Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL RODRIGUES | ||
Descritores: | REJEIÇÃO DO RECURSO CASO JULGADO FORMAL NULIDADE EXCESSO DE PRONÚNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/08/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Tendo a Relação decidido, por decisão transitada em julgado, rejeitar recurso interposto pela ré contra sentença que julgou procedente a acção e a condenou no pedido, com fundamento na sua ilegitimidade, por se mostrar autuada no processo sentença anterior, que considerou válida e eficaz, a julgar improcedente a acção e a absolvê-la do pedido, não pode a 1.ª instância, sob pena de ofensa do caso julgado formal (art.º 620.º/1 do CPC) e da obediência devida às decisões dos tribunais superiores, proferir decisão diferente a considerar relevante a segunda sentença proferida que fora objecto de recurso rejeitado pela Relação. II - Além de violadora do caso julgado formal e da obediência devidas às decisões dos tribunais superiores, a decisão da 1.ª instância é uma decisão nula, por excesso de pronúncia (art.º 615.º/1-d), 2.ª parte do CPC), dado que se pronuncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se podia pronunciar. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório 1. A… intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, emergente de injunção, contra a sociedade B…, peticionando a sua condenação ao pagamento: a) De 7.727,50 €, a título de capital; b) 342,13 €, a título de juros de mora; c) 102,00 €, a título de “Taxa de justiça paga”. 2. Alega, para tanto e em resumo, a prestação de serviços de transporte, titulados pela Factura F 181/00000, no valor de 7.727,50 €, emitida a 02/01/2018, com vencimento a 02/02/2018 3. A Ré deduziu oposição, por impugnação de facto e de direito, alegando que o contrato foi celebrado por sua trabalhadora, mas por determinação da sociedade ALTRI. 4. Realizou-se audiência de julgamento. 5. Com data de 13 de Dezembro de 2018 foi proferida sentença, a que corresponde a ref.ª Citius 139534576, de 12-12-2018, nos termos da qual a acção foi julgada improcedente, por não provada, e a Ré absolvida do pedido. 6. A referida sentença foi assinada e autuada, ficando a constar de fls. 34 a 41 dos autos. 7. Entretanto, com data de 14 de Dezembro de 2018, veio a ser proferida outra sentença, também com a ref.ª Citius 139534576, de 12-12-2018, que julgou a acção procedente, por provada, e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 7.727,50 €, acrescida de juros de mora contados desde 3 de Fevereiro de 2018 até efectivo e integral pagamento, às taxas de natureza comercial aplicáveis. 8. Esta sentença foi assinada e autuada, tendo sido notificada às partes através de notificação electrónica elaborada a 17 de Dezembro de 2018. 9. Irresignada com o decido nesta última sentença, a Ré, a 04-02-2019, apresentou recurso de apelação junto deste Tribunal da Relação de Lisboa (cf. fls. 50 a 54). 10. Por despacho do Exmo. Desembargador Relator, prolatado a 12-06-2019 (ref.º Citius 14568920 a fls. 50 e verso), o recurso foi rejeitado, com os seguintes fundamentos: “O Citius existe por causa da Justiça e não a Justiça por causa do Citius * A sentença que consta dos autos e que deve ser tomada em consideração data de 13 de Dezembro de 2018 e absolveu a Ré, isto é, B… do pedido. É esta Ré quem interpôs o recurso. Estranho acto este !!! Na verdade, como é “óbvio”, só quem “perde” pode interpor recurso. A ré, perante os autos, não tem legitimidade/interesse em recorrer. Pode ter virtualmente, mas é a realidade do processo que conta. Não admito o recurso. Algo de muito bizarro aconteceu.” 11. Por requerimento dirigido a esta Relação a 28-06-2019, a Ré requereu a aclaração do referido Despacho no sentido de se esclarecer, perante o conflito manifesto entre sentenças, se julga como válida e eficaz a sentença em suporte físico, que se encontra nos autos. 12. A Autora respondeu ao pedido de aclaração do Despacho, pugnado pelo seu indeferimento. 13. A 29-09-2019, o Exmo. Desembargador Relator exarou nos autos o seguinte Despacho: “Fls. 63: Com a reforma do CPC de 2013 deixou de haver reforma de sentença para aclaração. * Proferida decisão fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto á matéria objecto desse decisão (art.º 613.º, n.º 1, CPC). A decisão sobre o recurso pronunciou-se claramente relativamente ao seu objecto e não houve recurso tempestivo contra tal acto. A questão suscitada por A… a fls. 78 e segs. deve ser sujeita à apreciação do 1.º grau. Baixem os autos” 14. Devolvidos os autos à 1.ª instância, a 07-11-2019 veio a ser proferido o seguinte Despacho pela Senhora Juiz titular do processo (cf. ref.ª Citius 142890816): “I. Requerimento de 28-06-2019: Nos termos do artigo 132.º/1, do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho: “A tramitação dos processos é efetuada eletronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, (…)”. Estabelece o artigo 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, na redação da Portaria n.º 267/2018, de 20/09: “1 - Os atos processuais de magistrados judiciais e de magistrados do Ministério Público são praticados no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com aposição de assinatura eletrónica qualificada ou avançada. (…) 4 - Quando, nos termos do número anterior, o ato não seja praticado no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, compete à secretaria proceder à sua digitalização e inserção no referido sistema.”. A tramitação eletrónica do processo revela, apenas, a sentença datada de 14-12-2018, 14h40m, notificada a 17-12-2018. A inserção no suporte físico do processo de outra decisão final que não a datada de 14-12-2018 resultará da impressão de versão anterior do documento, que não se revelou definitiva. Destarte: Insira no suporte físico do processo a sentença datada de 14-12-2018, 14h40m, notificada a 17-12-2018. Desentranhe outro escrito elaborado entre a conclusão e a sentença. Notifique.” 15. Deste Despacho reclamou a Ré, invocando a respectiva nulidade, por violação do princípio do contraditório (artigo 3.º/3 do CPC), conforme requerimento apresentado a 18-11-2019, com a ref.ª 34038020. →16. Inconformada com o decidido pelo Despacho de 07-11-2019 (ref.ª Citius 142890816), a Ré, através de requerimento apresentado a 19-11-2019, também interpôs junto desta Relação de Lisboa recurso de apelação, que rematou com as seguintes conclusões: “Questão Prévia I. 1. O tribunal de 1.ª Instância, ao prolatar a decisão de ordenar o desentranhamento da sentença autuada , nos autos, violou o art.º 613.º do Cód. de Proc. Civil, uma vez que, aquando da decisão já se havia extinguido o seu poder jurisdicional. 2. O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no art.º 613º do CPC, significa que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, sob pena de não se garantir a existência de um processo justo; de harmonia com o disposto no art. 613º do CPC, proferida uma sentença ou um despacho (nºs 1 e 3 do referido preceito legal) fica imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa. 3. O juiz da causa não pode, pois, em regra, rever a decisão proferida, isto é inerente à natureza/essência do processo. 4. Se a lei do processo o não consagrasse, e se se permitisse portanto que o juiz da causa pudesse, sem limites e de motu próprio, rever as decisões ou os fundamentos das sentenças que ele próprio proferisse, não se garantiria por certo a existência de um processo justo. 5. Projectando, estes ensinamentos, no caso em apreço, manifestamente, o Tribunal de 1.ª Instância violou este princípio, ao proferir um despacho que ordena o desentranhamento da sentença, à revelia, do decido pelo Sr. Juiz desembargador do Tribunal da Relação, o qual considerou como a única sentença válida e a constante dos autos. 6. Logo, não pode o Tribunal de 1.ª Instância decidir , agora, desentranhar essa mesma sentença, ignorando o decido pelo Tribunal da Relação, a cuja decisão se encontra estritamente vinculado. 7. Logo, este despacho judicial é nulo. Acresce, IV- Violação do Princípio do Contraditório 8. Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, cabendo ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo. 9. Não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem. 10. Subsumindo à situação dos autos, esta decisão constitui uma verdadeira decisão surpresa, 11. Pois, após a decisão do Tribunal da Relação, não era possível, pelo Réu, nem mesmo pelo Autor, perspectivar uma decisão tal como a prolatada e aqui em crise. 12. Sucede que, a inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respectivo enquadramento jurídico. 13. Conforme consta dos autos, a) Foi proferida sentença nestes autos, a qual foi assinada e autuada nos autos, segundo a qual o Réu foi absolvido do pedido; b) Autor e Réu, foram notificados de uma outra sentença, diverge, a qual decide, inversamente, condenar o Réu integralmente no pedido, c) O Réu, apresenta requerimento de recurso de apelação, o qual é, liminarmente, rejeitado, por decisão do Sr. Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, fundamentando esta decisão na existência de sentença, autuada nos autos, que absolve o Réu, do pedido, porquanto, não tem, este, legitimidade para recorrer; d) O tribunal de 1.ª Instância vem, através do despacho em crise, ignorando a decisão do Tribunal da Relação, ordenar o desentranhamento da sentença autuada nos autos. 14. Claramente esta decisão viola o princípio do contraditório. Vejamos, ainda numa oura perspectiva, 15. Na sequência desta insólita tramitação está pois em causa a questão da decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação que, que vincula o Tribunal de 1.ª Instância. 16. Até porque, esta decisão, vem inviabilizar a possibilidade de o Réu, como processualmente manifestado, de interpor recurso da sentença da qual foi notificado, e que não corresponde à sentença autuada no autos e que subiu para o Tribunal da Relação. 17. O Réu confiou, inicialmente na decisão de 1.ª Instância, assim como, confiou na decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 18. É que não podemos esquecer que, nos termos do n.º 5 do art.º 641º do CPC, o despacho da 1ª instância não vincula o tribunal superior. 19. Mas, o despacho proferido, pelo Tribunal superior vincula o tribunal de 1.ª Instância. 20. Por esta razão, não pode sufragar-se o entendimento da 1.ª instância. 21. Assim, é de concluir que não poderia Tribunal de 1.ª Instância, sem mais, ter decidido, desentranhar a sentença autuada e, nem sequer se pronunciar quanto ao recurso de apelação interposto pela Ré, da sentença, da qual foi notificada , por via citius. 22. Facto este, também ele determinativo de nulidade, do despacho aqui em crise. Nestes termos e nos melhores de direito deve O PRESENTE Recurso de Apelação, merecer integral provimento, e como tal, ser revogado o despacho judicial proferido a 07.11.2019, o qual , contraria a decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, devendo assim, ser revogado este despacho judicial, Fazendo Vs. Exs. Justiça. Requer sejam emitidas certidões dos seguintes documentos a fim de acompanhar o presente recurso: a) Sentença autuada e impressa nos autos que subiu para o Tribunal da Relação; b) Despacho do Sr Juiz Desembargador de indeferimento de recurso; c) Despacho, proferido a 07.11.2019, que ordena o desentranhamento da sentença autuada nos autos.” 17. A Autora e Recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, nos seguintes termos conclusivos: “1. O recurso interposto pela Recorrente tem como fundamento a nulidade do despacho em causa, por considerar que se trata de questão de que o juiz não deveria conhecer, o que se subsume no caso previsto da alínea d) do n.º 2 do artigo 615.º do CPC. 2. Nesse sentido, a Recorrente invoca a violação do Princípio da Extinção do Poder Jurisdicional, por considerar que a determinação do Tribunal de Primeira Instância desrespeita a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, o que lhe confere o carácter de uma decisão-surpresa. 3. Mais, a Recorrente invoca a omissão de pronúncia do Tribunal de Primeira Instância quanto ao Recurso interposto pela Ré. 4. A Recorrida não concorda com a alegação aduzida pela Recorrente, conforme descreve nos pontos que se seguem e que, em bom rigor, sumariza os argumentos avançados na presente Resposta. 5. Quanto ao primeiro dos princípios referidos parece ressaltar da interpretação feita ao alegado pela Recorrente que aquele preceito ficou ferido, assim que proferida sentença de condenação da Ré, em sentido oposto ao escrito que decide absolver a Ré do pedido que contra ela foi formulado, quando diz o seguinte: “O juiz da causa não pode, pois, em regra, rever a decisão proferida, isto é inerente à natureza/essência do processo.” 6. Posição com a qual a Recorrida não se coaduna, porque só haveria violação daquele princípio se o juiz alterasse o sentido da sua decisão sobre a mesma matéria, após ter sido proferida a sentença, conforme refere o n.º 1 do artigo 613.º do CPC. 7. O escrito (elaborado entre a conclusão e a sentença), conforme é denominado pelo Tribunal de Primeira Instância, nunca chegou a ser divulgado e, por isso, não se trata de sentença proferida. 8. Por outro lado, deve-se entender que só a divulgação daquele escrito é que coloca em causa a estabilidade da decisão jurisdicional, pois as partes confiaram na validade da condenação da Ré, motivo pelo qual o único recurso interposto foi o da ora Recorrente que pretendia impugnar a decisão que a condenou ao pagamento da totalidade do pedido que contra ela foi deduzido. 9. Todavia, tendo em conta o teor do despacho do Digníssimo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, bem como o conteúdo dos requerimentos que, posteriormente, foram apresentados pelas partes, revelava-se importante para o caso em concreto que o Tribunal de Primeira Instância clarificasse o sentido da posição assumida quanto ao mérito da causa, atento o lapso manifesto relacionado com a coexistência de duas decisões opostas. 10. Nesse sentido, deve-se entender que artigo 613.º do CPC permite a eliminação de certos vícios ou defeitos que se tenham verificado na fase de Sentença e que os pedidos com essa finalidade devem ser dirigidos ao tribunal que proferiu a decisão, de modo a obter uma retificação mais célere. 11. Pelo que, em bom rigor, não se trata de uma nova decisão apta a colocar em causa a decisão proferida quanto ao mérito da causa, mas sim, se assim se preferir colocar, o juiz pronuncia-se de novo sobre uma questão no cumprimento de uma determinação do Tribunal da Relação de Lisboa, que se encontra coberta por despacho. 12. Logo, a retificação do lapso, através de desentranhamento, não contraria qualquer decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Entendimento inverso contenderia com o despacho deste Digníssimo Tribunal que determina a descida dos autos à Primeira Instância para colmatar as “imprecisões” que haviam sido suscitadas. 13. Quanto ao segundo dos princípios alegadamente feridos pelo dito despacho, de acordo com a opinião da Recorrente., entende a Recorrida que não se trata de uma decisão-surpresa quando o tribunal aprecia determinada matéria em que era manifesta a desnecessidade de as partes se pronunciarem. 14. Concretamente, não se trata de uma questão autónoma, sendo que as partes apresentaram requerimentos, nos termos dos quais referem esta questão, facto que deve levar à improcedência do argumento da decisão-surpresa. 15. Mais, não se trata de uma nova questão autónoma, porque suscitada a priori pelas partes e daí não existir violação daquele princípio nem lugar a uma decisão-surpresa, já que o presumível era que o Tribunal de Primeira Instância esclarecesse qual a decisão que deveria vigorar, logo não é de surpreender o desentranhamento do escrito, que, desse modo, retificou o lapso. 16. O Tribunal de Primeira Instância pronunciou-se, em sede própria, sobre a admissão do recurso interposto pela Ré, nos termos do artigo 641.º do CPC, pelo que não se esperava que o mesmo foro se pronunciasse de novo sobre esta mesma questão, até porque o despacho proferido em último lugar não contraria a sua decisão de admissão do recurso, antes pelo contrário, só a confirma. 17. Não deve agora o Tribunal de Primeira Instância tentar reverter a decisão do Tribunal da Relação de não admissão do Recurso, se a Recorrente não usou o meio processual adequado para impugnação daquela decisão.” 18. Reagindo contra a sentença proferida a 14 de Dezembro de 2018 e novamente contra o despacho de 07-11-2019, a Ré, através de requerimento apresentado a 27-11-2019, interpôs recurso de apelação, que finalizou com as seguintes conclusões (ref.ª Citius 34150972): “Questão Prévia 1. O tribunal de 1.ª Instância, ao prolatar a decisão de ordenar o desentranhamento da sentença autuada, nos autos, violou o art.º 613.º do Cód de Proc Civil, uma vez que, aquando da decisão já se havia extinguido o seu poder jurisdicional. 2. O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no art.º 613º do CPC, significa que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, sob pena de não se garantir a existência de um processo justo; de harmonia com o disposto no art.º 613º do CPC, proferida uma sentença ou um despacho (nºs 1 e 3 do referido preceito legal) fica imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa. 3. O juiz da causa não pode, pois, em regra, rever a decisão proferida, isto é inerente à natureza/essência do processo. 4. Se a lei do processo o não consagrasse, e se se permitisse portanto que o juiz da causa pudesse, sem limites e de motu próprio, rever as decisões ou os fundamentos das sentenças que ele próprio proferisse, não se garantiria por certo a existência de um processo justo. 5. Projectando, estes ensinamentos, no caso em apreço, manifestamente, o Tribunal de 1.ª Instância violou este princípio, ao proferir um despacho que ordena o desentranhamento da sentença, à revelia, do decido pelo Sr. Juiz desembargador do Tribunal da Relação, o qual considerou como a única sentença válida e a constante dos autos. 6. Logo, não pode o Tribunal de 1.ª Instância decidir, agora, desentranhar essa mesma sentença, ignorando o decido pelo Tribunal da Relação, a cuja decisão se encontra estritamente vinculado. 7. Logo, este despacho judicial é nulo. Acresce, IV- Violação do Princípio do Contraditório 8. Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, cabendo ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo. 9. Não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem. 10. Subsumindo à situação dos autos, esta decisão constitui uma verdadeira decisão surpresa, 11. Pois, após a decisão do Tribunal da Relação, não era possível, pelo Réu, nem mesmo pelo Autor, perspectivar uma decisão tal como a prolatada e aqui em crise. 12. Sucede que, a inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respectivo enquadramento jurídico. 13. Conforme consta dos autos, a) Foi proferida sentença nestes autos, a qual foi assinada e autuada nos autos , segundo a qual o Réu foi absolvido do pedido; b) Autor e Réu, foram notificados de uma outra sentença, diverge, a qual decide, inversamente, condenar o Réu integralmente no pedido, c) O Réu, apresenta requerimento de recurso de apelação, o qual é, liminarmente, rejeitado, por decisão do Sr. Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, fundamentando esta decisão na existência de sentença, autuada nos autos, que absolve o Réu, do pedido, porquanto, não tem, este, legitimidade para recorrer; d) O tribunal de 1.ª Instância vem, através do despacho em crise, ignorando a decisão do Tribunal da Relação, ordenar o desentranhamento da sentença autuada nos autos. 14. Claramente esta decisão viola o princípio do contraditório. Vejamos, ainda numa oura perspectiva, 15. Na sequência desta insólita tramitação está pois em causa a questão da decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação que, que vincula o Tribunal de 1.ª Instância. 16. Até porque, esta decisão, vem inviabilizar a possibilidade de o Réu, como processualmente manifestado, de interpor recurso da sentença da qual foi notificado, e que não corresponde à sentença autuada no autos e que subiu para o Tribunal da Relação. 17. O Réu confiou, inicialmente na decisão de 1.ª Instância, assim como, confiou na decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 18. É que não podemos esquecer que, nos termos do nº 5 do art. 641º do CPC, o despacho da 1ª instância não vincula o tribunal superior. 19. Mas, o despacho proferido, pelo Tribunal superior vincula o tribunal de 1.ª Instância. 20. Por esta razão, não pode sufragar-se o entendimento da 1.ª instância. 21. Assim, é de concluir que não poderia Tribunal de 1.ª Instância, sem mais, ter decidido, desentranhar a sentença autuada e, nem sequer se pronunciar quanto ao recurso de apelação interposto pela Ré, da sentença, da qual foi notificada , por via citius. 22. Facto este, também ele determinativo de nulidade, do despacho aqui em crise. 23. 24. A matéria de facto julgada como provada pelo Tribunal a quo, nomeadamente os segmentos fácticos n.º 4.º, 5.º, 10.º, 12.º, ao invés do decidido na sentença, revelam a inexistência de mandato sem representação, na qual a Recorrente assumiria a posição de mandatário, da Altra Global, 25. Mas, sim, permitem concluir que Recorrente agiu como mero núncio, 26. A matéria de facto julgada como provada é inequívoca no sentido de apontar que a Recorrente não agiu em nome próprio, limitando-se a transmitir a declaração ipsis verbis da sociedade C…, cumprindo as instruções estritas desta sociedade.- art.º 4 . 27. Ora, o expedidor e o destinatário são a mesma sociedade Altra Global Trading, com sede na Arábia Saudita. 28. Foi a sociedade C.. que escolheu o transportador das mercadorias. 29. A Recorrente não é parte no contrato de transporte celebrado entre a Requerida e a 30. O acervo factual decido pelo Tribunal de 1.ª Instância é suficiente para afastar a qualificação da actuação Recorrente como mandatário sem representação, ao invés do operado pela sentença de 1.º Instância. 31. A Recorrente não acordou com a Recorrida o pagamento do preço ou, sequer, negociou o preço devido pelo contrato de transporte descrito nesta acção declarativa. 32. A matéria de facto julgada como provada não pode concluir que a R. e a sociedade C… firmaram contrato de mandato sem representação para celebração do contrato de transporte. Pois da matéria de facto julgada como provada não é possível extrair a conclusão da existência de mandato de expedição. 33. Violou a sentença os arts. 11.º n.º 1 da Convenção de Montreal Decreto-Lei n.º 39/2002, de 27.11,, art.sº artigos 1154º, 1155º, 1157º código Civil. Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente Recurso de Apelação merecer provimento e como tal ser revogada a sentença em crise, e consequentemente se a Recorrente ser absolvida do pedido.” 18. A Autora, aqui Recorrida, respondeu a este recurso, pugnando pela sua improcedência, nos seguintes termos conclusivos: “1. O recurso agora interposto pela Recorrente/Ré quanto à sentença que a condenou ao pagamento da totalidade do pedido que contra ela foi deduzido deve ser considerado intempestivo. 2. Não podem, agora, os autos subir novamente ao Tribunal da Relação de Lisboa por força da mesma via recursória, se a Recorrente não fez uso dos meios processuais adequados e que se encontravam ao seu dispor para impugnar a decisão de não admissão do recurso proferida pelo Sr. Juiz Desembargador, ao invés requereu a aclaração do despacho proferido pelo Ex.mo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, para esclarecimento da sentença que deveria ser tida “como válida e eficaz”. 3. Uma vez proferido despacho por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, versando sobre o pedido de aclaração feito e sobre o peticionado pela Recorrida em sede de contraditório, verificou-se o esgotamento do poder jurisdicional do Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, previsto no artigo 613.º do CPC. 4. Nesse sentido, uma vez indeferido o recurso datado de 4 de fevereiro de 2019 e que foi interposto pela Recorrente, não pode agora o Tribunal da Relação pronunciar-se de novo sobre a mesma matéria, nem alterar os fundamentos da decisão que já tomou, para mais, não se tratando de questões marginais, acessórias ou secundárias, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 613.º do CPC. 5. Assim, deve considerar-se que ficou precludida a possibilidade de a Recorrente ver o seu primeiro recurso apreciado, por não ter tido a reação processual adequada, bem como não lhe assiste fundamento legal para interpor um novo recurso de apelação, pelo que o mesmo deve ser considerado intempestivo. 6. Assim, entende a Recorrida que nova subida destes autos para a Segunda Instância é cabal a violar o princípio da extinção do poder jurisdicional e suas limitações, previsto no artigo 613.º do CPC. 7. A Recorrente entende que a sua qualificação como mandatária sem representação é incorreta e deveria ter sido qualificada como núncio na situação dos presentes autos. 8. No entanto, tal figura, no entendimento da Recorrente, não encontra qualquer acolhimento no nosso Código Civil, pelo que o seu valor jurídico é duvidoso. 9. A situação de facto sob juízo cabe nos pressupostos do mandato sem representação, conforme foi decidido pelo Tribunal de Primeira Instância. 10. A Recorrente obrigou-se a prestar um ato jurídico em nome próprio por conta da sociedade C…, sem que tivesse qualquer título formal para tal. 11. A Recorrente agiu de acordo com as instruções da C…e o nome que consta do documento de expedição, junto aos autos pela própria Recorrente, é o da sua funcionária Daniela…. 12. A carta de porte é unívoca quanto à identidade do expedidor, logo este não se confunde com o destinatário. 13. O preenchimento da carta de porte é da responsabilidade do expedidor, nos termos da Convenção ara a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional. 14. A funcionária Daniela… preencheu a carta de porte segundo as instruções que lhe haviam sido dadas no âmbito de uma relação de superintendência e supervisão vs subordinação para com a Recorrente. 15. A carta de porte aéreo faz presumir a existência de contrato de transporte, nos termos da Convenção de Montreal. 16. A conta cliente utlizada para solicitar o transporte foi a da Recorrente e não a da C…. 17. A Recorrida, em audiência de julgamento, juntou documentação que corrobora a utilização da conta cliente da Recorrente. 18. A sentença considera provada a existência de contrato de mandato entre a Recorrente e a C…. 19. A existência daquele mandato permite-nos chegar à única conclusão de que o mandato seria sem representação, uma vez que, por tudo quanto se disse, a Recorrente agiu em nome próprio, através da sua funcionária que se encontrava numa relação de subordinação. 20. No mandato sem representação, o mandatário age em nome próprio e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, nos termos dos artigos 1180.º e 1182.º do Código Civil. 21. A Recorrida desconhecia nem tinha que saber qual era a relação estabelecida entre a Recorrente e a C…. 22. Assim, pode a Recorrida (Autora nos autos de Primeira Instância) demandar a Recorrente (Ré na Primeira Instância) para conseguir o pagamento do preço pela realização do transporte solicitado pela segunda. 23. O recurso interposto pela Recorrente tem como fundamento a nulidade do despacho em causa, por considerar que se trata de questão de que o juiz não deveria conhecer, o que se subsume no caso previsto da alínea d) do n.º 2 do artigo 615.º do CPC. 24. Nesse sentido, a Recorrente invoca a violação do Princípio da Extinção do Poder Jurisdicional, por considerar que a determinação do Tribunal de Primeira Instância desrespeita a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, o que lhe confere o caráter de uma decisão-surpresa. 25. Mais, a Recorrente invoca a omissão de pronúncia do Tribunal de Primeira Instância quanto ao Recurso interposto pela Ré. 26. A Recorrida não concorda com a alegação aduzida pela Recorrente, conforme descreve nos pontos que se seguem e que, em bom rigor, sumariza os argumentos avançados na presente Resposta. 27. Quanto ao primeiro dos princípios referidos parece ressaltar da interpretação feita ao alegado pela Recorrente que aquele preceito ficou ferido, assim que proferida sentença de condenação da Ré, em sentido oposto ao escrito que decide absolver a Ré do pedido que contra ela foi formulado, quando diz o seguinte: “O juiz da causa não pode, pois, em regra, rever a decisão proferida, isto é inerente à natureza/essência do processo.” 28. Posição com a qual a Recorrida não se coaduna, porque só haveria violação daquele princípio se o juiz alterasse o sentido da sua decisão sobre a mesma matéria, após ter sido proferida a sentença, conforme refere o n.º 1 do artigo 613.º do CPC. 29. A sentença de condenação da Recorrente, notificada a ambas as partes, é a correta, correspondendo aquela que consta dos autos a uma versão anterior que foi incluída no processo por engano, conforme resulta dos autos. 30. O escrito (elaborado entre a conclusão e a sentença), conforme é denominado pelo Tribunal de Primeira Instância, nunca chegou a ser divulgado e, por isso, não se trata de sentença proferida. 31. Por outro lado, deve entender-se que só a divulgação daquele escrito é que coloca em causa a estabilidade da decisão jurisdicional, pois as partes confiaram na validade da condenação da Ré, motivo pelo qual o único recurso interposto foi o da ora Recorrente, que pretendia impugnar a decisão que a condenou ao pagamento da totalidade do pedido que contra ela foi deduzido. 32. Todavia, tendo em conta o teor do despacho do Digníssimo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, bem como o conteúdo dos requerimentos que, posteriormente, foram apresentados pelas partes, revelava-se importante para o caso em concreto que o Tribunal de Primeira Instância clarificasse o sentido da posição assumida quanto ao mérito da causa, atento o lapso manifesto relacionado com a coexistência de duas decisões opostas. 33. Nesse sentido, deve entender-se que artigo 613.º do CPC permite a eliminação de certos vícios ou defeitos que se tenham verificado na fase de Sentença e que os pedidos com essa finalidade devem ser dirigidos ao tribunal que proferiu a decisão, de modo a obter uma retificação mais célere. 34. Pelo que, em bom rigor, não se trata de uma nova decisão apta a colocar em causa a decisão proferida quanto ao mérito da causa, mas sim, se assim se preferir colocar, o juiz pronuncia-se de novo sobre uma questão no cumprimento de uma determinação do Tribunal da Relação de Lisboa, que se encontra coberta por despacho. 35. Logo, a retificação do lapso, através de desentranhamento, não contraria qualquer decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Entendimento inverso contenderia com o despacho deste Digníssimo Tribunal que determina a descida dos autos à Primeira Instância para colmatar as “imprecisões” que haviam sido suscitadas. 36. Quanto ao segundo dos princípios alegadamente feridos pelo dito despacho, de acordo com a opinião da Recorrente, entende a Recorrida que não se trata de uma decisão-surpresa quando o tribunal aprecia determinada matéria em que era manifesta a desnecessidade de as partes se pronunciarem. 37. Concretamente, não se trata de uma questão autónoma, sendo que as partes apresentaram requerimentos, nos termos dos quais referem esta questão, facto que deve levar à improcedência do argumento da decisão-surpresa. 38. Mais, não se trata de uma nova questão autónoma, porque suscitada a priori pelas partes e daí não existir violação daquele princípio nem lugar a uma decisão-surpresa, já que o presumível era que o Tribunal de Primeira Instância esclarecesse qual a decisão que deveria vigorar, logo não é de surpreender o desentranhamento do escrito, que, desse modo, retificou o lapso. 39. O Tribunal de Primeira Instância pronunciou-se, em sede própria, sobre a admissão do recurso interposto pela Ré, nos termos do artigo 641.º do CPC, pelo que não se esperava que o mesmo foro se pronunciasse de novo sobre esta mesma questão, até porque o despacho proferido em último lugar não contraria a sua decisão de admissão do recurso, antes pelo contrário, só a confirma. 40. Não deve agora o Tribunal de Primeira Instância tentar reverter a decisão do Tribunal da Relação de não admissão do Recurso, se a Recorrente não usou o meio processual adequado para impugnação daquela decisão. 41. Trata-se assim de um mero erro material que foi corrigido pelo Tribunal de 1.ª Instância após a ordem do Tribunal da Relação de baixar os autos. 42. Foi em cumprimento do art.º 614.º do CPC que por simples despacho o Tribunal de 1.ª Instância procedeu à correção daquele que foi um lapso manifesto da sua parte. 43. Nos termos do art.º 3.º, n.º 3, do CPC, o juiz só terá que ouvir ambas as partes quando haja uma decisão de facto ou de direito capaz de lesar os seus interesses. 44. Não foi proferida qualquer decisão de direito ou de facto, limitando-se o Tribunal de Primeira Instância a corrigir um erro material, nos termos da lei processual. 45. A Ré obteve o acesso à jurisdição e o exercício do seu direito de ação perante o Tribunal de Primeira Instância e não há qualquer negação do seu direito constitucionalmente consagrado de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, previsto no art.º 20.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa. 46. Nem se esperava que o fizesse, dado que, em sede própria, a Primeira Instância já tinha admitido o recurso interposto pela Ré da sentença final, em cumprimento do disposto nos artigos 629.º, 631.º, 637.º, 638.º e 641.º todos do CPC. 47. A decisão de não admissão do recurso interposto pela Ré é que deveria ter sido, atempadamente, impugnada pela ora Recorrente, através do meio processual adequado àquele fim. 48. Pelo que, não se esperava que fosse agora o Tribunal de Primeira Instância quem se devesse pronunciar quanto à decisão de não admissão do recurso interposto, proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 49. Não obstante o disposto, devemos ter em conta que o esclarecimento que este tribunal prestou no despacho datado de 7 de novembro de 2019 não coloca em causa a decisão de admissão do recurso contida no despacho datado de 1 de abril de 2019, antes pelo contrário. Pelo que, mais uma vez, consideramos não haver razão para uma nova apreciação sobre esta questão. 50. Não se vislumbrando a mais remota compressão do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrado. Pelo exposto e com o mui douto suprimento do Venerando Tribunal da Relação, deve ser negado o provimento ao recurso interposto pela Recorrente, por se verificar a intempestividade do mesmo, circunstância que obsta ao seu conhecimento. Se assim não se entender, o que só por mera hipótese académica se admite, deve ser negado provimento com base na argumentação aduzida pela Recorrida no ponto B do presente e manter-se a decisão do mérito da causa proferida pelo tribunal a quo. Deve também ser negado provimento ao recurso na parte em que a Recorrente invoca a violação do princípio da extinção do poder jurisdicional, do princípio do contraditório e por inexistência de fundamento para que o Tribunal da Relação se pronuncie de novo quanto a recurso, cuja admissão foi por ele indeferida e, consequentemente, não ser revogado o despacho judicial datado de 7 de novembro de 2019.” 19. A 02-03-2020 foi exarado o seguinte Despacho nos autos (ref.ª Citius 144063612, fls. 150) “No despacho proferido a 07-11-2019, declaro nulo e sem efeito: “Desentranhe outro escrito elaborado entre a conclusão e a sentença.”.” 20. Colheram-se os vistos II - Objecto do recurso O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 5.º, 635º, n.º 3 e 639º, n.ºs 1 e 3, do CPC), sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal. E porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da(s) decisão(ões) recorrida(s). Consoante resulta das conclusões das alegações da Recorrente, considerando ambos os recursos interpostos, cabe apreciar as seguintes questões: - Da nulidade do Despacho proferido a 07-11-2019, por violação dos princípios da extinção do poder jurisdicional e do contraditório; - Do caso julgado ou da preclusão do direito de recurso contra a sentença proferida a 14-12-2018, notificada às partes por notificação elaborado a 17-12-2018; Nota: a apreciação da questão prévia da extinção do poder jurisdicional, matéria sobre a qual se farão apenas umas breves referências, resulta prejudicada, em face da solução jurídica dada ao caso (ar.º 608.º, n.º 2, do CPC).. III - Fundamentação A) Motivação de Facto Para a decisão dos recursos relevam as ocorrências processuais e os factos descritos no Relatório. B) Do mérito dos recursos A Recorrente mostra-se irresignada com o despacho de 07-11-2019, com a ref.ª Citius 142890816 (fls. 92), pelo qual se considerou que “a tramitação dos processos é efectuada electronicamente”, nos termos do artigo 132.º, n.º 1, da CPC e 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, na redacção dada pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09, que “ a tramitação electrónica revela, apenas, a sentença datada de 14-11-2018, 14h40m, notificada a 17-12-2018” e que “a inserção no suporte físico do processo de outra decisão final que não a datada de 14-12-2018 resultará da impressão de versão anterior do documento, que não se revelou definitiva”, além de se ter determinado a inserção no suporte físico do processo “da sentença datada de 14-12-2018, 14h40m, notificada às partes a 17-12-2018”. E reagiu contra tal despacho através de dois recursos, o primeiro apresentado a 19-11-2019 (fls. 93 a 102 verso) e o segundo a 27-11-2019 (fls. 104 a 119 verso), que abrange, igualmente, a sentença proferida a 14-12-2018, invocando a nulidade do referido despacho judicial, por violação do princípio da extinção do poder jurisdicional (art.º 613.º, n.º 1, do CPC) e inobservância do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3, do CPC). Vejamos. A decisão sob censura pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pela Ré, aqui Recorrente, a 28-06-2019 (fls. 65), no qual pedia que se aclarasse se, perante o conflito manifesto entre sentenças, se julgava como válida e eficaz a sentença datada de 13-12-2018, constante dos autos em suporte escrito. O despacho em crise veio a ser reparado pela Senhora Juíza a quo, por despacho lavrado a 02-03-2020, com a ref.ª Citius 144063612 (fls. 150), no segmento em que determinou o desentranhamento da decisão datada de 13-12-2018 (“escrito” nas palavras da Senhora Juíza), incorporada de fls. 34 a 41 dos autos. Considera a Recorrente que a Senhora Juíza titular do processo não deveria ter prolatado a decisão de que recorre, datada de 14-12-2019 14h40m, uma vez que se extinguira o seu poder jurisdicional na sequência da prolação da decisão final datada de 13-12-2018 e assinada digitalmente (com a ref.ª Citius 139534576). O artigo 613.º, n.º 1, do Cód. do Proc. Civil (doravante CPC), aplicável aos despachos por efeito da remissão do seu n.º 3, estatui que «proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.» Porém, do seu nº 2, resulta que «é lícito (...) ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes.» Daqui decorre que o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida. Exceptuam-se os seguintes casos: erro material, que possibilita a rectificação a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, quando não haja recurso, e até à subida deste, quando ele seja interposto (art.º 614.º); falta de assinatura do juiz, susceptível de ser aposta a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento da parte (art.º 6615.º, n.ºs 1, al. a), 2 e 3); outra nulidade, sanável pelo juiz, mediante reclamação da parte, quando a decisão não admita recurso, ou mediante alegação em recurso, a que o juiz pode ainda atender (art.º 615.º, nºs 1, alíneas b) a e) e 4 e 617.º, nº 1); obscuridade ou ambiguidade, ou reforma quanto a custas e multa, com sujeição ao mesmo regime de reclamação ou recurso e de atendibilidade pelo juiz (artigos 616.º, nºs 1 e 3 e 617.º, nº 1); reforma por lapso manifesto, mediante reclamação da parte, quando a decisão não admita recurso (art.º 616.º, nº 2 e 617.º, nº 1).[[1]] O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no citado art.º 613.º do CPC, significa que o “juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível. Ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção que errou, não pode emendar o suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.”[[2]] (sublinhado nosso) Como se exarou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3 de Maio de 2011, proferido no Proc.º n.º 666-C/1998.P1 [Desembargador Rodrigues Pires], acessível em www.dgsi.pt., “Este princípio justifica-se por uma razão doutrinal. O juiz, quando decide, cumpre um dever - o dever jurisdicional - que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. Justifica-se também por uma razão pragmática. Consiste esta na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão”. [[3]] De realçar ainda que o poder jurisdicional extingue-se logo que a decisão foi exarada no processo e portanto mesmo antes das partes serem notificadas.[[4]] (sublinhado nosso) Como se disse, a possibilidade de rectificação a que alude o art.º 614.º do CPC restringe-se a situações de erro material, que não se confundem com erro de julgamento. O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou do despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. O juiz queria escrever «absolvo» e por lapso, inconsideração, distracção, escreveu precisamente o contrário: «condeno». Já o erro de julgamento é completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz, logo a seguir, se convença de que errou, não pode socorrer-se do art.º 615.º para emendar o erro.[[5]] →Revertendo ao caso concreto, verifica-se que foi incorporada nos autos uma decisão impressa em suporte de papel, assinada digitalmente pela Senhora Juíza a quo e datada de 13-12-2018, pela qual julgou improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido e que a 14-12-2018, por razões que desconhecemos mas que para aqui não relevam, foi inserida no Citius uma outra decisão que concluiu pela procedência da acção e pela condenação da Ré/Recorrente a pagar à Autora/Recorrida a quantia de 7.727,50 €, acrescida de juros de mora, desde 3 de Fevereiro de 2018 até integral e efectivo pagamento, às taxas de natureza comercial aplicáveis. O n.º 2 do artigo 152.º do CPC define a sentença como «o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa». A palavra sentença é empregada no artigo 607.º e segs. em sentido estrito: designa unicamente a peça escrita que, em seguida ao encerramento do julgamento, o juiz tem de elaborar no processo para decidir a causa. O referido normativo estatui sobre a elaboração da sentença e sua estrutura, dizendo que a mesma começa por um relatório, em que se identificam as partes e o objecto do litígio, enunciando-se, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar (n.º 2). Seguem-se os fundamentos, de facto e de direito, e a decisão (n.º 3). Ora, analisando a peça escrita elaborada e assinada digitalmente pela Senhora Juíza titular do processo a 13-12-2018, com recurso à aplicação informática Citius, que foi incorporada, em suporte de papel, no processo físico, ficando a constar de fls. 34 a 41 (actualmente consta de fls. …) logo se alcança que a mesma tem a estrutura de uma sentença, pela qual se decidiu do mérito da causa, julgando a acção improcedente, por não provada e absolvendo a Ré, aqui Recorrente, do pedido. Como se refere no despacho recorrido, sobre a matéria rege o artigo 132.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que estabelece que “a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, (…)”. Por sua vez, o artigo 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, na redacção da Portaria n.º 267/2018, de 20/09, dispõe: “1 - Os actos processuais de magistrados judiciais e de magistrados do Ministério Público são praticados no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, com aposição de assinatura electrónica qualificada ou avançada. (…).”. Certo é que no caso, a tramitação electrónica do processo revelava, apenas, a sentença datada de 14-12-2018, 14h40m, notificada a 17-12-2018. E foi por esta razão que a Senhora Juíza a quo decidiu como decidiu, no despacho recorrido, de 07-11-2020, no sentido de que a sentença válida e eficaz era a prolatada a 14-12-2018, mas fê-lo com ofensa do caso julgado formal (art.º 620.º, n.º 1, do CPC), com excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC) e com desrespeito do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3, do CPC). Há ofensa de caso julgado formal, porque a decisão recorrida contraria a decisão proferida no processo pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a 12-06-2019, e transitada em julgado, que indeferiu liminarmente o recurso de apelação dirigido contra a sentença proferida a 14-12-2019, 14h40m, por considerar que a Ré não tinha legitimidade para o recurso em face da sentença autuada nos autos e prolatada a 13-12-2018, que julgou improcedente a acção e a absolveu do pedido. Nessa decisão de indeferimento liminar, o Exmo. Desembargador Relator não deixou de ponderar a questão de a sentença estar ou não inserida no CITIUS como bem resulta do seguinte excerto: “O Citius existe por causa da Justiça e não a Justiça por causa do Citius. A sentença que consta dos autos e que deve ser tomada em consideração data de 13 de Dezembro de 2018 e absolveu a Ré, isto é, MESOSYSTEM, LDA do pedido. (…)” Esta decisão da Relação de Lisboa, de 12-06-2019, transitou em julgado[[6]] e com ela formou-se caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida (art.º 620.º, n.º 1, do CPC). Tendo decidido em termos diferentes, a decisão recorrida, de 07-11-2019, ofendeu o caso julgado formal e a obediência devida às decisões dos tribunais superiores. É nesta perspectiva que o caso sub judice tem de ser encarado: da ofensa de decisão anterior transitada em julgado. Ou seja, o enfoque não deve ser feito, como faz a Recorrente, na violação do princípio da extinção do poder jurisdicional, sobre o qual fizemos umas breves considerações, para se afirmar a validade da primeira decisão em detrimento da segunda. Na verdade, essa discussão está-nos vedada a partir do trânsito em julgado da decisão do Exmo. Relator desta Relação de Lisboa, de 12-06-2019, sobre a qual se formou caso julgado formal. Para aqui nem sequer releva saber da bondade desta decisão ou da decisão recorrida, de sentido inverso, sendo apenas de referir que esta última ofendeu o caso julgado e a obediência que era devida à decisão deste tribunal superior. → Mas a decisão recorrida também se pronunciou sobre matéria de que não deveria ter tomado conhecimento e na sua prolação foi desrespeitado o princípio do contraditório (falta de audição prévia das partes), pois não era expectável que a Ré, ou mesmo a Autora, perspectivassem sequer uma decisão como a aqui posta em crise, na medida em que a decisão da Relação de Lisboa teve como fundamento precisamente a ilegitimidade da Ré/Recorrente por constar dos autos, em suporte de papel, sentença assinada e datada de 13-12-2018 que decidira a favor da Ré. Na verdade, como bem alega a Recorrente, o tribunal recorrido proferiu o despacho de 07-11-2019 sem dar às partes a oportunidade de se pronunciarem previamente sobre a questão, constituindo a decisão proferida uma verdadeira decisão surpresa, pois não era possível a qualquer das partes perspectivar, sequer, uma decisão como a prolatada e aqui em crise, após a decisão do Senhor Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-09-2019, que rejeitou liminarmente o recurso interposto pela Ré contra a sentença de 14-12-2018, fundamentando esta decisão na existência de sentença, autuada nos autos, que absolve a Ré do pedido. E fê-lo, como se disse, pondo em causa a decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que vincula a 1.ª instância. O princípio do contraditório é estruturante do nosso direito processual, tanto assim que surge consagrado no art.º 3º do Código de Processo Civil como forma de evitar a chamada “decisão-surpresa”, constituindo inclusivamente uma manifestação do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa. Nos termos do n.º 3 do art.º 3º o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio “ao longo de todo o processo”. Como bem refere a Recorrente na conclusão 11.ª, após a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-06-2019, que indeferiu liminarmente o recurso de apelação dirigido contra a sentença proferida a 14-12-2019, 14h40m, não era expectável que a Ré, ou mesmo a Autora, perspectivassem uma decisão como a aqui em crise, na medida em que aquela decisão da Relação de Lisboa teve como fundamento a ilegitimidade da Ré/Recorrente por constar dos autos, em suporte de papel, sentença assinada e datada de 13-12-2018 que decidira a favor da Ré. A referida decisão do Tribunal da Relação de Lisboa transitou em julgado e a 1.ª instância devia tê-la acatado. Por conseguinte, manifesto se torna que estamos confrontados com uma decisão-surpresa, vício que acarreta a nulidade da decisão em crise, por excesso de pronúncia (art.ºs 615.º, n.º 1-d, 2.ª parte, ex vi do 613.º, n.º 3, 666.º e 685.º, todos do CPC), e que é conceptualmente autónomo e distinto do vício processual que lhe deu causa (a falta audição prévia das partes) e que é sancionado pelos artigos 3.º, n.º 3 e 195.º, n.º 1, do CPC. A propósito da confusão entre nulidades processuais e nulidades de sentença (ou de despachos – cf. artigo 613.º/2 do CPC), transcreve-se aqui o Comentário “Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária” do Professor Miguel Teixeira de Sousa (no Blog IPPC). “O CPC trata das nulidades processuais nos art.ºs 186.º a 202.º e das nulidades da sentença e do acórdão nos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º. Perante isto, pode colocar-se a questão: por que motivo têm tratamento em diferentes lugares do CPC as nulidades processuais e as nulidades da sentença? Ou noutra formulação: dado que a sentença é um acto processual, qual o motivo para que a nulidade da sentença não esteja tratada em conjunto com as nulidades processuais? Ou noutra formulação ainda mais precisa: constando do art.º 195.º CPC uma regra geral sobre a nulidade dos actos, qual a justificação para que exista uma regulamentação específica sobre a nulidade da sentença? A resposta tem a ver com a dupla perspectiva pela qual a sentença pode ser considerada (assim como qualquer outro acto processual) e é a seguinte: a sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença. Disto decorre que uma sentença pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspectiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual. Um exemplo (naturalmente académico): se, no procedimento comum, o juiz proferir uma decisão logo a seguir ao termo da fase dos articulados, verifica-se uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC, porque foi praticado um acto que a lei, naquele momento, não permite. Importa notar, no entanto, que, atendendo à diferença da sentença como trâmite e como acto, a nulidade processual do art.º 195.º CPC nada tem a ver com a nulidade da sentença dos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º CPC. É fácil verificar que assim é. A nulidade processual decorrente do disposto no art.º 195.º, n.º 1, CPC existe mesmo que a sentença não padeça de nenhum outro vício, nomeadamente daqueles que estão enumerados no art.º 615.º CPC. Quer dizer: a sentença pode conter toda a fundamentação exigível, pode não padecer de nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pode não conter nenhuma omissão ou nenhum excesso de pronúncia e pode não condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, mas, ainda assim, porque é proferida fora do momento adequado, verifica-se a nulidade processual imposta pelo art.º 195.º, n.º 1, CPC. Voltando ao exemplo (académico) acima referido: o proferimento da sentença logo depois da fase dos articulados constitui uma nulidade processual; no entanto, essa sentença pode não padecer de nenhum dos fundamentos de nulidade enumerados no art.º 615.º, n.º 1, CPC. O inverso também é possível (e é, aliás, a situação mais frequente): se a sentença é proferida no momento processualmente adequado, mas se a mesma não contém toda a fundamentação exigível, padece de uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contém uma omissão ou um excesso de pronúncia ou condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, não há nenhuma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC, embora se trate de sentença que é nula segundo o disposto nos art.ºs 615.º, n.º 1, 666.º e 685.º CPC. 3. Assente esta distinção básica entre a sentença considerada como trâmite e a sentença considerada como acto, importa tratar agora do problema relacionado com as decisões-surpresa e com a sua correcta solução jurídica. A questão a resolver é a seguinte: uma decisão-surpresa é uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC ou uma nulidade da sentença de acordo com o estabelecido nos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º CPC? Segundo se pode imaginar, as dificuldades sentidas pela jurisprudência decorrem da circunstância de a decisão-surpresa resultar da omissão da audição prévia das partes e de, portanto, parecer que a ela está subjacente uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC. Há aqui, no entanto, uma confusão que importa procurar desfazer. A audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão-surpresa. Quer dizer: a decisão-surpresa é um vício único e próprio: a decisão é uma decisão-surpresa quando tenha sido omitida a audição prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisão-surpresa), e não dois vícios independentes (a omissão da audiência prévia das partes e a decisão-surpresa). Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissão de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisão-surpresa), e não separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinção que é possível fazer é ontológica: é a distinção entre a causa e a consequência. Dado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar. Note-se que, como se tem vindo a repetir neste Blog, esta solução é a única que é compatível com a impugnação da decisão-surpresa através de recurso e com o objecto do recurso. O objecto do recurso é sempre uma decisão, pelo que, se houvesse uma nulidade processual, a mesma não poderia constituir objecto de recurso e teria de ser reclamada no tribunal a quo. […] 4. Uma última observação: é preciso ler com muito cuidado toda e qualquer doutrina e toda e qualquer jurisprudência que se tenha pronunciado sobre o problema antes de ter surgido no panorama legislativo português a temática da decisão-surpresa. Efectivamente, não se pode dizer que já antes não houvesse casos que, agora, seriam enquadráveis na decisão-surpresa. O que faltava na altura era a visão de que a decisão-surpresa constitui, em si mesma, um vício processual autónomo e próprio.” * Com efeito, no caso sub judice, tal como alega a Recorrente, embora sem retirar as devidas consequências jurídicas, pois que arguiu nulidade processual e não da decisão propriamente dita, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se podia pronunciar. E dizemos mais: decidiu, com ofensa do caso julgado formal, uma questão que já havia sido decidida, em definitivo, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao arrepio da decisão deste Tribunal Superior, contradizendo o respectivo julgado, ao considerar que a sentença juridicamente válida e eficaz era a prolatada a 14-12-2018 e não a proferida e assinada a 13-12-2018 que foi autuada nos autos. Por conseguinte, a decisão recorrida é nula, por excesso de pronúncia e por violação do caso julgado formal, pelo que deve ser revogada. * - Da preclusão do direito de recurso contra a sentença proferida a 14-12-2018, notificada às partes transmissão electrónica de dados, a 17-12-2018. Estando já decidido que a sentença que releva juridicamente é a prolatada a 13-12-2018, pois que existe decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 12-06-2019 e transitada em julgado, a rejeitar liminarmente anterior recurso de apelação interposto pela aqui também Recorrente por considerar que a mesma não tinha legitimidade, na medida em que aquela sentença prolatada em primeiro lugar lhe era favorável, mostra-se prejudicada, naturalmente, a apreciação da questão em apreço (art.º 608.º, n.º 2, 1.ª parte do CPC). * Porque decaiu no recurso, as custas respectivas ficam a cargo da Autora/Recorrida – art.º 527.º do CPC III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes nesta Relação de Lisboa em julgar procedentes as apelações e, consequentemente, em declarar a nulidade da decisão recorrida, de 07-11-2019 (ref.ª Citius 142890816), por excesso de pronúncia e ofensa do caso julgado formal, motivos por que a revogam. * A Autora/Recorrida suportará as custas de ambos os recursos, em que decaiu. * Registe e notifique. * Lisboa, 8 de Outubro de 2020 Manuel Rodrigues Ana Paula A. A. Carvalho Nuno Luís Lopes Ribeiro _______________________________________________________ [1] Cf. Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., págs. 697/8. [2] Cf.. José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 126. [3] Cf. José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 127. [4] Cf. José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 127. [5] Cf. José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 130. [6] A Autora conformou-se com o decidido, sendo que, enquanto parte prejudicada, podia ter reclamado para a conferência, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 652.º do CPC. |