Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2834/15.2T8LRS.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
RESIDÊNCIA DO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - O menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver - artigo 85º nº 1 do Código Civil.
- Para intentar providências relativas ao exercício das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado.
- A acção para alteração das responsabilidades parentais constitui uma acção independente e autónoma em relação à acção onde inicialmente havia sido estabelecida essa regulação.
- Do artigo 182º da O.T.M. resulta expressamente que se trata de uma nova acção, de uma nova regulação das responsabilidades parentais.
- Dessa autonomia decorre que não se pode considerar como fixada para ela a competência territorial definida na anterior acção.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I - RELATÓRIO:



A... intentou contra D... a presente acção pretendendo a regulação das responsabilidades parentais atinentes ao filho de ambos, G..., nascido a 16-09-2004, pedindo que seja “conferido à autora o exercício das responsabilidades parentais quanto ao filho menor”.

Em síntese, alegou que em 16-11-2010, no Tribunal de Família e Menores e Comarca de Portimão foi proferida sentença homologatória de acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo ficado estipulado, por acordo, que o menor ficaria a residir com a mãe, a quem competiria o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões relativas à gestão do seu quotidiano. Nas questões de particular importância para a vida do menor, as responsabilidades parentais seriam exercidas por ambos os progenitores.

Pretende agora alterar tal acordo no sentido de lhe ser conferido o exercício pleno e exclusivo das responsabilidades parentais, na medida em que o menor já completou 10 anos de idade e o réu, ora recorrido, pai do menor, não mais procedeu exercendo as suas responsabilidades parentais.

Mais alegou que “nas questões de particular importância para a vida do menor, não ser possível que as responsabilidades parentais sejam exercidas por ambos os progenitores, na medida em que o pai do menor não se encontra contactável”.

Foi proferido DESPACHO que indeferiu liminarmente a petição inicial ao abrigo do disposto nos artigos 590º nº 1 do C.P.C. e 161º da OTM, determinando o arquivamento dos autos. Fundamenta-se tal decisão no facto de o exercício das responsabilidades parentais já ter sido realizado no interesse do menor, conforme consta do averbamento na certidão de nascimento junta a fls 11 e 12. E ainda que apenas se poderá equacionar uma alteração ao exercício dessas responsabilidades e por apenso ao processo originário.

Não se conformando com tal decisão, dela recorreu a requerente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - Os presentes autos tiveram origem com a apresentação de petição inicial pela ora requerente, com vista a serem reguladas as responsabilidades parentais relativas ao menor G...
2ª - O menor nascido em 16 de Setembro de 2004 tem actualmente 10 anos de idade.
3ª - O recorrido, D..., pai do menor, visitava-o na casa dos pais da recorrente, só tendo visitado o menor até aos 14 meses de idade.
4ª - Relativamente às despesas inerentes a um recém-nascido, o recorrido nunca contribuiu financeiramente para auxiliar a recorrente nas despesas com o menor.
5ª - Desde os 5 anos de idade do menor que não existe convivência nem encontros pontuais com o recorrido.
6ª - Desde então os avós maternos, pais da recorrente passaram a suportar todas as despesas relativas ao menor.
7ª - Em Novembro de 2010, no Tribunal de Família e Menores e Comarca de Portimão decorreu uma conferência de pais, na qual estiveram presentes a recorrente, a mãe da recorrente e a mãe do recorrido.
8ª - Foi proferida sentença homologatória de acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais.
9ª - Tendo ficado estipulado, por acordo, que o menor ficaria a residir com a mãe, a quem competiria o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões relativas à gestão do seu quotidiano.
10ª - Nas questões de particular importância para a vida do menor, as responsabilidades parentais seriam exercidas por ambos os progenitores.
11ª - Embora tenha sido celebrado o acordo entre as partes, o mesmo nunca foi cumprido pelo recorrido.
12ª - Simplesmente não existe qualquer convivência ou ligação do menor com o seu pai, ora recorrido.
13ª -Pelo que, é pretensão da recorrente que lhe seja conferido o exercício pleno e exclusivo das responsabilidades parentais, na medida em que o menor já completou 10 anos de idade e o recorrido, pai do menor, não mais procedeu exercendo as suas responsabilidades parentais.
14ª - Entendeu o tribunal a quo na decisão ora recorrida que as alterações às responsabilidades parentais teriam de correr em apenso ao processo originário que correu termos no Tribunal da Comarca de Portimão.
15ª - Considera a ora recorrente que uma vez que deverá ser realizada a alteração às responsabilidades parentais na Comarca de Loures, pois onde se encontra a residência actual e do menor.
16ª - Assim sendo, salvo entendimento em contrário e de acordo com a nossa jurisprudência, o tribunal territorialmente competente para a alteração das responsabilidades parentais relativas ao menor é a Comarca de Lisboa Norte - Loures.

Termina, pedindo que seja revogada a sentença proferida que determinou o arquivamento do processo e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, explanada na legislação aplicável e sufragada pela jurisprudência.

O Ministério Público respondeu, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO:


A) Fundamentação de facto:

A matéria de facto com relevância para a decisão da causa é a seguinte:

1º- O G... nasceu em 16 de Setembro de 2004 e é filho da requerente A... e do requerido D...
2º- No Tribunal de Família e Menores da Comarca de Portimão, em 16-11-2010, foi proferida sentença homologatória do acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais.
3º- Tendo ficado estipulado, por acordo, que o menor ficaria a residir com a mãe, a quem competiria o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões relativas à gestão do seu quotidiano. Mais se estipulou que, nas questões de particular importância para a vida do menor, as responsabilidades parentais seriam exercidas por ambos os progenitores – dco fls 11 e 12.
5º- Actualmente o menor reside com a mãe, na Rua ...
6º- O pai do menor reside na Rua ...

B) Fundamentação de direito:

Antes de mais, importa saber se a presente acção constitui uma simples regulação do exercício das responsabilidades parentais como vem defendido no despacho recorrido ou, pelo contrário, pode mesmo ser considerada como uma alteração ao regime fixado, aplicando-se, neste caso, o disposto no artigo 182º da OTM.

Apesar da requerente intitular a acção como “Acção de Regulação de Responsabilidades Parentais”, o que a mesma verdadeiramente pretende é que o tribunal proceda à alteração do acordo homologado na sentença do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Portimão.

Efectivamente, o alegado pela requerente nos artigos 24º, 25º e 26º do requerimento inicial são o espelho mais que suficiente dessa pretensão, ou seja, da alteração do regime fixado pelo Tribunal de Portimão.

Além disso, importa ainda mencionar que o espírito e a filosofia que estão subjacentes ao Código de Processo Civil também apontam para a conveniência de interpretar a petição inicial de modo a que a acção possa ser aproveitada, evitando, por exemplo o indeferimento liminar ou a absolvição da instância por razões meramente formais e sem que tal justificação se vislumbre como efectivamente necessária.

De facto, a filosofia subjacente ao Código de Processo Civil – concretizada por diversos modos em várias disposições legais – visa assegurar, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, pretendendo que o processo e a respectiva tramitação possam ter a maleabilidade necessária para que possa funcionar como um instrumento (e não como um obstáculo) para alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes, como claramente se evidencia no preâmbulo do Dec-Lei nº 329-A/95 de 12/12 (note-se que toda essa filosofia foi reafirmada e até reforçada no CPC actualmente vigente), quando ali se diz que as linhas mestras do processo assentam, designadamente na “Garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz…”; quando ali se refere que “visa, deste modo, a presente revisão do Código de Processo Civil torná-lo moderno, verdadeiramente instrumental no que toca à perseguição da verdade material, em que nitidamente se aponta para uma leal e sã cooperação de todos os operadores judiciários, manifestamente simplificado nos seus incidentes, providências, intervenção de terceiros e processos especiais, não sendo, numa palavra, nem mais nem menos do que uma ferramenta posta à disposição dos seus destinatários para alcançarem a rápida, mas segura, concretização dos seus direitos”; quando se alude ao “…objectivo de ser conseguida uma tramitação maleável, capaz de se adequar a uma realidade em constante mutação…” e quando se afirma que o processo civil terá que ser perspectivado “…como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo”.

Entremos agora no objecto do recurso que se afere do conteúdo das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente (artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

Isso significa que a questão jurídica que nos compete apreciar, à luz das conclusões da minuta recursória consiste em saber se a acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais constitui uma acção nova para efeitos de fixação de competência num tribunal.

Isto porque a apelante entende que o Tribunal da Comarca de Lisboa Norte – Loures é o tribunal territorialmente competente para a alteração das responsabilidades parentais, pois é onde o menor reside actualmente com sua mãe – Cfr conclusões 15ª e 16ª.

Quanto à competência territorial para decretamento das providências relativas a menores, estabelece o nº 1 do artº 155º OTM, que, para decretar as providências é competente o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado.

Como regra geral, essa competência cabe na esfera do tribunal sediado na área de residência do menor, ou seja, no local onde o menor está radicado e desenvolve habitualmente a sua vida.

Esta mesma regra é aplicável quanto à alteração de regulação do poder paternal, como expressamente se consagra no nº 1 do artº 182º do mesmo diploma:

“Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer dos progenitores ou o curador podem requerer ao tribunal que no momento for territorialmente competente nova regulação do poder paternal”.

Quando estiver em causa a alteração de regulação do poder paternal, será competente territorialmente o tribunal da área em que o menor então habitualmente resida.

Dispõe o nº 1 do artigo 85º do Código Civil que o menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.

Como se refere no Ac. do STJ de 18.01.2001[1] “elege assim a lei o tribunal da localidade onde o menor se encontrar com maior permanência e continuidade, que não o do lugar em que no concreto momento ocasionalmente se encontre; isto, pois, independentemente de o seu domicílio legal se situar noutra comarca ou de, em outra área, morar a pessoa incumbida da sua guarda - cfr. Ac STJ de 7.5.77 in BMJ 258, pág., 162. Terá pois o menor, em princípio, como seu domicílio do lugar da residência do agregado familiar a que pertence ou, se este não existir, o do progenitor a cuja guarda se encontre de facto confiado”.

A acção para alteração das responsabilidades parentais constitui uma acção independente e autónoma em relação à acção onde inicialmente havia sido estabelecida essa regulação. Dessa autonomia decorre que não se pode considerar como fixada para ela a competência territorial definida na anterior acção.

Do artº 182º da O.T.M. resulta expressamente que se trata de uma nova acção, de uma nova regulação do poder paternal. Neste sentido se pronunciaram os acórdãos da Relação de Coimbra de 16.03.82 e da Relação do Porto de 12.02.94[2].

O seu nº 4 trata-a como uma acção autónoma relativamente ao pleito anterior, mandando observar, na parte aplicável, as normas estabelecidas para a regulação.

Este preceito reproduz (com algumas alterações formais) a doutrina da legislação anterior (Decreto-Lei nº 44.287, de 20/04/62). No domínio dessa legislação já se entendia que a alteração da regulação do exercício do poder paternal, anteriormente estabelecido, constituía uma nova acção, pois que o efeito pretendido é o de regular, por outra forma, o exercício do poder paternal[3].

Sendo a alteração da regulação do exercício do poder paternal uma acção autónoma em relação à acção onde anteriormente essa regulação foi estabelecida, não se pode considerar como fixada para ela a competência territorial definida na anterior acção.

Assim, quando no nº 1 do artigo 155º da OTM se fala da fixação da competência “no momento em que o processo foi instaurado”, está-se a referir, reportando-nos ao caso sub judice, ao processo em que foi requerida a alteração da regulação das responsabilidades parentais, o processo a que respeita a decisão recorrida.

O princípio consagrado no nº 6 do mesmo artigo, da perpetuatio jurisdicionis, só vale, pois, enquanto não for pedida nova providência que imponha a modificação ou a substituição da anterior[4].

No caso concreto, o menor ficou a residir à guarda e aos cuidados da mãe em Portimão, vivendo actualmente com a mãe em Loures. O pai reside em Vale Pedras, Albufeira.

Assim, de acordo com o entendimento supra mencionado e conforme se pronunciou o STJ no seu acórdão de 08.03.2001[5]: “Estando o menor, por decisão judicial, entregue a um dos progenitores, a residência do menor é a residência do progenitor, ao tempo da propositura da acção de alteração”.

Assim, residindo o menor com a mãe em Loures, estando em causa uma nova acção, não é competente o Tribunal de Família e Menores de Portimão, em razão do território, para a respectiva tramitação, devendo ser requisitado àquele tribunal o respectivo processo a fim de ser apensada a presente acção, nos termos dos artigos 155º nº 1 e 182º nº 2, ambos da OTM.

SÍNTESE CONCLUSIVA:

-O menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver - artigo 85º nº 1 do Código Civil.
-Para intentar providências relativas ao exercício das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado.
-A acção para alteração das responsabilidades parentais constitui uma acção independente e autónoma em relação à acção onde inicialmente havia sido estabelecida essa regulação.
-Do artigo 182º da O.T.M. resulta expressamente que se trata de uma nova acção, de uma nova regulação das responsabilidades parentais.
-Dessa autonomia decorre que não se pode considerar como fixada para ela a competência territorial definida na anterior acção.

III - DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido para se proceder em conformidade com o agora decidido.
Custas pela parte vencida a final.


Lisboa, 12/11/2015


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas

[1]CJ STJ I/2011, pág. 69.
[2]Respectivamente, na CJ II/82, pág. 84 e V/94, pág. 232.
[3]Neste sentido, cfr. Campos Costa, Notas à Organização Tutelar de Menores, pag.274 e Parecer da PGR 53/62 no BMJ 120-196.
[4]Neste sentido, cfr. Ac. RC 27.5.2008, Proc. nº 668-F/2002.C1, in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, decidiu o Ac. do STJ de 14.10.2003, P.03A2281, in www.dgsi.pt, considerando que a alteração da regulação do poder paternal é um novo processo em relação à inicial regulação do poder paternal, pois segue toda a tramitação processual desta e pode terminar com uma decisão diferente.
[5]www.dgsi.pt, procº nº 01B331.
Decisão Texto Integral: