Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2481/10.5YXLSB.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
BOA-FÉ
CLÁUSULAS NULAS
CLÁUSULA PROIBIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE E PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – O controlo a exercer sobre o conteúdo das cláusulas contratuais gerais parte da fundamental premissa de que há que distinguir, cindindo-as claramente, as circunstâncias que envolvem a concretização de um acordo negocial pessoalizado, encetado entre sujeitos situados no mesmo plano, com igual liberdade para discutir e impor os seus interesses particulares, e em que os respectivos termos são devidamente caracterizados, escalpelizados e explicados aos destinatários, relativamente ao que acontece nas cláusulas não negociadas, traduzidas na densa inserção de estipulações abstractas – prosseguidas exclusivamente a favor e em benefício do proponente –, no âmbito dos denominados contratos de adesão, propagandeados em massa e pré-elaborados de maneira a gerarem notórias dificuldades quanto ao completo e esclarecido entendimento do seu verdadeiro alcance por parte do aliciado consumidor.
II – É válida a cláusula contratual que estipula : “Os CLIENTES desde já se confessam devedores ao BANCO D, S.A. da totalidade da quantia mutuada, juros e demais encargos resultantes do presente contrato “.
III - O cliente do banco, ao solicitar os respectivos serviços, sabe perfeitamente que passa a ser devedor no que tange à obrigação de restituição das verbas mutuadas, a que acrescem os juros contratualmente previstos e os encargos inerentes ao funcionamento de qualquer instituição bancária, sendo que a determinação concreta do valor dos serviços a que o cliente terá acesso resultará naturalmente das condições particulares do negócio e de toda a documentação de natureza comercial que o banco se encontra especialmente obrigado a facultar-lhe.
IV – É nula a cláusula contratual geral que estipula “ O BANCO D, S.A. fica desde já autorizado a movimentar a Conta para os efeitos previstos no número anterior, e, bem assim, a debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que qualquer dos CLIENTES seja ou venha a ser titular ou co-titular, para efectivação do pagamento de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato, podendo ainda proceder à compensação dessas dívidas com quaisquer saldos credores dos CLIENTES e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal “.
V - A possibilidade genérica, conferida à instituição bancária Ré, de operar automaticamente a compensação, com afectação, sem restrições, dos titulares, seus clientes, de uma conta solidária, impondo-lhes nestes termos a obrigação de pagamento de uma dívida que podem não haver contraído e nela integrando parte do depósito que só com base numa presunção lhes pertencerá, afronta o princípio geral da boa fé e constitui uma faculdade negocial desproporcionada, que pressupõe uma ilimitada responsabilização do aderente ( e porventura de terceiros ) – cujos efectivos pressupostos cumpriria previamente demonstrar -, colocando nas mãos do proponente da cláusula um eficaz poder de afectação do património alheio, de cariz relativamente incondicional e particularmente gravoso.
VI – São nulas as cláusulas contratuais gerais que “10.1. Como forma adicional de titulação do crédito, os CLIENTES entregam nesta data ao BANCO D, S.A. uma livrança em branco por si devidamente subscrita e avalizada pelos AVALISTAS.
10.2. O BANCO D, S.A. fica desde já expressamente autorizado pelos CLIENTES e pelos AVALISTAS a preencher o título referido no número anterior, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, pelos montantes correspondentes à totalidade ou parte das responsabilidades que para si emergem do presente contrato, em caso de não cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato ou se, por qualquer motivo contratualmente previsto, vier a ser decretado o vencimento antecipado do contrato nos termos do artigo 13 infra.”
“ Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei, pelo presente contrato e pelo Contrato de Depósito a Prazo, o BANCO D, S.A. poderá considerar automaticamente vencidas todas as obrigações ora assumidas pelos CLIENTES, e exigir o seu cumprimento imediato, sempre que se verifique qualquer uma das seguintes situações:
(b) Se os CLIENTES não cumprirem ou entrarem em mora no cumprimento de qualquer outra obrigação para si decorrente do presente contrato;
(c) Se as declarações e garantias prestadas pelos CLIENTES nos termos do artigo 11 supra se revelarem ou tornarem falsas ou inexactas, por acção ou omissão, no todo ou em parte;
(d) Se a garantia constituída ou a constituir nos termos previstos no presente contrato deixar de constituir garantia válida, eficaz ou suficiente para o BANCO D, S.A. e os CLIENTES não procederem ao respectivo reforço nos termos do artigo 14 infra;
(e) Se os CLIENTES entrarem em mora no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias resultantes de outros empréstimos contraídos junto do sistema financeiro português ou estrangeiro;
(f) Se o presente contrato deixar, por qualquer motivo, de constituir um compromisso válido, nos seus precisos termos, para qualquer dos CLIENTES.
A falta de cumprimento integral e atempado de qualquer das obrigações contratuais dos CLIENTES confere ao BANCO D, S.A. a faculdade de considerar automaticamente vencidas as demais obrigações dos CLIENTES, resultantes deste contrato, bem como quaisquer outras obrigações por este assumidas perante o BANCO D, S.A., ainda que não vencidas. “.
VII - Este regime contratual contempla um conjunto de previsões de incumprimento que, pela sua amplíssima generalidade, abarcando indiferenciadamente um enorme leque de situações, de grau de gravidade variado, gera uma situação de notório e desproporcional desiquilíbrio em desfavor dos interesses dos aderentes, com óbvio prejuízo para os seus direitos de defesa, ligando-se o vencimento antecipado do contrato, directa e automaticamente, a meras inexactidões das declarações ou das garantias, desde que imputáveis ao cliente, e ainda que por simples omissão ou negligência – não se exigindo qualquer tipo de dolo ou intuito de defraudar, como seria mister.
VIII - Trata-se da imediata exigibilidade de obrigações não vencidas, com o subsequente preenchimento de uma livrança entregue em branco pelos clientes/aderentes, que legitima o banco a, querendo, investir patrimonialmente contra estes, passando a dispor para o efeito de um título executivo, o que, desde logo, dá a perceber o carácter altamente gravoso - para o aderente - associado ao funcionamento prático que a cláusula contratual geral em crise proporciona.
IX– É válida a cláusula contratual geral que estipula “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o BANCO D, S.A. poderá exigir aos CLIENTES o reforço das garantias constituídas e/ou a constituir nos termos do presente contrato, mediante a prestação de caução ou mediante qualquer forma a determinar pelo BANCO D, S.A., quando as mesmas deixarem de constituir garantias válidas, eficazes ou suficientes para o BANCO D, S.A. “.
X - É perfeitamente comum e curial a exigência do reforço de garantias pelo banco Réu se as anteriores, num juízo valorativo objectivo, sério e rigoroso, se revelarem insuficientes para garantir o crédito de que o banco é titular, tratando-se do regime regra que, em termos gerais, flui do disposto nos artigos 701º ( relativa à substituição ou reforço da hipoteca ), aplicável à consignação de rendimentos ( artigo 665º ) e ao penhor ( artigo 678º ), do Código Civil.
XI – É nula a cláusula contratual geral que estipula “ Os CLIENTES serão também responsáveis por todas as despesas judiciais e extrajudiciais em que o BANCO D, S.A. venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, relacionadas com honorários de advogados, solicitadores e outros prestadores de serviços “,por se verificar nela uma indefinição e uma ilimitação nos montantes a cobrar, torpeando as regras processuais, de natureza pública, vigentes nesta matéria.
XII – É válida a cláusula contratual geral que estipula “O presente contrato está sujeito à lei portuguesa e para a apreciação de todas as questões dele emergentes as partes elegem o foro do Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, salvo disposição legal imperativa em contrário “.
XIII - Não se vislumbra que tipo de inconvenientes graves podem, com seriedade e bom senso, impedir o estabelecimento do foro convencional na capital do país, sendo certo que o acórdão uniformizador nº 12/2007 de 18 de Outubro de 2007, publicado in www.dgsi.pt, ( aplicáveis aos contratos anteriores 14/2006, de 26 de Abril ), segundo o qual na acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, na indemnização pelo não cumprimento, ou pelo cumprimento defeituoso e na resolução do contrato por falta de cumprimento, se privilegia o domícilio do réu como critério de fixação da competência territorial do foro, limitou profundamente o âmbito desta cláusula, estabelecendo, por si só e desde logo, automaticamente, o reequilíbrio da situação em análise ( se alguma vez tivesse existido desequilíbrio e se tal necessário fosse ).
XIV – Em qualquer circunstância, tais ditos gravosos inconvenientes teriam que ser aferidos caso a caso, não justificando a declaração de nulidade da cláusula contratual geral em referência, como se a deslocação a Lisboa, para dirimir o pleito judicial, tomada abstratamente, sugerisse por si um acréscimo insuportável e altamente penalizador de encargos para quem quer que seja.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:



I – RELATÓRIO:


Intentou o Ministério Público, ao abrigo dos artigos 25° e 26°, n° 1, al. c), e 27°, n° 1 do Decreto-Lei n° 446/85, de 25-10, acção declarativa, com processo sumário, contra Banco D, S.A., pedindo a declaração de nulidade das cláusulas 4., 8.3., 10.2., 13.1.(b), 13.1.(c), 13.1.(d), 13.1.(e), 13.1.(f), 13.2., 14., 18.1., 18.2., 18.3. e 19., do contrato denominado "CONTRATO DE MÚTUO — CRÉDITO AO CONSUMO — TAXA VARIÁVEL", junto como documento n.° 2, pedindo a condenação desta a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, devendo a sentença especificar o âmbito de tal proibição (artigo 30.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro), bem como dar publicidade a tal proibição em prazo a determinar nessa mesma sentença, sugerindo desde logo que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (artigo 30.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro), de tamanho não inferior a 1/4 de página.

Essencialmente alegou :
A Ré tem por objecto social a realização de todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos aos bancos.
No exercício de tal actividade, a Ré procede à celebração de contratos de mútuo.
Para tanto, apresenta aos interessados - que com ela pretendem contratar - um clausulado já impresso, previamente elaborado pela Ré, com o título: "CONTRATO DE MÚTUO — CRÉDITO AO CONSUMO — TAXA VARIÁVEL".
O mesmo contém sete páginas impressas, que não incluem quaisquer espaços em branco para serem preenchidos, com excepção dos destinados à identificação dos clientes e avalistas, ao número da conta de depósito à ordem [1.1.(a)], ao número de meses [1.1.(c)], aos períodos de aplicação de taxa [1.1.(d)], aos períodos de contagem de juros [1.1.(e)], ao montante de crédito [2.], à taxa de juro[5.1.], à TAEG [5.2.], às comunicações recíprocas [17.1.(a), (b) e (c)], à data e às assinaturas.
A cláusula 15.4. do "CONTRATO DE MÚTUO — CRÉDITO AO CONSUMO —TAXA VARIÁVEL", sob a epígrafe "Disposições Diversas", estipula o seguinte: "O anexo ao presente contrato faz parte integrante do mesmo para todos os efeitos legais e contratuais."
As mencionadas sete páginas com o título "CONTRATO DE MÚTUO — CRÉDITO AO CONSUMO — TAXA VARIÁVEL", correspondem a um contrato de adesão sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais instituído pelo Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n°s 220/95, de 31/08, 249/99, de 07/07, e 323/2001, de 17/12 (Lei das Clausulas Contratuais Gerais).
O uso das cláusulas 4., 8.3., 10.2., 13.1.(b), 13.1.(c), 13.1.(d), 13.1.(e), 13.1.(f), 13.2., 14., 18.1., 18.2., 18.3. e 19. incluídas nesse contrato é proibido, nos termos do disposto nos artigos 15°, 16°, 19°, d) e g), e 21°, g), da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, sendo por isso nulas nos termos do artigo 12° da mesma Lei.
A cláusula 4. porque impõe uma confissão de dívida por parte do aderente com base em factos para tal insuficientes, coarctando-lhe a possibilidade de contraditar a natureza ou os valores das referidas dívidas e de negar o pagamento das mesmas.
A cláusula 8.3., porque através dela a Ré fica autorizada a proceder à compensação debitando qualquer conta do aderente pelas quantias não pagas, permitindo, não só a compensação com um depósito singular, mas também com um depósito colectivo, o que significa que a Ré impõe ao aderente a aceitação de compensação com créditos de terceiros, é inaceitável.
As cláusulas 10.2., 13.1.(b), 13.1.(c), 13.1.(d), 13.1.(e), 13.1.(f) e 13.2. porque conferem à Ré o poder de considerar vencidas todas as prestações num conjunto de situações inadmissíveis, criando um notório desequilíbrio em desfavor do aderente, sendo nulas por ofensivas dos valores fundamentais do direito defendidos pelo principio da boa-fé.
A cláusula 14., na medida em que a possibilidade da Ré de no decurso do cumprimento do contrato exigir o reforço das garantias já prestadas constitui um desequilíbrio das prestações contratuais, sem que haja uma causa de justificação, dado que a Ré numa fase inicial teve oportunidade de avaliar a solvabilidade do seu cliente, pondo em causa a função sócio económica do contrato.
As cláusulas 18.1., 18.2., 18.3. por deixarem aberta a possibilidade da Ré cobrar ao aderente, sem que este tenha possibilidade de as contraditar, outras quantias cuja determinação fica na sua inteira disponibilidade, pois as expressões "encargos", "juros" e "comissões" poderão englobar uma diversidade de situações que o aderente não tem possibilidade de prever e ponderar no momento da celebração do contrato, não sendo suficiente a indicação de que tais quantias se encontram previstas no precário do BANCO D, S.A..

Por outro lado, a aceitação da responsabilidade das despesas relativas a honorários prevista na cláusula 8.2 implica uma aceitação do aderente relativamente a dividas futuras cujo alcance não pode ser previsto no momento da celebração do contrato.

A cláusula 19., porque a fixação da competência do Tribunal de Lisboa é susceptível de provocar graves inconvenientes aos aderentes que residam nas comarcas mais longínquas, nomeadamente com as deslocações, suas e do respectivo mandatário, ou a procura de mandatário nesta zona e, por outro lado, integra violação do regime imperativo da competência do domicílio do Réu.

A Ré contestou, alegando essencialmente:
Ao contrato de crédito ao consumo em análise aplicam-se as cláusulas constantes da Secção H das Condições Gerais de Abertura de Conta, criada por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 317/2009, junta com a contestação como documento n° 8, clausulado que foi completamente ignorado pelo Ministério Publico.
A declaração de confissão ou reconhecimento de dívida constante da cláusula 4 do contrato está inserta num contrato de mútuo, o qual, pela sua própria natureza e efeitos implica que o cliente da Ré, na qualidade de mutuário, se constitui na obrigação de restituição (que se traduzirá numa obrigação de pagamento da quantia mutuada a que se refere a cláusula 4. em análise) e de pagamento da retribuição (correspondente à obrigação de pagamento de juros e demais encargos a que se refere a mesma cláusula 4.) pelo que na ausência de estipulação com o teor desta cláusula a solução ou efeito que nela se regula e que dela resulta sempre se verificaria por força da aplicação dos termos gerais da lei, assentando, por outro lado, tal confissão e reconhecimento de divida em factos perfeitamente suficientes e constantes do mesmo contrato.

Quanto à invalidade da Cláusula 8.3., a compensação há-de sempre respeitar a norma constante do artigo 853.° n.° 2 do Código Civil, que inviabiliza a compensação sempre que esta operação se revele prejudicial aos direitos de terceiro, o que, tratando-se de previsão legal imperativa, não necessitará de constar expressamente de qualquer contrato, sendo que nos contratos de abertura de conta de depósito conjunta, "funcionará a presunção de igualdade das participações", de acordo com as disposições constantes dos artigos 534.°, 1403.° n.° 2 e 1404.° do Código Civil, sempre que outra proporção/participação não resulte da lei ou de convenção.

No que respeita aos contratos de abertura de conta de depósito solidária, sempre se dirá que " ao celebrar uma abertura de conta conjunta com solidariedade, todos os titulares sabem que qualquer dos seus titulares pode esgotar o seu saldo (e, até, sacar a descoberto, em certos casos!) (...) pelo que se um titular pode, sozinho, esgotar o saldo, também poderá, sozinho, constituir débitos junto do banqueiro que impliquem, por via da compensação, esse mesmo esgotamento” (in "Manual de Direito Bancário", António Menezes Cordeiro, Almeida, 3.a Edição (2008), p. 465).

Relativamente à inadmissibilidade da compensação de dívidas com o saldo de contas de depósito a prazo antes do respectivo vencimento, com a consequente invalidade desta cláusula 8.3., desde que a finalidade do depósito a prazo e o interesse do depositante estejam salvaguardados, nenhuma razão poderá obstar à operação de compensação.

Quanto à invalidade das Cláusulas 10.2, 13.1, 13.1(b), 13.1(c), 13.1(d), 13.1(e), 13.1(f) e 13.2, em qualquer dos casos elencados, a inadimplência do aderente poderá resultar na quebra de um pressuposto fundamental à relação entre banco e cliente: o da confiança recíproca, não podendo, razoavelmente e à luz do princípio da boa fé, querer exigir-se ao banco mutuante que se mantenha no contrato num cenário em que, por exemplo, o cliente esteja em incumprimento de obrigações pecuniárias assumidas no âmbito de outros empréstimos contraídos junto da banca, ou num cenário em que as garantias prestadas pelo cliente para bom cumprimento das respectivas obrigações perante o banco se encontram desprovidas de valor venal.

No que se refere à invalidade da Cláusula 14., o próprio Código Civil, nos artigos 626.°, relativamente à caução, 665.°, quanto à consignação de rendimentos, 678.°, em relação ao penhor e 701.°, no que respeita à hipoteca, reconhece ao credor o direito a pedir o reforço das garantias, caso as existentes se tornem insuficientes.

Quanto à invalidade das Cláusulas 18.1 e 18.3, decorre do quadro negocial padronizado - assente pelo próprio Banco de Portugal - que, no âmbito da actividade bancária, é lícito às instituições financeiras exigir junto dos respectivos clientes o pagamento de prestações pecuniárias enquanto retribuição pelos serviços prestados, ou subcontratados a terceiros - as comissões e taxas; e fazer repercutir nos clientes os encargos suportados pelas instituições - as despesas e encargos.

Relativamente à invalidade da cláusula 18.2, resulta que o cliente reconhece o direito de o banco lhe cobrar, para além dos montantes em dívida ao abrigo do acordo firmado entre as partes, também as despesas em que o banco incorra para satisfação do respectivo crédito, no âmbito judicial ou extrajudicial, relacionadas com honorários de advogados, solicitadores e outros prestadores de serviços, fixação que é perfeitamente possível e legal, como decorre do disposto no artigo 810.° do Código Civil.

Quanto à invalidade da Cláusula 19., porque o pacto de competência constante desta cláusula não fere qualquer disposição legal de carácter imperativo na medida em que se prevê expressamente "salvo disposição legal imperativa em contrário", nem é susceptível de provocar graves inconvenientes aos aderentes.

Notificado da apresentação da contestação, o Ministério Publico apresentou articulado de resposta a fls. 800 a 817.

Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 852 a 861.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, nessa conformidade, determinou:
“a) Declarar nulas as seguintes cláusulas do contrato denominado "CONTRATO DE MÚTUO — CRÉDITO AO CONSUMO — TAXA VARIÁVEL", junto com a petição inicial como documento n.° 2 que a Ré BANCO D, S.A. apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar:

. Cláusula 8.3. sob a epígrafe "Processamento":
«O BANCO D, S.A. fica desde já autorizado a movimentar a Conta para os efeitos previstos no número anterior, e, bem assim, a debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que qualquer dos CLIENTES seja ou venha a ser titular ou co-titular, para efectivação do pagamento de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato, podendo ainda proceder à compensação dessas dívidas com quaisquer saldos credores dos CLIENTES e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal.»
. Cláusula 10.2., sob a epígrafe "Titulação Adicional".
«O BANCO D, S.A. fica desde já expressamente autorizado pelos CLIENTES e pelos AVALISTAS a preencher o título referido no número anterior, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, pelos montantes correspondentes à totalidade ou parte das responsabilidades que para si emergem do presente contrato, em caso de não cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato ou se, por qualquer motivo contratualmente previsto, vier a ser decretado o vencimento antecipado do contrato nos termos do artigo 13 infra.»
. Cláusulas 13.1.(b), 13.1.(c), 13.1.(d), 13.1.(e), 13.1.(f) e 13.2., sob a epígrafe "Vencimento Antecipado".

«13.1. Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei, pelo presente contrato e pelo Contrato de Depósito a Prazo, o BANCO D, S.A. poderá considerar automaticamente vencidas todas as obrigações ora assumidas pelos CLIENTES, e exigir o seu cumprimento imediato, sempre que se verifique qualquer uma das seguintes situações:
13.1.(b) Se os CLIENTES não cumprirem ou entrarem em mora no cumprimento de qualquer outra obrigação para si decorrente do presente contrato;
13.1.(c) Se as declarações e garantias prestadas pelos CLIENTES nos termos do artigo 11 supra se revelarem ou tornarem falsas ou inexactas, por acção ou omissão, no todo ou em parte;
13.1.(d) Se a garantia constituída ou a constituir nos termos previstos no presente contrato deixar de constituir garantia válida, eficaz ou suficiente para o BANCO D, S.A. e os CLIENTES não procederem ao respectivo reforço nos termos do artigo 14 infra;
13.1.(e) Se os CLIENTES entrarem em mora no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias resultantes de outros empréstimos contraídos junto do sistema financeiro português ou estrangeiro;
13.1.(f) Se o presente contrato deixar, por qualquer motivo, de constituir um compromisso válido, nos seus precisos termos, para qualquer dos CLIENTES.
13.2. A falta de cumprimento integral e atempado de qualquer das obrigações contratuais dos CLIENTES confere ao BANCO D, S.A. a faculdade de considerar automaticamente vencidas as demais obrigações dos CLIENTES, resultantes deste contrato, bem como quaisquer outras obrigações por este assumidas perante o BANCO D, S.A., ainda que não vencidas.»
b) Condenar a Ré BANCO D, S.A. a abster-se do uso das cláusulas mencionadas;
c) Condenar a Ré BANCO D, S.A. a dar publicidade à parte decisória da presente sentença, no prazo de 20 dias, desde o trânsito em julgado, através de anúncio de dimensão não inferior a 1/4 de página, a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, em 3 (três) dias consecutivos, comprovando o acto nos presentes autos, até 10 (dez) dias após a última publicação.
d) Absolver no mais a Ré do pedido”.( cfr. fls. 899 a 929).

Apresentaram o Ministério Público, e a Ré, Banco D, S.A., recurso contra esta decisão, os quais foram admitidos como de apelação ( cfr. fls. 1072 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 995 a 1031, formulou o apelante Ministério Público as seguintes conclusões:
1. O presente recurso cinge-se ao segmento da douta sentença recorrida que absolveu a ré do pedido de declaração da nulidade das cláusulas 4., 14., 18.1., 18.2., 18.3. e 19., constantes do clausulado utilizado pela ré nos contratos de mútuo para crédito ao consumo.
2. Ao contrário do que é referido na sentença recorrida, a cláusula 4. não se baseia em factos suficientemente determináveis, antes autorizando a recorrida a cobrar ao aderente quantias sem que sejam indicados os respectivos montantes ou os critérios para a sua determinação.
3. É certo que, ao celebrar o contrato em análise nos autos, como refere a M.ma Juiz a quo, o aderente já está a reconhecer a sua obrigação de restituir à ré a quantia mutuada e respectivos juros, conforme decorre do disposto nos art.°s 1142.° e 1145.°, ambos do Código Civil, não resultando deste concreto segmento da cláusula sindicada qualquer violação do RJCCG.
4. Porém, a cláusula sindicada contém ainda o segmento nos termos do qual o aderente se confessa, desde logo, devedor de "demais encargos resultantes do presente contrato".
5. Neste termos, a cláusula 4. implica uma aceitação do aderente quanto ao pagamento de quaisquer valores que a ré entenda serem devidos como encargos resultantes do contrato, sem que sejam então indicados os respectivos montantes ou, pelo menos, quais os critérios para a sua determinação, e sem que, antes de o pagamento ocorrer — devido à não precisão, ao desconhecimento dos montantes em causa — tenha o aderente a possibilidade de os prever ou de ponderar sobre os mesmos.
6. Deste modo, é imposta uma ficção de aceitação que equivale, na prática, a uma confissão de dívida por parte do aderente com base em factos para tal insuficientes e sem lhe ser dada a possibilidade de contraditar a dívida ou de negar o pagamento da mesma.
7. Ora, ainda que se compreenda a dificuldade de definição de todos os valores a que alude a cláusula 4., essa dificuldade, à qual o aderente/consumidor é de todo alheio, não pode ser prejudicial a este ao ponto de levar que quaisquer montantes que a ora recorrida entenda estarem em dívida sejam desde logo retirados do seu património, sem que seja permitido ao consumidor um exame anterior.
8. Com efeito, como resulta da doutrina e jurisprudência maioritária, em matéria de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, existe um regime jurídico de protecção do consumidor, assente na ideia de que este se encontra numa situação de inferioridade e de desigualdade relativamente ao profissional, no que respeita tanto ao poder de negociação, como ao nível de informação, que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem que possa influenciar o seu conteúdo.
9. Deste modo, não é o responsabilizar do aderente pelo pagamento das quantias em apreço que está aqui em causa, mas antes a convicção de que, devido à própria indeterminação das despesas, entre esse responsabilizar e a retirada das respectivas quantias do património do aderente/consumidor, se imporia a exigência de uma anuência por parte deste, assente, pelo menos, na possibilidade de uma análise prévia das quantias exigidas, sob pena de, ao arrepio de todos os deveres, princípios e tendência de protecção do consumidor, se permitir à entidade bancária colocar o património do aderente/consumidor à sua inteira mercê e de se vedar a este reacções e oposições, pelo menos antecipadas.
10. Razão pela qual a cláusula 4. do clausulado por utilizado pela ré nos contratos de crédito ao consumo é proibida, de acordo com o art.° 19.°, alínea d), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), que classifica como proibidas as cláusulas que, designadamente, consoante o quadro negociai padronizado, imponham ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes.
11. Acresce que a cláusula 4., na parte em que prevê que o aderente confessa ser automaticamente devedor à ré dos demais encargos resultantes do contrato, impõe uma confissão ampla e genérica de dívida quanto a esses encargos, impedindo o aderente de, posteriormente, se defender ou questionar a sua aplicação em concreto, uma vez que, antecipadamente, já se confessou devedor de tais quantias através de um documento, mesmo desconhecendo, naquele momento, o que, em concreto, estava a confessar.
12. Atento o disposto nos art.°s 352.°, 358.°, n.° 2, e 347.°, todos do Código Civil, terá de ser o aderente a reagir perante quantias não devidas, demonstrando que tais montantes não são devidos ao banco e tendo, inclusivamente de obter elementos probatórios junto do próprio banco.
13. Esta circunstância gera, manifestamente, uma inadmissível inversão do ónus da prova, pois não é a ora recorrida que tem de provar que determinada quantia é devida, já existindo uma confissão de dívida em seu favor, mas sim o cliente, que é obrigado a provar que tal quantia não é devida ao banco, pelo que a cláusula 4. é ainda nula por contender com o art.° 21.°, alínea g), do RJCCG.
14. Pelo exposto, a cláusula 4. deveria ter sido declarada nula pelo tribunal a quo, por violar o disposto nos art.°s 19.°, alínea d), e 21.°, alínea g), do RJCCG.
15. A cláusula 14. é violadora de valores fundamentais de direito defendidos pelo princípio da boa-fé, conforme os art.°s 15.° e 16.° do RJCCG, na medida em que a possibilidade de a recorrida, no decurso do cumprimento do contrato, exigir o reforço de garantias já prestadas, constitui um desequilíbrio das prestações contratuais, sem que haja uma causa de justificação.
16. Com efeito, de acordo com o teor da cláusula em apreço, a exigência de reforço das garantias pela ora recorrida ao outro contraente não está dependente da verificação de quaisquer critérios objectivos, mas única e exclusivamente da vontade daquela, não conhecendo o aderente/consumidor desde o início quais as garantias que lhe poderão ser pedidas ao longo da execução do contrato e em que circunstâncias poderão as mesmas ser exigidas pela recorrida.
17. Desta forma, o aderente/consumidor não pode projectar as suas expectativas contratuais para o futuro com um razoável grau de segurança, até porque tais garantias podem implicar despesas acrescidas para o mesmo, com onerosidade excessiva para este, sendo que, aquando da contratação, o aderente/consumidor desconhece quais as garantias que poderão ser exigidas pela recorrida.
18. Esta possibilidade de modificação unilateral do contrato no que respeita à prestação de garantias é uma porta aberta ao desequilíbrio contratual durante a execução do contrato, pondo em causa o sinalagma da relação jurídica, pois a recorrida, com abuso do seu poder económico, obtém com a cláusula em apreço uma vantagem excessiva, que constitui uma violação do princípio da boa-fé objectiva e da transparência nas relações jurídicas.
19. Pelo exposto, a cláusula 14. deveria ter sido declarada nula pelo tribunal a quo, por violar o disposto nos art.°s 15.° e 16.°, ambos do RJCCG.
20. No que respeita às cláusulas 18.1. e 18.3, estas não são iníquas por imporem aos aderente o pagamento de montantes correspondentes a despesas e encargos, que são, aliás, devidos à instituição bancária, mas por não fornecerem os montantes ou os critérios para a determinação de tais quantias, sendo certo que não é suficiente que estejam descritos no preçário da recorrida.
21. Na verdade, a descrição, ainda que detalhada, no preçário não substitui a necessidade de informar antecipadamente o cliente de tais montantes e, sobretudo, do respectivo critério de determinação, sendo certo que estas informações não se encontram incluídas no contrato cujas cláusulas foram sindicadas e a apreciação a efectuar no âmbito das cláusulas contratuais gerais tem de ser obrigatoriamente endógena, limitando-se às cláusulas, e não exógena, apelando a elementos exteriores, a que acresce que, no âmbito de uma acção inibitória não são fiscalizados os contratos em concreto, mas sim os formulários de adesão em abstracto, tendo em conta as cláusulas em si próprias, no seu conjunto e segundo os padrões negociais em causa, pelo que a fiscalização da legalidade das cláusulas contratuais gerais deve cingir-se única e exclusivamente ao conteúdo do contrato, tal como se encontra redigido, até porque preconizar o entendimento contrário, seria deixar o aderente/consumidor dependente da boa vontade da ora recorrida na junção pela mesma de um documento estranho ao clausulado.
22. Deste modo, é imposta uma ficção de aceitação que equivale, na prática, a uma confissão de dívida por parte do aderente com base em factos para tal insuficientes e sem lhe ser dada a possibilidade de contraditar a dívida ou de negar o pagamento da mesma, revelando um défice de informação por parte da recorrida, incompatível com os deveres gerais de conduta e de protecção que incumbem às entidades bancárias.
23. Ainda que os montantes cobrados pela ora recorrida a título de despesas, encargos, taxas e comissões sejam detalhadamente descritos em extractos enviados periodicamente ao cliente, deste modo apenas é dada a este a possibilidade de, eventualmente, contestar algum valor cobrado pela recorrida, após tal cobrança ter tido lugar, sendo certo que, conforme resulta da já invocada e sindicada cláusula 4., o aderente desde logo se confessa devedor de todos os encargos resultantes do contrato.
24. A cláusula 18.2. implica também uma aceitação do aderente relativamente a todas as dívidas futuras, judiciais e extrajudiciais, em que a recorrida venha a incorrer para cobrança do seu crédito, sem conter um limite ao montante que esta poderá vir a reclamar do cliente, sendo que o alcance dessas dívidas não pode ser previsto no momento da celebração do contrato, ficcionando igualmente uma aceitação que equivale a uma confissão de dívida por parte do cliente com base em factos para tal insuficientes e sem lhe ser dada a possibilidade de contraditar a dívida ou de negar o pagamento da mesma.
25. Ora, a título exemplificativo, os valores relativos a honorários de advogado podem variar muito consoante o profissional que recorrida contrate, não sendo razoável que esta imponha ao cliente uma cláusula aberta que o constranja a aceitar pagar no futuro qualquer valor, até porque às despesas aludidas na cláusula se reconduzirão, desde logo, as taxas de justiça que vierem a ser pagas nas acções com vista à cobrança de eventuais créditos sobre as contrapartes nos contratos celebrados, os encargos suportados, as remunerações pagas a agente de execução e as despesas por este efectuadas, bem como os honorários do mandatário e respectivas despesas.
26. Contudo, só nos casos expressamente previstos na lei, pode uma parte ser responsabilizada pelo pagamento dos honorários do advogado da contraparte.
27. O pagamento de custas de parte apenas é legalmente exigível com a existência de decisão judicial que condene no pagamento de custas e tem de restringir-se aos limites impostos por lei, conforme art.° 26.°, n.°s 1 e 3, do Regulamento das Custas Processuais.
28. Nos casos em que a recorrida intente acção judicial contra um consumidor contratante e não obtenha vencimento na acção, as custas de parte não são da responsabilidade deste último, não sendo legal, neste caso concreto, a cobrança de qualquer quantia por parte da recorrida ao consumidor.
29. A cláusula em apreço ignora completamente os limites impostos por lei para a cobrança de custas de parte, impondo claramente ao consumidor o pagamento de todas as despesas judiciais em que incorra, incluindo os honorários de advogados, independentemente de vir a obter, ou não, vencimento na acção.
30. Resulta da cláusula em apreço que, se o aderente/consumidor incumprir o contrato, fica obrigado a suportar a totalidade daquelas despesas, porém, se for a recorrida/predisponente a incumprir o contrato, as despesas que daí advierem para o consumidor são suportadas por este último, não se vislumbrando qualquer fundamento que justifique a desigualdade de tratamento que se estabelece nesta cláusula e que favorece, exclusivamente a recorrida/predisponente, conferindo a cláusula à recorrida uma vantagem injustificável que afecta significativamente o equilíbrio contratual.
31. Por outro lado, apenas excepcionalmente e por decisão judicial, o nosso ordenamento jurídico adite a tributação de indemnizações autónomas à parte vencedora, como são os casos de litigância de má-fé e de inexigibilidade da obrigação no momento da propositura da acção — cfr. os actuais art.°s 543.° e 610.°, n.° 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.° 41/2013, de 26-06, anteriores art.°s 457.° e 662.°, n.° 3, do CPC na sua redacção anterior, respectivamente
32. As cláusulas 18.1. e 18.3. são nulas, por violação do princípio da boa-fé, consagrado nos art.°s 15.° e 16.°, ambos do RJCCG, uma vez que agravam o desequilíbrio das prestações entre as partes contratantes, com prejuízo para os aderentes.
33. Por sua vez, a cláusula 18.2. é proibida, por violação de valores fundamentais de direito defendidos pelo princípio da boa-fé — art.°s 15.° e 16.° do RJCCG -, e por violação de lei imperativa, já que modifica, por via contratual, regras imperativas sobre custas de parte e indemnizações autónomas a atribuir à parte vencedora.
34. As cláusulas 18.1., 18.2. e 18.3. são igualmente nulas, por violação do disposto no art.° 19.°, alínea d), do RJCCG, uma vez que impõem uma ficção de aceitação do pagamento de diversas quantias com base em factos para tal insuficientes e sem ser dada a possibilidade de contraditar a dívida ou de negar o pagamento da mesma.
35. Pelo exposto, o tribunal a quo deveria ter declarado proibidas as cláusulas 18.1., 18.2. e 18.3., por violarem o disposto nos art.°s 15.°, 16.° e 19.°, alínea d), do RJCCG, nos termos acima expostos.
36. A fixação da competência do Tribunal da Comarca de Lisboa pela cláusula 19. do contrato em apreço, mesmo excluindo os casos abrangidos pelas alterações introduzidas pela Lei n.° 14/2006, de 26 de Abril, aos então art.°s 74.0, n.° 1, e 110.°, n.° 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil (correspondentes aos actuais art.° 71.°, n.° 1, e 104.°, n.° 1, al. a), do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.° 41/2013, de 26-06), em conjugação com o disposto no art.° 100°, n.° 1, 2.8 parte, do mesmo diploma legal (actual art.° 95.°, n.° 1, 2ª parte, do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.° 41/2013, de 26-06), e com a publicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 12/2007, é susceptível de provocar graves inconvenientes aos aderentes que residam nas comarcas mais longínquas, nomeadamente com as suas deslocações e as do respectivo mandatário.
37. A expressão "salvo disposição legal imperativa em contrário", constante da cláusula 19. deve ser censurada pelo seu carácter obscuro, pois não esclarece o aderente, sendo certo que não é idónea para subtrair tal cláusula à sindicação do seu conteúdo.
38. Subsistem as acções judiciais com fundamento noutro facto que não o incumprimento, como, por exemplo, as fundadas na resolução por alteração das circunstâncias e as de anulação ou declaração de nulidade do contrato, sendo o cliente demandado, por força desta cláusula 19., em Lisboa, e não no tribunal da sua residência, como resultaria do regime geral do anterior art.° 85.° do Código de Processo Civil, e actual art.° 80.° do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.° 41/2013, de 26-06.
39. A valoração do quadro negocial padronizado", previsto no proémio do art.° 19.° do RJCCG terá de ser efectuada com referência não ao contrato singular ou às circunstâncias do caso, mas atendendo ao tipo de negócio em causa e aos elementos que normativamente o caracterizam, sobrelevando pois os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas em negócios da espécie considerada.
40. A cláusula em análise favorece a parte que dispõe de melhores condições de litigância, tornando ainda mais vulnerável a posição do aderente, o qual, em face da excessiva onerosidade que esta cláusula, indirectamente impõe — com as deslocações a Lisboa, não só do mutuário, mas também do respectivo mandatário -, pode equivaler a uma verdadeira impossibilidade do exercício do direito de defesa.
41. Por outro lado, não se vislumbra que para a recorrida advenha um inconveniente de relevo na sua propositura no tribunal do domicílio do mutuário, atendendo ao reduzido tipo de acções não abrangidos pelo anterior art.° 74.° do Código de Processo Civil e actual art.° 71.° do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.° 41/2013, de 26-06, o que decorre igualmente da necessária reorganização dos serviços que este novo regime implicou para a recorrida.
42. Não existe da parte da recorrida um interesse relevante na atribuição da competência à comarca de Lisboa, que justifique os sacrifícios do aderente, pelo que se conclui pela nulidade da referida cláusula, em face do quadro negociai padronizado, nos termos do disposto no art.° 19.°, alínea g), do RJCCG.
43. O tribunal a quo deveria ter declarado a cláusula 19., por contender com o disposto no art.° 19.°, alínea g), do RJCCG.

Conclui, assim, pelo provimento do recurso, formulando os seguintes pedidos:
- revogar-se a decisão recorrida quanto ao segmento assinalado;
- julgar a acção totalmente procedente, declarando-se a nulidade das cláusulas 4., 14., 18.1., 18.2., 18.3. e 19., constantes do clausulado por utilizado pela ré nos contratos de crédito ao consumo;
- condenar-se a recorrida a não mais utilizar nos seus contratos as cláusulas declaradas nulas e a publicitar a presente decisão em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a 1/4 de página.

Contra-alegou a Ré pugnando pela improcedência deste recurso.
Juntas as competentes alegações, a fls. 965 a 990, formulou a apelante Banco D, S.A., as seguintes conclusões:
1. (A) O Tribunal a quo declarou a nulidade das cláusulas 8.3, 10.2, 13.1 b), c), d), e), f) e 13.2 do Contrato de Mútuo — Crédito ao Consumo — Taxa Variável, por violarem o disposto no artigo 12.° do RCCG, condenando o Réu nos demais pedidos do Autor.
2. (B) Ficou provado que, por força das alterações legislativas (introduzidas pelos Decreto-Lei n.° 133/2009 e n.° 317/2009), o Réu procedeu à revisão das minutas contratuais que vinha utilizando nos contratos de abertura de conta e nos contratos de crédito, bem como que uma das alterações consistiu na criação de uma nova secção relativa à prestação e utilização de serviços de pagamento, constante da Secção H das Condições Gerais de Abertura de Conta.
3. (C) Ficou também provado que a celebração do Contrato (ora em discussão) pressupõe a celebração de um Contrato de Abertura de Conta, bem como que a Secção H das referidas Condições Gerais de Abertura de Conta aplica-se de forma generalizada a todos os contratos de crédito celebrados entre o Réu e os seus Clientes — ponto 1.1 da sobredita secção H.
4. (D) Emergindo tais alterações da lei, não há possibilidade de repristinação de tal matéria, por parte do Réu, ainda que fosse sua pretensão.
5. (E) Relativamente à COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS [cláusula 8.3], as regras de interpretação das cláusulas contratuais gerais devem ser interpretadas de acordo com as regras gerais de interpretação das declarações negociais (236.° e ss. do CC), não beneficiando do regime de interpretação mais favorável ao aderente previsto para as cláusulas ambíguas (cfr. artigo 10.° e 11.° do RCCG).
6. (F) O caso em que ora Recorrente pode proceder à compensação de créditos está contemplado na cláusula 8.2., razão pela qual não há qualquer ficção de aceitação de dívida com base em factos para tal insuficientes, não havendo violação do disposto no artigo 19.°, al. d), do RCCG.
7. (G) Aliás, ficou provado que "[o] R. não opera qualquer compensação de valores de forma automática, sendo a mesma feita, caso a caso, pela área de recuperação de crédito", bem como que, "por via de regra, a compensação apenas é operada relativamente a contas bancárias cujo regime de titularidade coincide com o regime da conta, respeitante ao mútuo e, residualmente, relativamente a contas bancárias de regimes de titularidade distintos" — cfr. alíneas W) e X) da Motivação Fáctica.
8. (H) Como esclarece a DOUTRINA, a compensação funciona sempre e não é necessária qualquer convenção suplementar para tornar aplicável o que já resulta da lei geral.
9. (I) As contas coletivas conjuntas só podem ser movimentadas por todos os titulares conjuntamente (com a assinatura de todos os titulares) mas "Não se infira, daqui, que a conta conjunta se torna indisponível, impenhorável ou inatingível, por força das dívidas de apenas um dos seus contitulares", sob pena de o devedor poder "(...) eximir-se às regras da responsabilidade patrimonial, abrindo "contas conjuntas" com pessoas da sua confiança".
10. (J) Neste caso 'funcionará a presunção de igualdade das participações", de acordo com as disposições constantes dos artigos 534.°, 1403.° n.° 2 e 1404.°, todos do CC, pelo que assiste ao banco o direito de operar a compensação através do saldo da conta, desde que o faça até ao limite do direito de crédito do cliente devedor.
11. (K) O clausulado em questão não prevê que o Recorrente esteja autorizado a proceder à compensação das dívidas que o aderente tenha contraído junto do Réu, até ao limite máximo do saldo, até porque, a compensação há de sempre respeitar a norma constante do artigo 853.° n.° 2 do Código Civil, que inviabiliza a compensação sempre que esta operação se revele prejudicial aos direitos de terceiro.
12. (L) Pois, tratando-se de previsão legal imperativa, não necessitará de constar expressamente de qualquer contrato.
13. (M) Relativamente às contas coletivas solidária, de acordo com a DOUTRINA citada em sede de alegações, todos os titulares sabem que qualquer dos seus titulares pode esgotar o seu saldo e, pela mesma ordem de ideias, se um titular pode, sozinho, esgotar o saldo, também poderá, sozinho, constituir débitos junto do banqueiro que impliquem, por via da compensação, esse mesmo esgotamento.
14. (N) A DOUTRINA e a JURISPRUDÊNCIA citadas concluem que o banqueiro pode compensar o crédito que tenha sobre algum dos seus contitulares, até à totalidade do saldo e sem necessidade de qualquer convenção suplementar, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, que sustenta o seu juízo de nulidade na não existência de uma informação prévia ao Cliente de que vai operar a compensação.
15. (O) Não só a ratio da sindicância da cláusula é a de evitar prejudicar-se os direitos de terceiro, pelo que a comunicação prévia a informar o Cliente em nada protege os interesses de terceiros, para além de ter resultado provado que a compensação não é automática e tal convenção encontra-se expressamente prevista nas cláusulas 5.4 (Secção A), 3.2 (Secção G2) e 4.2 (Secção G3) das Condições Gerais de Abertura de Conta, as quais são celebradas com todos os titulares de todas as contas (coletivas ou não) existentes no Banco.
16. (P) No que tange à TITULAÇÃO ADICIONAL [cláusula 10.2] e VENCIMENTO ANTECIPADO E EXIGIBILIDADE DE TODAS AS OBRIGAÇÕES - cláusula 13.1 b), c), d), e) e f) e 13.2. -, importa referir que a declaração de vencimento antecipado para além de ter de ser comunicada por escrito ao cliente (vide cláusula 13.3.) apenas poderá ocorrer nos casos elencados nas respetivas alíneas da cláusula 13.1 do Contrato.
17. (Q) As condutas elencadas na referida cláusula consubstanciam incumprimentos de obrigações cuja gravidade é, em si mesma, suscetível de gerar o direito de resolução do Contrato, sendo que a faculdade de considerar vencidas todas as obrigações assumidas no âmbito do Contrato pelo cliente e exigir o seu cumprimento imediato mais não é do que o banco exercer antecipadamente o direito que lhe assiste, optando pelo interesse contratual positivo, em detrimento do interesse contratual negativo.
18. (R) Não é exigível que o banco mutuante se mantenha no Contrato num cenário em que., por exemplo, se constate a posteriori a falsidade ou inexatidão das declarações e garantias prestadas pelo cliente numa fase inicial (de formação do contrato), em total quebra do princípio da confiança mútua subjacente à relação entre banco e cliente, ou num cenário em que as garantias prestadas pelo cliente para bom cumprimento das respetivas obrigações perante o banco se encontram desprovidas de valor venal.
19. (S) Também ficou provado que todos os montantes cobrados pelo Banco se encontram detalhadamente descritos nos extratos enviados ao cliente, assistindo sempre ao aderente a possibilidade de contestar os valores, natureza e origem desses montantes", pelo que não procede o argumento de que se pretende "que o aderente pague todas as despesas apresentadas que a Ré, a coberto do contrato, sem possibilidade de as contraditar, uma vez que a penalização para o não pagamento é muito gravosa para ele.”.
20. (T) As referidas cláusulas limitam-se a prever o direito do banco a resolver o Contrato (pelo interesse contratual positivo), o que já decorreria, de todo o modo, da aplicação do princípio da boa-fé e dos pressupostos legais quanto à verificação do incumprimento definitivo, conforme o disposto nos artigos 801.° e 802.° do Código Civil.
21. (U) O Cliente ao celebrar o Contrato assume a obrigação de pagar não apenas o capital, como os juros, despesas e encargos, pelo que não há possibilidade de dissociar as obrigações acessórias (juros, despesas, taxas e encargos) da obrigação principal, que é o reembolso do capital mutuado, tendo estas cláusulas (relativas às despesas e encargos) sido consideradas válidas pelo Tribunal a quo.
22. (V) Em conclusão, não pode, pois, entender-se que as cláusulas em discussão enfermam de algum vício tutelado pelos artigos 12.°, 15.° e 16.°, do RCCG, não existindo uma desconsideração da importância do comportamento gerador do incumprimento, originador de uma injusta
23. (W) Por fim, relativamente à PUBLICITAÇÃO DA SENTENÇA, vindo a ser ordenada outra publicação que não a já prevista no artigo 34.° do RCCG, parece notório o sacrifício desproporcional dos interesses jurídicos em causa, afetando-se de forma devastadora e contraproducente o direito de reputação, bom nome e imagem da Ré, sem que se vislumbram quais os bens jurídicos constitucionalmente tutelados, quando se encontra expressamente prevista uma forma de publicitação deste tipo de sentenças (artigo 35.° do RCCG)
24. (X) O Gabinete de Direito Europeu era (porque já substituído pelo Ministério da Justiça) "o serviço incumbido de organizar e manter actualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas" — cfr. Portaria n.° 1093/95, de 06 de setembro.
25. (Y) Nesta linha de raciocínio, ainda que o Réu venha a ser condenado pelos demais pedidos, o que se admite, sem conceder, não deverá ser duplamente condenado na publicação da decisão, porquanto não interessa, s.m.o., dar publicidade a uma sentença através dos habitualmente sensacionalistas meios de Comunicação Social quando, para o caso concreto das ações inibitórias, existe uma forma de publicidade concreta (Ministério da Justiça, que sucedeu ao Gabinete de Direito Europeu).

Concluiu, assim, pela procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que o absolva de todos os pedidos contra si formulados.
 
II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado em 1ª instância :  
1. (A) A Ré encontra-se matriculada sob o n.° ... e com a sua constituição inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

2. (B) A Ré tem por objecto social a realização de todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos aos bancos.

3. (C) No exercício de tal actividade, a Ré procede à celebração do contrato de mútuo.

4. (D) Estipula a cláusula 4., sob a epígrafe "Confissão de Dívida":
«Os CLIENTES desde já se confessam devedores ao BANCO D, S.A. da totalidade da quantia mutuada, juros e demais encargos resultantes do presente contrato.»

5. (E) Estipulam as cláusulas 8.2. e 8.3., sob a epígrafe "Processamento":
«8.2. Salvo indicação prévia e por escrito do BANCO D, S.A. em contrário, todos os pagamentos devidos pelos CLIENTES ao BANCO D, S.A. ao abrigo deste contrato, a qualquer título, deverão ser efectuados nas datas-valor previstas, mediante débito da Conta, que os CLIENTES se obrigam a provisionar devida e atempadamente para o efeito.
8.3. O BANCO D, S.A. fica desde já autorizado a movimentar a Conta para os efeitos previstos no número anterior, e, bem assim, a debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que qualquer dos CLIENTES seja ou venha a ser titular ou co-titular, para efectivação do pagamento de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato, podendo ainda proceder à compensação dessas dívidas com quaisquer saldos credores dos CLIENTES e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal.»

6. (F) Estabelecem as cláusulas 10.1. e 10.2., sob a epígrafe "Titulação Adicional":
«10.1. Como forma adicional de titulação do crédito, os CLIENTES entregam nesta data ao BANCO D, S.A. uma livrança em branco por si devidamente subscrita e avalizada pelos AVALISTAS.
10.2. O BANCO D, S.A. fica desde já expressamente autorizado pelos CLIENTES e pelos AVALISTAS a preencher o título referido no número anterior, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, pelos montantes correspondentes à totalidade ou parte das responsabilidades que para si emergem do presente contrato, em caso de não cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato ou se, por qualquer motivo contratualmente previsto, vier a ser decretado o vencimento antecipado do contrato nos termos do artigo 13 infra.»

7. (G) Por sua vez, as cláusulas 13.1.(b), 13.1.(c), 13.1.(d), 13.1.(e), 13.1.(f) e 13.2., sob a epígrafe "Vencimento Antecipado" determinam:
«13.1. Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei, pelo presente contrato e pelo Contrato de Depósito a Prazo, o BANCO D, S.A. poderá considerar automaticamente vencidas todas as obrigações ora assumidas pelos CLIENTES, e exigir o seu cumprimento imediato, sempre que se verifique qualquer uma das seguintes situações:
13.1.(b) Se os CLIENTES não cumprirem ou entrarem em mora no cumprimento de qualquer outra obrigação para si decorrente do presente contrato;
13.1.(c) Se as declarações e garantias prestadas pelos CLIENTES nos termos do artigo 11 supra se revelarem ou tornarem falsas ou inexactas, por acção ou omissão, no todo ou em parte;
13.1.(d) Se a garantia constituída ou a constituir nos termos previstos no presente contrato deixar de constituir garantia válida, eficaz ou suficiente para o BANCO D, S.A. e os CLIENTES não procederem ao respectivo reforço nos termos do artigo 14 infra;
13.1.(e) Se os CLIENTES entrarem em mora no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias resultantes de outros empréstimos contraídos junto do sistema financeiro português ou estrangeiro;
13.1.(f) Se o presente contrato deixar, por qualquer motivo, de constituir um compromisso válido, nos seus precisos termos, para qualquer dos CLIENTES.
13.2. A falta de cumprimento integral e atempado de qualquer das obrigações contratuais dos CLIENTES confere ao BANCO D, S.A. a faculdade de considerar automaticamente vencidas as demais obrigações dos CLIENTES, resultantes deste contrato, bem como quaisquer outras obrigações por este assumidas perante o BANCO D, S.A., ainda que não vencidas.»

8. (H) Consta na cláusula 14., sob a epígrafe "Reforço":
«Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o BANCO D, S.A. poderá exigir aos CLIENTES o reforço das garantias constituídas e/ou a constituir nos termos do presente contrato, mediante a prestação de caução ou mediante qualquer forma a determinar pelo BANCO D, S.A., quando as mesmas deixarem de constituir garantias válidas, eficazes ou suficientes para o BANCO D, S.A..»

9. (I) Estipulam as cláusulas 18.1., 18.2. e 18.3., sob a epígrafe "Despesas":
«18.1. Todos os encargos, juros e comissões relativos à celebração e execução do presente contrato, conforme descrito no preçário do BANCO D, S.A., disponível em www…...pt, serão da conta dos CLIENTES, bem como os encargos de natureza tributária associados, dando os CLIENTES desde já a sua permissão ao BANCO D, S.A. para proceder ao débito das mesmas na sua conta.
18.2. Os CLIENTES serão também responsáveis por todas as despesas judiciais e extrajudiciais em que o BANCO D, S.A. venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, relacionadas com honorários de advogados, solicitadores e outros prestadores de serviços.
18.3. Para cobertura de outras despesas em que o BANCO D, S.A. venha a incorrer para garantia e cobrança de quaisquer prestações vencidas e não pagas, o BANCO D, S.A. cobrará, por cada prestação, a comissão de cobrança estabelecida no preçário do BANCO D, S.A., disponível em www…...pt.».

10. (J) Por fim, estipula a cláusula 19., sob a epígrafe "Lei Aplicável e Jurisdição":
«O presente contrato está sujeito à lei portuguesa e para a apreciação de todas as questões dele emergentes as partes elegem o foro do Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, salvo disposição legal imperativa em contrário.»

11. (L) A Ré é uma empresa multinacional, tendo um poder económico muito superior ao da generalidade dos consumidores que são os destinatários prováveis deste contrato de adesão.

12. (M) Em Portugal, para além da sua sede em Lisboa, a Ré dispõe também de uma rede de balcões/delegações (denominados como "Centros Financeiros") nas seguintes localidades:
. Dezassete em Lisboa;
. Seis no Porto;
. Dois em Braga;
. Um em Espinho;
. Um em Famalicão;
. Um em Gaia;
. Um em Guimarães;
. Um na Maia;
. Um em Matosinhos;
. Um na Póvoa de Varzim;
. Um em Viseu;
. Um em Aveiro;
. Um em Coimbra;
. Um em Leiria;
. Um em Évora;
. Um em Santarém;
. Um em Torres Novas;
. Um em Cascais;
. Um no Estoril;
. Um em Linda-a-Velha;
. Um em Oeiras;
. Um na Parede;
. Um em Torres Vedras;
. Um em Setúbal;
. Um em Almancil;
. Um em Faro;
. Um em Loulé;
. Um em Portimão;
. Um no Funchal.

13. (N) Resulta do ponto 1.1 da Secção I-11 do clausulado junto a folhas 709 a 716:
"A presente Secção contém as normas aplicáveis aos Serviços de Pagamento prestados pelo BANCO no âmbito de quaisquer instrumentos contratuais celebrados entre este e o CLIENTE."

14. (O) A Ré apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado pela Ré, com o título: "CONTRATO DE MÚTUO —CRÉDITO AO CONSUMO — TAXA VARIÁVEL", e um Anexo I, relativo ao Plano de Amortização.

15. (P) O referido clausulado com o título "CONTRATO DE MÚTUO — CRÉDITO AO CONSUMO — TAXA VARIÁVEL" contém sete páginas impressas, que não incluem quaisquer espaços em branco para serem preenchidos, com excepção dos destinados à identificação dos clientes e avalistas, ao número da conta de depósito à ordem [1.1.(a)], ao número de meses [1.1.(c)], aos períodos de aplicação de taxa [1.1.(d)], aos períodos de contagem de juros [1.1.(e)], ao montante de crédito [2.], à taxa de juro [5.1.], à TAEG [5.2.], às comunicações recíprocas [17.1.(a), (b) e (c)], à data e às assinaturas.

16. (Q) A cláusula 15.4. do "CONTRATO DE MÚTUO — CRÉDITO AO CONSUMO —TAXA VARIÁVEL", sob a epígrafe "Disposições Diversas", estipula o seguinte: "O anexo ao presente contrato faz parte integrante do mesmo para todos os efeitos legais e contratuais “.

17. (R) Após a alteração legislativa que viria a entrar em vigor em 1 de Julho de 2009, o R. procedeu à revisão das minutas contratuais que vinha utilizando nos contratos de abertura de conta, e nos contratos de crédito ao consumo.

18. (S) A alteração mais relevante introduzida nas Condições Gerais de Abertura de Conta por força do Decreto-Lei n.° 317/2009 consistiu na criação de uma nova secção relativa à prestação de serviços de pagamento (Secção H das Condições Gerais de Abertura de Conta).

19. (T) As relações comerciais da Ré iniciam-se necessariamente com a celebração das referidas Condições Gerais de Abertura de Conta juntamente com o contrato de crédito ao consumo.

20. (U) Ao Contrato de Crédito ao Consumo em análise nos presentes autos aplicam-se as cláusulas constantes da Secção H das referidas Condições Gerais de Abertura de Conta.

21. (V) Os casos de compensação previstos na cláusula 8.3 constante da alínea E) da matéria de facto assente respeitam a montantes devidos ao Réu por parte dos clientes em virtude dos serviços que lhe terão sido prestados pelo Banco no âmbito do contrato de crédito ao consumo.

22. (W) A compensação é operada pela Ré com base na análise feita pela área de recuperação de crédito do Réu.

23. (X) E, por via de regra, a compensação apenas é operada relativamente a contas bancárias cujo regime de titularidade coincide com o regime da "conta" respeitante ao mútuo.

24. (Z) As despesas e encargos referidas na cláusula 18.1. constante da al. I) da matéria de facto assente constituem custos advenientes da actividade bancária que, são repercutidos pelas instituições financeiras nos respectivos clientes, consumidores finais (onde se incluem, por exemplo, os impostos devidos pelos beneficiários das operações/aplicações financeiras realizadas pelos bancos, a pedido de cada um dos clientes, em cada caso).

25. (AA) As taxas e comissões constituem, por sua vez, remuneração dos serviços prestados pelas mesmas instituições financeiras aos seus clientes.

26. (BB) Todos os montantes cobrados pelo BANCO D., S.A. a este título se encontram detalhadamente descritos nos extractos enviados ao cliente, assistindo sempre ao aderente a possibilidade de contestar os valores, natureza e origem desses montantes.

27. (CC) Podendo o cliente em qualquer caso, contestar os valores constantes do extracto de conta que lhe é necessariamente remetido pelo banco.

28. (DD) O não cumprimento, por parte do cliente, da obrigação de pagar pontualmente as prestações do seu crédito acarreta para o Réu várias despesas operacionais, designadamente com a detecção da mesma e com posterior cobrança.

29. (EE) A comissão prevista na Cláusula 18.3. do Contrato de Crédito ao Consumo destina-se a possibilitar ao Réu o ressarcimento das despesas que se vê obrigado a suportar em virtude de incumprimento pelo cliente.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 – Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais ( RJCCG ). Princípios fundamentais e interesses prevalecentes.

2 - Análise da licitude das cláusulas contratuais gerais em causa.
2.1.- Cláusula 4.ª - "Confissão de Dívida".
2.2 – Cláusula 8ª.3. - "Processamento".
2.3.- Cláusulas 10ª.1., 10ª.2., 13ª.1.(b), 13ª.1.(c), 13ª.1.(d), 13ª.1.(e), 13ª.1.(f) e 13ª.2. – “Titulação Adicional” e “Vencimento Antecipado”.
2.4.- Cláusula 14.ª - "Reforço".
2.5.- Cláusulas 18ª.1., 18ª.2. e 18ª.3. - "Despesas".
2.6. - Cláusula 19ª. - "Lei Aplicável e Jurisdição".

3 – Da publicação da presente decisão.

Passemos à sua análise :
1 – Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais ( RJCCG ). Princípios fundamentais e interesses prevalecentes.
O regime introduzido no sistema jurídico português pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro e alterações através de diplomas subsequentes - Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, 249/99, de 7 de Jullho e 323/2001, de 17 de Dezembro[1] - ( Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, vulgo RJCCG ), teve como principal objectivo a protecção e defesa do aderente nos contratos integrados por cláusulas negociais gerais[2], prosseguindo um princípio tutelador que toma por referência a entidade categorial do “ sujeito do consumo “[3], contraente mais fraco e vulnerável no comércio dos denominados negócios em massa, em contraponto com o unilateral e impressivo poder de estipulação contratual da entidade que define os termos oferecidos a uma generalidade de possíveis e indeterminados interessados[4].
Essa tutela justifica-se na medida em que nos encontramos perante instrumentos negociais que revestem a natureza de contratos de adesão, traduzindo uma disciplina minuciosamente gizada, em bloco e em série, que foi elaborada de antemão pela proponente, com carácter de imutabilidade e rigidez, tendendo, no seu essencial, a não ser objecto de modificação relevante ou significativa.
Este tipo de negociação, pela sua natureza e características, surge como profundamente restritiva[5] da liberdade de negociação e estipulação do destinatário, colocando sistematicamente em confronto, por um lado, empresas de grande envergadura (bancos, seguradoras, financiadoras, prestadoras de serviços de considerável dimensão empresarial, etc.) e, por outro, o cidadão comum, consumidor de bens e serviços, fortemente enredado pela necessidade quotidiana de os obter e facilmente seduzido pela facilidades/comodidades tão habilidosamente propagandeadas numa sociedade de mercado de cariz vincadamente consumista[6].
O eixo fulcral de todo este sistema assenta basicamente no princípio da boa fé, enquanto “ reitor do controlo do conteúdo, em íntima articulação com o escopo que com este se intenta alcançar “[7].

Ora,
A conformação com o princípio geral da boa fé exige, neste âmbito, a tentativa de reposição possível da igualdade entre os contraentes[8], afastando, desde logo, o clausulado que constitua um significativo entorse para o equilíbrio contratual, que sistematicamente desfavorece, penalizando, o incauto aderente[9].
Neste particular contexto, assume a acção inibitória prevista no artigo 25º do RJCCG, a defesa, geral e abstracta, do conjunto dos consumidores, revestindo a natureza de acção condenatória que tem por objecto a prestação de facto negativo, concretamente a não utilização de cláusulas contratuais proibidas[10].
Evidencia-se lucidamente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2011 ( relator Fonseca Ramos ), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIX, tomo II, pags. 91 a 98 : “ A acção inibitória tem uma vertente cívico/social, um fim dissuasor, o seu regime acautela interesses difusos de consumidores/aderentes que muitas vezes toleram a lesão dos seus direitos por estarem em causa individualmente valores de pouca monta que não justificam o incómodo de acções judiciais, mas que, num somatório de contraentes indeterminados, a que a acção inibitória interessa, é da maior relevância como meio de defesa dos consumidores, parte mais fraca na relação jurídico contratual “.
Relativamente à análise das cláusulas contratuais gerais a sindicar, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014 ( relator Gabriel Catarino ), publicado in www.dgsi.pt : “ a interpretação a fazer há-de pautar-se e orientar-se por critérios objectivos e distanciados, o invés do que deveria acontecer se o controlo da cláusula decorresse de um contrato individualizado a que se tivessem aposto cláusulas predispostas “.

A este mesmo propósito,
Cumpre atentar em que o controlo a exercer sobre o conteúdo das cláusulas contratuais gerais parte da fundamental premissa de que há que distinguir, cindindo-as claramente, as circunstâncias que envolvem a concretização de um acordo negocial pessoalizado, encetado entre sujeitos situados no mesmo plano, com igual liberdade para discutir e impor os seus interesses particulares, e em que os respectivos termos são devidamente caracterizados, escalpelizados e explicados aos destinatários, relativamente ao que acontece nas cláusulas não negociadas, traduzidas na densa inserção de estipulações abstractas – prosseguidas exclusivamente a favor e em benefício do proponente –, no âmbito dos denominados contratos de adesão, propagandeados em massa e pré-elaborados de maneira a gerarem notórias dificuldades quanto ao completo e esclarecido entendimento do seu verdadeiro alcance por parte do aliciado consumidor[11].
É isso que faz, no fundo, toda a diferença.

De notar, ainda, que
A proibição ( relativa ) estabelecida pelo artº 19º, do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, depende do quadro negocial padronizado, ou seja, as  cláusulas penais em apreço podem ser válidas para uns contratos e não para outros, consoante o caso concreto.[12]
A validade das cláusulas em referência terá que ser aferida perante o contexto específico e global deste tipo de contrato, tendo em conta natureza da actividade da proponente e as especificidades do negócio.

Conforme se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 2006 ( relator Alves Velho ), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XIV, tomo I, pags. 145 a 147 :
“ O juízo valorativo sobre a proibição das cláusulas tem de se operar em função das cláusulas tomadas na sua globalidade e de acordo com a generalidade dos padrões considerados, na sua “ compatibilidade e adequação ao ramo ou sector da actividade negocial a que pertencem “, excluindo-se uma justiça do caso concreto, como resulta da aludida referência ao “ quadro negocial padronizado “ ( vide Pinto Monteiro, “ Cláusula Penal e Indemnização “, 594 ) “.

2 – Análise da licitude das cláusulas contratuais gerais em causa.
O conhecimento da presente apelação prende-se com a valoração das cláusulas contratuais gerais 4ª., 8ª.3., 10ª.2., 13ª.1.(b), 13ª.1.(c), 13ª.1.(d), 13ª.1.(e), 13ª.1.(f), 13ª.2., 14ª., 18ª.1., 18ª.2., 18ª.3. e 19ª., inseridas num contrato denominado “Contrato de Mútuo – Crédito ao Consumo – Taxa Variável”, documento utilizado pelo Banco D., S.A., junto dos interessados que com ele pretendem contratar, e que ora o Ministério Público pretende ver sancionadas com a nulidade e consequente inibição da sua utilização.
Na decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância considerou-se que as cláusulas 8ª.3., 10ª.2., 13ª.1.b., 13ª.1.c, 13ª.1.d, 13ª.1.e, 13ª.1.f,  e 13ª.2  eram nulas e, como tal, foi o R. Banco D., S.A. condenado a abster-se do seu uso nos contratos a celebrar.
Relativamente às demais cláusulas, o R. Banco D., S.A. foi absolvido do pedido.

                Vejamos:

2.1.- Cláusula 4.ª - "Confissão de Dívida".
Consta da cláusula em apreço :
“Os CLIENTES desde já se confessam devedores ao BANCO D, S.A. da totalidade da quantia mutuada, juros e demais encargos resultantes do presente contrato “.

Apreciando:

Entende o Ministério Público, ora recorrente, que a presente cláusula é nula, nos termos do artigo 19º, alínea d) e 21º, alínea g) do RJCCG, a saber :
“ São proibidas, conosante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que :
( … ) d) Imponham ficções de recepção, de aceitação ou outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes “.
“ São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais  que :
“ Modifiquem os critérios de repartição do ónus de prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos “.

Adiante-se, desde já, que não se descortina qualquer tipo de ilicitude no conteúdo desta cláusula contratual geral[13].

Com efeito,
Trata-se de uma estipulação negocial perfeitamente comum, compreensível e, a nosso ver, absolutamente razoável, que não afronta os direitos e interesses do aderente.
Está em causa, apenas e só, o reconhecimento expresso pelo mutuário de que encontra vinculado, perante a entidade mutuante, sua credora, à restituição do montante que constituiu o respectivo financiamento, a que acrescem os juros formalmente estipulados e os encargos que qualquer contrato celebrado com entidades bancárias em qualquer circunstância comporta – como é, de resto, prática usual, não suscitando a menor surpresa ou estranheza.
Não há aqui quaisquer “ ficções de recepção, de aceitação ou outras manifestaçõs de vontade com base em factos para tal insuficientes “.

Ao invés,
O cliente do banco, aderente no contrato, ao solicitar os respectivos serviços de crédito, sabe perfeitamente que passa a ser devedor no que tange à obrigação de restituição das verbas mutuadas e que lhe foram adiantadas, a que acrescem os juros contratualmente previstos, bem como  os encargos inerentes ao funcionamento de qualquer instituição bancária.
A determinação concreta dos serviços a que o cliente terá acesso - e do exacto valor dos encargos que reconhece ser devedor - resultará naturalmente das condições particulares do negócio e de toda a documentação de natureza comercial que o banco se encontra especialmente obrigado a facultar-lhe.

Ou seja,
Não significa esta cláusula que o aderente se constitui devedor de toda e qualquer aleatória ou arbitrária importância ditada pelo poder unilateral do banco, ao sabor das circunstâncias, em termos incondicionais e insindicáveis.
Não quer, igualmente, dizer que o aderente, deste modo, abra mão de todos os mecanismos de defesa que lhe permitem contestar, contraditoriamente, os valores com que se veja confrontado.

Pelo contrário,
O reconhecimento/aceitação do seu débito encontra-se objectivamente balizado pelos valores definidos nas tabelas vigentes para a instituição bancária em causa e por ela ( previamente ) praticados, que foram devidamente aprovados e sindicados pelas entidades de supervisão competentes.
Trata-se tão só de consultar o preçário disponível nos balcões das diversas agências bancárias ou nos respectivos sites da internet que, obrigatoriamente, contêm a discriminação minuciosa  de toda esta informação.

Por outro lado,
Não há, nestas circunstâncias, qualquer “ modificação dos critérios de repartição do ónus de prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos “.

Concretizando,
Celebrado o contrato de mútuo e entregue a quantia mutuada, incumbe naturalmente ao mutuário a obrigação de provar a restituição das verbas pecuniárias em causa, o que influirá obviamente no vencimento da sua obrigação e na contagem dos juros e encargos associados.
Estão em causa, portanto, factos modificativos ou extintivos do direito de crédito que, indiscutivelmente, assistirá ao banco credor, enquanto mutuante.
É o que singelamente resulta do regime geral ínsito nos artigos 1142º, 342º, nº 1 e 2, e, no que concerne aos negócios jurídicos unilaterais, 458º, todos do Código Civil, sem qualquer aditamento ou especialidade relevante.

Logo,
A natureza específica de contrato de adesão não transporta, na situação sub judice, qualquer efectiva e sensível diminuição das garantias de defesa do aderente, nem produz nenhum agravamento da sua posição devedora, enquanto simples mutuário e cliente do banco proponente.
Neste mesmo sentido, pronunciando pela licitude deste tipo de cláusula, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2014 ( relator Lopes do Rego ), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Outubro de 2014 ( relator Ezaguy Martins ), publicado in www.dgsi.pt.
A decisão recorrida terá, portanto, que ser confirmada, neste tocante, não assistindo razão ao recorrente Ministério Público.

Improcede a respectiva apelação neste ponto.
2.2. – Cláusulas 8.3 - "Processamento".
Pode ler-se na cláusula em causa :
“ 8.3. O BANCO D, S.A. fica desde já autorizado a movimentar a Conta para os efeitos previstos no número anterior, e, bem assim, a debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que qualquer dos CLIENTES seja ou venha a ser titular ou co-titular, para efectivação do pagamento de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato, podendo ainda proceder à compensação dessas dívidas com quaisquer saldos credores dos CLIENTES e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal “.

Apreciando:

Entende o Ministério Público que a presente cláusula é nula por violadora dos valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa fé, nos termos dos artigos 15º e 16º do RJCCG, onde pode ler-se :
“ São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias a boa fé “.
“ Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e especialmente :
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado “.

Na decisão recorrida entendeu-se ser nula a cláusula Cláusula 8.3. sob a epígrafe "Processamento":

Fundamentou nos seguintes termos :
“( … ) no caso em apreço, tendo como referente o tipo de negócio em causa, bem como os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas, é de concluir que as cláusulas contratuais gerais a que nos vimos referindo ( em si mesmas, e independentemente dos contratos singulares para eles abstractamente predispostas ), ao imporem a compensação, sem quaisquer reservas ou condicionantes, são nulas, por força do disposto nos artigos 12º e 19º, alínea d) da LCCG.
E a tal não obsta, naturalmente, a circunstância de, por via de regra, a compensação apenas ser operada relativamente a contas bancárias cujo regime de titularidade coincide com o regime da conta respeitante ao mútuo ( como resulta da alínea X dos factos provados ), pois, funcionando a acção inibitória como processo abstracto de controlo, destinado a erradicar dos contratos as cláusulas nulas, independentemte  da sua inclusão em contratos singulares “, não interessam aqui os direitos que o utilizador faz valer no caso singular com base na cláusula controvertida, mas antes aqueles que ele pode fazer valer segundo o conteúdo objectivo da cláusula “.

Vejamos:

Concordando-se com o decidido, entendemos igualmente que a cláusula em referência é efectivamente nula por violação do disposto nos artigos 15º e 19º, alínea d) do RJCCG.

Com efeito,
e tomando por referência o alcance geral e abstracto da cláusula.
A possibilidade, ampla e genérica, conferida à instituição bancária de operar automaticamente a compensação, com afectação, sem restrições, dos titulares, seus clientes, de uma conta solidária/ou conjunta, impondo-lhes ( nestes larguíssimos termos ) a obrigação de pagamento de uma dívida que podem não haver contraído e nela integrando parte do depósito que só com base numa presunção lhes pertencerá, afronta gravemente o princípio geral da boa fé.

Trata-se, assim, de uma faculdade negocial desproporcionada, que pressupõe uma ilimitada responsabilização do aderente ( e porventura de terceiros ) – cujos efectivos pressupostos cumpriria previamente demonstrar -, colocando nas mãos do proponente da cláusula um eficaz poder de afectação do património alheio, de cariz relativamente incondicional e particularmente gravoso.

Contrapõe a Ré recorrente, a este propósito, que:
Ficou provado que "[o] R. não opera qualquer compensação de valores de forma automática, sendo a mesma feita, caso a caso, pela área de recuperação de crédito", bem como que, "por via de regra, a compensação apenas é operada relativamente a contas bancárias cujo regime de titularidade coincide com o regime da conta, respeitante ao mútuo e, residualmente, relativamente a contas bancárias de regimes de titularidade distintos" — cfr. alíneas W) e X) da Motivação Fáctica.

A compensação funciona sempre e não é necessária qualquer convenção suplementar para tornar aplicável o que já resulta da lei geral.

As contas coletivas conjuntas só podem ser movimentadas por todos os titulares conjuntamente (com a assinatura de todos os titulares) mas "Não se infira, daqui, que a conta conjunta se torna indisponível, impenhorável ou inatingível, por força das dívidas de apenas um dos seus contitulares", sob pena de o devedor poder "(...) eximir-se às regras da responsabilidade patrimonial, abrindo "contas conjuntas" com pessoas da sua confiança".

Neste caso 'funcionará a presunção de igualdade das participações", de acordo com as disposições constantes dos artigos 534.°, 1403.° n.° 2 e 1404.°, todos do CC, pelo que assiste ao banco o direito de operar a compensação através do saldo da conta, desde que o faça até ao limite do direito de crédito do cliente devedor.

O clausulado em questão não prevê que o Recorrente esteja autorizado a proceder à compensação das dívidas que o aderente tenha contraído junto do Réu, até ao limite máximo do saldo, até porque, a compensação há de sempre respeitar a norma constante do artigo 853.° n.° 2 do Código Civil, que inviabiliza a compensação sempre que esta operação se revele prejudicial aos direitos de terceiro.

Pois, tratando-se de previsão legal imperativa, não necessitará de constar expressamente de qualquer contrato.

Relativamente às contas coletivas solidária, todos os titulares sabem que qualquer dos seus titulares pode esgotar o seu saldo e, pela mesma ordem de ideias, se um titular pode, sozinho, esgotar o saldo, também poderá, sozinho, constituir débitos junto do banqueiro que impliquem, por via da compensação, esse mesmo esgotamento.

O banqueiro pode compensar o crédito que tenha sobre algum dos seus contitulares, até à totalidade do saldo e sem necessidade de qualquer convenção suplementar, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, que sustenta o seu juízo de nulidade na não existência de uma informação prévia ao Cliente de que vai operar a compensação.

Não só a ratio da sindicância da cláusula é a de evitar prejudicar-se os direitos de terceiro, pelo que a comunicação prévia a informar o Cliente em nada protege os interesses de terceiros, para além de ter resultado provado que a compensação não é automática e tal convenção encontra-se expressamente prevista nas cláusulas 5.4 (Secção A), 3.2 (Secção G2) e 4.2 (Secção G3) das Condições Gerais de Abertura de Conta, as quais são celebradas com todos os titulares de todas as contas (coletivas ou não) existentes no Banco.

Apreciando:

Este argumentário não colhe atendendo, desde logo, aos critérios de avaliação das cláusulas contratuais gerais que se deixaram vincados supra, enquadrados na lógica da negociação em massa e da posição de absoluta inferioridade negocial em que é colocado o aderente.
Cumpre atentar em que o presente objecto do juízo de (i)licitude é o alcance genérico e abstracto da cláusula contratual geral, tomada em si mesma, com o seu potencial intrínseco, independentemente das condutas que a proponente se disponha ou se comprometa prosseguir em cada caso concreto – e ainda que se prove ser  essa a sua prática habitual.

Por outro lado,
O que está em análise é o sentido e o alcance que se extrai da interpretação da cláusula, entendida e enquadrada no âmbito de um contrato de adesão – em que o poder de estipulação do aderente nada vale – independentemente de outros enquadramentos jurídicos, mormente de natureza imperativa, que vigorem no plano civilístico geral.
O rigor e a severidade com que deve ser efectuado tal controlo é absolutamente diverso daquele que preside à apreciação da legalidade ou ilegalidade de um normal contrato realizado entre sujeitos de direito em plano de absoluta paridade e com iguais condições para prevenirem e acautelarem devidamente os seus direitos e interesses exclusivos.
O que se exige, neste tipo de contratos, é que o proponente, por todas as fundamentais razões que se deixaram enunciadas supra, seja especialmente escrupuloso ao definir os limites e as fronteiras que balizam a sua possibilidade de afectação do património do cliente/aderente, deixando expressos, de forma especificada e inequívoca, os termos em que lhe é permitido agir contra ele – quais os exactos e definidos pressupostos ; através de que concretos meios ; com que alcance e consequências práticas.

Ora,
Não há dúvidas de que, por via do poder conferido através desta cláusula respeitante ao exercício da compensação bancária, O BANCO D, S.A. ficaria autorizado a, querendo, debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que qualquer dos CLIENTES seja ou venha a ser titular ou co-titular, para efectivação do pagamento de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato.
Pode ainda, segundo o teor da cláusula, proceder à compensação dessas dívidas com quaisquer saldos credores dos CLIENTES e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal.
O que significa que, segundo o que consta da cláusula – e sem pôr em crise os procedimentos que a instituição bancária decida adoptar no terreno – a compensação operará automaticamente, através de débito bancário, sobre qualquer conta – solidária ou conjunta – independentemente dos seus titulares, podendo incidir sobre quaisquer saldos credores dos aderentes, em termos totalmente ilimitados e sem necessidade de observar os pressupostos previstos para a compensação legal – mormente, e muito em especial, o da reciprocidade dos créditos[14].
É isto o que o resulta da referida cláusula, tal como foi pré-elaborada pelo banco e tal como resulta inequivocamente da sua letra.
Reportar-se-á, ainda, segundo o seu sentido literal, a quaisquer débitos resultantes do contrato, ainda que se revelem de diminuto significado - e quiçá nenhum relevo - no contexto, na lógica e no quadro negocial firmados.
Esta solução - que consta das cláusulas transcritas - constitui, no fundo, uma indevida postergação do regime previsto no artigo 516º do Código Civil, uma vez que habilita o banco proponente a beneficiar ilimitadamente do instituto da compensação tendo por único critério fundamental a titularidade do seu crédito sobre o cliente e não a regra legal expressa naquela citada disposição[15].
Tal mecanismo desvaloriza – com base na invocação da especial relação de confiança entre os contitulares da conta colectiva – a relação ( igualmente especial e privilegiada) que deve estabelecer-se entre a entidade bancária e cada um dos contitulares da mesma conta, mormente no que concerne à necessidade de prévio apuramento da efectiva responsabilidade contratual específica que cabe a cada um deles perante o banco[16].
Conforme impressivamente se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2001[17] ( relator Dionísio Correia ), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XIX, tomo II, pags. 25 a 28 : “ …se não é permitido ao banco extinguir a obrigação de pagamento, mediante a escolha do credor solidário a quem o vai efectuar, de igual modo não a pode extinguir pela compensação com um crédito seu sobre um dos titulares à sua escolha “[18].

No sentido da invalidade deste tipo de cláusula contratual geral pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2014 ( relator Salazar Casanova ), publicado in www.dgsi.pt, confirmando, nessa parte, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2013 ( relatora Maria da Conceição Saavedra ) ; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2008 ( relator Mota Miranda ), publicado in www.dgsi.pt ; o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Outubro de 2014 ( relator Ezaguy Martins ), publicado in www.dgsi.pt, e nos quais respeitosamente nos louvamos.
Contra este entendimento, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2010 ( relator Urbano Dias ), publicado in www.dgsi.pt.

Acresce, ainda, que,
Conforme o entendimento perfilhado, a este propósito, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Outubro de 2012 ( relatora Manuela Gomes ) e de 12 de Julho de 2012 ( relatora Maria do Rosário Morgado ), ambos publicados in www.dgsi.pt, neste tipo de contratos em massa, e tomando em consideração o alcance potencencial da referida cláusula contratual em geral, a ausência de quaisquer restrições tendente a salvaguardar a sustentabilidade dos titulares ( maxime, tendo em consideração as denominadas “ conta ordenado “ ), e os limites inerentes à penhorabilidade dos bens do devedor em caso de pagamento coercivo, a faculdade de compensação automática conferida ao banco credor torna-se excessiva e desproporcionada, ofendendo os ditâmes gerais da boa fé e da tutela da confiança do aderente/clientes.
Trata-se, em qualquer circunstância, de matéria extremamente sensível que tem a ver com o imediato e fulminante débito em contas bancárias, sem rigorosa definição dos respectivos limites e condições, susceptíveis de gerar graves constrangimentos para o equilíbrio financeiro, pessoal e familiar dos titulares e co-titulares, surpreendidos com tal operação bancária - genericamente prevista em cláusulas que lhes foram impostas e cujo exacto conteúdo não tiveram, certamente, a oportunidade de ponderar.
Cabe, pois, confirmar o decidido neste tocante, improcedendo a apelação interposta pela Ré.
2.3 - Cláusulas 10.1, 10.2, 13.1(b), 13.1.(c), 13.1.(d), 13.1.(e), 13.1.(f) e 13.2 – “Titulação Adicional” e “Vencimento Antecipado”.

Consta das referidas cláusulas :
“10.1. Como forma adicional de titulação do crédito, os CLIENTES entregam nesta data ao BANCO D, S.A. uma livrança em branco por si devidamente subscrita e avalizada pelos AVALISTAS.
10.2. O BANCO D, S.A. fica desde já expressamente autorizado pelos CLIENTES e pelos AVALISTAS a preencher o título referido no número anterior, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, pelos montantes correspondentes à totalidade ou parte das responsabilidades que para si emergem do presente contrato, em caso de não cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato ou se, por qualquer motivo contratualmente previsto, vier a ser decretado o vencimento antecipado do contrato nos termos do artigo 13 infra.”
“13.1. Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei, pelo presente contrato e pelo Contrato de Depósito a Prazo, o BANCO D, S.A. poderá considerar automaticamente vencidas todas as obrigações ora assumidas pelos CLIENTES, e exigir o seu cumprimento imediato, sempre que se verifique qualquer uma das seguintes situações:
13.1.(b) Se os CLIENTES não cumprirem ou entrarem em mora no cumprimento de qualquer outra obrigação para si decorrente do presente contrato;
13.1.(c) Se as declarações e garantias prestadas pelos CLIENTES nos termos do artigo 11 supra se revelarem ou tornarem falsas ou inexactas, por acção ou omissão, no todo ou em parte;
13.1.(d) Se a garantia constituída ou a constituir nos termos previstos no presente contrato deixar de constituir garantia válida, eficaz ou suficiente para o BANCO D, S.A. e os CLIENTES não procederem ao respectivo reforço nos termos do artigo 14 infra;
13.1.(e) Se os CLIENTES entrarem em mora no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias resultantes de outros empréstimos contraídos junto do sistema financeiro português ou estrangeiro;
13.1.(f) Se o presente contrato deixar, por qualquer motivo, de constituir um compromisso válido, nos seus precisos termos, para qualquer dos CLIENTES.
13.2. A falta de cumprimento integral e atempado de qualquer das obrigações contratuais dos CLIENTES confere ao BANCO D, S.A. a faculdade de considerar automaticamente vencidas as demais obrigações dos CLIENTES, resultantes deste contrato, bem como quaisquer outras obrigações por este assumidas perante o BANCO D, S.A., ainda que não vencidas. “.

Apreciando:

Entende o Ministério Público que a presente cláusula é nula por violadora dos valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa fé, nos termos dos artigos 15º e 16º do RJCCG, onde pode ler-se :
“ São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias a boa fé “.
“ Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e especialmente :
c) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
d) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado “.

Vejamos :

A decisão recorrida considerou a este respeito : “ Muito embora a relação de confiança seja primordial na actividade bancária, o certo que é tais cláusulas conferem à Ré o poder de considerar vencidas todas as prestações não só nos casos de falta de pagamento da prestação principal, mas também quando esteja em dívida qualquer quantia, ainda que seja acessória e diminuta ( por exemplo, comissões por despesas administrativas ), e genericamente, quando não for cumprida qualquer uma das obrigações decorrentes do contrato, mesmo que seja acessória.
Consequentemente, pela sua feição e generalidade, por um lado, e pela manifesta desproporção e desequilíbrio em desfavor dos interesses dos aderentes, por outro, tais cláusulas não podem deixar de consubstanciar uma flagrante violação do princípio da boa fé geradora da sua nulidade-artigos 12º, 15º e 16º da LCCG “.

Alegou a Ré recorrente a este respeito :
Importa referir que a declaração de vencimento antecipado para além de ter de ser comunicada por escrito ao cliente (vide cláusula 13.3) apenas poderá ocorrer nos casos elencados nas respetivas alíneas da cláusula 13.1 do Contrato.
As condutas elencadas na referida cláusula consubstanciam incumprimentos de obrigações cuja gravidade é, em si mesma, suscetível de gerar o direito de resolução do Contrato, sendo que a faculdade de considerar vencidas todas as obrigações assumidas no âmbito do Contrato pelo cliente e exigir o seu cumprimento imediato mais não é do que o banco exercer antecipadamente o direito que lhe assiste, optando pelo interesse contratual positivo, em detrimento do interesse contratual negativo.
Não é exigível que o banco mutuante se mantenha no Contrato num cenário em que., por exemplo, se constate a posteriori a falsidade ou inexatidão das declarações e garantias prestadas pelo cliente numa fase inicial (de formação do contrato), em total quebra do princípio da confiança mútua subjacente à relação entre banco e cliente, ou num cenário em que as garantias prestadas pelo cliente para bom cumprimento das respetivas obrigações perante o banco se encontram desprovidas de valor venal.
Também ficou provado que todos os montantes cobrados pelo Banco se encontram detalhadamente descritos nos extratos enviados ao cliente, assistindo sempre ao aderente a possibilidade de contestar os valores, natureza e origem desses montantes", pelo que não procede o argumento de que se pretende "que o aderente pague todas as despesas apresentadas que a Ré, a coberto do contrato, sem possibilidade de as contraditar, uma vez que a penalização para o não pagamento é muito gravosa para ele.”.
As referidas cláusulas limitam-se a prever o direito do banco a resolver o Contrato (pelo interesse contratual positivo), o que já decorreria, de todo o modo, da aplicação do princípio da boa-fé e dos pressupostos legais quanto à verificação do incumprimento definitivo, conforme o disposto nos artigos 801.° e 802.° do Código Civil.
O Cliente ao celebrar o Contrato assume a obrigação de pagar não apenas o capital, como os juros, despesas e encargos, pelo que não há possibilidade de dissociar as obrigações acessórias (juros, despesas, taxas e encargos) da obrigação principal, que é o reembolso do capital mutuado, tendo estas cláusulas (relativas às despesas e encargos) sido consideradas válidas pelo Tribunal a quo.

Vejamos:

Está basicamente em causa o vencimento antecipado do contrato nos termos da cláusula 13ª, o que habilitará o banco R. a preencher a livrança em branco que foi antecipadamente subscrita e entregue pelos clientes e avalistas, em conformidade com o presente pacto de preenchimento.

Isto é,
trata-se, na situação sub judice, da imediata exigibilidade de obrigações não vencidas, com o subsequente preenchimento de uma livrança entregue em branco pelos clientes/aderentes, que legitima o banco a, querendo, investir patrimonialmente contra estes, passando a dispor para o efeito de um título executivo.
Basta esta singular circunstância para se perceber o carácter altamente gravoso - para o aderente - associado ao funcionamento prático que a cláusula contratual geral em crise proporciona.

Ora,
Nos termos contratuais estipulados o vencimento antecipado do contrato pode surgir nas seguintes situações :
1ª – incumprimento ( incluindo a simples mora ) de qualquer obrigação decorrente do contrato ( 13.1.b) ;
2ª – falsidade ou inexactidão, por acção ou omissão, no todo ou em parte, das declarações e garantias prestadas pelos clientes ( 13.1.c) ;
3ª – perda de validade, eficácia ou suficiência da garantia, sem que os clientes procedam ao respectivo reforço ( 13.d) ;
4ª – incumprimento ( incluindo a simples mora ) de quaisquer obrigações pecuniárias resultantes de outros empréstimos junto do sistema financeiro português ou estrangeiro ( 13.e) ;
5ª – circunstância de o contrato deixar de constituir, por qualquer motivo, um compromisso válido para qualquer dos clientes ( 13.f).
Acrescenta a cláusula 13º, nº 2 que, nestas circunstâncias ( incumprimento integral e atempado de quaisquer obrigações contratuais dos clientes ), assiste ao Réu a faculdade de considerar automaticamente vencidas as demais obrigações dos clientes, resultantes deste contrato, bem como quaisquer outras obrigações por estes assumidas perante o Réu, ainda que não vencidas.

Vejamos:

Concordando-se inteiramente com a decisão proferida em 1ª instância, não subsistem dúvidas de que este regime contratual contempla um conjunto de previsões de incumprimento que, pela sua amplíssima generalidade, abarcando indiferenciadamente um enorme leque de situações, de grau de gravidade variado, gera uma situação de notório e desproporcional desequilíbrio em desfavor dos interesses dos aderentes, com óbvio prejuízo para os seus direitos de defesa – que só poderiam começar a esboçar-se no âmbito da oposição à execução.

No mesmo sentido,
Note-se que o vencimento antecipado do contrato é ligado, directa e automaticamente, a meras inexactidões das declarações ou das garantias ( quaisquer que elas sejam ), desde que imputáveis ao cliente, e ainda que por simples omissão ou negligência – não se exigindo qualquer tipo de dolo ou actuação premeditada ou fraudulenta, como seria mister.

O que significa que, por hipótese,
qualquer simples distracção, falta de entendimento ou inadvertido equívoco do cliente, e ainda que involuntários, pode, em abstracto e seguindo o teor formal da cláusula, gerar o vencimento antecipado do contrato, com tudo o que se lhe encontra associado e que está expressamente previsto nesta mesma cláusula.
Mais uma vez se reafirma, sublinhando, que não se pressupõe ou intui o intuito de aproveitamento abusivo por parte do banco réu, nem se rejeita obviamente a actuação, sensata e razoável, que o mesmo certamente empreenderá no dia-a-dia, caso a caso, optando pelas soluções mais equilibradas e equitativas.
É normal e saudável que o faça e não há motivo algum para duvidar que, em concreto, não siga sempre a melhor e mais justa das condutas.

Porém,
Não é o seu comportamento concreto e casuístico que está aqui em valoração.
O objecto da análise que o Tribunal é chamado a realizar dirige-se ao carácter genérico e abstracto da dita cláusula contratual, tal como ela se apresenta e tomando em consideração todas as eventuais e possíveis consequências que nela se poderão hipoteticamente estribar.
De salientar, ainda, que, segundo a previsão da cláusula,
o vencimento antecipado será ainda provocado por qualquer tipo de incumprimento ( incluindo a simples mora ) de quaisquer obrigações pecuniárias resultantes de outros empréstimos junto do sistema financeiro português ou estrangeiro, reunindo assim um elenco infindável de hipotéticas situações que permitem ao banco proponente considerar imediatamente exigíveis as obrigações ainda não vencidas, em claro desfavor do aderente/consumidor.
Outrossim o conceito de “ o contrato deixar de constituir, por qualquer motivo, um compromisso válido para qualquer dos clientes “ encerra  carácter indefinido e elástico(quase enigmático ), sendo profundamente complexa – quiçá ciclópica - a tarefa de o densificar.

Em termos práticos, e em suma, qualquer imprevisível situação conexionada com tal vago conceito poderá, teoricamente, servir-lhe de fundamento.

Não pode, evidentemente, admitir-se, à luz do incortornável princípio da boa fé que pugna, fundamentalmente, pelo equilíbrio nas relações contratuais e pela protecção do contraente mais fraco e vulnerável neste tipo de negócio.

Finalmente,
A referência, neste contexto e para este fim, ao incumprimento de quaisquer obrigações – quaisquer que elas sejam – afronta ainda o princípio geral ínsito no nosso ordenamento jurídico e plasmado no artigo 802º, nº 2 do Código Civil[19], segundo o qual o incumprimento só conduz ao direito de resolução do negócio quando revestir significado minimamente relevante, tendo em vista o interesse do credor.

Ou seja,
Não serve qualquer tipo de  incumprimento – conforme postula a cláusula contratual geral em análise.
Decidindo no sentido ora propugnado, pela invalidade desta cláusula contratual, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2014 ( relator Lopes do Rego ), publicado im www.dgsi.pt[20] ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2012 ( relatora Maria do Rosário Morgado ) e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Outubro de 2012 ( relatora Manuela Gomes ), ambos publicados in www.dgsi.pt.
Contrariando este entendimento, neste particular, vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Outubro de 2014 ( relator Ezaguy Martins ), publicado in www.dgsi.pt.
Pelo que se confirma a nulidade das cláusulas 10.1, 10.2 e 13.1., 13.1.b., 13.1.c., 13.1.c., 13.1.d., 13.1.e., 13.1.f. e 13.2 do contrato.
Improcede, neste tocante, a apelação apresentada pelo Réu.
2.4. - Cláusula 14.ª - "Reforço".

É o seguinte o teor da cláusula em referência :
“Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o BANCO D, S.A. poderá exigir aos CLIENTES o reforço das garantias constituídas e/ou a constituir nos termos do presente contrato, mediante a prestação de caução ou mediante qualquer forma a determinar pelo BANCO D, S.A., quando as mesmas deixarem de constituir garantias válidas, eficazes ou suficientes para o BANCO D, S.A. “.
Entende o Ministério Público que a presente cláusula é nula por violadora dos valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa fé, nos termos dos artigos 15º e 16º do RJCCG, onde pode ler-se :
“ São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias a boa fé “.
“ Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e especialmente :
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado “.

Apreciando :

Não se vislumbra motivo fundado para declarar a nulidade desta cláusula contratual.

Com efeito,
É perfeitamente comum  e curial a exigência, pelo banco, do reforço das garantias se as anteriores ( num juízo valorativo objectivo, sério e rigoroso ) se revelarem insuficientes para assegurar o crédito de que o banco é titular.

De resto,
trata-se, neste particular, do regime regra que, em termos gerais, flui do disposto nos artigos 701º ( relativa à substituição ou reforço da hipoteca ), aplicável à consignação de rendimentos ( artigo 665º ) e ao penhor ( artigo 678º ), do Código Civil.
Não existe sequer qualquer anormalidade nesta estipulação negocial, sendo perfeitamente legítima e corrente.
A referência ao “ reforço das garantias constituídas e/ou a constituir nos termos do presente contrato, mediante a prestação de caução ou mediante qualquer forma a determinar “ não gera qualquer tipo de perplexidade ou censura, uma vez que as garantias a prestar serão sempre as tipicamente prevista na lei, como é óbvio.

Sustenta o recorrente neste tocante:
A cláusula 14. é violadora de valores fundamentais de direito defendidos pelo princípio da boa-fé, conforme os art.°s 15.° e 16.° do RJCCG, na medida em que a possibilidade de a recorrida, no decurso do cumprimento do contrato, exigir o reforço de garantias já prestadas, constitui um desequilíbrio das prestações contratuais, sem que haja uma causa de justificação.
Com efeito, de acordo com o teor da cláusula em apreço, a exigência de reforço das garantias pela ora recorrida ao outro contraente não está dependente da verificação de quaisquer critérios objectivos, mas única e exclusivamente da vontade daquela, não conhecendo o aderente/consumidor desde o início quais as garantias que lhe poderão ser pedidas ao longo da execução do contrato e em que circunstâncias poderão as mesmas ser exigidas pela recorrida.
Desta forma, o aderente/consumidor não pode projectar as suas expectativas contratuais para o futuro com um razoável grau de segurança, até porque tais garantias podem implicar despesas acrescidas para o mesmo, com onerosidade excessiva para este, sendo que, aquando da contratação, o aderente/consumidor desconhece quais as garantias que poderão ser exigidas pela recorrida.
Esta possibilidade de modificação unilateral do contrato no que respeita à prestação de garantias é uma porta aberta ao desequilíbrio contratual durante a execução do contrato, pondo em causa o sinalagma da relação jurídica, pois a recorrida, com abuso do seu poder económico, obtém com a cláusula em apreço uma vantagem excessiva, que constitui uma violação do princípio da boa-fé objectiva e da transparência nas relações jurídicas.

Apreciando:

Num contrato de execução duradoroura são normais – quiçá recorrentes - as modificações no quadro inicial estabelecido, especialmente no que concerne à consistência do conjunto de garantias prestadas ao credor, sendo uma verdade insofismável que a solvabilidade constitui, em geral, uma realidade dinâmica, mesmo mutante.
Por vicissitudes várias e imprevisíveis, tais garantias podem deixar de cumprir a sua função específica, perdendo valor e deixando de realizar a sua funcionalidade.
Nesse pressuposto – que é o que consta da cláusula (“deixarem de constituir garantias válidas, eficazes ou suficientes” )- é normal a exigência do respectivo reforço, tal como sucede, em geral, no âmbito da garantia das obrigações, conforme se assinalou supra.
Anormal seria que, durante a pendência do contrato, e perante a perda da validade, eficácia ou suficiência da garantia prestada, o banco credor não dispussesse da faculdade ( normal ) de exigir ao cliente/mutuário o seu reforço, nos termos que se vierem a revelar necessários.
Qualquer devedor – seja num contrato de adesão, seja em qualquer outro – deverá contar, razoavelmente, com tal eventualidade, sem que se possa sentir prejudicado ou defraudado por ela.
Confirma-se a decisão recorrida neste ponto, considerando-se lícita a cláusula contratual em apreço.
Improcede a apelação deduzida pelo Ministério Público.
2.5. – Cláusulas 18.1, 18.2 e 18.3 - "Despesas".

Pode ler-se na cláusula em questão :
“18.1. Todos os encargos, juros e comissões relativos à celebração e execução do presente contrato, conforme descrito no preçário do BANCO D, S.A., disponível em www…...pt, serão da conta dos CLIENTES, bem como os encargos de natureza tributária associados, dando os CLIENTES desde já a sua permissão ao BANCO D, S.A. para proceder ao débito das mesmas na sua conta.
18.2. Os CLIENTES serão também responsáveis por todas as despesas judiciais e extrajudiciais em que o BANCO D, S.A. venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, relacionadas com honorários de advogados, solicitadores e outros prestadores de serviços.
18.3. Para cobertura de outras despesas em que o BANCO D, S.A. venha a incorrer para garantia e cobrança de quaisquer prestações vencidas e não pagas, o BANCO D, S.A. cobrará, por cada prestação, a comissão de cobrança estabelecida no preçário do BANCO D, S.A., disponível em www…….pt. “.

Apreciando:

Entende o Ministério Público que a presente cláusula é nula por violadora dos valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa fé, nos termos dos artigos 15º e 16º do RJCCG, onde pode ler-se :
“ São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias a boa fé “.
“ Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e especialmente :
a) confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado “.
Refere ainda o Ministério Público que a presente cláusula é nula nos termos do artigo 19º, alínea d), a saber :
“ São proibidas, conosante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que :
( … ) d) Imponham ficções de recepção, de aceitação ou outras manifestaçõs de vontade com base em factos para tal insuficientes “.

Apreciando:

Relativamente à cláusula “18.1. Todos os encargos, juros e comissões relativos à celebração e execução do presente contrato, conforme descrito no preçário do BANCO D, S.A., disponível em www…….pt, serão da conta dos CLIENTES, bem como os encargos de natureza tributária associados, dando os CLIENTES desde já a sua permissão ao BANCO D, S.A. para proceder ao débito das mesmas na sua conta “,
e à cláusula “ 18.3. Para cobertura de outras despesas em que o BANCO D, S.A. venha a incorrer para garantia e cobrança de quaisquer prestações vencidas e não pagas, o BANCO D, S.A. cobrará, por cada prestação, a comissão de cobrança estabelecida no preçário do BANCO D, S.A., disponível em www……..pt.»,
Afigura-se-nos óbvio – e do conhecimento comum – que os encargos, juros e comissões associados à celebração e execução de um contrato de mútuo bancário correm por conta do cliente, como não podia deixar de ser.
É este precisamente o negócio que qualquer banco comercial prossegue.
Também nada obsta a que tais débitos se efectivem na conta do cliente respectivo, autorizados antecipadamente por este.
Note-se que a cláusula em apreço delimita o âmbito e valor dessas despesas por referência ao preçário do BANCO D, S.A., disponível em www…….pt, através do qual é possível conhecer, antecipadamente, os valores que se encontrarão concretamente em causa.
Já relativamente à cláusula 18.2. “ Os CLIENTES serão também responsáveis por todas as despesas judiciais e extrajudiciais em que o BANCO D, S.A. venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, relacionadas com honorários de advogados, solicitadores e outros prestadores de serviços “,
a situação é diversa.

Verifica-se, neste tocante, uma clara indefinição e ausência de limitação nos montantes a cobrar, torpeando as regras processuais, de natureza pública, vigentes nesta matéria.

Conforme se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2014 ( relator Lopes do Rego ), publicado in www.dgsi.pt, a proposito de uma situação similar à presente “ o que dela resulta ( da dita cláusula ) parece antes ser a imposição de uma responsabilidade ilimitada e autónoma por todas e quaisquer despesas e honorários que o Banco realize, em caso de incumprimento contratual, não se vislumbrando qualquer remissão para a aplicabilidade das referidas regras processuais, nem o estabelecimento de qualquer critério objectivo de determinação do montante de tais despesas e honorários ( … ) ( nesta cláusula ) ocorre efectivamente um grau total de indeterminação, impondo-se ao aderente/mutuário uma responsabilidade por encargos indeterminados e indetermináveis, aparentemente para além daqueles que já lhe incumbiria suportar por via da aplicação directa das disposições atinentes às custas de parte “.

Sufragando por inteiro este entendimento, no qual respeitosamente nos louvamos, nada se nos oferecendo acrescentar, julga-se procedente a apelação interposta pelo Ministério Público, neste tocante, declarando-se a nulidade da referenciada cláusula contratual geral. 
2.6 - Cláusula 19ª - "Lei Aplicável e Jurisdição".  
          
Consta da cláusula em apreço :
“O presente contrato está sujeito à lei portuguesa e para a apreciação de todas as questões dele emergentes as partes elegem o foro do Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, salvo disposição legal imperativa em contrário “.

Apreciando:

Entende o Ministério Público que a presente cláusula é nula nos termos do artigo 19º, alínea g) do RJCCG, a saber :
“ São proibidas, conosante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que :
( … ) g)  Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem“.

Apreciando :

Inexiste, a nosso ver, motivo para a declaração de nulidade desta cláusula.
Ao invés, resulta clara e natural a absoluta razoabilidade da respectiva solução.
Em primeiro lugar, não se vislumbra que tipo de inconvenientes graves podem, com seriedade e bom senso, impedir o estabelecimento do foro convencional na capital do país, sendo certo que o acórdão uniformizador nº 12/2007 de 18 de Outubro de 2007, publicado in www.dgsi.pt, ( aplicáveis aos contratos anteriores 14/2006, de 26 de Abril ) -  segundo o qual na acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, na indemnização pelo não cumprimento, ou pelo cumprimento defeituoso e na resolução do contrato por falta de cumprimento, se privilegia  o domícilio do réu como critério de fixação da competência territorial do foro -, limitou profundamente o âmbito desta cláusula, estabelecendo, por si só e desde logo, automaticamente, o reequilíbrio da situação em análise ( se alguma vez tivesse existido desequílibrio e se tal necessário fosse ).

Em rigor,
a interpretação que sustenta a invalidade da cláusula contratual em questão pressupõe que, no âmbito do contrato de adesão, só seria válida a estipulação, como foro convencional, do domicílio do aderente, proibindo determinantemente qualquer outro – em abstracto gerador dos ditos graves inconvenientes ( seja isso o que for ).
Se assim não acontecesse, na óptica dos defensores da ilicitude da cláusula, sempre o aderente, podendo ter o seu centro de vida distante do tribunal onde seria dirimido o respectivo pleito judicial, padeceria necessária e dolorosamente desses problemáticos graves inconvenientes.
Só que não é essa a concreta previsão legal constante do artigo 19º, alínea g) do RJCCG que em parte alguma pressupõe a proibição do foro convencional diferente do da residência do aderente.

Acresce que,  
em qualquer circunstância,
tais – invocados - gravosos inconvenientes teriam que ser aferidos caso a caso, não justificando a declaração de nulidade da cláusula contratual geral, como se a deslocação a Lisboa ( num país com as dimensões do nosso, dotado de excelentes vias de comunicação e com um sistema de justiça pretensamente modernizado do ponto de visto informático ), sugerisse, por si e num plano meramente abstracto, um acréscimo de encargos insuportável e severamente penalizador para quem quer que seja.
Concorda-se neste tocante com a argumentação expendida na decisão recorrida, considerando-se a licitude da apontada cláusula contratual geral.
No sentido por nós propugnado, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2006 ( relator Fernandes Magalhães ), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Março de 2011 ( relatora Graça Araújo )  publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Setembro de 2013 ( relatora Isoleta Costa ), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Junho de 2004 ( relatora Fátima Galante ), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Fevereiro de 2005 ( relator Carlos Valverde ), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Novembro de 2005 ( relatora Manuela Gomes ), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Junho de 2012 ( relator Gilberto Jorge ), publicitado in www.jusnet.pt ; em sentido oposto, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2014 ( relator Lopes do Rego ), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014 ( relator Gabriel Catarino ), publicado in www.dgsi.pt. ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2010 ( relator Salazar Casanova ), publicitado in www.jusnet.pt ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2004 ( relator Moreira Alves ), publicado in  “ Contratos Comerciais, Direito Bancário e CIRE “ – Colectânea de Jurisprudência Edições, pags. 375 a 380 ;  acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Fevereiro de 2014 ( relator Sousa Pinto ), publicado in www.dgsi.pt.
Improcede a apelação interposta pelo Ministério Público neste ponto.

3 – Da publicação da presente decisão.

Alega o recorrente Banco D., S.A., que a publicitação da sentença não foi determinada em consonância com o disposto nos artigos 34.º e 35.º do RJCCG, mas sim, através dos meios de comunicação social, situação que afecta de forma “devastadora e contraproducente” a sua reputação, bom nome e imagem.

Apreciando:

Dispõe o artigo 30º, nº 2 do RJCCG : “ A pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine “.

Ora,
Na petição inicial, o Ministério Público pediu a condenação da Ré “ a dar publicidade à decisão e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ ( um quarto ) de página “.
A publicitação da sentença foi ordenada com base legal, condenando-se a Ré “ a dar publicidade à parte decisória da presente sentença, no prazo de 20 dias, desde o trânsito em julgado, através de anúncio de dimensão não inferior a 1/4 de página, a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, em 3 (três) dias consecutivos, comprovando o acto nos presentes autos, até 10 (dez) dias após a última publicação “.

Tal segmento do dispositivo da sentença recorrida tem plena justificação e total cabimento.
Não colhe, aqui, a pretensão da Ré no sentido de evitar a pretensa “ afectação de forma devastadora e contraproducente a sua reputação, bom nome e imagem “.
Não é isso que está aqui em causa, nem é isso que se pretende - nem tal, ao que se julga, irá suceder.

Pelo contrário,
Trata-se unicamente de dar a conhecer em termos públicos, com fins pedagógicos, preventivos e profilácticos, o conteúdo de uma decisão judicial que incidiu sobre um contrato tipo que afecta um número muito considerável de clientes ou interessados e que, naturalmente, reveste interesse público geral.
Conforme se enfatiza no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2011 ( relator Oliveira Vasconcelos ), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XIX, tomo III, pags. 74 a 77 : “ O interesse geral reflectido neste regime ( da publicitação da sentença ) não pode deixar de ter preponderância em relação ao interesse meramente particular do demandado na acção inibitória, de preservação da sua imagem.
Aceita-se que essa publicitação possa afectar essa imagem, mas tal efeito, a ocorrer, é uma consequência inevitável da publicitação.
Os demandados em acções inibitórias obviamente que sabem que, caso sejam condenados, correm esse risco.
Logo, competia-lhes estudar e rever cuidadosamente as cláusulas contratuais para evitar a condenação e consequente publicitação.
Não o fazendo, não podem daí retirar argumento para a não publicitação “.

No mesmo sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2012 ( relator Serra Baptista ), publicitado in www.jusnet.pt.
Improcede a apelação da Ré neste tocante.

IV - DECISÃO :
 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação interposta pela Ré Banco D., S.A.;
parcialmente procedente a apelação interposta pelo Ministério Público,
declarando, igualmente, a nulidade da cláusula 18.2. “ Os CLIENTES serão também responsáveis por todas as despesas judiciais e extrajudiciais em que o BANCO D, S.A. venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, relacionadas com honorários de advogados, solicitadores e outros prestadores de serviços “.
Na parte sobrante, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Ré recorrente em 2/3 do valor correspondente ao decaimento total[21].


Lisboa, 9 de Julho de 2015.

(Luís Espírito Santo – relator por vencimento da primitiva relatora).
(Gouveia Barros).
(Dina Monteiro – vencida conforme declaração que junta).


VOTO DE VENCIDA:

Como ponto prévio tenha-se presente que não se discute nestes recursos a natureza das cláusulas inseridas no Contrato de Mútuo que o Banco apresenta aos interessados que com ele pretendem contratar pelo que, podemos ter como consensualmente assente que se trata de cláusulas contratuais gerais submetidas ao regime do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as sucessivas alterações a que tem sido submetido, conforme consta do acórdão.
Cumpre também deixar consignado que se concorda com a decisão deste acórdão quando declara a nulidade das cláusulas contratuais ali analisadas. A discordância surge apenas quanto ao facto de se entender que as demais cláusulas do contrato que foram indicadas pelo Ministério Público como estando também feridas de nulidade – no caso, as cláusulas 4.ª, 14.ª, 18.ª.1, 18.ª.3 e 19.ª -, na realidade padecem de tal vicissitude e, como tal, o Banco deve ser inibido de as utilizar nos contratos a celebrar.

Esclarecido este ponto, passemos à pretendida análise:

Cláusula 4.ª - "Confissão de Dívida"

«Os CLIENTES desde já se confessam devedores ao BANCO D., S.A. da totalidade da quantia mutuada, juros e demais encargos resultantes do presente contrato»

Sumariando o entendimento do senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, que concluiu pela licitude desta cláusula contratual, estamos perante uma cláusula inserta num contrato de mútuo oneroso de que resultam, necessariamente, direitos e obrigações para ambas as partes. No caso, a obrigação do mutuário (cliente do Banco) de proceder ao pagamento da quantia mutuada (inserta na cláusula 2.ª) e do pagamento da retribuição (correspondente aos juros insertos na cláusula 5.ª).

Como os montantes a serem tidos em consideração estão definidos no clausulado do contrato, quer nas suas condições gerais, quer nas condições particulares, a todo o tempo podem ser determinados, por simples cálculo aritmético.

O segmento desta cláusula, no que respeita aos “demais encargos resultantes do presente contrato” foi objeto de interpretação tendo presente a alteração que o Banco introduziu nas suas minutas contratuais, e que, no que ao caso importa, é aplicável aos contratos de crédito ao consumo (em observância do disposto no Decreto-Lei n.º 317/2009). Essa alteração traduziu-se na criação de uma nova secção relativa à prestação de serviços de pagamento (Secção H das Condições Gerais de Abertura de Conta que é concomitante à celebração do contrato de crédito ao consumo).

Na Secção H, Ponto 1.1, desse clausulado (fls. 714 dos autos), dispõe-se que:

“A presente Secção contém as normas aplicáveis aos Serviços de Pagamento prestados pelo BANCO no âmbito de quaisquer instrumentos contratuais celebrados entre este e o CLIENTE”

Trata-se, pois, de encargos que estão ali expressamente previstos e passíveis de determinação.

Concluiu, assim, o Tribunal de 1.ª Instância, que a confissão de dívida constante desta cláusula 4.ª sendo sempre determinável, a cada momento, pelo Cliente, não está ferida da pretendida nulidade invocada pelo Ministério Público. 

Em sede de recurso, o Ministério Público aceita que o primeiro segmento desta cláusula, no que se reporta à obrigação de o aderente (cliente do Banco) proceder à devolução do capital e dos juros, não merece qualquer reparo, tratando-se de uma obrigação que resulta de um imperativo legal (artigos 1142.º e 1145.º do Código Civil), já assim o não entendendo em relação ao segmento final dessa mesma cláusula, relativamente aos encargos ali referidos que, no seu entender, não são suficientemente determináveis.

Entendemos que assiste razão ao Ministério Público.

Com efeito, consultando as mencionadas Condições Gerais, nomeadamente a Secção H (págs. 709 a 716 dos autos), não resulta, ainda que medianamente passível de apreensão pelo consumidor, qualquer possibilidade de se prever a que tipo de “encargos” o Banco vai proceder nas situações em apreço, ocorrendo uma imprecisão quanto à determinação daqueles mesmos encargos.

O aderente vê-se confrontado com uma assunção de dívida cujos contornos e montantes desconhece situação que, só por si, sempre impediria que o segmento final desta cláusula 4.ª pudesse subsistir. Trata-se de manifesta violação de um direito básico de qualquer consumidor, no caso, o de concordar ou não, com as despesas que lhe venham a ser apresentadas e classificadas pelo Banco como de “encargos”, no âmbito da execução de um contrato de mútuo.

O que acontece é que, com a redação existente nesta cláusula, o aderente está a passar um “cheque em branco” à entidade mutuante permitindo-lhe cobrar quantias cujo exato montante desconhece, circunstância que, por si só, sempre impediria a sua manutenção nos contratos em análise, por manifesta violação do disposto no artigo 19.º, alínea d), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RGCCG), que tem a seguinte redação:

“São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
(…)
d) Imponham ficções de receção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes.
(…)”.

Com efeito, estamos perante uma cláusula relativamente proibida que, no quadro negocial em que se encontra inserida, constitui um abuso ilegal por parte da entidade mutuante já que não permite ao mutuário conhecer os riscos que corre, o exato montante da responsabilidade económica que assume e, muito menos, conhecer um quadro negocial que possa ser analisado e que leve a uma adesão consciente aos termos do contrato.

Como podemos verificar, quer o texto da cláusula 4.ª em apreciação, quer a sua remissão para as Condições Gerais acima transcritas, não permitem que o aderente possa, livre e esclarecidamente, aceitar os encargos ali mencionados, ou seja, impedem que o consumidor possa proceder a um exame prévio das condições de contratação, elemento essencial para se obter e considerar válida a respetiva anuência de pagamento das mesmas.

Com efeito, como se dispõe no artigo 19.º, alínea d) da LCCG, são proibidas, segundo o quadro negocial padronizado, as cláusulas que imponham ficções de receção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes.

Trata-se de uma proibição relativa. A propósito das vias de concretização utilizadas no domínio das cláusulas relativamente proibidas, afirma Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, 3.ª edição, págs. 436/7:

«Por um lado, estas [as cláusulas relativamente proibidas] dependem de juízos concretos; mas por outro não quis o legislador que se caísse em cláusulas de equidade, que tudo subordinassem a certas impressões do caso concreto, numa situação que, desde logo, inviabilizaria a ação inibitória no tocante às cláusulas relativamente proibida.

A referência ao “quadro negocial padronizado” pretende, justamente, explicitar que a concretização das proibições relativas deve operar perante as cláusulas em si, no seu conjunto, e segundo os padrões em jogo: em face de um formulário de compra e venda de um automóvel há que ponderar: se o prazo de entrega é excessivo, tendo em conta esse tipo de venda, e não aquela venda concreta, se a cláusula penal é excessiva, etc.. Tratando-se de um automóvel, usado, a ponderação será feita de acordo com o padrão “venda de veículos usados”, etc.»

Relativamente ao alcance desta alínea do artigo 19.º LCCG, refere o mesmo autor, op. cit., pg. 441:

«a rapidez do tráfego de massas justifica que, por vezes, se dispensem formais declarações de vontades, substituindo-as por outros indícios. Os comportamentos concludentes têm aqui particular relevo. Mas a situação torna-se inadmissível quando se recorra a factos insuficientes para alicerçar a autonomia privada. Caso a caso será necessário indagar dessa suficiência: tal o sentido da alínea d)»

A alusão ao quadro negocial padronizado significa que o teor da cláusula sindicada tem de ser aferido em função do tipo de negócio envolvido, in casu, do contrato de mútuo, e não em função de um contrato singular em que essa cláusula esteja inserida.

No presente caso, foi esta a análise a que se procedeu uma vez que não é compaginável para o aderente, no momento em que subscreve o contrato, ajuizar da infinidade de situações cobertas por esta cláusula, risco este que sempre nos levaria a concluir pela nulidade desta cláusula 4.ª do contrato em apreciação.

Por outro lado, e como é também referido pelo Ministério Público, essa confissão do aderente, tão ampla e generalista, sempre implicaria uma inversão do ónus da prova quando pretendesse impugnar, em juízo, a sua admissibilidade.

Com efeito, sendo inquestionável que, numa ação em juízo, sempre teria de ser o mutuante a ter de alegar e provar a existência e a exigibilidade de tais “encargos” – artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil -, a verdade é que, estando munido de um documento de Confissão de dívida por parte do mutuário, sempre seria este último a ter de provar a sua inexigibilidade em juízo, numa clara inversão do ónus da prova – artigos 352.º, 358.º, n.º 2 e 347.º do Código Civil -, circunstância que sempre se enquadraria no disposto no artigo 21.º, alínea g) do RJCCG, que tem a seguinte redação:

“São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
 (…)
g) Modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos.
(…)”

É esta, pois, a situação em apreciação que cumpre alterar.

Concluindo, entende-se que o segmento da cláusula 4.ª que consta do Contrato de Mútuo – Crédito ao Consumo – Taxa Variável, em análise, na parte em que se refere aos “demais encargos” é proibida, e como tal nula, devendo o Banco abster-se do seu uso – artigo 12.º do RJCCG.

Cláusula 14.ª - "Reforço"

«Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o BANCO D., S.A. poderá exigir aos CLIENTES o reforço das garantias constituídas e/ou a constituir nos termos do presente contrato, mediante a prestação de caução ou mediante qualquer forma a determinar pelo BANCO D., S.A., quando as mesmas deixarem de constituir garantias válidas, eficazes ou suficientes para o BANCO D., S.A.»

Defende o Ministério Público que o teor desta cláusula viola os valores fundamentais defendidos pelo princípio da boa-fé uma vez que possibilita que, no decurso da execução do contrato, o mutuante possa exigir o reforço de garantias já anteriormente prestadas gerando, assim, um desequilíbrio das prestações contratuais, em clara violação do disposto nos artigos 15.º e 16.º do RJCCG.

Como podemos verificar pela simples leitura da cláusula 14.ª do Contrato em apreciação, estamos perante uma situação em que o mutuante, sem razões objetivas ou objetiváveis nos termos do contrato, pode passar a exigir ao mutuário, durante a execução do contrato celebrado, o reforço de garantias.

Esta alteração dos termos em que foi inicialmente firmado o contrato, sem possibilidade de prévio conhecimento do tipo de garantias que possam vir a ser-lhe exigidas pelo mutuante, sempre nos levaria a concluir por uma situação de desfavor do mutuário, face ao desequilíbrio das prestações das partes no contrato. Não só o mutuário está, à partida, e desde logo no início da celebração do contrato, numa situação em que a sua voz ativa é apenas para aceitar ou rejeitar os termos do negócio a celebrar como, durante a execução do mesmo, pode ver-se numa situação de total impotência quanto aos meios para poder reagir à exigência do reforço de garantias que lhe são solicitadas pela outra parte negocial, sem que as possa sequer sancionar.

A existência lícita de tal cláusula sempre teria de ter como limites, expressamente incluídos no contrato, o tipo de garantias que podem ser exigidas e as concretas circunstâncias em que as mesmas poderiam ter lugar, sob pena de estarmos perante uma situação de completa arbitrariedade por parte do mutuante e de total desproteção por parte do mutuário, que teria a sua situação económica futura sempre incerta e dependente da imprevisível atuação do mutuante.

Trata-se, no fundo, de uma alteração unilateral dos termos do contrato na parte respeitante às garantias e que se traduz num desequilíbrio inadmissível da posição das partes no contrato que, como acima já se deixou expresso, deve ser concretizado e executado tendo por parâmetro a observância dos princípios da boa-fé.

Assim, também nas situações de incumprimento do Cliente, perante outros Bancos, nacionais e/ou internacionais, não se pode permitir que tal situação, por si só, gere o vencimento automático das obrigações perante o Banco Apelante, sob pena de descredibilizarmos as próprias garantias prestadas pelo Cliente nos preliminares do contrato, que foram analisadas pelo Banco e que então concluiu pela sua força necessária. Se tais garantias deixaram de ser suficientes ou nunca o foram, é um problema de análise bancária. Este não pode é, durante a execução do contrato, alterar as regras que foram criadas por si, em desfavor do aderente, sempre que o incumprimento não respeitar ao contrato firmado com o seu Cliente.

Recorrendo a uma imagem, bem podemos afirmar que a boa-fé contratual é uma estrada de dois sentidos e, a quaisquer das partes que nela circulem, aplicam-se as mesmas regras, não podendo, pois, uma das partes alterar a sinalética ali existente, quando ambos estão já em circulação.

Concluindo, a cláusula 14.ª do contrato configura-se como uma cláusula proibida e, como tal, nula, por desrespeitar o disposto nos artigos 15.º e 16.º do RJCCG.

Cláusulas 18.1 e 18.3 - "Despesas":

«18.1. Todos os encargos, juros e comissões relativos à celebração e execução do presente contrato, conforme descrito no preçário do BANCO D., S.A., disponível em www…...pt, serão da conta dos CLIENTES, bem como os encargos de natureza tributária associados, dando os CLIENTES desde já a sua permissão ao BANCO D., S.A. para proceder ao débito das mesmas na sua conta.
(…)
18.3. Para cobertura de outras despesas em que o BANCO D., S.A. venha a incorrer para garantia e cobrança de quaisquer prestações vencidas e não pagas, o BANCO D., S.A. cobrará, por cada prestação, a comissão de cobrança estabelecida no preçário do BANCO D., S.A., disponível em www……..pt.».

Conforme é defendido pelo Ministério Público, a nulidade das cláusulas 18.1 e 18.3 não repousa no facto de preverem o pagamento de “despesas e encargos” devidos à instituição bancária – comportamentos que, em si mesmo, são lícitos -, mas sim, “por não fornecerem os montantes ou os critérios para a determinação de tais quantias, sendo certo que não é suficiente que estejam descritos no preçário” da mutuante.

A remissão ali exarada de tais “preçários” não substitui a obrigação do mutuante de dar a conhecer e explicar esses quantitativos ou o seu critério de determinação ao mutuário, ferramentas essenciais para que o cliente possa compreender e aderir, ou não, ao que contratualmente lhe é proposto. Estamos novamente no campo da boa-fé que deve estar presente na celebração dos contratos, mormente quando, como é o caso, estamos perante impressos pré definidos pelo mutuante. O mutuário deve poder aceder a todos os elementos a ponderar para a celebração do contrato, elementos esses que devem constar do próprio contrato e não, como é o caso, serem exteriores ao mesmo.

O mutuário deve poder aceder, num único documento, a todos os elementos essenciais a formar a sua convicção a negociar, elementos esses que devem constar do contrato, sob pena de estarmos perante uma aceitação fictícia por parte do mutuário, o que nos leva novamente à questão da inversão do ónus da prova, já tratada aquando da análise da cláusula 4.ª do Contrato, e à dificuldade de o mutuário ter de provar a não exigibilidade de qualquer despesa e/ou encargo, que lhe foi já previamente cobrado.

Esse déficit de informação negocial é incompatível com a obrigação de observância das regras de conduta e dever de informação que recai sobre as entidades bancárias, como é o caso em análise, mostrando-se violadoras do princípio da boa-fé negocial e, como tal, proibidas, nos termos do disposto nos artigos 15.º e 16.º do RJCCG.

De qualquer forma, sempre se dirá que tais cláusulas sempre teriam de ser consideradas como proibidas e, consequentemente, como nulas, face ao disposto no artigo 19.º, alínea d) do RJCCG, já acima transcrito, por preverem a ficção de aceitação do pagamento de quantias com base em factos insuficientes para a sua determinação e sem que permitam ao mutuário “contraditar a dívida ou negar o seu pagamento”.

Cláusula 19 - "Lei Aplicável e Jurisdição"             

«O presente contrato está sujeito à lei portuguesa e para a apreciação de todas as questões dele emergentes as partes elegem o foro do Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, salvo disposição legal imperativa em contrário»

Sempre salvo o devido respeito, pensa-se que com a publicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2007, a questão deixou de fazer sentido.

Com efeito, com a atual redação do artigo 71º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto (introduzida pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril para o então artigo 74.º do Código de Processo Civil, àquela data vigente), dispõe-se que a regra de competência territorial, que é de conhecimento oficioso, não pode ser afastada pela vontade das partes – artigos 104º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil Revisto.
Assim, na nova redação deste preceito, o tribunal territorialmente competente para conhecimento da ação decorrente do incumprimento deste tipo de contratos é o Tribunal que corresponder ao domicílio do Réu, no caso, o mutuário.

Por outro lado, é necessário ter presente que a Lei 14/2006 tem subjacente a proposta de Lei 47/X que vai de encontro ao Plano de Descongestionamento dos Tribunais publicitado pelo Ministério da Justiça em www.mj.gov.pt e em que todas estas questões referentes à desburocratização da justiça e à sua proximidade com o cidadão são tratadas.

A parte final desta cláusula, em que se refere “salvo disposição legal imperativa em contrário” é desnecessária e pode gerar confusão no consumidor pelo que não pode prevalecer.

Acresce que, em relação às ações a propor que tenham por fundamento a resolução por alteração das circunstâncias, de anulação ou de declaração de nulidade do contrato, dispõe o artigo 80.º do Código de Processo Civil Revisto que a ação a propor deverá ocorrer no Tribunal correspondente ao domicílio do Réu pelo que, também nesta sede, a cláusula 19.ª do Contrato em apreciação deixa de fazer qualquer sentido.
 
Por fim, sempre se dirá que, sendo certo que a deslocação do mutuário residente fora da área da cidade de Lisboa, bem como do seu mandatário e de eventuais testemunhas, sempre acarretaria despesas e incómodos incomportáveis para a defesa do consumidor, o aqui mutuário, e que os serviços da mutuante, espalhados já por todo o País, como decorre do Ponto 12 dos Factos Provados, lhe permite uma grande desenvoltura na propositura e acompanhamento das ações, sempre teríamos de concluir que, no quadro negocial padronizado e aqui em apreciação, tal alteração do conteúdo da cláusula territorial não acarretaria excessiva onerosidade à mutuante.

Assim sendo, sempre a cláusula em causa teria de ser tida como proibida e, consequentemente, como nula, nos termos do disposto no artigo 19.º, alínea g), do RJCCG.
 
Estas as razões que me levam a concluir pela nulidade das seguintes cláusulas insertas no contrato de mútuo em análise:

- O segmento da cláusula 4.ª, na parte que se reporta à confissão da responsabilidade do aderente pelos “demais encargos” e as cláusulas 14.ª, 18.ª 1, 18.ª 3 e 19.ª, devendo o Banco abster-se da sua utilização.

Dina Monteiro


[1] Na sequência da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, que teve por objecto as cláusulas abusivas em contratos celebrados com os consumidores.
[2] Conforme se enaltece no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2011 ( relator Fonseca Ramos ), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XIX, tomo II, pags. 91 a 98 : “ As regras de conduta postuladas pela actuação leal, prudente e que contempla os interesses das partes, deve ser apanágio dos contratos em que se negoceia em pé de igualdade e onde a liberdade contratual está por regra assegurada; com mais rigor deve ser exigida em contratos em que tal igualdade não existe, ou seja, naqueles em que a liberdade negocial está cerceada pela patente disparidade dos contraentes como é o caso dos contratos de adesão sujeitos a cláusulas contratuais gerais.
Aqui a lei intervém em favor do aderente, adoptando critérios de maior exigência em salvaguarda dos seus interesses como parte contratual, não sendo alheios, todavia, motivos de ordem pública, sopesada a finalidade do contrato, o facto de ser um mútuo de escopo e o tipo de contratação padronizada “.
[3] Vide Almeno de Sá in “ Cláusulas Contratuais Gerais e Directivas sobre Cláusulas Abusivas “, pag. 13.
[4] Conforme salienta Almeno de Sá in “ Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas “, pag. 56 : “ Permanece como fundamental que, para o legislador comunitário, só há um sujeito a tutelar : o consumidor. A história da formação da directiva mostra, de facto, que a leitura “ consumerista “ foi absolutamente decisiva no debate sobre a adopção de um instrumento regulativo europeu desta natureza “.
[5] Dir-se-á mesmo, numa perspectiva pragmática, eliminatória.
[6] Vide, sobre esta temática, Nuno Pinto de Oliveira, in “ Princípios de Direito dos Contratos “, a fls. 245, onde, avocando a posição expressa por Joaquim de Sousa Ribeiro, in “ O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e princípio da liberdade contratual “, salienta que : “ O particular processo de conclusão dos contratos, através da adesão a cláusulas contratuais não negociadas, exprime ou institui uma relação de poder : “ o utilizador das cláusulas contratuais gerais coloca-se numa posição de supremacia em face a cada um dos seus parceiros contratuais, privando-os da capacidade de comparticipação na modelação do conteúdo do contrato “. O princípio da boa fé exige que o utilizador das cláusulas contratuais gerais considere os direitos, os bens jurídicos e os interesses da contraparte – do aderente -, como correlato da posição de domínio assumida na relação contratual : a boa fé opõe-se a uma conformação desmesuradamente desequilibrada dos termos das cláusulas contratuais gerais. O problema da boa fé como critério de controlo das cláusulas contratuais gerais é sobretudo um problema de proporcionalidade na ponderação dos bens “.
[7] Almeno de Sá, obra citada supra, pag. 261.
[8] Escreve, a este propósito, João Calvão da Silva, in “ Banca, Bolsa e Seguros – Direito Europeu e Português “ – Tomo I, Parte Geral, a pag. 176 : “ É em nome do princípio da justiça contratual que a boa fé aparece como critério de controlo directo do conteúdo das cláusulas unilateralmente predispostas e impostas pelo utilizador, a fim de evitar que, tendo em conta o fim contratual e a legítima confiança das partes, essas cláusulas sejam abusivas e draconianas, dando origem a um desequilíbrio significativo, em detrimento do aderente, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato “.
[9] Criticando abertamente a forma como durante muito tempo a doutrina e a jurisprudência encararam o princípio da boa fé, vendo nele “ uma espécie de ornamento de que não retiravam efectivas ilações normativas “, vide Ana Prata in “ Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais “, pag. 324.
[10] Sobre este ponto, vide Ana Prata in “ Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais “, pag. 597.
[11] Vide, sobre este ponto, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2014 ( relator Salazar Casanova ), publicado in www.dgsi.pt.
[12] Vide sobre este ponto Almeno de Sá, in “ Cláusulas Contratuais Gerais e Directivas Sobre Cláusulas Abusivas “, pag. 259, onde salienta : “ …a valoração haverá de fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior de todo o regulamento contratual genericamente predisposto. Deste modo, na ponderação aqui pressuposta, não são os interesses individuais dos intervenientes que directamente ganham relevo, mas os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas em negócios da espécie considerada. Torna-se, por isso, essencial a consideração da situação contratual típica e não meramente as vicissitudes particulares do negócio realizado. “.
[13] Em sentido oposto, vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2012 ( relatora Maria do Rosário Morgado ), publicado in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. artigos 847º, nº 1 e 851º do Código Civil.
[15] Vide, sobre os termos da efectivação da compensação bancária, em conta plural solidária, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Julho de 2009 ( relator Barateiro Martins ), publicado in www.dgsi.pt e igualmente subscrito pelo ora relator, onde se conclui, após dar notícia das diferentes correntes doutrinárias e jurisprudenciais que se confrontam sobre o tema, que o banco apenas pode opor a compensação no limite do depósito que pertença ao seu devedor.
[16] A respeito das controvérsias jurídicas suscitadas a propósito da compensação bancária, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Novembro de 2008 ( relator Cardoso de Albuquerque ), onde se sublinha que “ não estando convencionada a compensação, é vedado ao banco mutuante efectuar a compensação de detém sobre um dos titulares da conta conjunta com o crédito que todos os contitulares em conjunto detinham sobre o mesmo, por faltar um requisito da compensação legal, a da reciprocidade dos créditos “, publicado in “ Contratos Comerciais, Direito Bancário e CIRE “ – Colectânea de Jurisprudência Edições, pags. 395 a 397
[17] Vide sobre esta matéria o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2008 ( relator Garcia Calejo ), publicado in www.dgsi.pt, onde se conclui não ser possível a um banco, por iniciativa própria e perante um depósito solidário, efectuar a compensação legal.
[18] Em consonância com tal entendimento, vide artigo 780º, nº 5 do Código de Processo Civil onde se prevê que “ Sendo vários os titulares do depósito, o bloqueio ( penhora ) incide sobre a quota parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais “.
[19] Referem Pires de Lima e Antunes Varela, in “ Código Civil Anotado “, Volume II, pag. 61 que : “ Esta disposição geral, que tem por fonte o artigo 1455 do Código italiano, funda-se no princípio geral, expresso no nº 2 do artigo 762º, de que as partes, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem proceder de boa fé “.
[20] Escreve-se neste aresto : “ esta cláusula, facultando ao Banco a disponibilidade de um título cambiário em branco e outorgando-lhe o poder de discricionariamente o preencher pelas quantias que considere serem devidas em consequência do incumprimento, abrangendo quantias vencidas e vincendas e incluindo os resultados do exercício unilateral do direito a produzir o vencimento antecipado das obrigações, constitui um reforço desproporcional da tutela dos interesses da entidade que elaborou a cláusula contratual geral, relativamente à posição do mutuário aderente ; na verdade, esta cláusula faculta ao Banco a criação unilateral de um título executivo, com a natureza de título de crédito ( … ), permitindo-lhe o preenchimento, sem qualquer possibilidade de controlo do mutuário e com laivos de discricionariedade, pelas quantias globais que considere representarem o seu direito, podendo, sem mais, dá-lo à execução, forçando a parte contrária que discorde da liquidação feita pelo Banco a deduzir oposição já no âmbito do processo executivo em curso “.
[21] A isenção subjectiva de custas consagrada no artigo 29º, nº 1 do RJCCG foi revogado pelo Decreto-lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, sendo certo que o Ministério Público beneficia da isenção de custas, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais ( vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Julho de 2014 ), sumariado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXIX, Tomo III, pag. 351.