Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15475/20.3T8LSB.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ART.º 12.º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: É imprescindível, para o funcionamento da presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 que se analisem as características enunciadas nas diversas alíneas do preceito por reporte à relação estabelecida “entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam”, tal como se prescreve no corpo do n.º 1 do preceito.
 (Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
1.1. AAA, intentou em 20 de Julho de 2020 a presente acção declarativa com processo comum contra BBB formulando o pedido de que:
a) Seja decretado o reconhecimento da existência de relação laboral entre a A. e o R. desde Fevereiro de 2018 “até à presente data” com as demais consequências;
b) Seja declarada a ilicitude do despedimento do transacto dia 30 de Abril de 2020, por não ter sido precedido de qualquer processo disciplinar, e seja o R. condenado a indemnizar a A. por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, bem como indemnizar a A. nos termos do disposto no artigo 391.º do CT.
Para o efeito alegou, em síntese: que iniciou a sua relação laboral com o R. em Fevereiro de 2018, trabalhando sob as ordens, direcção e fiscalização deste; que foi forçada a desempenhar as suas funções sob alegado contrato de prestação de serviço mediante a emissão de recibos verdes, o que aconteceu durante 20 meses até que foi nomeada para o cargo de Assessora na Assembleia da República; que trabalhou desde o primeiro dia nas instalações da Assembleia da República com os instrumentos de trabalho por esta disponibilizados, a pedido do R.; que tinha um horário semanal fixo de pelo menos quarenta horas e de segunda a sexta-feira das 09h30 às 18h30; que gozava vinte e dois dias de férias; que trabalhava em exclusividade e auferia retribuição mensal; que em 25 de Outubro de 2019 foi nomeada com a categoria de Assessora e que foi despedida com efeitos a 30 de Abril de 2020.
Realizada a audiência de partes, o R. apresentou contestação na qual invocou a ilegitimidade activa da A., o erro na forma do processo para impugnar o despedimento, a sua ilegitimidade passiva e a incompetência absoluta do Juízo de Trabalho. Alegou ainda, em síntese: que houve um contrato de prestação de serviço celebrado entre a A. e o Deputado Único Representante do R. na Assembleia da República (DURP); que apesar de o R. constar do contrato, o serviço da A. de apoio e consultoria não era prestado ao R. mas ao referido deputado, sendo a A. sempre paga com as verbas da subvenção da Assembleia da República (AR) para assessorar o DURP e não através de verbas do R. BBB, cujos movimentos são feitos a partir de uma conta distinta; que o BBB figurou nos recibos emitidos pela A. numa primeira fase porque neles não podia figurar o Deputado Único, conforme posição assumida pela Entidade de Contas e Financiamento dos Partidos Políticos (ECFP), que esta entidade depois alterou a sua posição emitindo nova orientação, o que a A. conhecia; que a A. estava a par da precariedade do vínculo e da sua subordinação a critérios de confiança pessoal e política e que em 25 de Outubro de 2019 a A. foi nomeada para Assessora Parlamentar, cargo que aceitou e de que foi exonerada em 30 de Abril de 2020, conforme publicação no Diário da República. Pediu ainda a condenação da A. como litigante de má fé por articular factos falsos e deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora, pretendendo atingir o R. a sua imagem.
A A. apresentou resposta à contestação pugnando pela improcedência das excepções e, no final requereu, além do mais, o incidente de intervenção principal do Ministério Público e do então Deputado Único com Representação Parlamentar (BBB DURP) …, com sede na Assembleia da República.
Foi dispensada a audiência prévia e proferido a fls. 211 e ss. despacho saneador que, em suma:
- reconheceu ao juízo do trabalho competência para aferir e reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre A. e R. no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019;
- negou ao juízo do trabalho competência para conhecer da presente acção “quanto ao período que se situa entre 25/10/2019 (nomeação da A. como assessora) e o dia 30/04/2020 (cessação da nomeação) e qualificação deste acto de cessação do cargo de assessora do grupo parlamentar (acto invocado pela A. na sua alegação) e seus efeitos”, pelo que absolveu a R. da instância quanto aos seguintes pedidos:
“1. - quanto ao pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a A. e o R. entre 25/10/2019 e 30/04/2020;
2. – quanto ao pedido declaração da ilicitude do despedimento da A. em 30/04/2020 e das consequências dessa declaração”;
- julgou improcedente a excepção do erro na forma do processo, considerando instaurada uma acção de processo comum;
- julgou improcedente a excepção da ilegitimidade processual activa da A.;
- julgou improcedente a excepção da ilegitimidade processual passiva do R.;
- rejeitou liminarmente o incidente de intervenção principal provocada do Ministério Público e de CCC;
- considerou prejudicado o conhecimento da caducidade do direito de acção;
- delimitou o objecto do processo ao conhecimento “da existência de um contrato de trabalho firmado entre A. e R. em Fevereiro de 2018 e termos do contrato” e dispensou a enunciação dos temas da prova (artigo 49.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).
Realizado o julgamento, foi a fls. 259 e ss. proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido.
1.2. A A., inconformada interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(...)
1.3. A R. apresentou contra-alegações em que defende se negue provimento à apelação confirmando-se a sentença.
1.4. O recurso foi admitido.
1.5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em douto Parecer, opinou pela improcedência do recurso. Ouvidas as partes, apenas a recorrente se pronunciou sobre este Parecer, dele discordando.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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2.1. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise:
1.ª – da nulidade da sentença por obscuridade e contradição entre a fundamentação e a decisão;
2.ª – da impugnação da matéria de facto quanto aos pontos n.ºs 1 a 3 do elenco dos factos não provados;
3.ª – de saber se entre as partes – a A. AA e o BBB– se estabeleceu um vínculo contratual de natureza laboral no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019.
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2.2. Preliminarmente cabe chamar a atenção de um aspecto essencial que ressalta da decisão proferida no despacho saneador, transitado em julgado, e se prende com a delimitação do objecto da acção e do recurso, aspecto que a recorrente não teve em consideração, como se infere da leitura das suas alegações.
Alega a recorrente, na presente apelação, que peticionou que fosse decretado o reconhecimento da existência de relação laboral entre as partes desde Fevereiro de 2018 e ainda, a declaração da ilicitude do despedimento de 30 de Abril de 2020 por não ter sido precedido de qualquer processo disciplinar e, consequentemente, que a Ré fosse condenada a indemnizar a Recorrente por todos os danos causados.
Tal corresponde, efectivamente, ao peticionado pela A. na sua petição inicial.
Mas alega, também, que a ilicitude do despedimento não foi ponderada pelo Tribunal a quo na sentença por este ter considerado não existir qualquer relação de subordinação jurídica entre as partes susceptível de aplicação do Código de Trabalho (conclusões 5.ª e 6.ª), vindo a reiterar, no termo da peça alegatória que dirigiu a este tribunal de recurso, que deve reconhecer-se a existência de um contrato de trabalho e, bem assim, a ilicitude do seu despedimento.
Pretensão esta que, face ao devir dos autos, sabemos desde já que não pode ser integralmente acolhida.
Com efeito, como resulta do sucinto relatório a que se procedeu neste aresto, o despacho saneador proferido em 18 de Dezembro de 2020 – de que não foi interposto recurso – julgou procedente a excepção da incompetência em razão da matéria do juízo do trabalho para conhecer da presente acção “quanto ao período que se situa entre 25/10/2019 (nomeação da A. como assessora) e o dia 30/04/2020 (cessação da nomeação) e qualificação deste acto de cessação do cargo de assessora do grupo parlamentar (acto invocado pela A. na sua alegação) e seus efeitos”, pelo que, recorde-se, absolveu a R. da instância quanto aos seguintes pedidos: “1. quanto ao pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a A. e o R. entre 25/10/2019 e 30/04/2020; 2.  quanto ao pedido declaração da ilicitude do despedimento da A. em 30/04/2020 e das consequências dessa declaração”.
Em conformidade com tal decisão, o Mmo. Juiz a quo delimitou então o objecto do processo à questão de aferir da existência de um contrato de trabalho entre a A. e o R. no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019.
Resulta patente da análise do processo que a recorrente não interpôs recurso do indicado despacho saneador proferido em 18 de Dezembro de 2020 no que concerne ao segmento decisório do mesmo que julgou verificada a excepção da incompetência em razão da matéria.
Apenas deduziu apelação da sentença final proferida em 27 de Junho de 2021 com a apresentação das alegações de fls. 272 e ss., não formulando nenhuma pretensão nos autos àquele propósito.
Ora, de acordo com a alínea b), do n.º 1, do artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho, cabe recurso de apelação “do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou a alguns dos pedidos”, nesta hipótese se enquadrando o despacho saneador proferido nestes autos que absolveu o R. da instância quanto à indicada parcela – substancial, diga-se – dos pedidos formulados.
Pelo que a recorrente não podia já impugnar o despacho saneador no momento em que apelou da sentença final. Face ao teor da decisão dele constante, na parte em que julgou verificada a referida excepção e absolveu a R. da instância nos termos indicados quanto a parte dos pedidos, se a recorrente pretendia impugnar a referida decisão em via de recurso perante o tribunal superior, teria que tê-lo feito desde logo no prazo de 30 dias previsto no artigo 80.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, sob pena de a mesma transitar em julgado.
Aliás, deve dizer-se que também nos termos do disposto na alínea b), do n.º 2, do mesmo artigo 79.º-A, o recurso a deduzir da decisão que “aprecie a competência absoluta do tribunal” deve ser imediatamente interposto. Enquadra-se objectivamente nesta hipótese legal de recorribilidade imediata a decisão em causa que versou sobre a incompetência em razão da matéria, na medida em que esta determina a incompetência absoluta do tribunal e se traduz em excepção dilatória de conhecimento oficioso, cuja verificação importa a absolvição do R. da instância – cfr. os artigos 64.°, 96.°, alínea a), 97.°, n.° 1, 98.° e 99.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 1°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.
Uma vez que na hipótese prevista no artigo 79.º-A, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho o prazo de interposição de recurso é de 15 dias, nos termos do artigo 80.º, n.º 2 do mesmo Código de Processo do Trabalho, entendemos, por apelo a um argumento racional, que nestes casos em que a decisão sobre a competência absoluta tem o desfecho indicado nas alíneas a) e b) do n.º 1, do artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho, deve prevalecer o prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 80.º do mesmo diploma legal, procedendo-se a uma interpretação restritiva 80.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho e reservando o prazo de 15 dias aí previsto para as demais situações em que a decisão recorrida que conhece da competência absoluta não se enquadra, também, no n.º 1 do artigo 79.º-A, ou seja, não põe termo à causa nem absolve da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou a alguns dos pedidos[1].
Pelo que no caso sub judice seria aplicável o prazo de interposição de recurso de 30 dias previsto o artigo 80.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho para o recurso do despacho saneador que julgou verificada a excepção da incompetência absoluta do R. e o absolveu de alguns dos pedidos formulados.
Seja como for, independentemente da opção que se faça quanto às duas hipóteses legais enunciadas que prevêem a interposição de recurso imediato nestes casos, certo é que qualquer destes prazos de interposição de recurso – de 30 ou 15 dias – há muito que se havia completado face ao despacho saneador proferido em 18 de Dezembro de 2020 quanto a recorrente apelou da sentença no dia 11 de Outubro de 2021. 
Em suma, caso a ora recorrente não concordasse com a decisão plasmada no despacho saneador quanto à incompetência em razão da matéria do tribunal judicial para apreciar os pedidos de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a A. e o R. entre 25 de Outubro de 2019 e 30 de Abril de 2020, de declaração da ilicitude do despedimento da A. em 30 de Abril de 2020 e das consequências dessa declaração, deveria desde logo ter interposto recurso da mesma para obstar a que transitasse em julgado – cfr. o artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho – como transitou, precludindo o direito de suscitar tais questões no recurso interposto da decisão final.
Em suma, na presente apelação não é possível apreciar os pedidos de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a A. e o R. entre 25 de Outubro de 2019 e 30 de Abril de 2020 e de declaração da ilicitude do despedimento da A. em 30 de Abril de 2020 e das consequências dessa declaração, por o R. ter sido absolvido da instância quanto aos mesmos por decisão transitada em julgado.
Não sendo de todo correcta a afirmação da recorrente de que a ilicitude do despedimento não foi ponderada pelo Tribunal a quopor este ter considerado não existir qualquer relação de subordinação jurídica entre as partes susceptível de aplicação do Código de Trabalho” (conclusão 5.ª e 6.ª). Não o foi, porque não podia tê-lo sido face ao trânsito em julgado da decisão que impediu que a tal se procedesse nesta jurisdição.
Precisados os limites da actividade cognitiva e decisória do tribunal de 2.ª instância, prossigamos na análise do recurso da sentença.
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3. Da nulidade da sentença
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A recorrente vem arguir a nulidade da sentença de acordo com a alínea c), do n.º 1, do artigo 615º do Código do Processo Civil, alegando que a mesma denota obscuridade e os seus fundamentos se encontram em oposição com a decisão, uma vez que, como conclui, a Mma. Juiz afirma que é aplicável a presunção estabelecida no artigo 12º do Código do Trabalho mas porém, e contrariamente ao que seria esperado em virtude da coerência lógica de que as decisões judiciais são dotadas, acaba por decidir em sentido diverso ao afirmado, sem justificação da razão e sem demonstrar a ilisão da presunção de que a recorrente beneficia. Alega ainda que a fundamentação adiantada na sentença, para além de parca nos fundamentos, é confusa na construção sistemática, aplicando a presunção de existência de contrato de trabalho, para depois, sem qualquer fundamentação, afirmar em sentido da não aplicação da presunção (vg. conclusões 4.ª, 19.ª a 22.ª e 29.ª e ss.).
 Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho é nula a sentença quando, além do mais, “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Para que se verifique a causa de nulidade prevista na primeira parte da norma, necessário é que os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, que os fundamentos nela invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa[2]. Nestes casos de nulidade, a decisão opõe-se aos fundamentos em que repousa, verificando-se um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direcção diferente[3].
Por seu turno a obscuridade verifica-se quando algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) [4].
Começando por este último vector da alegação da recorrente atinente à alegada obscuridade da sentença, entendemos que resulta das alegações da recorrente ter esta compreendido perfeitamente a sentença e o seu sentido, bem como o pensamento do julgador nela expresso quando apreciou a decisão de facto e afirmou que da mesma não resultam factos “donde resulte que a A. estivesse integrada na estrutura e organização do réu Partido BBB ou, sobretudo, que estivesse numa posição de subordinação jurídica relativamente ao réu”, tendo, em conformidade, julgado improcedente a pretensão da A., com a absolvição do BBB do pedido.
Discorda a recorrente da sentença, disso não temos dúvidas, mas compreendeu-a, assim como nós a compreendemos, pelo que não deve decretar-se a sua nulidade com este fundamento.
Além disso, entendemos também que não se detecta na sentença a apontada contradição entre os fundamentos e a decisão.
Na verdade, depois de tecer doutas considerações sobre a distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço e sobre as dificuldades de qualificação contratual, bem como sobre a evolução legislativa registada desde que, em 2003, foi introduzida no nosso sistema jurídico a presunção de laboralidade (artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003), a sentença adere expressamente à tese de que “terá sempre o intérprete de fazer intervir aquilo que a doutrina e jurisprudência designam como os chamados indícios negociais internos e externos e que estão em síntese elencados supra, fazendo um juízo de globalidade sobre os mesmos e aferir da sua conformidade com o conceito-tipo” (sic.).
E, em conformidade com esta perspectiva, ainda que aluda logo após a que ao caso[5] é aplicável a presunção estabelecida no artigo 12º do Código do Trabalho de 2009, retoma os factos provados, que analisa sinteticamente por referência aos indícios de existência de subordinação jurídica que inicialmente elencara (instalações horário, instrumentos e equipamentos, gozo de férias, inexistência de ordens, relação profissional junto do deputado único do R. e retribuição paga com verba a este destinada no âmbito da representação do partido) e vem a concluir que dos mesmos não resulta “que a autora estivesse integrada na estrutura e organização do réu Partido BBB ou, sobretudo, que estivesse numa posição de subordinação jurídica relativamente ao réu”.
É certo que a referência da sentença à presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 inculcava a ideia de que a sentença faria uma apreciação sobre a verificação da sua hipótese, mas é igualmente certo que a omissão desse trabalho de análise poderá compreender-se no contexto da sentença face ao prévio anúncio da sua perspectiva de que o intérprete é sempre chamado a “um juízo de globalidade” sobre os indícios, juízo que foi efectivamente efectuado.
Tal poderá consubstanciar um erro de julgamento por incorrecta aplicação do regime jurídico aplicável (regime que a seu tempo se apreciará neste aresto, na medida em que a recorrente recoloca a questão da qualificação contratual a esta instância), mas não a nulidade processual que a recorrente ora assaca à sentença.
Acresce que, uma vez lida a sentença, nos parece claro que não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
A decisão no sentido de absolver o R. do pedido é evidentemente conforme com a apreciação dos factos que nela é feita no sentido de que a A. não se encontrava numa posição de subordinação jurídica relativamente ao R.. A ponderação da matéria de facto a que a sentença procede tem um óbvio nexo lógico com a decisão com que culmina.
Quando muito, poderá questionar-se a bondade da fundamentação da sentença e da subsequente decisão, mas tal não constitui um vício formal determinativo da nulidade da sentença nos termos da primeira parte da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, apenas podendo, porventura, constituir um erro de julgamento.
Improcede, pois, a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, sem prejuízo da apreciação dos fundamentos enunciados no mérito da apelação.
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4. Fundamentação de facto
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4.1. Para uma melhor compreensão da impugnação deduzida nesta sede, é pertinente expor desde já a decisão de facto da 1.ª instância.
Foram na sentença julgados provados os seguintes factos:
“1. Desde Fevereiro de 2018 a autora prestava funções de apoio e consultoria ao deputado único representante de partido.
2. Estas funções eram exercidas no gabinete nas instalações da Assembleia da República cuja Chefe de Gabinete do deputado … era …
3. Em 7.02.2018 foi remetido aos serviços da Assembleia da República email junto a fls. 24 vs. a solicitar autorização para que a autora pudesse aceder às instalações da Assembleia da República e usar o estacionamento.
4. Em 14 de Fevereiro de 2014 foi pela Chefe de Gabinete comunicado à autora as credenciais de acesso aos equipamentos do parlamento e a atribuição do endereço de … e remetido o documento junto a fls. 26 vs. a 28 vs., cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Em 24 de Maio de 2018 a autora remeteu o email junto a fls. 29 vs com o seguinte teor: “O …pediu para informar que amanhã as pessoas que trabalham na Assembleia da Republica, podem trabalhar a partir de casa se assim o preferirem”.
6. A autora utilizava computador, telefone, secretária, cadeira e outro material da Assembleia da Republica, requisitados pelo deputado …
7. A autora permanecia em regra nas instalações da Assembleia da República das 09h00/10h00 até 17h00/18h00.
8. Em 12 de Outubro de 2018, a autora remeteu o email junto a fls. 35 vs. a …, ……………; BBB – Comunicação, com o seguinte teor:
 “Esta semana sou eu a fazer a organização do servidor. Assim peço que me enviem tudo o que deram entrada esta semana de iniciativas, bem como comunicados de imprensa/artigos de opinião que tenham saído para que possa organizá-los na pasta.”
9. A autora tinha cartão emitido pela Assembleia da República junto a fls. 36 vs e 37 vs.
10. A autora informava por telefone que não ia comparecer na Assembleia da República e o motivo.
11. Era solicitado à autora pelo deputado único … a indicação dos dias de gozo de férias.
12. As férias e alterações eram aprovadas por …
13. Em 29.01.2019, …, escreveu email de fls. 40 vs. com o seguinte teor:
“Malta por favor marquem os vossos 22 dias de férias mesmo que depois sejam sujeitos a alterações tendo por base o que já ficou decidido na reunião de ontem”.
14. Nesse mesmo dia o deputado … remeteu a …, com o conhecimento da autora, entre outros, o email junto a fls. 40 vs., com o seguinte teor:
“Não esqueçam de fazer um mapa em A3 com todos e afixar um deles aqui na Ar, obrigado.”
15. A Comissão Politica Permanente do BBB remeteu o email de 17 de Abril de 2019 a, entre outros, à autora, com o seguinte teor:
“Com o intuito de agradecer o vosso profissionalismo, tanto de forma individual como coletiva, a CPP decidiu dar tolerância de ponto a toda a equipa para o dia de amanhã (18/04)”.
16. Em Março de 2018 a autora recebeu a quantia de € 1.632,25 a título de valor base emitindo a autora o respectivo recibo verde ao Partido-Animais-Natureza.
17. Desde Abril de 2018 até Fevereiro de 2019 a autora recebeu a quantia de € 1.100,00 a título de valor base emitindo a autora o respectivo recibo verde ao BBB. com a descrição de “Prestação de serviços de consultoria ambiental” até Junho de 2018 e a partir de Julho de 2018 “Prestação de serviços de consultoria ambiental, ao deputado único representante do BBB na Assembleia da Republica”.
18. De Março de 2019 a Outubro de 2019 a autora recebia a quantia mensal de € 1.160,00 a título de valor base emitindo a autora o respectivo recibo verde ao Deputado único representante do partido BBB com a descrição de “Prestação de serviços de consultoria ambiental, ao deputado único representante do BBB na Assembleia da Republica”.
19. Em 25 de Outubro de 2019 a autora foi nomeada Assessora.
20. …, Chefe de Gabinete do deputado … remeteu por email de 22 de Fevereiro de 2018 com o seguinte teor:
“(S)egue em anexo o contrato de prestação de serviços da AAA. Vê se concordas por favor. Por quanto tempo fazemos o contrato? Sendo certo que a qualquer momento podemos denunciar sem problemas.”
21. … anexou a minuta de um documento designado por “Contrato de Prestação de Serviços”, junta a fls. 178 a 179 vs. e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
22. Em 8 de Março de 2016, o deputado … dirigiu à Ex.ma Senhora Presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos o escrito junto a fls. 180, solicitando “Pedido de parecer sobre identificação fiscal do Deputado único representante do BBB”, expondo, assinaladamente o seguinte:
“....
- À representação parlamentar do BBB, portanto, ao Deputado Único, foi atribuída uma subvenção para suportar os custos desta representação, ou seja, contratação de pessoal, deslocações, etc.;
- A par disso e uma vez que o BBB obteve mais de 50.000 votos (portanto votação final global), foi atribuída ao Partido subvenção destinada ao seu financiamento;
- Embora cada uma das subvenções seja paga para contas bancárias distintas o facto é que todos os pagamentos efectuados por qualquer uma delas são comprovados através da factura-recibo em nome do BBB, com o NIPC …;
- Esta questão suscita dúvidas contabilísticas, porquanto aquilo que parece mais coerente será haver uma divisão da contabilidade, ou seja, haver uma distinção clara entre a subvenção partidária/despesas do BBB (partido político) e a subvenção para a representação parlamentar/despesas do Deputado Único;
- Já existe essa diferenciação no que diz respeito às contas bancárias, no entanto, na prática havendo apenas um NIPC todas as despesas são imputáveis à mesma entidade, ao BBB.
Assim o BBB, na pessoa do Deputado Único, solicita a V/ Exa., enquanto Presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, parecer sobre a necessidade ou não de este obter um número de identificação fiscal próprio da representação parlamentar. (...).”
23. Em resposta respondeu aquela entidade do Tribunal Constitucional por escrito datado de 18 de Abril de 2016, junta a fls. 181 vs., dizendo assinaladamente, o seguinte:
“Na sequência do v/oficio de 8 de maio de 2016, cumpre informar que o artigo 14º A da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, aditado pela Lei nº 55/2010, de 24 de dezembro, não prevê a atribuição de número de identificação fiscal (NIF) aos Deputados únicos representantes de Partidos políticos.
Assim, a solução preconizada por esta Entidade passa por, nas despesas da responsabilidade do Deputado único desse partido, ser utilizado o NIF do BBB, sem prejuízo de serem expressamente faturadas, não ao Partido, mas antes e sempre, ao Deputado único representante do BBB.”
24. A autora era paga, desde Fevereiro de 2018 a Outubro de 2019 exclusivamente com verbas da subvenção da Assembleia da República para assessorar o deputado único representante de partido ….
25. Por escrito de 11.01.2019 dirigido ao réu, junto a fls. 182 vs. a 184, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos alterou posição anteriormente adoptada e comunicada ao Deputado …, concluindo, assinaladamente, o seguinte:
 “...Assim, por respeito aos princípios gerais de direito, de igualdade, da justiça e da razoabilidade; pela coerência de conjunto que a interpretação sistemática confere ao ordenamento jurídico; pela natureza permissiva da norma do art.º 14.º-A, nº 1, da L 19/2003; e, por fim, na medida em que a lei fiscal não o proíbe (cf. o Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 janeiro), não faz sentido que o “deputado único representante de um partido” seja prejudicado em relação aos “grupos parlamentares”, sendo-lhe vedada a faculdade de dispor, se o pretender, de um número de identificação fiscal próprio.
Assim, conclui-se que à luz do art.º 14.º-A, n.º 1 da L 19/2003, o “deputado único representante de um partido” pode dispor, se o pretender, de um número de identificação fiscal próprio.”
26. A autora  acompanhava as comissões parlamentares de que o Deputado … fazia parte.”
O tribunal a quo julgou ainda não se ter provado:
“1-    Que desde Fevereiro de 2018, a autora foi forçada pelo réu a desempenhar as suas funções com emissão de recibos verdes;
2 - Que a autora era paga directamente pelo BBB;
3 – Que a autora recebia ordens, directrizes muito concretas, recebendo ordens e directrizes muito concretas sobre as tarefas a desempenhar diariamente, através do seu representante ou membros do réu;
4 - Que a minuta em foi assinada pela autora e pelo deputado …, em representação do réu, com dois exemplares destinando-se um à autora e outro ao réu.”
*
4.2. A recorrente impugnou a decisão de facto no que diz respeito aos factos n.ºs 1. a 3.  do elenco dos factos não provados, não a questionando quanto a qualquer dos factos que na 1.ª instância se julgaram provados.
(…)
Improcede a apelação no que concerne à impugnação da decisão de facto.
A factualidade a atender para a decisão jurídica do pleito é, pois, a fixada na 1.ª instância (que nos dispensamos de repetir).
5. Fundamentação de direito
5.1. A questão fundamental a analisar nos presentes autos consiste em saber se, no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019, se estabeleceu entre as partes – a recorrente AAA, por um lado, e o recorrido BBB  por outro – um contrato de trabalho.
No período de tempo por que perduraram as relações contratuais que integram a causa de pedir da presente acção, esteve ininterruptamente em vigor o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, cuja vigência remonta a 17 de Fevereiro de 2009, pelo que deverá o caso sub judice ser analisado à luz do respectivo regime jurídico.
A noção de contrato de trabalho constante do artigo 1152º do Código Civil - o contrato pelo qual uma “pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” - coincide, no que diz respeito à sua essência, com a definição constante do artigo 11.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro – “é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”. Os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, em qualquer destes textos normativos, são: a prestação de actividade, a retribuição e a subordinação jurídica. Apesar de o artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009 ter deixado de fazer referência à “direcção” do empregador, a expressa menção da “autoridade” no mesmo contida inclui uma componente de direcção e uma componente disciplinar, não alterando o âmbito de aplicação da norma[6].
Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço (artigo 1154.º do Código Civil) resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder de o empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diferentemente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Através do critério do objecto do contrato, nem sempre constitui tarefa fácil a de distinguir o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço previsto no art. 1154º do Código Civil, na medida em que muitas vezes não se pode verdadeiramente saber se se promete o trabalho ou o seu resultado, pois que todo o trabalho conduz a um resultado e este não existe sem aquele[7].
Em última análise, o relacionamento entre as partes - a subordinação ou autonomia - é que permite caracterizar a “locatio operarum”, ou contrato de trabalho, e a “locatio operis”, ou contrato de prestação de serviço[8]. Esta característica fundamental do vínculo laboral implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
5.2. Como decorre do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, recai sobre o trabalhador que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos de tal figura contratual[9].
Perante as dificuldades muitas vezes inerentes ao cabal cumprimento deste ónus, a jurisprudência que se firmou no âmbito do Decreto-Lei n.° 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT) passou a recorrer ao denominado “método indiciário”, lançando mão de vários índices – cuja verificação tinha igualmente de ser demonstrada por quem estava onerado com o ónus da prova do contrato – sobre os quais formulava um juízo global sobre a qualificação contratual, extraindo a conclusão pela autonomia na prestação do trabalho ou pela subordinação jurídica, a partir de factos índice essencialmente emergentes da fase de execução do contrato.
A jurisprudência enfatizou sempre que estes indícios a ponderar têm um valor relativo se individualmente considerados, que nenhum deles é decisivo e que não é pelo seu número que se procede à qualificação, exigindo-se sempre um juízo de valoração relativamente ao único critério incontroversamente diferenciador e verdadeiramente típico do contrato de trabalho, ou seja, a subordinação jurídica pressuposta na norma laboral definidora desta figura contratual[10].
5.3. O art. 12.º do Código do Trabalho actualmente em vigor  prescreve que:
“1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)”
A lei selecciona um conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles bastará para a inferência da subordinação jurídica.
Como refere o Prof. Leal Amado, “[p]rovando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova do contrário. Assim, provando-se, p. ex., que a actividade é realizada em local pertencente ao respectivo beneficiário e nos termos de uma horário determinado por este, ou provando-se que os instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário da actividade, o qual paga uma retribuição certa ao prestador da mesma, logo a lei presume a existência de um contrato de trabalho. Tratando-se de uma presunção iuris tantum (artigo 350.º do Código Civil), nada impede o beneficiário da actividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho.”[11]
5.4. Procurando responder à questão de saber como interpretar e aplicar a presunção de laboralidade tal como se mostra configurada no Código do Trabalho de 2009, a jurisprudência não tem adoptado uma perspectiva uniforme.
Assim, o Acórdão da Relação de Coimbra de 2013.07.10, admitindo que, para que opere a presunção da existência de contrato de trabalho, basta que se verifiquem duas das características elencadas no artigo 12.º, decidiu que a verificação de duas dessas características tem, apesar de tudo, de ser enquadrada num ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a qualificação do acordo entre a pessoa que presta a actividade e a que dele beneficia. Infere-se deste aresto que apenas em casos de dúvida na qualificação contratual, a dúvida pode e deve ser resolvida pela indagação das características enunciadas no artigo 12º nº 1 do Código do Trabalho, averiguando se opera a presunção de laboralidade. Segundo ali é dito: “[d]o nosso ponto de vista, a verificação de duas dessas características têm, apesar de tudo, de ser enquadrada num ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a qualificação. Só assim a presunção revestirá uma operação útil. Noutra perspectiva que parta do fim do percurso da indagação para o seu princípio, o resultado será afinal o mesmo, já que não se verificando aquele ambiente então terá de se considerar ilidida a presunção[12].
Já o Acórdão da Relação de Lisboa de 2013.10.23, numa perspectiva um tanto distinta, discorreu nos seguintes termos:[13]
«Ainda assim, o texto não é o mais claro, permitindo a discussão sobre quantos indícios são necessários para obter o benefício da presunção.
De todo o modo, a mera existência de alguns indícios não prova por si a existência de contrato de trabalho, impondo-se um olhar global, uma apreciação conjunta no âmbito da relação em que se manifestam, e não meramente isolados.
Não tem, pois, sentido, a discussão em torno de saber se este ou aquele indício é suficiente para demonstrar a laboralidade do contrato. Não é um ou outro indicio que releva; é o conjunto. Porque, naturalmente, muitos casos há em que este ou aquele não relevam: por exemplo, a existência de actividades regulares só por si, porquanto os voluntários desempenham actividades nesses termos, em cumprimento de escalas. Ou o local de prestação da actividade e até o tempo, em casos em que só pode ser prestado nas instalações disponibilizadas pelo credor da prestação (imagine-se a actividade de monitor de natação, que dificilmente poderá actuar em local que não seja uma piscina, infra-estrutura que pela sua dimensão não é sua pertença, em horário definido amiúde pelo titular da piscina, tendo em conta as classes de frequentadores). E apesar do horário e local da actividade e da propriedade dos meios, nada impede que, ponderados os restantes elementos (p. ex. a inexistência de poder disciplinar ou a possibilidade de o monitor se fazer substituir por terceiro habilitado), se conclua que a presunção foi elidida e que se trata de uma prestação de serviços.»
Mais próxima desta segunda perspectiva, afirma Fernanda Campos, depois de referir ser necessária a verificação de duas características enunciadas no artigo 12.º do Código do Trabalho, e em resposta à questão de saber se bastará a prova dessas duas características para o trabalhador beneficiar da presunção referida na norma, com os inerentes efeitos em sede de inversão do ónus da prova: “digamos que a actual redacção facilitará sobremaneira a qualificação do contrato de trabalho (ao mesmo tempo que agrava a punição da dissimulação), no entanto, com todo o respeito por diverso entendimento, atrevemo-nos a defender que não bastarão quaisquer dois requisitos legais para que se infira que o contrato presente é de trabalho. Dito de outro modo, julgamos que o intérprete não é dispensado de um trabalho interpretativo que, em cada caso, ache, de entre as características legalmente possíveis, as pertinentes à qualificação daquele contrato, como de trabalho[14].
Embora reconhecendo as dúvidas e dificuldades de aplicação que podem suscitar-se em casos em que se verificam duas das características enunciadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho que, nas circunstâncias da situação em concreto, têm um diminuto ou quase nulo valor qualificativo, entendemos que, estando prevista uma presunção legal de laboralidade, o aplicador do direito deve, num primeiro momento, lançar mão da norma presuntiva e verificar se a mesma se encontra preenchida, embora não esteja dispensado de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios em presença e verificar se, perante eles, o empregador fez prova de factos demonstrativos da autonomia do trabalhador na execução contratual e, assim, cumpriu o ónus prescrito no n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil de ilidir a presunção de laboralidade[15].
5.5. Retornemos ao caso sub judice.
As relações contratuais sobre que versa a nossa apreciação firmaram-se com a recorrente no sentido de esta prestar, como veio a fazer, funções de apoio e consultoria ao deputado único representante do partido ora recorrido nas instalações da Assembleia da República, acompanhando comissões parlamentares de que o mesmo fazia parte (vide os factos 1., 2. e 26.).
Resulta dos factos provados, e já resultava da alegação constante da petição inicial da recorrente (artigos 4.º a 7.º da petição inicial), que esta desenvolveu a sua actividade sempre na qualidade de Assessora Parlamentar da Representação Parlamentar do BBB na Assembleia da República (conforme consta de todos os e-mails juntos aos autos por si subscritos no período de tempo em análise).
E veio mesmo em 25 de Outubro de 2019 a ser nomeada por acto público, levado ao jornal oficial, para um cargo parlamentar público de Assessora (vide o facto 19. e a publicação do Despacho do Secretário Geral da Assembleia da República (extracto) n.º 11125/2019, de 28 de Novembro, documentada a fls. 21).
Nos termos do preceituado no artigo 46.º da Lei n.º 77/88, de 1 de Julho, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR), na redacção dada pela Lei n.º 28/2003, de 30 de Julho[16]:
«1 - Os grupos parlamentares dispõem de gabinetes constituídos por pessoal de sua livre escolha e nomeação nos seguintes termos:
(…)
2 - No início de cada legislatura os grupos parlamentares indicarão aos serviços da Assembleia da República o quadro de pessoal de apoio, com a indicação das categorias e vencimentos, o qual poderá ser corrigido no início de cada sessão legislativa.
3 - No início de cada mês os gabinetes dos grupos parlamentares comunicarão aos serviços da Assembleia da República as horas extraordinárias a processar aos funcionários dos grupos parlamentares.
4 - As despesas com as remunerações previstas no presente artigo não podem ultrapassar, anualmente, as verbas que resultam do quadro seguinte:
(…)
5 - Os grupos parlamentares podem alterar a composição do quadro de pessoal, desde que não resulte agravamento da respectiva despesa global.
6 - A nomeação e exoneração do pessoal referido nos números anteriores é da responsabilidade da direcção do respectivo grupo parlamentar, sendo-lhe aplicável o regime em vigor para os gabinetes ministeriais.
7 - O pessoal dos grupos parlamentares que não esteja vinculado à função pública é obrigatoriamente inscrito no regime geral de segurança social.
8 - A Assembleia da República, enquanto entidade patronal, é responsável pelos encargos sociais que eventualmente existam.
9 - Ao Deputado único representante de um partido e aos Deputados independentes que não integrem nenhum grupo parlamentar aplica-se, com as devidas alterações, o disposto neste artigo de forma a não ultrapassar, anualmente, as seguintes verbas:
(…)
10 (…).»
Infere-se do disposto nos n.ºs 2., 6. e 8. do indicado artigo 46.º da LOFAR que os grupos parlamentares indicam aos serviços da Assembleia da República no início de cada legislatura o quadro de pessoal de apoio, com a indicação das categorias e vencimentos, que a nomeação e exoneração desse pessoal é da responsabilidade da direcção do respectivo grupo parlamentar, sendo-lhe aplicável o regime em vigor para os gabinetes ministeriais e que é a Assembleia da República quem tem a veste de entidade patronal desse pessoal, sendo responsável pelos respectivos encargos sociais.
E resulta do disposto no n.º 9 do mesmo preceito que “[a]o Deputado único representante de um partido e aos Deputados independentes que não integrem nenhum grupo parlamentar aplica-se, com as devidas alterações, o disposto neste artigo”, não podendo ser ultrapassadas anualmente as verbas ali enunciadas.
De acordo com o Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, de 20 de Agosto, o grupo parlamentar, que constitui uma forma de organização de deputados eleitos por cada partido ou coligação de partidos [artigo 6.º], pode “[d]ispor de locais de trabalho na sede da Assembleia, bem como de pessoal técnico e administrativo da sua confiança, nos termos da lei” [artigo 9.º, alínea h)], o que nos remete para os termos do citado artigo 46.º da LOFAR que reconduz o vínculo a estabelecer com o indicado pessoal a um vínculo público que se constitui com a “nomeação” ali prevista, da responsabilidade da direcção do respectivo grupo parlamentar, sendo-lhe aplicável o regime em vigor para os gabinetes ministeriais (cfr. o Decreto-Lei n.° 11/2012, de 20 de Janeiro, que estabelece a natureza, a composição, a orgânica e o regime jurídico a que estão sujeitos os gabinetes dos membros do Governo).
No caso vertente, a nomeação da A. nestes estritos termos apenas teve lugar com efeitos a 25 de Outubro de 2019 (facto 19.), passando o vínculo firmado, a partir dessa ocasião, a ter como partes a recorrente, por um lado, e o Estado (Assembleia da República), por outro.
E no que concerne ao período que se desenrolou até então, e desde Fevereiro de 2018?
Antes de mais, é essencial à dilucidação da questão da qualificação contratual, precisar que os partidos políticos são entidades estrutural e juridicamente distintas das suas representações parlamentares e que constitui direito destas dispor de pessoal técnico e administrativo da sua confiança, nos termos da lei[17].
O financiamento autónomo dos grupos parlamentares foi estabelecido pela Lei n.º 77/88, de 1 de Julho, que aprovou a LOFAR, dispondo-se no n.º 4 do já citado artigo 46.º que aos mesmos é atribuída uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, o que teve ulterior expressão na Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro, que veio regular o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, autonomizando a subvenção para encargos de assessoria aos deputados atribuída anualmente “a cada grupo parlamentar, ao deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República”[18].
De acordo com a alegação da recorrente, o vínculo obrigacional no âmbito do qual prestou nesse período funções de apoio e consultoria ao deputado único representante do R. nas instalações da Assembleia da República se constituiu com o R. BBB, tese que reitera na apelação, invocando que se verificam todas as características típicas enunciadas no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho e que o R. não ilidiu a presunção daí resultante (conclusões 23.ª a 28.ª).
Analisando contudo a factualidade apurada, verifica-se que a actividade da recorrente de apoio e consultoria foi prestada pela recorrente sempre na Assembleia da República em benefício do deputado único do BBB na Assembleia da República (factos 1., 2. e 26.) e que a recorrente foi paga, desde Fevereiro de 2018 a Outubro de 2019, exclusivamente com verbas da subvenção da Assembleia da República para assessorar o deputado único representante de partido (facto 24.).
O que nos reconduz para uma configuração subjectiva do contrato firmado diversa da alegada pela recorrente.
É certo que até Fevereiro de 2019 os recibos emitidos pela recorrente o foram em nome do recorrido, ainda que nos meses seguintes até Junho de 2018 a recorrente tivesse o cuidado de neles inserir a descrição de “Prestação de serviços de consultoria ambiental” e a partir de Julho de 2018 até Fevereiro de 2019 a descrição “Prestação de serviços de consultoria ambiental, ao deputado único representante do BBB na Assembleia da Republica” (factos 16. e 17.). Mas a partir de então e até à nomeação oficial da recorrente em Diário da República, os recibos passaram a ser emitidos pela recorrente ao Deputado único representante do partido BBB com a descrição de “Prestação de serviços de consultoria ambiental, ao deputado único representante do BBB na Assembleia da Republica” (facto 18.).
E, sobretudo, resulta das comunicações trocadas entre o Deputado … e a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos do Tribunal Constitucional, que a realidade prática foi sempre igual – ao Deputado Único foi atribuída pela AR uma subvenção para suportar os custos da representação parlamentar, vg. com pessoal e há uma distinção clara entre a subvenção partidária (despesas do partido) e a subvenção para a representação parlamentar (despesas do deputado único) – , resultando a distinta entidade que foi constando ao longo do tempo dos sucessivos recibos, de dúvidas formais que se suscitaram quanto a essa matéria, quer ao deputado único, quer à própria Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, actuando o primeiro sempre em conformidade comas directrizes enunciadas por esta última (vide os factos 22., 23. e 25.).
Do que não há qualquer dúvida é de que a recorrente foi sempre paga com verbas da subvenção da Assembleia da República para assessorar o deputado único representante do BBB na Assembleia da república, onde sempre desenvolveu as suas funções (facto 24.).
E não há dúvida, também, de que o deputado único tinha, nos termos prescritos no artigo 46.º, n.º 9 da Lei n.º 77/88, de 1 de Julho, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR), a o direito de “livre escolha e nomeação” do pessoal que constitui o seu gabinete, bem como a responsabilidade pela “nomeação e exoneração” desse pessoal (vide os n.ºs 1, 2 e 6 do preceito).
Tendo em consideração que o contrato de trabalho é um negócio meramente consensual (artigo 110.º do Código do Trabalho de 2009), o que igualmente sucede com o contrato de prestação de serviço (artigo 219.º do Código Civil), é possível alcançar a determinação da sua existência e dos seus contornos pelo comportamento das partes, pela análise da situação de facto[19], sendo comummente invocado nesta matéria o denominado “princípio da primazia da realidade”, segundo o qual “os contratos são o que são e não o que as partes dizem que são[20].
É assim de concluir que o vínculo obrigacional que emerge da execução do contrato, tal como ficou plasmada nos factos provados, se firmou com o efectivo beneficiário da actividade da recorrente, que era a Representação Parlamentar (no caso o deputado único …) e não, directamente, com o recorrido, devendo-se a passagem dos recibos em nome do recorrido a questões estritamente formais – o entendimento, depois alterado, da ECFP de que os deputados únicos representantes de partidos políticos não poderiam dispor de número de identificação fiscal próprio – que não são, exactamente por terem natureza formal, susceptíveis de bulir com a materialidade subjacente à execução das relações contratuais.
Não tendo a recorrente sido oficialmente nomeada na primeira fase do seu exercício profissional como Assessora Parlamentar, pela Assembleia da República, entendemos que o beneficiário da sua actividade nesse período não pode deixar de se considerar ser o Deputado Único que assessorava e que, exclusivamente com as verbas da subvenção da AR destinadas ao efeito, procedia ao pagamento da contrapartida mensalmente devida pelo exercício dessa actividade de apoio e consultoria que lhe era prestada, inteirando-se junto das entidades competentes sobre a forma correcta de o fazer.
Cremos que a sentença também assim o entendeu, na medida em que não deixou de referir que “toda a relação profissional de assessoria/consultoria era exercida junto do deputado … sendo paga inclusive por verba a este destinada no âmbito da representação do partido. Donde entendemos que, não resultam factos donde resulte que a autora estivesse integrada na estrutura e organização do réu Partido BBB ou, sobretudo, que estivesse numa posição de subordinação jurídica relativamente ao réu”, neste afirmação radicando a absolvição do pedido que decidiu.
É de notar que esta questão é de mérito e não contende com a afirmação da legitimidade das partes, esta última já decidida no despacho saneador proferido nos autos, que julgou improcedentes as suscitadas ilegitimidades activa e passiva, bem como indeferiu liminarmente o incidente de intervenção principal provocada de CCC.
Decisões que transitaram em julgado, nos termos já apontados, e não podem agora ser questionadas.
Esta opção decisória quanto à configuração subjectiva das relações contratuais no âmbito das quais a recorrente exerceu a sua actividade profissional no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e Outubro de 2019 tem um evidente relevo.
Assim, e desde logo, não sendo o Partido ora recorrido o beneficiário directo da actividade prestada pela recorrente entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019, e pressupondo a hipótese legal do n.º 1, do artigo 12.º do Código do Trabalho, que se analisem as características enunciadas nas diversas alíneas do preceito por reporte à relação estabelecida “entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam”, tal como se prescreve no corpo da norma, é patente que não se pode considerar verificada a presunção da existência de um contrato de trabalho entre as partes da presente acção. Se é certo que a recorrente prestava uma actividade, já não o é que fosse o recorrido a dela beneficiar em termos imediatos, mas a respectiva Representação Parlamentar, que constitui uma entidade estrutural e juridicamente diversa.
Pelo que através da presunção prevista no art. 12.º do Código do Trabalho não se alcança o desiderato pretendido pela recorrente de ver declarada a existência de um contrato de trabalho com o recorrido BBB.
Vejamos, contudo se, a despeito de não operar a presunção de laboralidade, a recorrente provou nesta acção factos que integrem os elementos constitutivos do contrato de trabalho tal como o mesmo se mostra definido no preceito que o define (actualmente o artigo 11.º do Código do Trabalho) ou se tais factos, uma vez efectuada uma sua ponderação global, são relevantemente indiciadores de que entre as partes da presente acção se firmou um contrato que se desenvolveu num condicionalismo de subordinação jurídica[21].
Foi desta perspectiva de análise que partiu a sentença recorrida, debruçando-se sobre a factualidade apurada no caso concreto e vindo a concluir que a A. não logrou provar factualidade donde resulte globalmente que se vinculou à R. através de um contrato de trabalho.
A recorrente afirma que se estabeleceu entre as partes um contrato de trabalho e pede que o mesmo seja reconhecido.
Deve dizer-se que a recorrente afirma esta vinculação partindo do princípio de que obteve êxito na impugnação que deduziu da decisão de facto, o que não ocorreu, poius que não logrou ver provados nesta instância os factos que a sentença fez inscrever nos pontos 1., 2. e 3. dos factos “não provados”.
Seja como for, procedendo mesmo assim à análise da factualidade apurada no âmbito do presente processo, podemos adiantar que o juízo de globalidade a que se procede não nos permite a afirmação de que a recorrente prestava trabalho de modo juridicamente subordinado ao recorrido quando desenvolveu a sua actividade profissional de Assessora Parlamentar no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019.
Na verdade, também neste prisma é relevante salientar que a actividade da recorrente se desenvolveu no âmbito da Representação Parlamentar e não directamente em benefício do Partido ora recorrido:
- porque as funções eram de apoio e consultoria ao deputado único (factos 1. e 25.);
- porque foram sempre desenvolvidas na Assembleia da República, no respectivo gabinete (facto 2.), a cujas instalações a A. acedia com autorização (facto 3.), bem como aos seus equipamentos com as respectivas credenciais de acesso, tendo um endereço de e-mail com a extensão BBB (facto 4.) e uma cartão emitido pela Assembleia da República (facto 9.);
- porque a recorrente se encontrava integrada numa organização de pessoas que trabalhavam na Assembleia da República com reporte ao referido deputado único (factos 5., 8., 11., 12., 13. e 14.);
- porque o material e equipamento da Assembleia que a recorrente utilizava fôra requisitado pelo referido deputado único (facto 6.); e
- porque a recorrente foi sempre paga, exclusivamente, com verbas da Assembleia da República para assessorar o deputado único … (24.).
É absolutamente escasso para caracterizar a existência de uma relação contratual com o ora recorrido o facto de os recibos inicialmente emitidos pela recorrente o terem sido em nome do primeiro, atento o contexto apurado e já ponderado quanto à emissão dos recibos, no qual o referido deputado … teve um papel predominante (factos 16. a 18., 22., 23. e 25.).
E é totalmente irrelevante, no âmbito da panóplia de factos provados que apontam num sentido distinto, ter a Comissão Politica Permanente do BBB remetido o e-mail de 17 de Abril de 2019, entre outros, à autora, com o seguinte teor: “Com o intuito de agradecer o vosso profissionalismo, tanto de forma individual como coletiva, a CPP decidiu dar tolerância de ponto a toda a equipa para o dia de amanhã (18/04)”. Se é certo que este facto, acompanhado de outros indiciadores de uma relação de trabalho, poderia relevar numa perspectiva de ponderação global para alicerçar um juízo de laboralidade (atenta a estreita ligação dos deveres de assiduidade e pontualidade com o vínculo de natureza laboral), já não pode considerar-se que o mesmo, por si só, permita a conclusão de que se firmou entre as partes um contrato de trabalho.
Em suma, procedendo à ponderação dos factos que se provaram relativos ao modo de execução do contrato, entendemos que a factualidade apurada não é de molde a concluir que se firmou entre a recorrente e o recorrido uma relação de trabalho subordinado no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019.
E, assim, porque era o reconhecimento de tal vínculo no indicado período que a recorrente pretendia ver judicialmente reconhecido, devem julgar-se improcedentes as conclusões da apelação relacionadas com a qualificação contratual, mantendo-se o juízo decisório contido na sentença recorrida.
As custas do recurso interposto da sentença final recaem sobre a recorrente (artigo 527.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho). Mostrando-se pagas as taxas de justiça e não havendo encargos a contar nos recursos (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que haja.

6. Decisão
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso mantendo a sentença da 1.ª instância.
Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja a contar.
Lisboa, 11 de Maio de 2022

Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho
Sérgio Almeida
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[1] Com idêntico raciocínio à luz do art, 644.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ainda que sem contemplar as hipóteses da alínea b), do n.º 1, desse mesmo preceito, vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, p. 172, nota 165.
[2] Vide o Prof. J.A. Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”vol 5º, p. 141.
[3] Vide o Prof. Antunes Varela, Miguel Bezerra e S. Nora, in “Manual de Processo Civil”, p. 671.
[4] Vide o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol . V, p., 151.
[5] Com um evidente lapso na identificação da A.
[6] Vide Maria do Rosário Palma Ramalho, no seu estudo “Delimitação do contrato de trabalho e presunção de laboralidade no novo Código do Trabalho – Breves Notas, in “Direito do Trabalho + Crise = Crise do Direito do Trabalho, Coimbra, 2011, pp. 275 e ss., João Leal Amado, in Contrato de trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 53 e Joana Nunes Vicente, “Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade”, in Código do Trabalho – A Revisão de 2009”, Coimbra, 2011, p. 59.   
[7] Galvão Teles, Contratos Civis (in B.M.J. 63/165), Mário Pinto, Furtado Martins, e Nunes de Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, I, p 28.
[8] Galvão Teles, in ob. cit., p 166, Albino Mendes Baptista, in Jurisprudência do Trabalho Anotada, 3ª edição, pp. 21 e ss e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.04.06 (in B.M.J. 496/139), de 2002.01.09 (proferido na Rev. n.º 881/01 da 4ª Secção), de 2002.04.30 (proferido na Rev. n.º 4278/01 da 4ª Secção), de 2002.05.29 (proferido na Rev. n.º 2419/01 da 4ª Secção), de 2003.01.29 (proferido na Rev. n.º 3497/02 da 4ª Secção), de 2003.05.21 (proferido na Rev. n.º 191/03 da 4ª Secção), todos sumariados in www.stj.pt.  
[9] Entre muitos outros, afirmou que incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 2012.05.30, Recurso n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1- 4.ª Secção e de 2010.03.03, Recurso n.º 4390/06.3TTLSB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[10] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.03.03, de 2010.12.09 e de 2012.04.012,  proferidos, respectivamente, nos processos n.º4390/06.3TTLSB.L1.S1, n.º1155/07.9TTBRG.P1.S1 e n.º4576/04.5TTLSB.L1.S1.
[11] In Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 79.
[12] Processo n.º 446/12.1TTCBR.C1, in www.colectaneadejuriprudencia.pt.
[13] Processo n.º 2906/09.2TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt.
[14] Em estudo publicado pela autora, Inspectora do Trabalho, denominado “Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade”, in Código do Trabalho, A revisão de 2009, Coimbra, 2011, pp. 90-91.
[15] Sufragando esta perspectiva, vide o Acórdão da Relação do Porto de 9 de Maio de 2014, Processo n.º 321/12.0TTPRT.P1, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2019.02.17, Processo n.º 1358/16.5T8CSC.L2, este último subscrito por este colectivo de juízes e ambos inéditos. Nesta senda também o Acórdão da Relação do Porto de 2017.05.15, Processo n.º 6214/16.4T8PRT.P1, decidiu que, estando demonstrados quatro dos indícios referidos no n.º1, do artigo 12.º, operou a presunção legal da existência de contrato de trabalho e para a afastar é necessário que se demonstrem factos que permitam concluir com segurança estar-se perante uma situação de trabalho autónomo.
[16] Não era ainda aplicável a redacção conferida ao preceito pela Lei n.º 24/2021, de 10/05, com a Rectificação n.º 17/2021, de 04/06, atenta a data dos factos em análise,
[17] O grupo parlamentar é uma forma de organização dos deputados eleitos por cada partido ou coligação de partidos, como se viu (art. 6º, do Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, de 20/08), com poderes e direitos reconhecidos na lei (artigos 8.º e 9.º do mesmo Regimento), nestes últimos se incluindo o direito de cada grupo parlamentar de “[d]ispor de locais de trabalho na sede da Assembleia, bem como de pessoal técnico e administrativo da sua confiança, nos termos da lei”.
[18] Cfr. o artigo 5.º, n.º s 1 e 4 da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais aprovada pela Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, Lei n.º 1/2013, de 3 de Janeiro, Lei Orgânica n.º 5/2015, de 10 de Abril, Lei n.º 4/2017, de 16 de Janeiro e Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de Abril (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 17/2018, de 18 de Junho).
[19] Vide os Acs. do STJ de 90.9.26 (in A.D. 1990, p.1622), de 2005.02.23 (Revista n.º 2268/04), de 2007.05.02 (Rev. n.º 2567/06) e de 2008.01.16 (Rev. n.º 2713/07), todos da 4ª Secção). Repare-se que muitas vezes só mesmo pela execução efectiva do contrato é possível determinar a vontade das partes que o celebraram. Também no sentido de que prevalece a qualificação jurídica “dos factos efectivamente sucedidos” sobre a qualificação dos contratos escritos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.05.28 (Rev. n.º 3302/02 da 4ª Secção).    
[20] Vide João Leal Amado, O contrato de trabalho entre a presunção legal de laboralidade e o presumível desacerto legislativo, in Temas Laborais 2, Coimbra, 2007, p. 12.
[21] Vide no sentido de que caso não funcione a presunção de laboralidade, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho tal como o mesmo se mostra definido no preceito que o define, ou que constituam índice relevante da sua verificação, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.05.02, Processo 06S4668, de 2010.05.12, Processo 1394/06.0TTPNF.P1.S1, e de 2010.12.16, Processo n.º 996/07.1TTMTS.P1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt, à luz do Código do Trabalho de 2003.
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