliente. A norma em causa deve, pois, ser interpretada, como o foi na douta sentença impugnada, no sentido de que o mediador só tem direito à remuneração acordada se tiver cumprido a sua prestação contratual e, apesar disso, não vier a ser concluído o negócio visado com a mediação por causa imputável ao cliente. Ou seja, a remuneração da mediadora só é devida se a actividade que tiver desenvolvido contribuir para a conclusão do negócio visado, se puder ser estabelecida entre tal actividade e a conclusão do negócio uma relação causal. Em princípio, a anulação do contrato de mediação por parte do cliente da mediadora e a subsequente celebração do contrato visado com a mediação com terceiro angariado pela mediadora seria causa de funcionamento da regra excepcional do artigo 19º nº 2 alínea a) do Decreto – Lei 77/99, de 16 de Março. Importaria, no entanto, demonstrar, o que no caso não sucede, que a concretização de tal negócio entre o cliente da mediadora e o terceiro resultou da actividade de mediação desenvolvida e que esta era adequada e suficiente a esse fim. Ora no caso dos autos, como já atrás se salientou, a actividade desenvolvida pela autora, ora apelante, não foi adequada nem suficiente à concretização do negócio de compra e venda efectivamente celebrado, pelo que se conclui que não assiste à apelante direito á remuneração que tinha sido acordada. Em conclusão a autora, ora apelante não tem direito à remuneração que reclama ao abrigo da legislação relativa ao exercício da actividade de mediação imobiliária. 5. A douta sentença impugnada recusou também à autora, ora apelante, o direito a haver qualquer quantia do réu ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, pedido que ela formulara na petição inicial em via subsidiária. A apelante não se conforma com tal decisão. 6. O artigo 473º do Código Civil consagra, como fonte autónoma de obrigações o enriquecimento sem causa, dispondo que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. Como se salientou no recente acórdão de 26 de Abril de 2012, desta mesma secção e Tribunal da Relação de Lisboa (apelação 2 339/10.8T2SNT.L1 de que foi relator o Juiz Desembargador Dr. Olindo Geraldes) “a obrigação de restituir aquilo que se adquiriu sem causa corresponde a uma necessidade moral e social, com vista ao restabelecimento do equilíbrio injustamente quebrado entre patrimónios e que, de outro modo, não era possível obter-se (…)”, acrescentando-se que é por isso que “se atribui à ação de enriquecimento sem causa o fim de remover o enriquecimento do património do enriquecido, transferindo-o ou deslocando-o para o património do empobrecido”. Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil Anotado – Volume I a páginas 427 da 3ª edição (Coimbra Editora, Ldª), por sua vez, ensinam que a obrigação de restituir, fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: é necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento ou obtenção de vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que ela revista; em segundo lugar é necessário que o enriquecimento contra o qual se reaja careça de causa justificativa; e importa ainda, por último, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição. Resulta, por outro lado, do artigo 474º do Código Civil que o enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, de modo que não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído. 7. No caso dos autos o enriquecimento obtido pelo réu traduzir-se-ia no facto de ele não suportar, no âmbito do contrato de mediação, o pagamento da remuneração convencionada, embolsando, sem causa justificativa, esse valor à custa do trabalho de mediação desenvolvido pela autora. Importa antes de mais referir que a acção de enriquecimento sem causa, dado o seu carácter subsidiário, apenas poderia ser utilizada se a lei não facultasse à alegada vítima de “empobrecimento” forma de ser indemnizada dos danos sofridos. Tal acção não tem, porém, cabimento quando a lei lhe faculta acção ou meio de ser indemnizado e ela os utiliza sem sucesso, nomeadamente, por não conseguir demonstrar os respectivos fundamentos. Assim se a lei faculta ao mediador imobiliário em regime de exclusividade direito à remuneração acordada, independentemente da perfeição do negócio, desde que ele desenvolva efectiva e adequada actividade de mediação, que teria conduzido à concretização do negócio visado com a mediação não fora a conduta impeditiva do cliente, não pode o mediador pedir, mesmo que em via subsidiária, a restituição do montante do enriquecimento para acautelar a hipótese de ele não conseguir demonstrar os pressupostos do direito à remuneração. 8. No caso dos autos a autora invocou como causa de pedir que desenvolveu trabalho de mediação imobiliária no âmbito do contrato de mediação celebrado com o réu e que dessa actividade resultou a concretização do contrato de compra e venda de um imóvel celebrado entre o réu e um terceiro por ela angariado. A autora não logrou, porém, demonstrar que a conclusão do negócio visado pela mediação, e como já se salientou, tenha resultado – de forma causal – da actividade de mediação que desenvolveu. Como laconicamente se refere na douta sentença impugnada a autora não tem direito à “restituição” do valor correspondente à remuneração acordada por razões semelhantes às que levaram a concluir que não tem direito à remuneração no âmbito do contrato de mediação, isto é, porque ante os factos apurados não é possível concluir que o réu tenha obtido enriquecimento sem causa à custa do trabalho desenvolvido pela autora. Daí que, concluindo, se deva dizer que a autora não logrou demonstrar ter direito a qualquer remuneração por causa da actividade de mediação imobiliária, na medida em que esta não foi determinante para a concretização do negócio celebrado entre o seu cliente e um terceiro nem, por outro lado, deu origem a enriquecimento do réu à sua custa. A apelação improcede, devendo confirmar-se a douta sentença impugnada. III – DECISÃO Pelo exposto acordam em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, em confirmar a douta sentença impugnada. Custas pela apelante. Notifique. Lisboa, 14 de Junho de 2012 Manuel José Aguiar Pereira Gilberto Martinho dos Santos Jorge Maria Teresa Batalha Pires Soares --------------------------------------------------------------------------------------- ([1]) O citado diploma viria a ser revogado pelo Decreto - Lei 21172004, de 20 de Agosto e, este, por sua vez, pelo Decreto – Lei 69/2011, de 15 de Junho. |