Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24869/17.0T8LSB.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Por forma a ilidir a presunção quanto à data de notificação de uma decisão da qual se pretende recorrer, cabe ao notificando alegar e provar os factos necessários para demonstrar que não recebeu a notificação na data presumida por causa que não lhe é imputável, devendo invocar tal questão no requerimento de interposição do recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

1. Na sequência de decisão proferida pela Srª Conservadora do Registo Civil de Lisboa, interpôs JL… recurso dessa decisão.

2. Por despacho de 13/07/2018, foi esse recurso julgado intempestivo, não tendo sido admitido.

3. É deste despacho que o apelante recorre, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1.ª O Recorrente Pai foi citado para a Acção de Alimentos a Filha Maior que correram termos na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, sob o n.º …/…, por Carta Registada remetida para a sua residência em Portugal, Lisboa, id. nos Autos, cujo aviso de recepção assinou em 02.08.2017, não tendo deduzido oposição nem constituído mandatário por a Recorrida Filha e respectiva Mãe, co-alimentante, lhe terem remetido mensagens escritas, transcritas nos Autos (juntas como Documentos nºs 3, 4 das Alegações do Recurso de 06.11.2017), que, em abstracto, tendo por referência Pais e Filhos medianos, razoavelmente prudentes e diligentes, são idóneas de granjear a convicção de extinção do Processo e, em concreto, efectivamente, suscitaram tal efeito no Recorrente Pai.
2.ª O Recorrente é casado com DB… desde 27.09.2014, residindo alternadamente, em Portugal, na morada Rua …, n.º …, n.º …, ….º Dt.º B, …-… Lisboa, e no Brasil, na morada Rua …, … Apto … Perdizes, …-… São Paulo, conforme Documentos que juntou aos Autos através do Requerimento de 06.04.2018, com a Ref.ª n.º 18545032.
3.ª A Recorrida Filha absteve-se de fazer constar da Petição Inicial esta residência alternada do Pai, tendo indicado, como única morada do Pai a de Portugal.
4.ª O Recorrente esteve ausente de Portugal, no Brasil, até 04.10.2017, conforme Documentos que juntou ao Requerimento de 06.04.2018, com a Ref.ª n.º 18545032, motivo pelo qual não recebeu a Carta Registada, remetida em 15.09.2017, pela Conservatória do Registo Civil, com a Ref.ª dos CTT RD 8702 2331 5 PT, e que foi devolvida àquela Conservatória em 29.09.2017, com as menções “não atendeu” e “avisado na Loja CTT de Campo de Ourique”.
5.ª A Dgm.ª Conservatória do Registo Civil, através do Ofício de 15.03.2018, com a Ref.ª 18286552, de fls., confirmou que tal Carta Registada para notificação da Decisão ao Recorrente Pai lhe foi efectivamente devolvida e que, após devolução, a M.I. Sr.ª Conservadora, ora aposentada, decidiu enviar uma carta simples para informação ao Recorrente Pai do teor da Carta Registada devolvida.
6.ª O Recorrente Pai apenas recebeu a Carta Simples, com a Ref.ª 1781, de 29.09.2017, remetida por aquela Dgm.ª Conservatória após a devolução da referida Carta Registada, como confirmado pela própria Conservatória no Ofício de 18286552, de 15.03.2018, que juntou aos Autos na sequência de Despacho do douto Tribunal a quo.
Nestas circunstâncias,
7.ª O Recorrente Pai logrou ilidir a presunção da notificação através da Carta Registada remetida em 15.09.2017 e devolvida em 29.09.2017, e provar a efectiva notificação através da Carta Simples, com a Ref.ª 1781, de 29.09.2017, remetida por aquela Conservatória após a recepção da Carta Registada devolvida.
8.ª A própria e Dgm.ª Conservatória, no Ofício de 15.03.2018 com a Ref.ª 18286552, fez constar que, perante a recepção da Carta Registada devolvida optou por enviar Carta Simples a título informativo, o que pressupõe, de acordo com as regras da lógica e dados empíricos da experiencia comum, a aceitação de que o Recorrente não teve acesso ao teor da Carta devolvida e que este lhe tinha que ser comunicado.
Portanto
9.ª É patente do acervo probatório dos Autos que a notificação não foi efectuada através da Carta Registada de 15.09.2017 com a Ref.ª dos CTT, devolvida, e que tal frustração da notificação não é imputável ao Recorrente, que alterna a residência entre Portugal e Brasil devido à nacionalidade brasileira e residência no Brasil de sua esposa, e que lá se encontrava no lapso temporal em que a Carta registada esteve disponível para levantamento pelo que apenas foi notificado através da Carta Simples, enviada pela Dgm.ª Conservatória, datada de 29.09.2017, com a Ref.ª 1781, após a devolução da Carta Registada, de 15.09.2017, com a Ref.ª RD 8702 2331 5 PT dos CTT, conforme confirmado pela própria Dgm.ª Conservatória através do Ofício de 17.01.2018, com a Ref.ª na Plataforma CITIUS n.º 17589881.
10.ª A ilisão da presunção foi lograda nos termos expendidos pela veneranda Relação de Coimbra, no douto Acórdão de 24.01.2013: “E para que possa ser ilidida essa presunção a lei exige não só a demonstração de que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, mas também a demonstração de que tal ocorreu por razões que não lhe sejam imputáveis.
11.ª Tendo o Recorrente Pai logrado ilidir a presunção de notificação através da Carta Registada que foi devolvida à Dgm.ª Conservatória e que levou esta entidade a remeter Carta Simples com a Ref.ª n.º 1781, deverá a notificação considerar-se efectuada através da recepção desta última e, consequentemente, julgar-se tempestiva a interposição do Recurso nos termos e com as legais consequências, o que requer”.
Mais terminou requerendo, “Face ao acervo documental dos Autos, nestes termos, nos melhores de Direito, com o douto suprimento de V. Ex.as, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, deverá concluir-se pela ilisão da presunção de notificação do Recorrente Pai através da Carta Registada Ref.ª dos CTT RD 8702 2331 5 PT, remetida em 15.09.2017 e devolvida àquela Conservatória do Registo Civil em 29.09.2017, e prova de que a notificação ocorreu tão-somente através da Carta Simples, com a Ref.ª 1781, de 29.09.2017, que aquela Conservatória remeteu ao Recorrente após receber a Carta Registada devolvida, considerando-se a primeira e frustrada tentativa de notificação não imputável ao Recorrente, atenta a residência alternada no Brasil e em Portugal, com a esposa de nacionalidade brasileira, e permanência no Brasil até 04.10.2017, dando-se provimento ao presente Recurso, sendo a Sentença do Tribunal a quo, ora recorrida, revogada e substituída por Acórdão que julgue a interposição do Recurso da Decisão da M.I. Senhora Conservadora do Registo Civil tempestiva, nos termos e com as legais consequências, com o que farão V.Ex.as a costumada Justiça Material e não meramente formal”, requerendo ainda a produção de prova testemunhal, a qual foi já indeferida por despacho do relator.

4. Não foram apresentadas contra-alegações.

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II. QUESTÕES A DECIDIR

Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que a única questão a decidir é determinar se o recurso interposto da decisão da Conservatória do Registo Civil foi ou não apresentado em tempo.

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III. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A. Dos Factos:

O despacho recorrido considerou assentes os seguintes factos:

- o requerido foi citado por carta registada com A/R na Rua …, nº …, …º B dto …-… Lisboa, para deduzir oposição, sob cominação dos factos indicados no requerimento serem considerados como confessados – conforme A/R assinado pelo próprio em 02.08.2017 - cfr fls. 166;
- O requerido não deduziu oposição, nem juntou procuração aos autos;
- A decisão da Srª Conservadora foi proferida em 13-09-2017;
- Através de carta registada (remetida para a mesma morada da citação) - registo nº RD 8702 2332 4 PT (aceite nos correios de Picoas em 15.09.2017-) foi o requerente notificado da decisão de procedência do pedido e da admissibilidade de recurso no prazo de 30 dias a contar da notificação, nos termos do art 10º do DL 272/2001, de 13-10- cfr fls. 170 e 171;
- Tal carta registada teve o seguinte percurso: em 18-09-2017 foi deixado aviso para o seu levantamento no posto de Campo de Ourique, onde esteve disponível para levantamento desde 19-09-2017 até 28-09-2017 e foi devolvida à Conservatória do Registo Civil de Lisboa em 29-09-2017- cfr fls. 179 a 81 e fls. 208;
- O requerido foi considerado notificado nos termos do art 249º, nº1 e 2 do C.P.Civil;
-Ainda assim, foi determinado, a título meramente informativo, mediante correio simples, da cópia do expediente anteriormente enviado (cfr fls. 19 e e 206);
- O requerente apresentou recurso na Conservatória de Registo civil por correio eletrónico enviado em 03.11.2017 (cfr fls. 60 e 61).

B. Fundamentos do recurso:

Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou intempestivo o recurso interposto pelo ora apelante da decisão da Srª Conservadora do Registo Civil, não tendo admitido o mesmo, alegando o apelante, em síntese, que logrou ilidir a presunção de notificação, sendo o recurso tempestivo.
Apreciando.

Antes de mais, há que referir que, no âmbito dos autos que correram termos na Conservatória do Registo Civil, o apelante foi citado no dia 02.08.2017, tendo assinado o respectivo A/R, tendo optado por não deduzir oposição nem procedido à junção de procuração forense aos autos.
Donde, e para a concretização da notificação da sentença subsequentemente proferida, é aplicável o disposto no art. 249º, nº 1 do CPC, aplicável aos autos “ex vi” do disposto no nº 1 do art. 225º do Código do Registo Civil.
Nos termos do art. 249º, nº 1 do CPC “Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja”, referindo o nº 2 deste mesmo artigo que “A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior”.
Resulta assim desta norma que a notificação se considera sempre feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, por forma a atender a um dia normal de distribuição domiciliária de correspondência, como início do prazo subsequente.
Mais resulta desta norma que se presume ter sido efectuada a notificação das decisões nos termos expostos até prova em contrário, na decorrência dos arts. 349º e 350º, ambos do CC, relativos às presunções e que determinam que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário.
No que ora nos diz respeito, essa prova em contrário destinar-se-ia a demonstrar que o apelante ou não recebeu a carta ou a recebeu em dia posterior à data presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.
Como se lê no Ac. TRL, de 09-06-2014, relator Ana Lucinda Cabral, proc. 2085/13.3TBBRR-A.L1, in www.dgsi.pt “Com o incidente de prova em contrário do que resulta da base da presunção, não se justifica a prática de algum acto fora de prazo, mas apura-se diverso momento de início de contagem de um prazo para a prática de determinado acto processual, para se concluir que o foi no prazo para o efeito legalmente previsto. É ao notificando que incumbe demonstrar em juízo, com vista à determinação do início do prazo para a prática do acto processual por ele pretendido, que a notificação ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis. (vide Ac. do STJ, Proc. nº 07B3024, de 11-10-2007, in www.dgsi.pt)”.
Por outro lado, importa também salientar que para ilidir a presunção de notificação da sentença de que recorria, o ora apelante teria de alegar, no momento em que interpôs o recurso, que foi notificado da decisão da Conservatória em data posterior à que resulta da presunção legal do art. 249º, nº 1 do CPC. Neste sentido, vide Ac. TRL já citado e ampla jurisprudência aí referida.
Ora, no caso dos autos, verifica-se que o apelante não se refere a esta questão no requerimento de interposição de recurso, limitando-se a insurgir-se quanto às questões de facto e de direito constantes da decisão em apreço.
Acresce que, tendo o apelante sido citado em 04.08.2017 na morada para onde depois foi enviada a carta de notificação da sentença, não podemos considerar que o não recebimento desta última carta em momento anterior não lhe seja imputável, porquanto face à alegada existência de duas residências alternadas, incumbia-lhe informar a Conservatória desse facto.
Na verdade, para ilidir a presunção constante do art. 249º do CPC, teria o reclamante de demonstrar que actuou com a diligência mínima que lhe era exigido e que, no caso concreto, passaria por informar a Conservatória da existência de duas moradas ou encontrar forma de a correspondência recebida em Portugal lhe ser enviada para o Brasil e vice-versa.
Ora, no requerimento de interposição do recurso para o tribunal, o apelante nada refere quanto a esta matéria ou quanto ao facto de pretender ilidir a presunção em causa, não podendo agora valer-se de tais factos.
Donde, considera-se que o apelante não logrou ilidir a presunção constante do art. 249º do CPC, pelo que, tendo a decisão recorrida apreciado correctamente as datas em causa com as normas aplicáveis, se tem de entender que o referido recurso foi apresentado fora de prazo, improcedendo, pois, a presente apelação.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2019

Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Maria Amélia Ribeiro