Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CELINA NÓBREGA | ||
Descritores: | ANULAÇÃO DA SENTENÇA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | Nos termos do n.º 2, al. c) do artigo 662.º do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando considere indispensável a ampliação desta. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto no artigo 15º-A, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e nos artigos 186º-K e seg. do CPT, instaurar acção declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com processo especial, contra GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., NIPC 515642428, com sede na Rua Alexandre Herculano, n.º 50, 4º, 1250-048 Lisboa, pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré e AA com início reportado a 1 de Maio de 2023. Para tanto invocou, em resumo, que: - A Ré, para execução do seu objecto social, explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitada pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet –, actua como intermediária na entrega dos produtos encomendados. -Para efectuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito; -A sociedade “Glovoapp23, S.L.” é a única sócia da Ré “Glovoapp Portugal Unipessoal., Lda.”, sendo a entidade que fornece o acesso à aplicação (App) GLOVO e ao software, websites e aos vários serviços de suporte da plataforma GLOVO; AA, natural da República Popular do ..., presta a referida atividade de estafeta para a plataforma GLOVO desde 12 de Janeiro de 2022. AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, na área de Lisboa, conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos através da plataforma GLOVO, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone; -Para iniciar a prestação do serviço na plataforma GLOVO, AA teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter actualizada e activa, declarando reunir as obrigações estabelecidas e previstas nos referidos “Termos e condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto5.1.1..; -Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta para a Ré, AA tinha que, designadamente, ter actividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens; -Pelos pagamentos da actividade prestada através da plataforma GLOVO, AA emite recibos através do Portal das Finanças em nome da empresa “Glovoapp Portugal Unipessoal., Lda”; -Para que lhe sejam distribuídas tarefas/pedidos na plataforma GLOVO, AA tem que aceder ao seu “perfil da conta”, o qual deve estar actualizado com a sua foto de perfil, podendo a GLOVO pedir a apresentação de prova da sua identidade mediante reconhecimento facial efetuado através do telemóvel, o que acontece com alguma regularidade; -Só quando o estafeta efectua o login na plataforma é que lhe é distribuído trabalho; AA, de um modo geral, presta atividade todos os dias da semana, iniciando o serviço com login na aplicação da GLOVO, distribuindo refeições de almoço, de jantar e outras, sendo que a decisão de fazer login ou logout na aplicação compete ao estafeta/prestador de actividade; AA recebe como contrapartida da sua actividade um valor por cada pedido/entrega efectuada, não recebendo qualquer valor pelo tempo de espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido; -Quando aceita uma proposta de entrega da GLOVO, o estafeta concorda em prestar aquele serviço de entrega em troca do pagamento da taxa de entrega proposta na aplicação; AA encontra-se inserido na organização produtiva da “Glovoapp Portugal Unipessoal Lda.” e não dispõe de qualquer organização empresarial própria, pois não negoceia os preços ou condições com os titulares dos estabelecimentos que preparam as refeições/produtos a entregar, nem com os clientes finais, nem tão pouco tem o poder de escolher estes clientes finais ou os titulares dos estabelecimentos (embora os possa recusar); - A plataforma determina os procedimentos que o estafeta tem de seguir na recolha e entrega dos produtos, nomeadamente, como utilizar a aplicação GLOVO dando-lhe instruções sobre o momento em que deve introduzir a informação sobre a recolha/entrega que está a realizar (por exemplo, quando chega ao Ponto de Recolha, carrega no botão “Cheguei”). -A actuação do AA é controlada em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exacta do estafeta é conhecida pela plataforma GLOVO através do sistema de geolocalização; -O estafeta deve ter a localização activa no telemóvel enquanto utiliza a aplicação GLOVO, seleccionando a opção “Permitir sempre a localização”, informação que permanece visível para a Ré e para os clientes; -Se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona, uma vez que é este que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha; -A atribuição/distribuição dos pedidos aos estafetas é determinada essencialmente em função do critério da distância entre aquele, o estabelecimento e o consumidor; -Os utilizadores clientes finais são convidados a dar feedback relativamente à forma como o estafeta realizou o seu trabalho, sendo este classificado na plataforma de acordo com a avaliação dos diversos clientes a quem efectuou entregas; -A Ré mantém um contrato de seguro, em que a cobertura engloba “acidentes sofridos pelo segurado ao realizar um serviço e estando conectado à plataforma GLOVOApp”, ou seja, englobando na apólice ESBMN232412, por força da sua actividade, AA; e -Apesar das alterações introduzidas pela Ré na relação contratual, a situação de prestação de actividade por parte do AA, continua a indiciar algumas características de um contrato de trabalho, nos termos que se encontram definidos nas alíneas a), b), c), d), e) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que implica que se presuma a existência de um contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital. A Ré contestou e invocou, em síntese, que: - Ao presente caso é inaplicável o artigo 12.º-A do Código do Trabalho pois o primeiro serviço realizado pelo Autor proposto através da aplicação gerida pela Ré teve lugar em 14/01/2022; -A Ré não é uma plataforma de organização do trabalho, próprio ou de terceiros, mas uma plataforma tecnológica de intermediação, que aproxima de forma eficiente prestadores de bens, de serviços e clientes finais, facilitando múltiplas transações possíveis entre eles e não beneficiária da actividade do utilizador estafeta; -A actividade de estafeta prestada pelo utilizador estafeta é autónoma e independente, pelo que, a relação que a Ré mantém com o prestador de serviços identificado nos presentes autos não é nem poderá ser uma relação de tipo laboral, qualificando-se como prestação de serviços; - As características a que aludem as alíneas do artigo 12.º-A do Código do Trabalho não se verificam e mesmo que se verificassem a Ré logrou ilidir a presunção de existência de contrato de trabalho posto que inexiste qualquer subordinação jurídica dos estafetas à Ré, isto porque o estafeta tem a possibilidade de decidir quando faz entregas e em que horários, ligando-se para o efeito à App, sem que seja penalizado por eventuais períodos de ausência, ainda que possam ser mais ou menos prolongados e sem que tenha de informar a ré dos períodos em que não se liga à App, ou justificar os períodos de afastamento, o estafeta tem possibilidade de recusar fazer entregas, a autonomia que o estafeta possui na conformação da sua actividade, nomeadamente para escolher a área de prestação de actividade e onde se posiciona para receber propostas de pedidos, meio de transporte a utilizar, bem como a possibilidade de recusar efectuar serviços a estabelecimentos e/ou clientes em concreto, o valor da remuneração do estafeta ser também conformada por este, ao poder ajustar o multiplicador e ao decidir onde se posiciona para receber propostas de pedidos e influenciar as distâncias, o estafeta poder se fazer substituir por outrem na prestação de actividade, o que demonstra que o interesse da Ré não é a actividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua actividade, característica do contrato de prestação de serviço, os equipamentos utilizados na actividade de entrega de bens pertencerem ao próprio estafeta, não existir um dever de exclusividade do estafeta, pois este pode fazer entregas por conta de uma empresa, utilizando aplicações concorrentes da Ré ou sem recurso a aplicações, ser o estafeta quem decide qual a sua zona de actividade, que pode alterar, se assim o pretender, os estafetas obrigarem-se a contratar em nome próprio os seguros necessários para desenvolverem a sua actividade, o estafeta não ter qualquer obrigação, mínima que seja, de regularidade e/ou assiduidade na prestação de actividade; e - O artigo 12.º-A do Código do Trabalho é inconstitucional por violação do princípio da igualdade (art. 13.º da Constituição da República Portuguesa). Finalizou pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada com a consequente absolvição da Ré do pedido. Foi proferido despacho saneador e designada a audiência de julgamento na qual as partes acordaram sobre a matéria de facto. Após foi proferida a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido. Inconformado com a sentença, o Ministério Público recorreu e formulou as seguintes conclusões: “1. O Ministério Público não se conformando com a decisão proferida por entender, conforme ab initio entendeu, que a relação existente entre o indicado AA e o Glovoapp Portugal – Unipessoal, Lda. configura uma relação laboral, o que é patente da prova colhida e produzida nos autos, mas que não encontra respaldo, na respectiva fundamentação proferida pelo tribunal a quo. 2. Assim, remetendo-nos ao caso concreto devemos analisar os factos provados à luz do método indiciário. 3. A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: resulta verificado este indício na medida em que a Glovoapp opera e gere uma plataforma eletrónica que dispõe de um software complexo através do qual gere e controla uma organização produtiva. 4. Assim, podemos concluir que infraestrutura essencial da actividade aqui em causa é o software gerido pela Ré, sendo a propriedade do veículo, do telemóvel e da mochila térmica acessórias, na medida em que na mera posse destes instrumentos de trabalho a prestação dos estafetas seria inviável, sendo a própria aplicação o único meio de subsistência deste sistema de entregas e deste modelo de negócio. 5. O poder de direcção e de conformação do modo como é prestada a actividade: também resulta verificado dado que a Ré através da sua aplicação informática, organiza e gere a actividade de recolha, transporte e entrega de mercadorias. 6. Encontrando-se este procedimento perfeitamente padronizado visto que decorrerá da mesma forma, independentemente do ponto geográfico onde é prestado e da concreta pessoa do estafeta, que se limitará a seguir todo o esquema previamente definido pela Ré. 7. O exercício do poder sancionatório: também resulta verificado, entre outros motivos pelo facto da plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desactivar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta. 8. O modo de cálculo da retribuição: que também indica subordinação, visto que é a Ré quem determina as regras essenciais de fixação da retribuição, sendo possível concluir que a plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efectua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta filtrar, aceitando ou não os pedidos que aceita no ecrã. 9. Pelo que depois de proceder à análise dos items que supra referimos, parece-nos que resultam provados indícios relevantes de um contrato de trabalho, que deveria ter sido declarado na douta sentença recorrida. 10. Acresce que, o legislador estabeleceu, no artigo 12º do Código do Trabalho, uma presunção de laboralidade, relativamente à qual cremos que a alínea a) e b) resultam preenchidas. 11. Na medida em que resulta dos factos provados que o estafeta não tem qualquer possibilidade de influir no local onde deve efectuar a recolha e a entrega do pedido e o local onde o deve entregar, pelo que tal é indicado e determinado pela Ré através da sua aplicação e, por outro, lado reproduzimos o que ficou dito supra quanto à aplicação informática como instrumento de trabalho 12. Acresce que, o legislador estabeleceu, no artigo 12º-A do Código do Trabalho, uma presunção de laboralidade que tem por objectivo dispensar o encargo do ónus da prova que recairia sobre o trabalhador de todos os elementos que caracterizam o contrato de trabalho. 13. Ou seja, de acordo com o normativo transcrito, o preenchimento da presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital está dependente da verificação de pelo menos dois dos seguintes requisitos dos seguintes requisitos que passamos a analisar. 14. a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela: sendo os estafetas remunerados por cada serviço e depois de o terem realizado, sem qualquer negociação quanto ao preço do serviço e de acordo com os critérios definidos pela Ré. Isto significa que é a Ré que fixa a remuneração devida ao estafeta pelo serviço por ele prestado, sendo que a circunstância do estafeta poder alterar/aumentar, através do “multiplicador”, o valor mínimo do serviço não altera a referida conclusão. 15. b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade, também resulta verificado, dado que a Ré determina a conduta do prestador de actividade perante o utilizador do serviço e determina ainda regras especificas quanto à prestação da actividade em si mesmo. 16. Desde a fase inicial, que o estafeta para poder prestar a sua actividade tem obrigatoriamente de proceder ao seu registo no site da Ré, entregando a documentação que lhe é solicitada, declarar o meio de transporte que vai usar, diligenciar pelo seguro do mesmo e aderir aos “termos e condições de utilização da Plataforma Glovo para estafetas ”. 17. Acresce ainda que a Ré determina a conduta do prestador de actividade perante o utilizador do serviço e determina ainda regras especificas quanto à prestação da actividade em si mesmo, designadamente quanto às regras a observar quando o cliente pretende pagar o serviço em numerário, quanto às diligências que o estafeta terá que seguir quando o cliente não se encontra no local de entrega. 18. Ou seja, o procedimento de recolha e entrega de mercadorias gerido pela Ré encontra-se perfeitamente padronizado e decorrerá da mesma forma, independentemente do ponto geográfico onde é prestado e da concreta pessoa do estafeta, que se limitará a seguir todo o esquema previamente definido pela Ré. 19. É ainda a Ré que determina se os seus clientes podem efectuar o pagamento em numerário (cash) ou não e qual o procedimento que o estafeta deve seguir após receber tal pagamento. 20. É ainda a Ré que determina o modo como o estafeta deve proceder se o cliente não se encontrar no ponto de recolher, para recolher a encomenda, designadamente o estafeta deve esperar os minutos determinados nos termos e condições. 21. c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica, também resulta provado visto que para lhe ser atribuído um pedido, por banda da Ré, o estafeta tem que estar ligado na plataforma da Ré e para terminar tem que concluir o procedimento, nessa mesma plataforma, pelo que é manifesto que a Ré consegue controlar e supervisionar a prestação da actividade e o a sua execução. 22. Assim, a necessidade de manter o GPS activo não se circunscreve ao momento da proposta de entrega, prolonga-se durante o período de execução da tarefa, cedendo a Ré este registo de geolocalização ao cliente, para que este possa consultar em tempo real, qual o tempo que a encomenda irá demorar a chegar ao seu destino final. 23. e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta, o que é manifesto face ao supra citado ponto 5.2 supra elencado, que consta nos termos e condições de utilização da plataforma Glovo para estafetas. 24. f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação, resulta dos factos provados que a Glovo opera e gere uma plataforma eletrónica que dispõe de um software complexo através do qual gere e controla uma organização produtiva que é sua, sendo ela quem recebe as solicitações de entrega por parte dos seus clientes e o distribui o trabalho de entrega conforme os seus critérios de gestão pelos estafetas. 25. Assim, podemos concluir com segurança que a infraestrutura essencial da actividade aqui em causa é o software gerido pela Ré, sendo a propriedade do veículo, do telemóvel e da mochila térmica acessórias, na medida em que na mera posse destes instrumentos de trabalho a prestação dos estafetas seria inviável, sendo a própria aplicação o único meio de subsistência deste sistema de entregas e deste modelo de negócio. 26. Estão, assim, como vimos, preenchidos os factos índice da presunção enumerados nas alíneas a), b), c), e) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, pelo que podemos concluir que, no caso, operou a presunção de laboralidade plasmada naquele artigo ao contrário do que considerou a sentença recorrida que não considerou preenchido nenhuma item elencado nesta presunção de inocência. 27. Perante esta evidência cumpre aquilatar se a Ré ilidiu a presunção de laboralidade. 28. No nosso ponto de vista tal não acontece porque indícios como o horário, a exclusividade, a assiduidade, não se adequam a analisar o trabalho prestado no âmbito de uma plataforma digital. 29. Sintetizando, a Ré não se limita a ser um mero intermediário na prestação de serviços entre comerciantes e estafetas. 30. A Ré tem como fim a prestação de um serviço de recolha e entregas, que fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essências para a prestação do referido serviço. 31. Resulta ainda dos autos que os estafetas que não dispõe de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando os seus serviços enxertados na organização de trabalho da Ré, submetidos à sua direcção e organização, como demonstra o modo como a Ré estabelece os preços dos serviços de entrega. 32. O estafeta não negoceia preços ou condições do serviço com os proprietários dos estabelecimentos onde efectua a recolha dos bens, nem recebe a retribuição dos clientes finais. 33. Em suma, concluímos que a prestação de trabalho do estafeta está sujeita a uma organização do trabalho determinada pela Ré, que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a actividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidência a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral 34. Assim, entendemos, com o devido respeito, que a decisão recorrida viola normas e princípios jurídicos que regem a matéria sub judice, designadamente o artigo 11.º e 12-A do Código do Trabalho. 35. Patente se torna a existência de um contrato de trabalho no âmbito da relação jurídica aqui em causa. Pelo exposto, deve a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada na parte das suas conclusões jurídicas e substituída por outra, ou por Douto Acórdão, que declare a existência do presumido e, em concreto, provado pelo Ministério Público, aqui recorrente, contrato de trabalho entre AA e o Réu, Glovo Portugal – Unipessoal, Lda., desde 1 de maio de 2023. Assim se fazendo sã, inteira e costumada JUSTIÇA” A Ré contra-alegou e formulou as seguintes conclusões: “A. O Recorrente, sem impugnar a matéria de facto constante dos autos, pretende que se altere a decisão e que se reconheça a existência de contrato de trabalho. B. O Recorrente, fazendo “tábua rasa” da fundamentação constante da sentença recorrida, começa por recorrer ao «chamado “método indiciário”» tendo em vista a “identificação de vários factores susceptiveis de indiciar a referida subordinação”. C. Percorre ainda os indícios do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, na tentativa de demonstrar o preenchimento de algumas das alíneas, concluindo pelo preenchimento das alíneas a), b), c), e) e f) do referido n.º 1 do artigo 12.º-A. Da (in)aplicabilidade do artigo 12.º-A do Código do Trabalho D. Tendo a relação contratual entre o prestador de atividade e a Ré Recorrida iniciado em data anterior à entrada em vigor do artigo 12.º-A, n.º 1, do C.T., revela-se o mesmo insuscetível de ser aplicado. E. Pelo que, deve, sem mais, improceder o recurso intentado pelo Autor Recorrente, devendo, sem conceder, improceder o pedido de redução do pedido Da inaplicabilidade do método indiciário nos termos do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009 F. O Autor Recorrente, começa por recorrer ao «chamado “método indiciário”». G. As ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho visam, tão só, a verificação (ou não) das características/indícios referidos nos artigos 12.º e/ou 12.º-A do Código do Trabalho. H. Se fosse possível uma ARECT considerar o método indiciário, o artigo 15.º-A n.º 2 e n.º 4 da Lei n.º 107/2009, ficariam completamente esvaziados de sentido. I. A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de natureza oficiosa, de carácter urgente e de tramitação simplificada, J. O Ministério Público instaurou a referida ação entendendo estarem preenchidas várias alíneas do artigo 12.º-A. K. Foi relativamente ao preenchimento, ou não, destas características que a Ré apresentou a sua defesa, e sobre a qual incidiu o contraditório. L. Aqui chegados, pretende o Recorrente exercer o seu direito de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento no alegado método indiciário. M. Tal consubstancia um procedimento à margem do previsto nos artigos 12.º-A e 12.º referidos! N. Ainda que assim não fosse – sem conceder – sempre estaria violado o princípio do contraditório, na medida em que não foi dada à Ré a oportunidade de se pronunciar fora dos indícios sobre os quais incidiram a Petição Inicial e que compõe o objeto da ação. Da distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços O. O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, consubstanciada no poder do empregador conformar, através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. P. Por sua vez, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia, sem subordinação à direção da outra parte. Q. Concluir que um Estafeta é subordinado da Ré Recorrida e que executa a atividade no âmbito da organização é uma conclusão impossível, pois se os Estafetas podem não prestar atividade quando querem, sem necessidade de pré-aviso e sem sofrer qualquer sanção, nunca poderia a Ré Recorrida organizar nem determinar o exercício de atividade pelo estafeta. Natureza intuitu personae R. O facto de não ser feita qualquer triagem ou seleção prévia do utilizador estafeta, põe a descoberto uma inexistência da natureza intuitu personae, reconhecidamente característica do contrato de trabalho. S. Pelo que, também por este motivo, se deverá confirmar o teor da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, cuja decisão final não merece reparo, devendo o recurso intentado pelo Autor Recorrente, improceder, sem mais. Das alegações do recorrente - do método indiciário T. Sem conceder, e por mero dever de patrocínio, apresenta a Recorrida a defesa possível aos putativos indícios que o Recorrente pretende ver verificados através do alegado método indiciário. U. Ora, o Recorrente apresenta como indícios de subordinação do método indiciário os seguintes: (a) A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho; (b) O modo de cálculo da retribuição; (c) O poder de direção e de conformação do modo como é prestada a atividade; e (d) O exercício do poder sancionatório. V. Ora, não houve exercício de contraditório fora do âmbito dos indícios constantes da PI, pelo que não tem agora como apresentar defesa em relação a estes novos indícios suscitados pelo Recorrido fora dos termos previstos no artigo 12-Aº do Código do Trabalho. W. Nesta medida quanto: ao indício (a) Recorrida remete para os factos apresentados ao abrigo das várias alíneas do n.º 1 do artigo 12-Aº do Código do Trabalho, mas em particular a alínea f). ao indício (b) a Recorrida remete para os factos apresentados ao abrigo das várias alíneas do n.º 1 do artigo 12-Aº do Código do Trabalho, mas em particular a alínea a). ao indício (c) a Recorrida remete para os factos apresentados ao abrigo das várias alíneas do n.º 1 do artigo 12-Aº do Código do Trabalho, mas em particular a alínea b). ao indício (d) a Recorrida remete para os factos apresentados infra ao abrigo das várias alíneas do n.º 1 do artigo 12-Aº do Código do Trabalho, mas em particular a alínea e). X. Assim e conforme se verá infra ao abrigo das referidas alíneas do n.º 1 do artigo 12-Aº do Código do Trabalho, para onde se remete, (por impossibilidade de apresentação de outros factos) não se verifica o preenchimento do alegado método indiciário, tudo sem conceder. Da verificação das alíneas do artigo 12.º-A do Código do Trabalho invocadas pelo Recorrente Alínea a): “A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela” Y. Alega o Recorrente que “nada disto impede que se conclua que por cada serviço efectuado o valor da retribuição é fixado pela Ré”. Z. Conforme refere a Douta Sentença recorrida e bem: “Não é a plataforma que estabelece o limite mínimo de cada entrega mas sim o próprio estafeta que o faz por via do multiplicador. Ele é que permite aumentar o valor. Por outro lado não é a plataforma que fixa a retribuição do trabalho. É, diga-se com esta simplicidade, o estafeta que escolhe quanto quer receber. Se quer auferir mais ou menos é determinado por si próprio que escolhe quantos serviços quer aceitar, o multiplicador diário e por que valor quer aceitar. […] este escolhe o valor que no final do dia vai aferir consoante o número de entregas que efetue e o valor das mesmas.” AA. A Ré Recorrida desempenha um papel de mera intermediadora, cobrando taxas aos 3 intervenientes, sendo que a taxa cobrada ao estafeta incluí o pagamento do processamento, nomeadamente a emissão de faturas em nome dos estafetas. BB. Os valores propostos para os serviços dependem de vários fatores que não são controlados pela Ré Recorrida, não havendo um valor fixo, nem um máximo ou um mínimo: - a distância do pedido; - o tempo de espera; - condições meteorológicas; - horas de procura mais elevada; - da escolha do multiplicador; - da gorjeta; - do número e tipo de serviços que o estafeta decide aceitar e onde se coloca a aguardar a proposta de serviços. CC. Assim, a Ré Recorrida não fixa quaisquer retribuições pelos serviços prestados pelos Estafetas, ou quaisquer limites, dependendo o valor recebido pelos Estafetas das características dos pedidos que decidam aceitar realizar, sendo as características dos mesmos definidas pelos próprios estafetas e pelos demais utilizadores da plataforma. DD. Pelo exposto, não se pode considerar preenchida a característica prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, resultando provado que a aplicação gerida pela Ré não fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela. Alínea b): A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade EE. O Autor Recorrente alega que se encontra verificada a alínea b). FF. O Recorrente alega que: i. O Estafeta pelo presente declara cumprir as Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros (aplicáveis a todos os Utilizadores da plataforma) da GLOVO e declara que tem conhecimento do respetivo conteúdo e não infringirá as disposições aí contidas ii. para iniciar a sua actividade ao serviço da Ré registou-se na plataforma da Ré e teve que demonstrar cumprir todos os requisitos por esta exigidos iii. cumprem procedimentos determinados unilateralmente pela Ré, desde logo a necessidade de utilização da aplicação onde são inseridas todas as informações necessárias à execução do serviço, por exemplo os tramites a seguir quando o cliente escolhe na aplicação da Ré pagar em numerário iv. procedimentos determinados pela Ré quando cliente não se encontra no local de entrega da encomenda, devendo os estafetas aguardar dez minutos antes de cancelar um pedido v. o trabalho prestado no âmbito de uma estrutura económica organizada é um indício de subordinação GG. Sucede que são os estafetas que, voluntariamente, se inscrevem na plataforma da Recorrida. HH. Os requisitos de inscrição e utilização da plataforma não podem ser confundidos com regras quanto à prestação da atividade de estafeta, nem uma determinação da Ré Recorrida, mas apenas o cumprimento de obrigações legais, nomeadamente para aferir se o Estafeta está autorizado legalmente a exercer atividade profissional em Portugal. II. O risco do resultado, isto é, entregar um bem no ponto “B”, recai, exclusivamente, sobre o utilizador-estafeta (facto 61), contrariamente ao que acontece num contrato de trabalho. JJ. E o estafeta não tem qualquer obrigação de estar disponível. KK. Foi o prestador de atividade que escolheu exercer serviços de estafeta numa determinada zona, podendo alterar livremente. LL. O estafeta é livre de escolher e utilizar o veículo que entender. MM. Não é a Ré que indica o estabelecimento, o pedido e o cliente final, ou morada de recolha e/ou entrega, mas antes o próprio utilizador-cliente final que, ao fazer a sua encomenda introduz essas informações na plataforma. NN. A Ré não escolhe os clientes, apenas fazendo a ligação entre pedidos e prestadores da atividade. OO. O prestador da atividade tem total liberdade para se ligar ou desligar. PP. A plataforma não impõe nem sugere uma determinada rota. QQ. Quanto à putativa regra dos 10 minutos, a mesma mais não é do que uma faculdade ao dispor do estafeta, portanto que o mesmo pode (ou não) utilizar para concluir a entregas e transmitir a responsabilidade pelo bem transportado para o utilizador cliente. RR. Não tem qualquer consequência para os estafetas se não acionarem o mecanismo dos 10 minutos. SS. Ainda que o cliente não faça a recolha do produto, fica obrigado a pagar o valor do produto ao estabelecimento comercial e o valor da entrega ao estafeta e o estafeta receberá o referido valor. TT. Fica assim claro que os estafetas são livres e autónomos na execução dos serviços que entendam prestar, não se verificando preenchida a característica prevista no artigo 12.º- A, n.º 1 al. b) do Código do Trabalho. Alínea c): A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; UU. Alega o Autor Recorrido, em suma, 2 pontos relativamente aos quais o estabelece diferente interpretação: i. “o estafeta tem que estar ligado na plataforma da Ré e para terminar tem que concluir o procedimento, nessa mesma plataforma, pelo que é manifesto que a Ré consegue controlar e supervisionar a prestação da actividade e a sua execução. Sendo que refere ainda o Recorrente a este propósito, que o GPS está “instalado na aplicação”. ii. A existência de avaliação. VV. A aplicação gerida pela Ré Recorrida não contem nenhum GPS “instalado na aplicação”. Tal é falso, sem qualquer fundamento e não consta dos factos provados. WW. A geolocalização só releva para efeitos de apresentação de propostas. Não há, quanto a esta geolocalização qualquer supervisão ou controlo, porquanto o estafeta é que decide onde é que se posiciona. XX. Após a aceitação do serviço, o estafeta pode desligar a geolocalização na execução do respetivo serviço, o que significa que absolutamente ninguém poderá “controlar” ou “supervisionar” se o estafeta está a seguir uma rota menos ou mais longa, se parou para executar outro serviço, para cumprimentar alguém, etc. … ou seja, o estafeta tem liberdade e autonomia para decidir que ninguém vai ter acesso à sua geolocalização durante a execução de um serviço. YY. A putativa avaliação do estafeta, antes de mais, já deixou de existir há muito tempo. ZZ. O feedback era efetuado pelos clientes utilizadores, quer aos estafetas, quer aos estabelecimentos comerciais utilizadores e não pela Recorrida. AAA. Pelo exposto, não se pode considerar preenchida a característica prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho, resultando provado que a aplicação gerida pela Ré não controla nem supervisiona a prestação de atividade do prestador de atividade. Alínea e): A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta BBB. Não resulta da matéria de facto provada que a plataforma exerça qualquer poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta. CCC. O que resulta provado é a total liberdade do estafeta, conforme os factos provados 18, 19. 20. 21. 23. 24. 25. 26. 27. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 37. 40. 41. 42. 43. 45. 53. 54. 55. 57. 58 DDD. Além de que a Recorrida apenas procede à desativação da conta em casos que assumem gravidade, nomeadamente quando se verificam situações de violação de lei ou de fraude (entendida como violação dos Termos e Condições, do modo a garantir uma plataforma idónea e segura para todos os utilizadores, nomeadamente, se o utilizador Prestador de Atividade introduzir vírus ou trojans na aplicação da Ré, se facultar dados de identificação ou dados fiscais falsos, etc.). EEE. Não se trata, por isso do exercício de “poderes laborais”, nomeadamente de “poder disciplinar”. FFF. A Recorrida não procede à desativação de contas por o Prestador de Atividade: a. Ligar ou desligar a aplicação quando entender; b. Recusar pedidos; c. Escolher as rotas que pretende efetuar; d. Ter ou não bons feedbacks por parte dos utilizadores clientes (quando tal possibilidade existia); etc. GGG. Sem prejuízo do que antecede, importa concluir que inexiste qualquer facto provado do qual resulte que a Recorrida tivesse aplicado ao estafeta qualquer sanção ou exclusão. HHH. Conclui-se, assim, que também este critério (artigo 12.º-A n.º 1 al. e) do Código do Trabalho) não se verifica, sendo que todos os factos dados como provados apenas permitem concluir em sentido oposto ao previsto nesta alínea. Alínea f): Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação A. Nem a aplicação informática é fundamental à prestação de serviços, nem a mesma é um instrumento, mas antes código informático que é utilizado pelo telemóvel. B. Ou seja, o telemóvel é que é apto a constituir um instrumento de trabalho. C. Seguindo a linha de raciocínio do Recorrente, os softwares de GPS poderiam ser instrumentos de trabalho e, portanto, os Prestadores da Atividade poderiam reclamar ser trabalhadores da Google, Waze ou da Apple, o que, naturalmente, não se concede. D. Os principais e essenciais equipamentos nesta atividade são o veículo e o telemóvel, ambos propriedade do prestador da atividade. E. Os pedidos dos clientes podem ser transmitidos por outras vias, nomeadamente por contacto telefónico, por mensagem, e-mail, etc. F. Assim, pelo exposto, não merece qualquer censura a sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo forçoso concluir que não está verificado este critério (artigo 12.º-A n.º 1 al. f) do Código do Trabalho). Da ilisão da presunção e da existência de indícios negativos III. A presunção em causa é ilidível. JJJ. Os prestadores de atividade têm (i) um elevado grau de autonomia, evidenciado, entre outros aspetos, pela possibilidade de se ligar ou desligar livremente ou pela possibilidade de rejeitar um serviço é um forte indício negativo de laboralidade, (ii) a possibilidade de prestar serviço para concorrentes e (iii) a possibilidade contratual de o prestador de serviços se fazer substituir por outra pessoa contratada para o efeito. KKK. Os estafetas podem prestar outras atividades (inclusive concorrenciais com a da Recorrida), ao mesmo tempo em que presta atividade através da plataforma da Recorrida, conforme facto provado 63. Em específico, nomeadamente, quanto à Subcontratação – Doutrina e Jurisprudência LLL. Na plataforma gerida pela Recorrida não existe qualquer limitação relativamente a quem pode substituir o prestador de serviços, nem a recorrida tem de efetuar qualquer autorização. MMM. Nestes autos, o titular da conta fez-se substituir por terceiro, sem que a recorrida disso tivesse sido sequer informada (factos provados 8 e 9). NNN. O STJ tem entendido bastar-se com a existência da possibilidade de substituição /subcontratação, não sendo necessário que a substituição venha efetivamente a ocorrer. OOO. Nomeadamente, o Acórdão STJ - processo n.º 2609/19.0T8OAZ.P1.S1, de 11-11- 2020, que obteve, inclusive, voto de conformidade dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, António Leones Dantas e Júlio Manuel Vieira Gomes, a propósito da ilisão de presunção do disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho, considerou como provados os seguintes factos: “4. A enfermeira chefe elaborava o horário de prestação da atividade, respeitando uma carga horária de cerca de 20 horas/semanais, sendo os registos do tempo de prestação da atividade feitos manualmente e através de registo digital de ponto […] 5. Cumpria um horário em sistema de turnos rotativos, com horas de início e termo da prestação determinados pela ré, […] 6. Recebia, como contrapartida da sua prestação de atividade, com periodicidade mensal, a quantia de € 6,70 por hora diurna e € 8,40 por hora noturna, contrapartida essa que, era paga pela ré por transferência bancária com a identificação da ré, recebendo em média cerca de €300/400 mensais. 7. Antes de iniciar a colaboração com a Ré, a colaboradora compareceu a uma entrevista com vista à sua contratação, na qual foi informada de que prestaria atividade de enfermagem em regime de prestação de serviços, sendo remunerada à hora, mediante a emissão de correspondente recibo. 8. A colaboradora foi igualmente informada de que a prestação de serviços seria realizada na Unidade de Cuidados Continuados ….., a qual, por imperativo da sua especificidade e natureza intrínseca, exige que se mantenha uma atividade contínua durante sete dias na semana, e por isso tem essa atividade organizada em regime de turnos. 9. A colaboradora aceitou as referidas condições. […] 17. O uso de dístico identificativo do nome do colaborador com o brasão da Misericórdia, é prática que se insere na humanização e responsabilização de cuidados, para que a pessoa cuidada possa identificar o cuidador pelo nome, facilitando o tratamento individualizado. […] 19. Quando a colaboradora não comparece ao serviço não recebe a contrapartida […] 22. A Ré não inscreveu a colaboradora na Segurança Social, estando esta inscrita na Autoridade Tributária e Aduaneira como trabalhadora independente. 23. A colaboradora nunca reclamou, junto da Ré, a sua falta de inscrição na Segurança Social como trabalhadora dependente. […] 25. A Ré não pediu à colaboradora que prestasse atividade em regime de exclusividade, nem a impede de prestar serviços noutras entidades. 26. A colaboradora durante o período de férias não recebe a contrapartida […] 27. A colaboradora não aufere quaisquer quantias a título de férias, subsídio de férias e de Natal, nem nunca lhe foi proporcionada formação pela Ré, circunstâncias que já conhecia e que aceitou antes de iniciar a sua colaboração com a Ré, nunca tendo reclamado o seu pagamento. 28. Antes do preenchimento dos turnos e, consequentemente, da publicação dos horários, esta colaboradora expressa, e antes do início de cada mês, a sua disponibilidade para o mês seguinte, sendo os turnos preenchidos tendo em conta as disponibilidades informadas, e só depois é publicado o horário. 29. Devendo comunicar previamente essa intenção, a enfermeira BB podia ajustar trocas de turno com outras enfermeiras que já prestassem funções na Ré, salvo nos casos, por nesses ser recusada a troca pela enfermeira chefe, em que daí resultasse a realização de turnos seguidos (tarde/noite) pela mesma enfermeira, ou que ficassem duas enfermeiras novas na instituição, ou ainda que uma enfermeira ficasse muito tempo sem folgas. […] 30. Se faltar ao serviço, BB não tem de justificar essa falta. […]” PPP. Como base nestes factos, o STJ entendeu, por unanimidade, que a Ré havia ilidido a presunção de existência de contrato de trabalho. QQQ. Ora, os estafetas que prestam serviços através da plataforma da Recorrida têm consideravelmente mais liberdade, não estando sujeitos a nenhuma regra que sequer se assemelhe às obrigações que aquela enfermeira, cujo contrato de trabalho não se reconheceu, tinha que observar. RRR. Muito pelo contrário, conforme já vimos, são os próprios estafetas que: e. determinam as horas de início e termo da prestação do serviço; f. não existe uma remuneração horária fixa; g. não têm obrigações mínimas de regularidade / assiduidade; h. não foi efetuada nenhuma entrevista para aferir das capacidades e qualidades para a prestação do serviço; i. o local da prestação da atividade é definido pelos próprios que o podem alterar sempre que pretendam e para onde desejarem; j. não existem quaisquer regras de apresentação ou outras semelhantes; k. não existe obrigatoriedade de aceitação de prestação de serviços quando decidem prestar atividade. SSS. À semelhança do caso em análise pelo STJ, os estafetas se não prestarem atividade também não recebem qualquer montante; não estão inscritos na Segurança Social, nem nunca reclamaram tal inscrição. TTT. A aqui Ré Recorrida também nunca pediu aos estafetas que prestassem atividade em regime de exclusividade, muito pelo contrário. UUU. Durante quaisquer períodos que os mesmos decidam não prestar atividade, independentemente da razão, também não recebem nenhuma contrapartida a título de férias, nem subsídio de férias ou de Natal e também nunca lhes foi proporcionada formação pela aqui Ré Recorrida. VVV. Os estafetas não têm sequer de informar a Ré da disponibilidade dos mesmos conectando-se e desconectando com total liberdade, pelo que também não têm sequer de informar (quanto mais justificar) uma “falta” ao serviço. WWW. Assim, conclui o referido Acórdão da seguinte forma: “de acordo com a generalidade da doutrina e da jurisprudência, o que realmente se mostra decisivo para a qualificação de um contrato como contrato de trabalho é a existência de uma subordinação jurídica do trabalhador em relação ao empregador, subordinação que se traduz no facto daquele, por força do contrato ter de prestar a sua atividade (intelectual ou manual) sob a autoridade e no âmbito da organização deste.[…] a subordinação jurídica comporta graus. Ao lado dos casos em que, diariamente, a entidade patronal manifesta a sua posição de supremacia, programando, dirigindo, controlando e fiscalizando a actividade do trabalhador, existem outros em que devido às condições de realização da prestação, o trabalhador goza de uma certa autonomia na execução da sua actividade laborativa, sem que deixe de ocorrer a subordinação jurídica». Seguramente, por não desconhecer as dificuldades que, não raro, existem quanto à alegação e demonstração de indícios reveladores da existência de contrato de trabalho, o legislador, ao introduzir no nosso ordenamento jurídico o Código do Trabalho, quer o que foi aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de agosto, quer na versão atual aprovada pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro, estabeleceu uma presunção de existência de contrato de trabalho, estipulando-se no art.º 12º do atual Código do Trabalho (aqui aplicável) […] Não há dúvida que, perante esta matéria de facto provada, se pode concluir pela verificação de diversas das características das previstas no mencionado art. 12º n.º 1 do Código do Trabalho, diremos que de forma mais clara as que se enunciam nas suas alíneas a), b) e d). Mas será que a Recorrente logrou ilidir a presunção de laboralidade decorrente da verificação dessas características? Demonstrou-se que antes de iniciar a colaboração com a Ré, o que sucedeu em março de 2019, a BB compareceu a uma entrevista com vista à sua contratação, na qual foi informada de que prestaria atividade de enfermagem em regime de prestação de serviços, sendo remunerada à hora, mediante a emissão de correspondente recibo, tendo sido igualmente informada de que a prestação de serviços seria realizada na Unidade de Cuidados Continuados Sidónio de Pinho Álvares Pardal, a qual, por imperativo da sua especificidade e natureza intrínseca, exige que se mantenha uma atividade contínua durante sete dias na semana, e por isso tem essa atividade organizada em regime de turnos, provando-se também que BB aceitou as referidas condições. (v. matéria que consta dos pontos 7 a 9 dos factos provados). Demonstrou-se, por outro lado, que antes do preenchimento dos turnos e, consequentemente, da publicação dos horários e antes do início de cada mês, a BB expressa, a sua disponibilidade para o mês seguinte, sendo os turnos preenchidos tendo em conta as disponibilidades informadas, e só depois é publicado o horário (matéria que consta do ponto 28 dos factos provados), assim como se provou que a enfermeira BB podia ajustar trocas de turno com outras enfermeiras que já prestassem funções na Ré, devendo comunicar previamente essa intenção, salvo nos casos em que daí resultasse a realização de turnos seguidos (tarde/noite) pela mesma enfermeira, ou que ficassem duas enfermeiras novas na instituição, ou ainda, que uma enfermeira ficasse muito tempo sem folgas, por nesses (casos) ser recusada a troca pela enfermeira chefe, provando-se também que se faltar ao serviço a BB não tem de justificar essa falta (v. matéria que consta dos pontos 28 a 30 dos factos provados). Para além disso, demonstrou-se que quando a colaboradora BB não comparece ao serviço, bem como durante o período de férias não recebe a contrapartida anteriormente mencionada (v. matéria dos pontos 19 e 26 dos factos provados), assim como não aufere quaisquer quantias a título de férias, subsídio de férias e de Natal, nem nunca lhe foi proporcionada formação pela Ré, circunstâncias que BB já conhecia e que aceitou antes de iniciar a sua colaboração com a Ré, nunca tendo reclamado o seu pagamento (matéria do ponto 27 dos factos provados), sendo que, por outro lado, a Ré não a inscreveu na Segurança Social, estando a mesma inscrita na Autoridade Tributária e Aduaneira como trabalhadora independente (matéria do ponto 22 dos factos provados). Ora, sopesando toda esta matéria de facto demonstrada, verifica-se que, não obstante dos primeiros factos a que fizemos referência se poder inferir pela verificação da presunção de laboralidade prevista no art. 12º do CT, a verdade que estes outros que acabámos de enunciar, nos levam a concluir haver a Ré logrado ilidir uma tal presunção. Na verdade, pese embora dos primeiros factos enunciados se possa concluir que a enfermeira BB desempenha, desde março de 2019, a sua atividade no âmbito de uma organização – Unidade de Cuidados Continuados e Lar de … – pertencente à Ré, com meios que aí lhe são disponibilizados por esta, o certo é que, face a estes outros factos descritos, não se poderá concluir que o desempenho da atividade de enfermagem por parte de BB no âmbito dessa organização, seja feita sob a autoridade da Ré Santa Casa da Misericórdia de …. Com efeito, basta atentar que, emergindo da autoridade do empregador a possibilidade que lhe assiste de exercício do poder disciplinar sobre qualquer dos trabalhadores a ele vinculados mediante contrato de trabalho, designadamente quando qualquer deles falte injustificadamente, em violação do dever de prestação de trabalho decorrente do contrato, no caso em apreço demonstrou-se que se a enfermeira BB faltar ao serviço não tem de justificar essa falta perante a Ré Santa Casa da Misericórdia de … o que, em si, se não coaduna com a autoridade e consequente poder disciplinar que esta possa exercer no seio da referida organização em relação aos trabalhadores a ela vinculados mediante contrato de trabalho. A isto acresce a circunstância de, no caso em apreço, se haver demonstrado que a enfermeira BB expressa à Ré qual a sua disponibilidade – em termos de desempenho da atividade de enfermagem – para o mês seguinte, sendo que os turnos em que a mesma possa ser integrada no âmbito da organização da Ré, são preenchidos tendo em conta as disponibilidades por ela informadas, circunstância que também põe em causa o poder de direção na conformação do trabalho que o empregador caracteristicamente exerce na empresa em relação aos trabalhadores ao seu serviço, no cumprimento de contrato de trabalho. Por outro lado, também resulta da matéria de facto provada a que fizemos referência que, em determinadas circunstâncias, a enfermeira BB pode ajustar trocas de turno com outras enfermeiras a prestarem funções ao serviço da Ré e que se não comparecer ao serviço, bem como durante o período de férias, não recebe a contrapartida justada com esta, aspetos que também se não compaginam com a existência de um contrato de trabalho. Finalmente também assume relevo na apreciação do caso, a circunstância de se haver demonstrado que a enfermeira BB não aufere quaisquer quantias a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, circunstância que conhecia e que aceitou antes de iniciar a sua colaboração com a Ré, sendo que também nunca reclamou junto desta pelo seu pagamento, para além de se haver demonstrado que aquela está inscrita na Autoridade Tributária como trabalhadora independente e nunca reclamou junto da Ré a falta de inscrição na Segurança Social como trabalhadora dependente. Perante tais factos e como anteriormente referimos, somos levados a concluir haver a Ré logrado ilidir a presunção de laboralidade que decorre do disposto no art. 12º do CT […]” [negritos e sublinhados nossos]. XXX. Em suma, a tese defendida pelo Tribunal da Relação de Guimarães no caso das plataformas digitais falece por completo e contraria o disposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pois é inegável que aquela enfermeira prestadora de serviços, quando presta serviços de enfermagem aos utentes da Unidade de Cuidados Continuados do Lar, encontra-se inserida no âmbito da atividade da mesma, utilizando, inclusive, as infraestruturas e utensílios aí existentes, e não foi por essas circunstâncias que não se logrou ilidir a presunção, em face da autonomia, liberdade e ausência de subordinação jurídica da enfermeira em relação àquele Lar. YYY. Tudo ponderado, a Ré Recorrida ilidiu qualquer presunção de laboralidade. ZZZ. Caso se venha a considerar verificada a presunção constante do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que não se aceita e teoriza para efeitos de patrocínio, a aplicação do disposto no artigo 12.º-A do Código do Trabalho à situação nos presentes autos seria ilegal, porquanto o teor daquele artigo é manifestamente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º n.º 2 e 3 e 61.º da Constituição da República Portuguesa. Da alusão ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12 de setembro de 2024, Processo n.º 3842/23.5T8PTM.E1, que absolveu a Ré Recorrida, abrangendo a 27 estafetas e à nótula sobre o João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira AAAA. O Recorrente faz referência ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, bem como à nótula efetuada sobre o mesmo. BBBB. No que à nótula dos Senhores Professores João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira concerne, não podemos deixar de criticar a falta de rigor académico da mesma e do enviesamento de análise, porquanto verte teorizações e profere conclusões e pré-juízos, ignorando que o Venerando Tribunal da Relação de Évora, analisou e sopesou, cuidadosamente, a matéria de facto constante da sentença proferida pelo Tribunal a quo. CCCC. Note-se que o Tribunal da Relação de Évora, tinha, no âmbito de plataformas digitais já proferido um outro acórdão em que reconhecia a existência de contrato de trabalho, porque a factualidade era efetivamente diferente, pelo que não é suspeito na análise jurídica que fez aos factos provados pelo Juízo do Trabalho de Portimão. DDDD. O que resulta do Acórdão quanto à subordinação jurídica é que: “De acordo com a factualidade que assente ficou: - o estafeta pode aceitar, não responder, ou rejeitar o serviço proposto (n.º 22); - essa rejeição pode verificar-se mesmo após o estafeta já ter aceitado o serviço proposto, sem que tal afete o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais futuros serviços (n.ºs 24, 33 e 34); - após a aceitação do serviço, os estafetas podem permitir ou não que a plataforma tenha acesso à sua localização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização (n.º 30); - são eles que, após a aceitação do serviço, escolhem o meio de transporte utlizado, definem o percurso a seguir, podendo desligar a geolocalização do telemóvel (n.º 31); - os estafetas, uma vez por dia, podem alterar um multiplicar que permite aumentar o valor total recebido por cada serviço (n.º 36); - os estafetas escolhem os dias e horas que pretendem ligar-se à aplicação da ré (n.º 45); - e podem subcontratar outro prestador de serviços de entrega (n.º 46). Segundo se entende, esta factualidade é impressiva para afastar a existência de qualquer subordinação jurídica do estafeta em relação ré.” [negrito nosso]. EEEE. Ora, tais factos são idênticos aos factos dados como provados na Sentença aqui recorrida e que levaram à conclusão da não verificação de subordinação jurídica. FFFF. Assim, também na Sentença aqui recorrida não se verifica a existência de qualquer subordinação jurídica, falhando, portanto, o elemento essencial à verificação de contrato de trabalho, razão pela qual, também deverá o presente recurso improceder, sem mais, o que se requer. Das decisões da Relação de Guimarães citadas pelo Recorrente que seguem posição contrária à tomada no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora e do Tribunal da Relação de Lisboa GGGG. Importa fazer menção às decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães (que têm como Ré a aqui Ré Recorrida, e que são ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho), a que o Recorrente faz menção. HHHH. Não ignora que o Tribunal da Relação de Guimarães, de forma muito peculiar, assente em considerações e conclusões não suportadas em factos, mas em teorizações não verificadas nos respetivos Tribunais de primeira instância, e ao arrepio da lei, decidiu de forma diferente, laborando num erro grave de julgamento. IIII. Mais, o Tribunal da Relação de Guimarães, para sustentar o seu entendimento de que existe entre a Ré e os estafetas um contrato de trabalho, no que não se concede, socorre-se de jurisprudência estrangeira que não tem qualquer aplicação no ordenamento jurídico português, sendo que muitas dessas decisões dizem respeito a plataformas que não a Glovo. JJJJ. Por seu turno, o Tribunal da Relação de Guimarães ignora o Acórdão do TJUE “Yodel”, paradigmático, assim como outros relevantes e que decidiram não reconhecer contratos de trabalho com prestadores de atividade, e que conduziria, inevitavelmente, à confirmação que, atenta a factualidade provada naqueles processos, nomeadamente relativas à autonomia dos prestadores de atividade na execução da atividade, à possibilidade de subcontratação de terceiros para a execução da atividade, etc.. KKKK. No entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães, basta a uma pessoa registar-se e fazer o download da aplicação gerida pela Ré e já deve ter reconhecido um contrato de trabalho, independentemente de ter ou não prestado atividade, porque a mera existência de regras relativas ao registo na aplicação é, no entender daquele Tribunal, a existência de subordinação jurídica, o que não se concede. Da inconstitucionalidade do artigo 12.º-a do código do trabalho por violação do princípio da igualdade (art. 13.º da constituição da república portuguesa) LLLL. Sem conceder, caso se venha a considerar verificada a presunção constante do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que não se aceita e teoriza para efeitos de patrocínio, a aplicação do disposto no artigo 12.º-A do Código do Trabalho à situação nos presentes autos seria ilegal, porquanto o teor daquele artigo é manifestamente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º n.º 2 e 3 e 61.º da Constituição da República Portuguesa. Termos em que: O presente recurso deve ser considerado improcedente por manifestamente infundado e mantida a douta sentença recorrida.” Foi proferido despacho que admitiu o recurso na espécie, modo de subida e efeito adequados. Subidos os autos a este Tribunal, foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC), no presente recurso, importa conhecer as seguintes questões: -Se, no caso em apreço, estão preenchidos os factos índice da presunção de laboralidade enumerados nas alíneas a), b), c), e) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, devendo ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Ré Glovoapp Portugal – Unipessoal, Lda., desde 01.05.2023. - Se a Ré ilidiu a presunção de existência de contrato de trabalho. - Caso se entenda que operou a mencionada presunção, se o artigo 12.º-A do Código do Trabalho é inconstitucional. Previamente, porém, impõe-se determinar a lei aplicável posto que a Recorrido sustenta não ser aplicável ao presente caso o artigo 12.º-A do Código do Trabalho. * Fundamentação de facto Na sentença foram considerados provados os seguintes factos: 1. A Ré explora uma plataforma digital de intermediação tecnológica que se encontra ligada 24 horas por dia e 365 dias por ano; 2. A R. tem como objeto social desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, comércio a retalho por via eletrónica, comércio não especializado de produtos alimentares e não alimentares, bebidas e tabaco e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de dermocosmética e de alimentos para animais, a importação de quaisquer produtos, o comércio de refeições prontas a levar para casa e a distribuição ao domicílio de produtos alimentares e não alimentares. Exploração, comercialização, prestação e desenvolvimento de todos os tipos de serviços complementares das atividades constantes do seu objeto social. Realização de atividades de formação, consultoria, assistência técnica, especialização e de pesquisa de mercado relacionadas com o objeto social. Qualquer outra atividade que esteja direta ou indiretamente relacionada com as atividades acima identificadas 3. A R. efetua a intermediação de três tipos de utilizadores da plataforma: − “Os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes; − Os estafetas; e − Os utilizadores clientes”. 4. Para a execução das referidas atividades, a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados; 5. A atividade desempenhada pelo estafeta consiste na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente. 6. A atividade da Ré inclui: - A intermediação dos processos de recolha nos estabelecimentos comerciais e o pagamento dos produtos encomendados através da plataforma; e – A intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva recolha, transporte e entrega aos utilizadores que efetuaram as encomendas; 7. A Ré presta serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma – serviços esses pelos quais a Ré recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores, identificadas em baixo: − Os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Parceria”); − Os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”); − Os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”). 8. AA, natural da República Popular do ..., NIF ... NISS ..., título de residência n.º ..., com residência no Rua ...., 1900-192 Lisboa, titular do endereço de correio eletrónico ..., titular do n.º de telefone ..., encontra-se inscrito na plataforma da R.. desde 12/1/2022; 9. Este realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma GLOVOAPP, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone; 10. No dia 27.09.2023, pelas 19h27m, na McDonald 's da Av. De Roma, em Lisboa o estafeta encontrava-se no seu motociclo a prestar a sua atividade de entrega como estafeta, mas por via da plataforma Glovo, quando foi abordado pelos inspetores da ACT. 11. Tinha nesse momento a plataforma da Glovo ("empregadora"/Ré nestes autos) aberta. 12. A GLOVOAPP tem um registo eletrónico de adesão aos mesmos com data e hora; 13. O estafeta paga uma taxa quinzenal de €1,85 pela utilização da plataforma da R. como contrapartida do acesso aos outros utilizadores da plataforma, nomeadamente os clientes, estabelecimentos, acesso a cobertura de seguro durante as entregas, aquisição de material, gestão e intermediação no serviço de recolha e pagamentos, bem como o acesso a apoio a serviço de assistência da Glovo para problemas técnicos que possam advir; 14. O pagamento referido apenas será devido se nos últimos quinze dias o estafeta tiver realizado entregas; 15. O estafeta tem de esperar 10 minutos pelo cliente caso este não esteja na morada e caso não pretenda esperar os dez minutos de que o cliente dispõe para chegar pode recusar a entrega e não será pago por isso; 16. Para aceder aos pedidos que existem na plataforma GLOVOAPP, o estafeta teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa sendo que, uma vez ativada a conta, é iniciada a atividade como estafeta e o início da sessão na plataforma é feito através das credenciais de identificação do estafeta o email e de uma palavra passe, sendo que, para receber os pedidos, coloca-se em estado de disponibilidade; 17. Para se poder registar e exercer a referida atividade de estafeta através da plataforma da Ré, o estafeta tinha que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens; 18. A manutenção e reparação do veículo, telemóvel e mochila que utiliza são suportados pelo estafeta; 19. Os prestadores de atividade registados na Plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua atividade, ou seja, se prestam a sua atividade numa determinada zona da cidade ou até mesmo do país. 20. Podem inclusivamente bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejam contactar. 21. A Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique efetuado e processado por parte da Glovo; 22. O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo; 23. O estafeta é livre para escolher o seu horário; 24. É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma; 25. E durante quanto tempo permanece ligado; 26. Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar a ofertas de entrega que entender; 27. Mesmo após aceitar a entrega pode cancela-la sem que exista qualquer consequência para si; 28. O que resulta na impossibilidade de a Ré saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas. 29. O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si. 30. E a sua conta continua ativa; 31. Só quando o estafeta efetua o login na plataforma é que pode aceder às ofertas de entregas disponíveis; 32. A Ré contratou um seguro de responsabilidade para os estafetas durante os serviços de recolha e entrega, nomeadamente no caso de lesão permanente ou temporária durante e em óbito, com a Chubb European Group SE, sucursal em Espanha."; 33. Nos dados fornecidos pelo estafeta à R. está o início da atividade nas finanças, o ATCUD (código único de documento), regime de IVA e IRS, documento de identificação; 34. A plataforma transmite a encomenda dos artigos ao parceiro, através da sua interface da plataforma e o parceiro aceita ou rejeita a encomenda; 35. Caso seja aceite a encomenda, a plataforma, através da aplicação “Glovo Couriers” oferece a um utilizador-estafeta o serviço de entrega associado ao referido pedido; caso o utilizador-cliente opte por recolher o pedido diretamente junto do parceiro (take away), esta oferta não será efetuada ao estafeta; 36. Pelo menos a partir de maio de 2023, o utilizador estafeta pode aceitar, não responder ou rejeitar o serviço proposto que, por sua vez, pode ter sido anteriormente rejeitado por outros utilizadores estafeta; 37. Após aceitar um serviço o utilizador estafeta pode ainda rejeitá-lo; 38. A aplicação apresenta aos referidos estafetas aquando da oferta de um serviço o preço do serviço, o mapa com os pontos de recolha e entrega assinalados e a rua da morada do ponto de recolha, sem o número da porta; 39. Quando os estafetas pretendem aceitar o serviço, após aceitação do serviço na aplicação, esta apresenta ao estafeta o preço do serviço, um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e entrega (morada do utilizador cliente) assinalados, o nome e morada do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto do parceiro (quando existam), estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada do utilizador-cliente (ponto de entrega), a distância estimada, os detalhes do pagamento, a lista dos artigos do pedido e o valor do mesmo; 40. Os estafetas escolhem o itinerário que vão utilizar para a realização do serviço, tanto desde o ponto onde efetuam a aceitação do serviço até ao ponto de recolha, como desde o ponto de recolha até ao ponto de entrega, pois a aplicação da R. exibe um mapa com ambos os pontos assinalados e morada de cada ponto, sem apresentar qualquer itinerário ou rota proposto; 41. No decurso do serviço de entrega a aplicação, quando ligada, solicita aos estafetas que os mesmos assinalem a conclusão das seguintes atividades: chegada à morada do parceiro ponto de recolha), recolha dos artigos no parceiro, chegada à morada do utilizador cliente ponto de entrega); entrega dos artigos ao utilizador-cliente e conclusão do serviço, mas quando os estafetas não assinalam na aplicação a conclusão dessas atividades, não comprometem a execução do serviço, apenas recebendo o preço do serviço e ficando disponíveis para aceitar novos serviços quando comunicam a última das atividades que é a conclusão do serviço; 42. A aplicação indica a necessidade de ter acesso à geolocalização dos estafetas enquanto estes se encontram online a aguardar por uma oferta de serviço, a partir da aceitação do serviço os estafetas podem permitir ou não que a plataforma tenha acesso á sua localização sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização; 43. Os estafetas após aceitarem o serviço na aplicação podem escolher o meio de transporte utilizado, definir o percurso a seguir e podem desligar a geolocalização do telemóvel; 44. Após entregar as encomendas e caso os clientes tenham optado pelo pagamento em dinheiro, os estafetas têm de receber destes o pagamento do pedido em dinheiro, ficando com a obrigação de proceder ao depósito da quantia cobrada na conta determinada pela plataforma, a favor da R.; 45. Os estafetas podem aceitar ou recusar qualquer serviço através da aplicação, mesmo depois de terem inicialmente aceitado esse serviço, sem que tal afete o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais serviços futuros. 46. Quando os estafetas rejeitam o serviço proposto, após a rejeição desse serviço na aplicação é apresentada uma interface de confirmação da rejeição para evitar rejeições acidentais, não havendo qualquer penalização pela rejeição de serviços propostos. 47. O preço base do serviço que é apresentado aos estafetas é calculado pela plataforma de acordo com um valor base, compensação pela distância e compensação pelo tempo de espera consumido na realização desse serviço; sobre o preço base podem incidir promoções da aplicação. 48. Os estafetas podem selecionar e alterar um “multiplicador”, uma vez por dia, para valores iguais ou superiores a 1.0, o que permite aumentar o valor total recebido por cada serviço; 49. Adicionalmente, os estafetas podem receber gratificações dos clientes. 50. Os estafetas são remunerados por cada serviço e depois de os terem realizado, independentemente do tempo que tenham estado previamente online na aplicação, nem recebem qualquer valor pela espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido; 51. A ré paga, quinzenalmente, através de transferência bancária, diretamente aos estafetas os valores correspondentes às entregas efetuadas e processa os pagamentos a efetuar, mediante a emissão de uma fatura em nome da ré e que tem por emissor os prestadores de atividade (estafetas). 52. Por autorização dos estafetas, mediante adesão no Portal das Finanças, os recibos emitidos são registados no Portal das Finanças pela R.; 53. Nos Termos e condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, estão previstas várias situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da conta do prestador de atividade, designadamente as enumeradas no ponto 5.2., de onde se destacam as possibilidades de tal acontecer se o estafeta: utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da GLOVO; violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da GLOVO; participar em atos ou conduta violentos; e violar os seus direitos na aplicação da GLOVO, causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais). 54. Tal como resulta do ponto 5.4.2. dos referidos “Termos e condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas”, “A GLOVO pode, mas não é obrigada, a monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A GLOVO reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições”. 55. A ré pode, igualmente, desativar a conta de comerciantes e de clientes em caso de violação de lei ou de fraude. 56. Desde maio de 2023 os utilizadores clientes finais são convidados a avaliar a forma como o estafeta realizou o seu trabalho e a plataforma toma-a visível apenas para o estafeta, da mesma forma que os clientes são convidados a avaliar os comerciantes que vendem os seus produtos, sem que tal seja usado para avaliar a qualidade da atividade ou a forma como é executada e sem influenciar a oferta de novos pedidos o que é designado de sistema de reputação; 57. Os estafetas escolhem os dias e horas em que pretendem ligar-se à aplicação da ré.; 58. Os estafetas podem subcontratar noutro prestador de serviços de entrega; 59. Antes de iniciar a sua ligação à aplicação da ré e caso pretendam usar veículos a motor, os estafetas devem declarar dispor de carta de condução e seguro de responsabilidade civil do veículo usado. 60. Os estafetas podem receber e aceitar ofertas de serviços de entrega em diferentes localizações dentro da zona geográfica que escolhem. 61. Os estafetas são responsáveis pela perda ou danificação dos produtos que transportam. 62. Os estafetas não são obrigados a utilizar uniforme identificativo da Ré, podendo, como qualquer outra pessoa, comprar merchandising da Ré (incluindo a mochila isotérmica para transporte de comida) na loja on-line desta. 63. A ré não controla nem limita que os estafetas prestem a mesma atividade para plataformas concorrentes nem controla nem limita que os mesmos prestem outras atividades. 64. Quando o estafeta chega ao local e o cliente não se encontra no mesmo entra em contacto com o cliente e depois informa a Glovo desse facto enquanto aguarda dez minutos; 65. Se volvidos os dez minutos o cliente não chega o estafeta é pago pelo serviço efetuado exceto se o mesmo fosse pago em dinheiro pelo cliente, circunstância em que não recebem pelo serviço por o cliente não ter atendido; 66. No período de 7/6/2023 a 28/9/2023 o estafeta em apreço auferiu por conta da sua atividade de estafeta as quantias que constam de fls. 38 a 42 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 67. De fevereiro a junho de 2024, o estafeta optou por não realizar quaisquer serviços nos seguintes dias exemplificativos: • 3, 12, 13 e 15 a 28 de fevereiro de 2024; • 1 a 27, 29 a 31 de março de 2024; • 1, 3, 7 a 17, 19, 21, 22, 25 a 30 de abril de 2024; • 2, 5 a 22 e 29 de maio de 2024; • 10, 12 e 14 a 30 de junho de 2024; 68. Nos meses de fevereiro e março de 2024 o AA esteve 40 dias seguidos sem prestar quaisquer serviços. * Fundamentação de direito Comecemos, então, por apreciar qual a lei aplicável ao caso. Defende a Recorrida que, tendo a actividade do prestador de actividade se iniciado antes de 01.05.2023, não é aplicável ao caso o artigo 12.º-A do Código do Trabalho. Vejamos: O artigo 12.º-A do Código do Trabalho foi aditado pela Lei n.º 13/2023, de 03/04 (cfr. artigo 13.º) que procede, além do mais, à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019, relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia, que altera o Código do Trabalho e legislação conexa, no âmbito da agenda do Trabalho Digno e que entrou em vigor no dia 1 de Maio de 2023 (cfr. artigo 37.º n.º 1). De acordo com o quadro factual, AA, natural da República Popular do..., NIF ..., NISS ..., título de residência n.º ..., com residência no Rua ... 1900-192 Lisboa, titular do endereço de correio eletrónico ..., titular do n.º de telefone ..., encontra-se inscrito na plataforma da R.. desde 12/1/2022 (facto provado 8) e no dia 27.09.2023, pelas 19h27m, na McDonald 's da Av. De Roma, em Lisboa o estafeta encontrava-se no seu motociclo a prestar a sua atividade de entrega como estafeta, mas por via da plataforma Glovo, quando foi abordado pelos inspetores da ACT (facto provado 10). Ou seja, o prestador de actividade inscreveu-se na plataforma da Ré antes da entrada em vigor do artigo 12.º-A do Código do Trabalho e já na vigência do mesmo, no momento da intervenção inspectiva da ACT, encontrava-se a prestar a sua actividade por via da plataforma da Ré. O Autor pretende que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho desde 01.05.2023, ou seja, desde a data da entrada em vigor do artigo 12.º-A do Código do Trabalho. Temos entendido que, essencial para a qualificação da relação jurídica que vincula as partes é o regime jurídico existente no momento da sua constituição, salvo se, como tem sido entendimento consolidado do Supremo Tribunal de Justiça, da factualidade provada resultar ter ocorrido uma alteração na configuração dessa mesma relação. E como se sumariou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2025, proc. 31164/23.4T8LSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt: “I. Distinto do pedido de reconhecimento da existência do contrato de trabalho e âmbito temporal a partir do qual se peticiona a produção dos respectivos efeitos, é o regime jurídico que deve ser eleito para o seu enquadramento, sendo este definido em função do momento em que se constituiu a relação jurídica. II. Constituindo-se a relação jurídica entre a plataforma digital e o prestador de actividade em data anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Trabalho pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril, não é convocável, no seu enquadramento, a nova presunção estabelecida no art. 12.º-A, daquele compêndio substantivo. No mesmo sentido escreve-se no sumário do Acórdão do Tribunal desta Relação de 15.01.2025, Proc. n.º 29383/23.2T8LSB.L1, in www.dgsi.pt:“1 – A presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável apenas às relações estabelecidas após a entrada em vigor da lei que a introduziu no ordenamento jurídico nacional. (…).” Contudo, a propósito da lei aplicável no caso das plataformas digitais, afirma-se no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2025, Processo n.º 1980/23.3T8CTB.C2.S1, consultável em www.dgsi.pt,“É certo que, nesta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça tem limitado a aplicação da lei nova aos casos em que, após o início da sua vigência, o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se vai reconfigurando ao longo do tempo. Mas, no plano da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não se vê que ao autor seja de exigir prova positiva dessa reconfiguração, em especial em casos – como paradigmaticamente acontece nas plataformas digitais – em que, pelas próprias especificidades inerentes à atividade prestada, esta tem naturalmente associados elevados grau de heterogeneidade, atipicidade, aleatoriedade e fluidez [como de forma lapidar evidenciam os “Considerandos” da aludida Diretiva (UE) 2024/2831] que implicam a sua sucessiva reconstrução. Tudo para concluir que, relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023).” Donde, à luz deste entendimento, ao caso é aplicável o disposto no artigo 12.º-A do Código do Trabalho. Ainda invoca a Recorrida que, ao presente caso, não é aplicável o método indiciário, aplicação que violaria o seu direito ao contraditório. Ora, como já referimos no Acórdão deste Tribunal e Secção de 28 de Fevereiro de 2025, proferido no Proc. n.º 30191/23.6T8LSB.L1, em que é Ré a ora Ré, a aplicação da presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º e, em especial, no artigo 12.º-A do Código do Trabalho não afasta a aplicação do método indiciário, caso a sua aplicação se revele necessária. Na verdade, como elucida o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2025, Proc.31164/23.4T8LSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt, “(…)V. Na operação de qualificação de uma relação jurídica laboral, a falha no preenchimento de pelo menos duas das alíneas do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho não nos dispensa, ainda assim, de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios que tenhamos em presença com recurso ao modelo indiciário, modelo que convoca a averiguação, no caso concreto, dos denominados indícios negociais internos e externos.” Acresce que a aplicação do referido método ao presente caso não viola o direito ao contraditório posto que a Recorrida teve oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo nas contra-alegações que apresentou, o que fez (cfr. conclusões T a X), pelo que, auscultá-la novamente sobre essa questão redundaria na prática de um acto inútil proibido pelo artigo 130.º do CPC. * Debrucemo-nos, agora, sobre a questão de saber se, no caso, estão preenchidos os factos índice da presunção de laboralidade enumerados nas alíneas a), b), c), e) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, devendo ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Ré Glovoapp Portugal – Unipessoal, Lda., desde 01.05.2023. A sentença recorrida entendeu que nenhum dos factos índice a que alude o artigo 12.º-A do Código do Trabalho está demonstrado e que não existe qualquer resquício de subordinação jurídica na relação contratual que se estabeleceu entre o prestador de actividade e a Ré, concluindo pela total improcedência da acção. O Autor, por sua banda, sustenta que o quadro factual provado evidencia as características que permitem a afirmação de presunção de laboralidade e que, nessa sequência, deverá ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre o prestador de actividade e a Ré. Ora, como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.06.2025, Processo n.º 3848/23.4T8PTM.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt,” Dispensando-nos, aqui e agora, de dissertar juridicamente sobre o conceito de contrato de trabalho, é todavia sabido que a sua caracterização constitui umas das questões de maior melindre e que mais dúvidas suscita na sua aplicação prática, sendo, não raras vezes, ténue a fronteira entre o trabalho subordinado/contrato de trabalho e outras figuras contratuais, designadamente, o trabalho autónomo, incluindo o contrato de prestação de serviços, dificuldade a que não escapa a qualificação da atividade prestada no âmbito das plataformas digitais, concretamente a prestada pelos designados estafetas, devendo a qualificação efetuar-se perante o circunstancialismo fático de cada caso concreto. Assim, e entre outra factualidade que poderá relevar para tal qualificação, poderá também ter interesse a relativa à dependência económica, ou não, dos estafetas e à “exclusividade” (rectius, dever de não concorrência), ou não, do exercício da atividade dos mesmos para a Ré. E poderá interessar tanto na perspetiva da necessidade da qualificação do vínculo a cargo do A. (por o respetivo ónus lhe pertencer – art. 342º, nº 1, do Cód. Civil caso não se verifique a presunção de laboralidade), quer na perspetiva da necessidade de ilisão, pela Ré, da presunção de laboralidade (caso esta se verifique, por o respetivo ónus lhe pertencer – arts. 12-A, nº 4, do CT e 350º, nº 2, do Cód. Civil).” Analisada a factualidade provada nos presentes autos à luz do mencionado entendimento do STJ há que referir que, não obstante o manancial de factos provados e sem olvidar que estes até foram fixados na sequência do acordo das partes, o que entendemos não impedir a ampliação da matéria de facto, o certo é que aqueles, na perspectiva da dependência económica do prestador de actividade relativamente à Ré não permitem ainda afirmar a existência ou inexistência de uma relação desse cariz relativamente à Ré atenta a complexidade e contornos da relação contratual em apreço, Com efeito, não obstante a matéria constante do facto provado 63 (63. A ré não controla nem limita que os estafetas prestem a mesma atividade para plataformas concorrentes nem controla nem limita que os mesmos prestem outras atividades), a verdade é que tal matéria, na óptica da (In)dependência económica é genérica e não esclarece se AA, efectivamente, presta actividade para outras plataformas digitais ou se presta qualquer outra actividade remunerada. E, a existirem tais actividades, também não há matéria provada que permita aferir do peso que as mesmas representam de modo a podermos formular um juízo sobre a existência/inexistência de dependência económica do prestador de actividade relativamente à Ré. Isto é, importa apurar se o prestador de actividade exerceu outras actividades em simultâneo com aquela que exerceu para a Ré e, em caso afirmativo, qual o valor dos proventos por ele obtidos nesses períodos de ambas (com excepção, com referência à Ré, dos meses que constam já da decisão de facto). É certo que, no facto provado 67 se fez constar os dias dos meses de Fevereiro a Junho de 2024 em que o prestador de actividade não realizou quaisquer serviços para a Ré (67. De fevereiro a junho de 2024, o estafeta optou por não realizar quaisquer serviços nos seguintes dias exemplificativos:• 3, 12, 13 e 15 a 28 de fevereiro de 2024;• 1 a 27, 29 a 31 de março de 2024; • 1, 3, 7 a 17, 19, 21, 22, 25 a 30 de abril de 2024; • 2, 5 a 22 e 29 de maio de 2024; • 10, 12 e 14 a 30 de junho de 2024) e que, admite-se, são muitos. Porém, o facto em si, não permite concluir, sem mais, que o prestador de actividade não dependia economicamente da Ré. E mesmo conjugando o facto provado 67 com o facto provado 66 do qual resulta que o prestador auferiu quantias que variaram entre € 1.355,11 (em Setembro de 2022) e €33,92 em Março de 2024), desconhece-se se essa disparidade de valores se deveu ao exercício de outra actividade remunerada ou, simplesmente, à opção do prestador de actividade de não exercer a actividade para a Ré nos meses em que o rendimento foi mais baixo, o que importa apurar. Acresce que, nos artigos 23.º, 26.º, 27.º, 34.º, 193.º, 194.º, 196.º, 204.º, 210.º, 214.º, 292.º e 312.º da contestação, a Ré alegou a seguinte matéria com relevância para a decisão e que não foi contemplada no acordo sobre os factos provados, nem objecto de julgamento e que se impõe apurar: “ 24.º Nada impede, nem a Ré proíbe que os estafetas tenham contactos direitos com estabelecimentos comerciais e/ou utilizadores clientes para lhes prestar serviços sem recorrer à aplicação gerida pela Ré. 26.º O estafeta pode optar por ter contactos diretos, por telefone, telemóvel, sms, email, pager, etc., com consumidores/pessoas singulares, estabelecimentos comerciais ou de serviços, para o exercício da atividade de estafeta e não utilizar qualquer plataforma. 27.º Acresce que o estafeta pode prestar atividade de estafeta, em simultâneo, utilizando outras aplicações, nomeadamente da UberEats, Bolt, etc., para receber propostas de pedidos. 193.º Acresce que a Ré não determina ao estafeta a realização de qualquer formação profissional, nem a assistir, obrigatoriamente, a vídeos… 194.º Tal como resulta do teste # 29 referido no documento n.º 1, no decurso do processo de inscrição do utilizador-estafeta são disponibilizados vídeos de apresentação, com informações básicas, nomeadamente: (a) Introdução - O que é a Glovo? (b) Como funciona a realização de pedidos? (c) Sistema de Free Login (d) Contactos 196.º A visualização dos referidos vídeos é facultativa e a não visualização dos mesmos não impede ou dificulta o prosseguimento do processo de inscrição. 204.º Por outro lado, é importante que fique claro, - ao contrário do que vem sendo sugerido pela ACT e noutras ações - a Ré também não impõe, nem obriga, aos prestadores de serviço a aquisição de mochila, muito menos que tenha a sua marca, nem proíbe que os mesmos prestadores realizem o serviço através da utilização de marcas dos seus concorrentes, o que aliás fazem frequentemente. Aliás, é hábito generalizado dos estafetas cobrir as mochilas com capas impermeáveis sem qualquer logótipo. 210.º A Ré não aplica qualquer sanção aos estafetas que não utilizem mochilas com o logótipo ou referências à Ré, nem beneficia os estafetas que optem por utilizar mochilas com o logótipo ou referências à Ré, nem efetua qualquer tipo de controlo. 214.ºAdemais, não é a Ré que indica o estabelecimento, o pedido e o cliente final, ou morada de recolha e/ou entrega, mas antes o próprio utilizador-cliente final que, ao fazer a sua encomenda, insere essa instrução na aplicação que por sua vez comunica ao prestador da atividade (estafeta). 292.º E não vem prestando mais serviços desde 13 de junho de 2024, exclusivamente por decisão sua, nada impedindo que, quando quiser, se volte a ligar e a prestar atividade no dia de hoje! 312.ºO utilizador estafeta tem a liberdade de, querendo, acionar um temporizador de 10 minutos para que o utilizador cliente recolha a mercadoria nesse período e, se não o fizer, o valor do serviço do estafeta é automaticamente cobrado ao utilizador cliente e pago ao utilizador estafeta, independentemente de receber ou não a mercadoria.” Nos termos do n.º 2, al.c) do artigo 662.º do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando considere indispensável a ampliação desta. Nos termos do n.º 3, al.c) do mesmo artigo, se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições. Assim, deve a sentença ser anulada com vista ao apuramento da mencionada matéria, proferindo-se, após, nova sentença. Prejudicado fica o conhecimento das restantes questões objecto do recurso. Decisão Face ao exposto, acorda-se em anular a sentença recorrida e determina-se a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância a fim de se apurar: - se o prestador de actividade exerceu outras actividades em simultâneo com aquela que exerceu para a Ré e, em caso afirmativo, qual o valor dos proventos por ele obtidos nesses períodos de ambas (com excepção, com referência à Ré, dos meses que constam já da decisão de facto); - a matéria alegada pela Ré nos artigos 23.º, 26.º, 27.º, 34.º, 193.º, 194.º, 196.º, 204.º, 210.º, 214.º, 292.º e 312.º da contestação, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto com vista a evitar contradições, após o que deverá ser proferida nova sentença. Custas pela parte vencida a final, sem prejuízo da isenção de que goza o Ministério Público (artigo 4.º n.º 1, al.a) do Regulamento das Custas Processuais). Notifique e registe. Lisboa, 10 de Setembro de 2025 Celina Nóbrega Maria José Costa Pinto Susana Silveira |