Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
376/13.0PTLRS.L2-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE FUNCIONAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVADO
Sumário: – A chamada incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por “handicap” a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade”.

– Visa-se “indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 – integridade psicossomática plena –, e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de créditos”.

– O dano corporal permanente tem repercussões sobre a sua actividade laboral, enquanto diminuição da capacidade de trabalho, com a necessidade de esforço suplementar para a desenvolver, pelo que se verifica indubitavelmente (também, para além da vertente não patrimonial ou moral) o dano (futuro) de natureza patrimonial indemnizável.

– A este dano acrescem os danos não patrimoniais que abrangem prejuízos como as dores físicas, o sofrimento psicológico, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética de cada lesado que, não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com obrigação pecuniária imposta ao agente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.– Nos presentes autos com o NUIPC 376/13.0PTLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Criminal de Loures – Juiz 1, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi proferida sentença, em 14/07/2017, nos seguintes termos:

Pela prática de um crime de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1, do Código Penal, condenou o arguido EA  na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 6,00 euros, no montante global de 600,00 euros.

Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante JD e condenou os demandados EA , “AGF , SA” e “Fundo de Garantia Automóvel”, solidariamente, a pagar-lhe:

- A título de ressarcimento pelos danos patrimoniais sofridos, a quantia de 3.381,15 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento.

- A título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 7.500,00 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento.

2.– O demandante JD não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
- O recorrente deduziu pedido de indemnização civil contra os recorridos, EA , AGF , S.A. e Fundo de Garantia Automóvel pedindo a condenação destes a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de € 20.636,54, sendo € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, e € 5.636,54 a título de danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.

- O recorrente alterou o valor do pedido para € 18.188,09, sendo:
€ 10.000,00 a título de danos não patrimoniais;
€ 5.636,54 a título de danos patrimoniais (lucros cessantes);
€ 2.551,55 a título de danos patrimoniais (danos emergentes).
- A sentença recorrida veio a condenar os recorridos no pagamento da quantia de € 7.500,00, por danos não patrimoniais, e de € 3.831,15 por danos patrimoniais (€ 1.680,80 relativos ao tempo que o recorrente esteve de baixa médica, entre Dezembro de 2013 e Fevereiro de 2014, e não trabalhou no “H. ”; € 126,55 de taxas moderadoras; € 23,80 de medicamentos; € 2.000,00 pela incapacidade parcial).
- Valores que o recorrente discorda, com excepção de € 126,55 e de € 23,80 referentes a taxas moderadoras e medicamentos respectivamente.
- Relativamente ao valor de € 1.680,80, a sentença recorrida não teve em conta a quantia de € 346,54 que não lhe foi paga pelo “H. ”, referente aos 12 dias de baixa médica entre 20 a 31/5/2015.
6º- Resulta da matéria assente que o recorrido com baixa médica entre 7/12/2013 e 4/2/2014 e entre 20 e 30/5/2015.
- Resulta dos recibos de vencimento juntos autos e confirmado pelo depoimento da testemunha SP que foi descontado ao recorrente a quantia de € 2.092,52, valor que inclui € 346,54 referente à baixa médica entre 20 e 30/5/2015.
- Resulta da matéria assente que o trabalho do recorrente, como técnico de manutenção, exige esforço físico.
- O recorrente tinha à data do acidente, que ainda mantém, um contrato de trabalho com o “H. ” e um contrato de prestação de serviços com a “EL ”.
10º- Em consequência do acidente ficou com uma IPP de 1%.
11º- Essa incapacidade obriga o recorrente a esforços acrescidos na execução dos trabalhos.
12º- E para execução de determinados trabalhos passou a ter de socorrer-se de terceira pessoa, o que implica custos para o recorrente, os quais se manterão, no futuro, até durar a sua vida activa.
13º- Tendo em conta que o recorrente tinha à data do acidente 51 anos (sendo a esperança média de vida para os homens de 77 anos), um rendimento do trabalho anual de € 21.779,06, parece-nos justa e adequada uma indemnização de € 5.636,54 (cinco mil seiscentos e trinta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), em vez dos € 2.000,00.
14º- Tendo em conta a forma como ocorreu o acidente, devido a culpa exclusiva e grave do arguido e o facto de não possuir seguro de responsabilidade civil, tendo em conta os danos que o recorrente sofreu, entende-se ser justo o montante de € 10.000,00 (dez mil euros), em vez dos € 7.500,00.
15º- Ao decidir como decidiu a douta sentença violou além do mais os artigos 562º e 564º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogar-se a sentença recorrida e condenar-se os recorridos, solidariamente, a pagar ao recorrente a quantia de 18.188,09 (dezoito mil cento e oitenta e oito euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendo, desde a citação até integral pagamento, assim se fazendo, a costumada JUSTIÇA.

3.– Respondeu o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão revidenda.

4.– Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu “Visto”.

5.– Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1.–Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Montante indemnizatório concernente ao período de inactividade por baixa médica/montante indemnizatório concernente ao dano patrimonial futuro.

Montante relativo à indemnização por danos não patrimoniais.

2.–A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1)- No dia 7/12/2013, pelas 17h20m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula ... QC, pela Rua V... F..., em Santo A... C..., área desta comarca.
2)- Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar circulava em sentido oposto o ofendido JD, conduzindo o veículo de marca Nissan, modelo Sunny, de matrícula ... FR.
3)- A Rua V... F... faz entroncamento com a Rua J... A....
4)- O arguido iniciou manobra de ultrapassagem, pela esquerda, à viatura que o precedia ocupando parte da via de trânsito destinada à circulação no sentido de marcha inverso, em que conduzia o ofendido JD.
5)- No decurso dessa manobra, em sentido inverso, surgiu a viatura de JD tendo sido violentamente embatida frontalmente pela viatura do arguido.
6)- JD, ao ser surpreendido pela conduta do arguido e perante a invasão da via de trânsito onde seguia não conseguiu travar e desviar-se do veículo do arguido.
7)- A manobra de ultrapassagem foi efectuada imediatamente antes do entroncamento da Rua V... F... com a Rua J... A....
8)- O ofendido JD veio a ser assistido no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde deu entrada pelas 18h06m.
9)- Em consequência directa e necessária do embate, o ofendido sofreu “traumatismo torácico com fractura de terço médio da clavícula esquerda, submetido a intervenção cirúrgica em 23/12/2013 com redução e osteossíntese, reoperado em 20/5/2015”.
10)- Tais lesões causaram-lhe directa e necessariamente um período de 90 dias de doença, com 90 dias de incapacidade profissional.
11)- O local onde ocorreu o embate é constituído por uma faixa de rodagem sem separador, e dois sentidos.
12)- O tempo estava bom.
13)- Ao agir como o fez, EA  omitiu voluntariamente os deveres de cuidado e diligência que sobre si recaíam e de que era capaz.
14)- Sabia que estava obrigado a cumprir as regras estradais, designadamente que só poderia realizar a manobra de ultrapassagem onde tal fosse permitido e não ocupando para o efeito a via de sentido contrário previamente antes de um entroncamento, como fez.
15)- O arguido quis conduzir o referido veículo automóvel, na via pública, da forma descrita, modo desatento e temerário, sabendo que não podia realizar a manobra de ultrapassem sem previamente se assegurar que tal não constitua perigo e imediatamente antes de um entroncamento, e sabia que a sua conduta era susceptível de criar sério perigo de colisão com outros veículos que circulavam na via e dessa forma causar-lhes lesões na sua integridade física, o que veio a acontecer.
16)- O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
17)- O arguido vive com a esposa (auxiliar no Centro de Saúde de Santo A... C..., auferindo entre 600,00€ a 700,00€ por mês) e os dois filhos (de 20 e 14 anos de idade).
18)- O arguido tem o 6º ano.
19)- O arguido está desempregado desde Janeiro de 2017, fazendo alguns biscates como pedreiro, recebendo 450,00€ a 600,00€ por mês.
20)- O agregado familiar do arguido tem como despesas mensais: 425,00€ de crédito à habitação; 30,00€ a 40,00€ de água; 35,00€ a 37,50€ de electricidade (equivalente a 70,00€ a 75,00€ de 2 em 2 meses); 20,00€ de gás; e 5,00€ de telemóvel.

21)- Resulta do C.R.C. do arguido (junto em fls. 328 e ss. dos presentes autos) que este já foi condenado, pelo cometimento dos seguintes crimes:
21.1)- Um crime de desobediência e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, perpetrados em 7/10/2013. A decisão, proferida em 7/10/2013, transitou em julgado em 7/11/2013 e condenou-o na pena única de 80 dias de multa à taxa diária de 6,00€, o que perfez a quantia de 480,00€, substituída por 80 de p.t.f.c. e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.
21.2)- Um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, perpetrado em 3/8/2013. A decisão, proferida em 25/3/2014, transitou em julgado em 12/4/2014 e condenou-o na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5,00€, o que perfez a quantia de 350,00€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses.
21.3)- Um crime de desobediência, perpetrado em 1/12/2014. A decisão, proferida em 24/11/2016, transitou em julgado em 6/1/2017 e condenou-o na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00€, o que perfez a quantia de 400,00€.

22)- Resulta do R.I.C. do arguido (junto em fls. 301 e ss. dos presentes autos) as condenações mencionadas em 21.1) e 21.2) e uma contra-ordenação por condução de veículo sem seguro de responsabilidade civil, perpetrada em 5/10/2013. A decisão, notificada em 6/8/2014, condenou-o em proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 30 dias.
23)- Em resultado do embate o demandante foi transportado de ambulância ao serviço de urgências do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde foi assistido.
24)- No serviço de urgências, foi medicado, fez Rx à clavícula, Rx ao ombro, e imobilização do membro superior esquerdo com cruzado posterior.
25)- No Hospital Beatriz Ângelo foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral.
26)- Foi operado em 23/12/2013, “redução aberta e fixação interna da/rotura diafisária da clavícula esquerda com placa anatómica de 7 orifícios”.
27)- O demandante permaneceu internado, no Hospital Beatriz Ângelo, nos dias 23 e 24 de Dezembro de 2013.
28)- Foi a consulta no Centro de Saúde nos dias 10/12/2013, 18/12/2013 e 22/1/2014.
29)- Fez penso no Centro de Saúde nos dias 27/12/2013, 31/12/2013 e 3/1/2014.
30)- Foi operado em 20/5/2015, “remoção de placa anatómica sob anestesia geral + Bloqueio”.
31)- Retirou agrafes no dia 23/5/2014 e iniciou tratamento com penso no Centro de Saúde.
32)- No Hospital Beatriz Ângelo, fez exames de:
- Análises ao sangue nos dias 17/12/2013 e 13/4/2015;
- Rx à clavícula, nos dias 7/12/2013, 7/4/2014 e 3/12/2014;
- Rx ao ombro, no dia 7/12/2013;
- Rx ao tórax, no dia 19/12/2013 e 13/04/2015;
- ECG, nos dias 17/12/2013 e 13/4/2015.
33)- Foi a consultas externas do Hospital nos dias 13/12/2013, 19/12/2013, 7/1/2014, 4/2/2014, 8/4/2014, 12/5/2015, 2/6/2015, 16/6/2015 e 30/6/2015.
34)- Foi medicado com Arcoxia, Metanor, Metamizol e Paracetamol.
35)- As lesões sofridas pelo demandante, em consequência do acidente deixaram, como sequelas, cicatriz operatória, pré clavicular, horizontal, com 11 cm de comprimento.
36)- Antes do acidente, gozava de boa saúde não apresentando qualquer defeito físico ou psíquico.
37)- O demandante tinha à data do acidente 51 anos de idade.
38)- O demandante sofreu dores, quer no momento do acidente, quer durante o período de observações, cirurgias e recuperação.
39)- Sendo que essa lesão ainda o inibe de fazer esforços elevados com o membro superior esquerdo.
40)- A incapacidade física de que padece obriga o demandante na execução de determinadas tarefas inerentes ao seu trabalho de assistente de manutenção a um maior esforço.
41)- Em consequência da colisão frontal o demandante ainda sente alguma insegurança e receio quando conduz.
42)- O dano corporal proposto pelo Perito Médico-Legal, indicado pelo demandado Fundo de Garantia Automóvel, é o seguinte:
- Incapacidade geral parcial permanente fixável em 01.00;
- Quantum doloris fixável no grau IV/VII;
- Dano estético fixável em grau I/VII.
43)- À data do acidente o demandante trabalhava, mediante contrato de trabalho, para a empresa “H..”, com a categoria de assistente de manutenção, auferindo a remuneração base mensal de 743,86€, acrescido 143,93€ de subsídio de turno, num total de 887,79€ (oitocentos oitenta e sete euros e setenta e nove cêntimos).
44)- Mantinha com a sociedade “EL.”,  um contrato de prestação de serviços no valor anual de 9.250,00€ (nove mil duzentos cinquenta euros).
45)- O rendimento anual do demandante, à data do acidente, totalizava 21.679,06€ (vinte e um mil seiscentos e setenta e nove euros e seis cêntimos).
46)- As sequelas das lesões, segundo a avaliação do Perito Médico-Legal, indicado pelo demandado, determinaram ao demandante uma I.P.P. de 1%.
47)- O demandante despendeu, com o pagamento de taxas moderadoras, a quantia de 126,55€.
48)- O demandante despendeu, com o pagamento de medicamentos, a quantia de 23,80€.
49)- O demandante esteve com baixa médica entre 7/12/2013 e 4/2/2014 e entre 20 e 31/5/2015.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

a)- Que as lesões causadas ao demandante lhe tenham determinado um período de 134 dias de incapacidade.
b)- Que devido as lesões que sofreu o demandante tenha ficado impedindo de descansar normalmente e de exercer a sua actividade da vida diária e profissional durante mais de 18 meses.
c)- O demandante não consegue transportar objectos sobre o ombro esquerdo face às dores que essa actividade lhe provoca.
d)- A esperança média de vida do demandante à data do acidente era de 26 anos.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

Antes de mais, há a esclarecer que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 374º do C.P.P., o Tribunal deve indicar os “motivos, de facto e de direito, que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção (…)”.

Por outro lado, no que diz respeito à valoração da prova, rege o princípio da livre apreciação da prova do art. 127º do C.P.P. que estabelece que “(…) a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Ou seja, o Tribunal fundamenta a análise dos factos na íntima convicção que formou a partir do exame e ponderação das provas produzidas.

Assim, a antecedente decisão fáctica baseou-se na análise crítica:

III.1– Das declarações prestadas pelo arguido EA  no que diz respeito à confissão dos artigos 1º a 3º, 11º e 12º da acusação, tendo aquelas sido críveis e coerentes.
O arguido referiu, nesta parte sem credibilidade (atenta a sólida prova produzida em audiência e carreada pelo Ministério Público) que, circulando a cerca de 50 ou 60 km/hora, ia a virar para a rua da sua casa, quando o ofendido lhe teria embatido no lado esquerdo da sua viatura; por outro lado, mencionou que não ia a ultrapassar qualquer viatura, mas sim a passar por veículos (nomeadamente, três camiões) que se encontravam estacionados.
Mais à frente referiria que o embate ocorreu entre as duas faixas e que era ele quem ia mudar de direcção. Após o embate nem o arguido nem o ofendido removeram as viaturas do local, as quais se encontrariam embatidas do lado esquerdo.

III.2– Das declarações prestadas pelo ofendido/demandante JD resultou um depoimento sereno e sem demonstrar qualquer sanha persecutória contra o arguido.
Assim, referiu que circulava na sua faixa, que já tinha passado o entroncamento (retratado em fls. 16) e o arguido embateu na sua viatura (na parte frontal esquerda) devido ao facto de vir a efectuar uma ultrapassagem.
O arguido estava com a sua viatura, completamente, na faixa contrária, pelo que o ofendido não conseguiu evitar o embate.
Confirmou que as viaturas não foram retiradas do local até chegar a P.S.P. e que foi transportado para o hospital.

Quanto às suas condições socio-económicas referiu:
- vive com a esposa (doméstica, sem rendimentos) e o filho (de 23 anos);
- tem o 9º ano;
- é técnico de manutenção, no “H. ” (de onde aufere 843,00€ por mês) e na “EL.” (onde aufere 750,00€ por mês);
- integra um agregado familiar que tem como despesas mensais: 420,00€ de crédito à habitação; 30,00€ de água; 40,00€ a 45,00€ de electricidade (equivalente a 80,00€ a 90,00€ de 2 em 2 meses); 40,00€ a 50,00€ de gás; 32,00€ de pacote de telecomunicações; e 10,00€ a 15,00€ de telemóvel.
No final da audiência de julgamento viria a explicitar que, da seguradora, só recebeu o valor de 1.031,40€ (referente ao valor da viatura e do reboque – cfr. 367 e 368).

III.3– Das declarações prestadas pela testemunha JPG (agente da P.S.P.) que, de modo isento e objectivo, auxiliou a que se apurasse que a responsabilidade do acidente rodoviário se deveu ao arguido, uma vez que a viatura deste estava atravessada na faixa contrária, embatida na parte frontal direita, enquanto a viatura do ofendido estava mais embatida na parte frontal esquerda.
O ofendido foi identificado como sendo o condutor do “Nissan” quando estava a ser assistido na ambulância e o arguido foi identificado como sendo o condutor do “Fiat” quando a sua esposa chegou ao local.
Confirmou o croqui de fls. 16, de onde resulta que estavam estacionados viaturas ligeiras e pesadas do lado direito da via. Porém, mesmo estando estacionadas viaturas de ambos os lados da faixa de rodagem, “dois carros passavam à vontade”.

III.4– Das declarações prestadas pela testemunha MJV , segura e objectiva, a qual foi fundamental para demonstrar a condução temerária efectuada pelo arguido. Nomeadamente, referiu que vinha a circular e o arguido efectuou uma “ultrapassagem perigosa”, pois pretendeu ultrapassar duas viaturas de uma só vez (a testemunha e um “BMW” que vinha atrás daquela), vindo a embater num “Nissan”, conduzido pelo ofendido, que vinha em sentido contrário. A testemunha referiu, sem dúvidas, que o arguido invadiu a faixa contrária, onde circulava o “Nissan” que, antes de embater, já tinha passado pela testemunha.

Mais teve a convicção de que os veículos teriam batido “frente com frente” e que o facto de estarem estacionados veículos do lado direito não obstava à passagem normal de dois veículos, cada um na sua faixa de rodagem.

Após o embate o arguido sentou-se no passeio e não disse nada, enquanto o ofendido estava combalido, não tendo as viaturas sido removidas do local, até à chegada da P.S.P.

O arguido só ultrapassou o “BMW”, não tendo conseguido ultrapassar a testemunha porque embateu, frontalmente, no “Nissan” que vinha em sentido contrário.

Quanto às velocidades ocorridas, a testemunha referiu que circularia a 40 ou 50 km/hora e que o arguido iria com maior velocidade porque pretenderia ultrapassar as duas viaturas ou virar à esquerda, para a Rua J... A....

III.5– Das declarações prestadas pela testemunha JMA (condutor da supra mencionada viatura “BMW”), a qual também foi credível e que reiterou, na íntegra, a versão apresentada pela anterior testemunha.

III.6– Das declarações prestadas pela testemunha SP (colega do ofendido no “H. ”) a qual referiu que o JD teve um acidente de viação e que, nessa sequência, sofreu uma lesão no ombro e teve de ser operado (duas vezes, quando teve o acidente e quando foi “tirar os ferros”) e esteve ausente durante algum tempo, nomeadamente, da 1ª vez esteve cerca de 2 meses e meio a 3 meses sem trabalhar e da 2ª vez “não chegou a um mês”.

Mais referiu que conhece o ofendido/demandante há cerca de 10 anos e que o mesmo trabalha como técnico de manutenção do “H. ” que tem trabalhos com diferentes graus de dificuldade. Assim, actualmente, devido à lesão no ombro e para a execução de alguns trabalhos (v.g. levantar certas máquinas para as reparar), tem de pedir auxílio a terceiros.

O montante do vencimento do ofendido ronda os 900,00€ a 1.000,00€ e tal não foi recebido enquanto esteve sem trabalhar (tendo confirmado o teor dos documentos de fls. 243 e 244 dos presentes autos) porque, a Segurança Social considerou que teria de ser a Seguradora a pagar o referido montante.

III.7– Das declarações prestadas pela testemunha JCT (conhece o ofendido, há cerca de 20 anos, que presta serviços à “EL.” empresa onde trabalha a testemunha), o qual demonstrou sinceridade e isenção.

Começou por referir que o ofendido/demandante trabalha em funções de electricista, mudanças e manutenção de ares condicionados.

O seu trabalho exige esforço físico (v.g. quando têm de ser efectuadas mudanças) e, actualmente, muitas das vezes tem de recorrer ao auxílio do filho.

Porém, o ofendido não teve qualquer perda de vencimento, uma vez que está vinculado a um contrato de prestação de serviços “e não houve qualquer desconto porque o trabalho tem de aparecer feito. Não era um contrato à peça e as coisas que haviam de ser feitas foram-no pelo filho”.

Mais acrescentou que já foi conduzido pelo arguido, o qual “antes conduzia normalmente e hoje é muito direitinho a guiar, é muito mariquinhas. Como foi um embate frontal, nota-se que conduz com receio”, v.g. actualmente já não arrisca tanto nas ultrapassagens como, antigamente, arriscava.

Por outro lado, durante bastante tempo, após as 1ª e 2ª operações, o ofendido queixava-se de dores.

Questionado, novamente, referiu que o ofendido, actualmente, apenas se queixa de dores no ombro quando tem de fazer “trabalhos mais pesados (v.g. mudanças de mobiliário), mas não quanto aos trabalho mais leves (v.g. trabalhos de electricidade), sendo que naqueles casos pede ajuda ao filho”. Porém, quando vai a carregar algo doí-lhe o ombro esquerdo, mas não deixou de transportar, por completo, objectos em tal ombro.

III.8– Das declarações prestadas pela testemunha ALV (conhece o ofendido, por estar junto com a irmã daquele, há cerca de 20 anos), a qual foi natural e explicitou que o acidente foi em inícios de Dezembro de 2013, tendo sido transportado de ambulância para o hospital, do qual só saiu na véspera de Natal, após lhe ter sido “colocada uma chapa metálica no ombro”; e, mais tarde, teve de ser operado outra vez (“para lhe ser retirada chapa”).

Nessa altura o demandante “não podia fazer nada com o braço e queixava-se com dores fortes; andava a medicação para aliviar as dores, que voltavam passado algum tempo”. Tais dores persistiram mesmo após a 2ª operação.

Após ser operado o demandante andou em tratamentos no Hospital Beatriz Ângelo e no Centro de Saúde de Odivelas, sendo que a testemunha e a esposa desta chegaram a transportá-lo para os tratamentos (v.g. mudar o penso), até Janeiro ou Fevereiro de 2014, porque aquele não conseguia conduzir.

Mais tarde era o filho do demandante quem o transportava à fisioterapia (que fez durante meses).

Antes o arguido cuidava, sem restrições (v.g. cavava sem dificuldades), o quintal da mãe e, actualmente, apenas faz tarefas mais leves (v.g. apanha os alimentos das árvores). Assim, resulta que o ofendido “sempre foi uma pessoa muito prestável e hoje já não tem o à-vontade que tinha antes”.

Além de que hoje só transporta, no ombro esquerdo, objectos mais leves e, anteriormente, transportava mais pesados.

III.9–Da seguinte prova documental:
- Participação de acidente de viação, de fls. 14 e ss.;
- Relatório técnico, de fls. 39 e ss.;
- Registo Individual do Condutor, de fls. 52 e 53;
- Elementos clínicos, de fls. 64, 65, 94 a 96;
- Documentos juntos com o pedido de indemnização civil, de fls. 213 a 245;
- Documentos juntos com a ampliação do pedido de indemnização civil, de fls. 312 a 320;
- Assento de nascimento, de fls. 354 e 355;
- Documentação junta na última sessão de julgamento, de fls. 365 e ss.
Quanto às condições socio-económicas do arguido, teve-se em consideração as declarações que o mesmo prestou em audiência de julgamento.
Os antecedentes criminais e contra-ordenacionais do arguido EA mostram-se certificados, respectivamente, em fls. 328 e ss. e 301 e ss. dos presentes autos.
Para a determinação da factualidade não provada, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, tomando em consideração, designadamente, o facto de não ter sido confirmado, por qualquer testemunha, documento ou perícia, o teor das alíneas a) a d) dos factos não provados.

Apreciemos.

Montante indemnizatório concernente ao período de inactividade por baixa médica/montante indemnizatório concernente ao dano patrimonial futuro

Inexiste discordância do recorrente sobre a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e obrigação de indemnizar, mas tão só quanto, no que tange aos danos patrimoniais, aos valores parciais relativos aos danos emergentes e dano patrimonial futuro (recortado como lucros cessantes).

O dever de indemnizar engloba o prejuízo causado e bem assim os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, podendo o tribunal na fixação da indemnização atender aos danos futuros, desde que previsíveis – artigo 564º, do Código Civil.

De acordo com o nosso ordenamento jurídico e em princípio, no que concerne concretamente ao ressarcimento dos danos patrimoniais, o montante da indemnização a arbitrar deve corresponder ao prejuízo da situação patrimonial do lesado e, em princípio ter por medida a diferença entre a situação real (actual) em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria (correspondente ao mesmo momento) se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (cfr. artigos 562º e 566º, nº 2, do Código Civil e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 3ª edição, Almedina, pág. 778), sendo que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – nº 3, do referido artigo 566º.

Os danos patrimoniais compreendem não só os danos emergentes ou perda patrimonial (que abrangem o prejuízo directamente causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, os danos reflexos e as próprias despesas frustradas), como também os lucros cessantes, ou seja, a não obtenção de um certo ganho em consequência dos factos geradores da responsabilidade, sendo que o lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho, como se realça no Ac. do STJ de 18/12/2007, Proc. nº 07B3715, consultável em www.dgsi.pt.

Quanto a estes danos, mostra-se provado que o demandante esteve com baixa médica entre 7/12/2013 e 4/2/2014 e entre 10 e 31/5/2015 – ponto 49 dos fundamentos de facto.

O tribunal a quo considerou, como se pode ler na decisão recorrida, o montante de 1.680,80€ (mil seiscentos e oitenta euros e oitenta cêntimos) relativos ao tempo que o demandante esteve de baixa médica (entre Dezembro de 2013 e Fevereiro de 2014) e não trabalhou no “H.” (cfr. fls. 243). Quanto à entidade patronal “EL ” não ocorreu qualquer prejuízo uma vez que a testemunha JCT foi clara ao confirmar que não ocorreu qualquer interrupção de pagamento;

No entender do recorrente, resulta dos recibos de vencimento juntos aos autos que lhe foi descontada, relativamente ao período em que esteve de baixa médica por mor das lesões sofridas em consequência da conduta ilícita do arguido, no período de 07/12/2013 a 04/02/2014, a quantia de 1.745,98 euros (e não 1.680,80 euros, como considerou o tribunal a quo), não tendo também sido contabilizado o período entre 20 e 31/05/2015, a que corresponde o valor de 346,54 euros, pelo que no total lhe foram descontados 2.092,52 euros.

Ora, analisados os documentos intitulados “recibo de vencimento” emitidos por “H.” junto aos autos a fls. 317/320 (respectivamente relativos aos meses de Dezembro de 2013, Janeiro de 2014, Fevereiro de 2014 e Maio de 2015) efectivamente resulta que a quantia total apontada pelo recorrente lhe foi descontada, pelo que terá de ser ressarcida, a que acrescem as de 126,55 euros (relativa a taxas moderadoras) e 23,80 euros (de despesas com medicamentos que pagou) que o tribunal a quo teve em conta e o recorrente não censura.

Discorda igualmente o demandante/recorrente quanto à atribuição de indemnização no valor de 2.000,00 euros com fundamento em lucros cessantes resultantes de incapacidade parcial permanente de 1%, aduzindo que o valor adequado seria o de 5.636,54 euros.

São atendíveis, conforme estabelecido no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, os danos futuros, ou seja, aqueles em que o lesado perde ou vê diminuída, definitiva ou temporariamente, em consequência do facto lesivo, a respectiva capacidade laboral.

E, constitui jurisprudência consolidada do nosso Supremo Tribunal de Justiça – cfr. por todos os Acórdãos de 22/11/2007, Proc. nº 05P3638 e de 17/01/2008, Proc. nº 07B4538 - que “a incapacidade parcial permanente constitui fonte de um dano futuro de natureza patrimonial, traduzido na potencial e muito previsível frustração de ganhos, na mesma proporção do handicap físico ou psíquico, independentemente da prova de prejuízos imediatos nos rendimentos do trabalho da vítima”.

Na verdade, “a chamada incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por “handicap” a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade”.

Visa-se “indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 – integridade psicossomática plena –, e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos”.

Como se pode ler no acórdão do STJ de 23/05/1978, citado no Acórdão do mesmo Tribunal de 25/11/2009, Proc. nº 397/03.0GEBNV.S1, disponível em www.dgsi.pt, “a indemnização pela incapacidade parcial permanente tem lugar quando é afectada a capacidade de ganho, traduzindo-se a afectação numa perda ou diminuição (definitiva ou temporária) efectiva, imediata, actual de remuneração, como acontecerá com lesados no período de vida profissionalmente activo e com lesões corporais e sequelas mais intensas, gravemente incapacitantes, a determinar um mais elevado grau de desvalorização; quando a repercussão sobre a capacidade de ganho é potencial e futura, mas previsível, porque o lesado ainda não entrou no mercado de trabalho (crianças e jovens em formação escolar, ou mesmo jovens licenciados que não lograram ainda obter ocupação); quando a afectação dessa mesma capacidade de ganho não determina perda ou diminuição de rendimentos, ou porque o lesado está desempregado, ou já não é possível, porque as lesões e sequelas se verificam num quadro de vida pós exercício da actividade profissional, como acontece com os reformados (suposta, obviamente, a ausência de outra ocupação remunerada), ou ainda porque, não se traduzindo numa imediata, efectiva e actual perda ou redução de rendimentos, continuando o lesado a percebê-los, vai implicar um esforço físico e psíquico acrescido para manter os mesmos níveis de ganho”.

Provado está que as sequelas das lesões, segundo a avaliação do Perito Médico-Legal, indicado pelo demandado, determinaram ao demandante uma I.P.P. de 1% e bem assim a incapacidade física de que padece obriga o demandante na execução de determinadas tarefas inerentes ao seu trabalho de assistente de manutenção a um maior esforço.

Ou seja, o dano corporal permanente tem repercussões sobre a sua actividade laboral, enquanto diminuição da capacidade de trabalho, com a necessidade de esforço suplementar para a desenvolver, pelo que se verifica indubitavelmente (também, para além da vertente não patrimonial ou moral) o dano (futuro) de natureza patrimonial indemnizável – neste sentido a abundante jurisprudência citada no mencionado Acórdão do STJ de 25/11/2009.

Importa, pois, determinar a expressão monetária desse dano real, quer dizer, a sua tradução por uma quantia em dinheiro, visando encontrar um valor que produza, no período que houver de ser considerado, o rendimento correspondente à perda económica que o lesado irá sofrer ou deixar de auferir, mas de tal modo que, no fim desse período, essa quantia se ache esgotada. – cfr. Acórdão do STJ de 05/11/2009, Proc. nº 381-2002.S1 - não se olvidando que “em sede jurisprudencial tem obtido consagração na prática quotidiana a utilização de fórmulas e tabelas financeiras de variada índole, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que se não coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, impondo-se, antes, e essencialmente, a valorização do critério da equidade”, como se salienta no Acórdão do mesmo Tribunal de 14/05/2009, Proc. nº 271/09.7YFLSB, ambos consultáveis no aludido sítio.

Para tanto, tem de se ponderar:

Que o demandado EA actuou com negligência inconsciente.

O lesado tinha à data da ocorrência 51 anos de idade.

A irreversibilidade das sequelas sofridas e o grau de incapacidade parcial permanente de 1%.

A medida dos esforços acrescidos para o desempenho da sua actividade.

A esperança média de vida de um cidadão português do sexo masculino com a sua idade.

À data dos factos trabalhava, com contrato de trabalho, para a “H.”, auferindo a remuneração base mensal de 743,86 euros, acrescida de 143,93 euros de subsídio de turno; mantinha com a sociedadeEL., um contrato de prestação de serviços no valor anual de 9.250,00 euros, sendo o seu rendimento total anual de 21.679,06 euros.

As indemnizações atribuídas precedentemente em casos semelhantes.
Importa ainda que se tenha em consideração que na quantificação monetária do dano, in casu, tem de presidir um juízo de equidade, que serve precisamente para fazer a justiça do caso concreto, como aliás comanda o nº 3, do artigo 566º, do Código Civil, não havendo que, reafirma-se, “fazer fé, assim, em cálculos aritmeticamente rígidos, eventualmente concebidos pela lei noutras matérias” – neste sentido, Ac. do STJ de 16/05/2000, Proc. nº 00A3617.

Tudo visto e ponderado, mostra-se justo e equitativo fixar a indemnização no valor de 3.000,00 euros.

Montante relativo à indemnização por danos não patrimoniais

A título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, condenou o tribunal recorrido os demandados EA , “AGF , SA” e “Fundo de Garantia Automóvel”, no pagamento da quantia de 7.500,00 euros.

Insurge-se o demandante quanto a este montante, considerando que se mostra o valor de 10.000,00 euros mais justo e equitativo.

A propósito diz-se na decisão revidenda:
Quanto aos danos não patrimoniais, resultou provado que a actuação do demandando EA , embatendo na viatura conduzida pelo demandante JD, causou a este inerentes ferimentos e contribuiu para a sua perturbação física, tendo sofrido “traumatismo torácico com fractura de terço médio da clavícula esquerda, submetido a intervenção cirúrgica em 23/12/2013 com redução e osteossíntese, reoperado em 20/5/2015”.

Tais lesões causaram-lhe directa e necessariamente um período de 90 dias de doença, com 90 dias de incapacidade profissional.

O demandante foi transportado de ambulância ao serviço de urgências do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde foi assistido e onde viria a ser submetido a duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral (na primeira das quais esteve internado dois dias). Foi a três consultas (nos dias 10/12/2013, 18/12/2013 e 22/01/2014) e fez penso (nos dias 27/12/2013, 31/12/2013 e 3/1/2014), no Centro de Saúde de Odivelas.

No Hospital Beatriz Ângelo fez análises ao sangue (nos dias 17/12/2013 e 13/4/2015), diversos Rx (nos dias 7/12/2013, 19/12/2013, 7/4/2014, 13/4/2014 e 3/12/2014), dois ECG (nos dias 17/12/2013 e 13/4/2015) e foi a várias consultas externas (nos dias 13/12/2013, 19/12/2013, 7/1/2014, 4/2/2014, 8/4/2014, 12/5/2015, 2/6/2015, 16/6/2015 e 30/6/2015).

Devido ao embate do arguido o demandante ficou com uma cicatriz operatória, pré clavicular, horizontal, com 11 cm de comprimento; e sofreu dores (quer no momento do acidente, quer durante o período de observações, cirurgias e recuperação), sendo que a lesão sofrida, ainda, o inibe de fazer esforços elevados com o membro superior esquerdo e gerou-lhe alguma insegurança e receio quando conduz.

Ou seja, com a actuação do arguido EA , dada por provada nos autos, este prejudicou o bem-estar físico e psicológico do ofendido/demandante JD.

Para avaliar e ressarcir esses danos é necessário atender às circunstâncias em que foram consumados os factos (designadamente, devido à atitude irreflectida do arguido que iniciou uma ultrapassagem sem se certificar, devidamente, se podia realizar tal manobra); o local onde decorreram os factos (em plena estrada nacional, quando circulavam diversas viaturas) e as consequências físicas e psicológicas (o demandante teve de receber assistência médica durante mais de 1 ano e meio e ficou abalado psicologicamente).

Por outro lado, para fixar o montante de tais danos, há que ponderar a condição económica dos demandados (o F.G.A. como sendo um fundo público autónomo; o arguido como sendo uma pessoa que vive dos biscates e que, mensalmente, aufere entre 450,00€ e 600,00€ e tem cerca de 515,00€ de despesas; quanto à sociedade demandada não foi possível de apurar as suas condições económicas).

Atendendo a estes factos, e ponderando os demais elementos dos autos, afigura-se adequado atribuir ao demandante JD, a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a citação até ao integral cumprimento, a pagar, solidariamente, pelos três demandados.

Nos termos dos artigos 496º, nº 1 e nº 3, 1ª parte e 494º, ambos do Código Civil, quanto aos danos de natureza não patrimonial, o seu montante é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção a gravidade e extensão dos prejuízos, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4ª edição, 1982, pág. 304, ou como se refere no Ac. do STJ de 12/01/2006, Proc. nº 4176/05 - 7ª Secção, deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico por ele experimentado, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade, não olvidando, em nome da segurança da justiça, a prática jurisprudencial no sector – vd. quanto a ter de se atender também à prática jurisprudencial, Ac. do STJ de 28/06/2007, Proc. nº 07B1543, Ac. do STJ de 22/11/2007, Proc. nº 05P3638, Ac. do STJ de 27/01/2009, Proc. nº 08P1962 e Ac. do STJ de 05/11/2009, Proc. nº 120/01.2GBPMS.C1.S1, todos em www.dgsi.pt.

Os danos não patrimoniais abrangem os prejuízos, como as dores físicas, o sofrimento psicológico, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética de cada lesado que, não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com obrigação pecuniária imposta ao agente.

A indemnização prevista no artigo 496º, nº 1, que tem em vista o quantum doloris causado, mais do que uma indemnização é uma verdadeira compensação, porquanto o escopo a alcançar é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, sendo que procurará ser justa e equitativa e não com um alcance meramente simbólico, ou miserabilista (embora também não deva, nem possa, representar um negócio) uma vez que se destina a viabilizar um lenitivo ao lesado pelos padecimentos que tenha sofrido e que já não podem ser retirados por quem quer que seja – cfr. Ac. do STJ de 22/11/2007, Proc. nº 06P480, Ac. do STJ de 23/04/2008, Proc. nº 08P303, Ac. do STJ de 29/10/2008, Proc. nº 08P3380 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 271/09.7YFLSB, que podem ser lidos no referenciado sítio.

Provado está que, em consequência directa e necessária da conduta do arguido EA (sendo que o acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor, importa não olvidar) sofreu o recorrente as lesões e danos não patrimoniais retro mencionados.

Quanto às condições económicas do demandado EA , provou-se que está desempregado desde Janeiro de 2017, fazendo biscates como pedreiro, de onde retira entre 450,00/600,00 euros por mês; vive com a esposa, que aufere entre 600,00/700,00 euros mensais do exercício da sua actividade profissional e dois filhos (de 20 e 14 anos de idade).

O agregado familiar do arguido tem como despesas mensais 425,00 euros de crédito à habitação; 30,00/40,00 euros de água; 35,00/37,50 euros de electricidade; 20,00 euros de gás e 5,00 euros de telemóvel.

Face aos factos provados, tendo em atenção a intensidade da culpa do demandado, que agiu com negligência inconsciente; a gravidade e extensão dos prejuízos morais suportados pelo ofendido, com realce para a incapacidade que resultou e o tempo de recuperação e atendendo também às respectivas condições económicas, entende-se que se apresenta como mais equitativa a condenação, a título de indemnização por danos não patrimoniais, no montante de 10.000,00 euros.

Pelo exposto, merece parcial provimento o recurso.

III–DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa em julgar o recurso interposto pelo demandante JD parcialmente procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte em que condena os demandados no pagamento da quantia de 3.831,15 (três mil oitocentos e trinta e um euros e quinze cêntimos) a título de danos patrimoniais e na de 7.500,00 euros (sete mil e quinhentos euros) concernente a danos não patrimoniais, condenando agora os demandados EA , “AGF , SA” e “Fundo de Garantia Automóvel”, solidariamente, a pagar-lhe:

A)– A título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos (3.000,00 (três mil euros) de dano patrimonial futuro + 2.092,52 (dois mil noventa e dois euros e cinquenta e dois cêntimos) de perdas salariais + 126,55 (cento e vinte seis euros e cinquenta e cinco cêntimos) de taxas moderadoras + 23,80 (vinte e três euros e oitenta cêntimos) em despesas com medicamentos} a quantia global de 5.242,87 (cinco mil duzentos e quarenta e dois euros e oitenta e sete cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a notificação para contestar até integral pagamento;

B)– A título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a notificação para contestar até integral pagamento.

C)– No mais peticionado, vão os demandados absolvidos.

Custas pelo demandante e demandados na proporção do respectivo vencimento/decaimento.


Lisboa, 27 de Novembro de 2018

                                  
(Artur Vargues) – (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)
                                  
(Jorge Gonçalves)