Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24799/21.1T8LSB.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DELIBERAÇÃO RENOVADORA COM EFICÁCIA RETROATIVA
IMPUGNAÇÃO DA SEGUNDA DELIBERAÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA RELATIVA Á PRIMEIRA AÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Se, na pendência de uma acção pela qual se peticiona a anulação e nulidade de uma deliberação social, tiver sido aprovada uma deliberação renovadora da mesma, à qual foi atribuída eficácia retroactiva, tendo também esta sido judicialmente impugnada em acção autónoma, deverá a primeira acção ser sobrestada até que a segunda seja definitivamente decidida.
II. A primeira acção (suspensa) prosseguirá os seus termos caso a segunda acção (prejudicial) venha a julgar inválida a deliberação renovatória, hipótese na qual ficarão repristinados os efeitos da deliberação primitiva, nessa medida devendo ser apreciados e decididos os fundamentos/vícios na mesma invocados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
JJ instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra G …Lda. peticionado que seja declarada nula a deliberação que o destituiu do cargo de gerente e que seja cancelado o seu registo.
Assim se não entendendo, peticiona que seja anulada a mesma deliberação e cancelado o seu registo ou declarada a inexistência de justa causa para tal destituição.
Mais peticionou que seja declarado o carácter abusivo da deliberação e a ré condenada no pagamento de uma indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais e de € 27.724,68 a título de danos patrimoniais, montantes acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alegou que (i) as deliberações tomadas na Assembleia Geral (AG) de 07/10/2020 são nulas por falta de convocatória; (ii) a escolha de MM para representar a quota da herança também padece de nulidade, o que torna anulável a deliberação de destituição de gerente; (iii) MM não dispunha de poderes para representar Y na Assembleia Geral de 07/10/2020, o que torna as deliberações anuláveis; (iv) inexiste justa causa para a destituição do A. do cargo de gerente da R., sendo tal deliberação abusiva porque prossegue apenas os interesses da sócia MM.
Alegou ainda que ao ser conhecida a falta de poderes de gerência para realizar os negócios que efectuou em nome da R., o A. perdeu credibilidade no mercado da cortiça, autoridade perante os funcionários, o que lhe provocou inquietação e angústia, sentindo-se envergonhado e enxovalhado perante trabalhadores e clientes com quem celebrou negócios num período em já tinha sido destituído da gerência da sociedade, receando que possam vir a procurar a anulação de tais negócios, o que impõe o pagamento de uma indemnização.
No que concerne aos danos patrimoniais peticionados, diz respeitarem a 4 anos de remuneração que deixou de auferir desde a deliberação, à razão de € 770,13 por mês.
Regularmente citada, a R. deduziu contestação, invocando a excepção de litispendência (porquanto o A. intentou providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, na qual requereu a inversão do contencioso, sendo os mesmos o pedido e a causa de pedir de ambos os processos).
Quanto ao mais, para além de defender ter sido o A. regularmente convocado para a AG (à mesma não tendo comparecido por assim ter entendido), bem como ter tido conhecimento da deliberação aqui em causa em 28/09/2021, invoca ter sido agendada uma AG da ré para o dia 22/11/2021, na qual o A esteve presente, na mesma tendo sido deliberado renovar todas as deliberações adoptadas na AG de 07/10/2020 (com efeitos retroactivos) – artigo 62.º do CSC. Mais acrescenta que Y nomeou MM para o representar na AG de 07/10/2020 – por si e enquanto cabeça de casal da herança -, o que ocorreu na reunião de contitulares de 30/09/2020 (à qual o A. decidiu não comparecer). Mas, mesmo que tal representação não pudesse ocorrer com relação ao cabeça de casal, sempre a deliberação ora impugnada teria sido aprovada por maioria dos votos (da referida MM e da mesma em representação do sócio Y).
Por fim, defende a existência de justa causa de destituição do cargo de gerente (defendendo que, na prática, o único gerente é, e sempre foi, Y, sendo o A. Director de Produção e como tal remunerado) e refuta o direito de ser o A. indemnizado nos moldes peticionados.
Por requerimento de 20/04/2022, a R. juntou aos autos cópia da sentença proferida em 23/03/2022 no âmbito do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (deliberação aprovada em 22/11/2021) que correu termos sob o Proc. n.º 28747/21.0T8LSB pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo do Comércio de Lisboa (Juiz 5), pela qual foi julgada procedente a excepção peremptória de caducidade e a requerida absolvida do pedido.
Nestes autos foi requerente o aqui A. e requerida a aqui R. e peticionava-se: “a) seja declarada nula a nomeação de MM como representante comum da quota indivisa no valor nominal de €18.000,00, b) seja declara anulada a convocatória da assembleia geral da sociedade G …Lda. de 22 de Novembro, de 2021, para as 10 horas, para renovação da deliberação e anulada deliberação aí tomada; c) seja declarada anulada a convocatória da assembleia geral da sociedade G … Lda. de 22 de Novembro, de 2021, para as 11 horas, e anulada a deliberação aí tomada; d) seja suspensa a deliberação de renovação da destituição de gerente, registada pela AP.99/20210923, decidida na assembleia geral da sociedade G … Lda de 22 de Novembro de 2021, porquanto a sua execução gera avultados e consideráveis prejuízos quer à G … Lda, quer ao Requerente JJ; e) Seja suspensa a deliberação de intentar uma acção judicial contra o sócio JJ, decidida na assembleia geral da sociedade G … Lda. de 22 de Novembro de 2021, porquanto a sua execução gera avultados e consideráveis prejuízos quer à G … Lda., quer ao Requerente JJ; f) Seja decretada a inversão do contencioso, dispensando-se o A. de interpor a ação principal.”
Foi ordenada a notificação do A. para que se pronunciasse quanto à matéria de excepção alegada na contestação.
Em resposta, o mesmo pugnou pela improcedência da excepção de litispendência.
Mais referiu ter impugnado a deliberação de 22/11/2021 (correndo termos a respectiva acção no Juiz 1 do mesmo Juízo do Comércio, sob o Proc. n.º 30182/21.1T8LSB). 
Por despacho proferido em 28/03/2023 foi ordenada a apensação do procedimento cautelar n.º 24070/21.9T8LSB (respeitante à deliberação social de 07/10/2020), o qual corresponde ao apenso A.
Nestes autos foi requerente o aqui A. e requerida a aqui R. e peticionava-se: “i) a suspensão da deliberação tomada na assembleia geral da ré ocorrida em 07.10.2020; e ii) a inversão do contencioso, isto é, a dispensa do requerente do ónus de propositura da ação principal.”
Por decisão aí proferida em 10/03/2022, já transitada em julgado, foi decidido: “(…) julgo procedente a exceção perentória de caducidade e, em consequência, absolvo a Requerida dos pedidos contra si formulados nos autos.”
Simultaneamente foi agendada a realização de audiência prévia, no âmbito da qual a Mma. Juíza a quo consignou ser seu entendimento estarem reunidos os elementos necessários para conhecer do mérito da acção, sem necessidade de produção de prova (o que não mereceu oposição), tendo as partes sido notificadas para alegarem o que tivessem por conveniente – cfr. acta datada de 20/04/2023.
Ambas as partes alegaram por escrito.
Nas suas alegações, a ré defendeu: “caso não seja a Ré absolvida do pedido, devido à renovação da deliberação, ainda assim, encontra-se este douto Tribunal impedido de proferir uma Sentença de fls… no presente momento, uma vez que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, está impedido de proferir uma Sentença, devendo assim, ser a instância suspensa até que a decisão da impugnação da deliberação renovadora tenha transitado em julgado.
Em 13/07/2023, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:
“Veio a R, requerer a suspensão destes autos até que seja proferida decisão no processo nº 30182/21.1T8LSB, onde se aprecia a validade da deliberação de 22.11.2021. // Conforme exposto pelo tribunal em sede de audiência prévia, os presentes autos encontram-se aptos a proferir decisão de mérito, a qual não contende com a decisão que vier a ser proferida no processo nº 30182/21.1T8LSB. Tal decisão produzirá os seus efeitos independentemente da que vier a ser proferida nestes autos, razão pela qual se entende não estar preenchido qualquer um dos requisitos previstos no artigo 272.º do Código de Processo Civil para a suspensão da instância. // Indefere-se, por isso, o requerido. // Notifique.”
Simultaneamente foi proferido saneador-sentença que, após ter julgado improcedente a excepção de litispendência, decidiu julgar a acção “parcialmente procedente por provada e, consequentemente, declara-se a nulidade da deliberação tomada na Assembleia Geral da R. realizada em 7.10.2020, determinando-se o cancelamento do respetivo registo pela AP. 99/20210923.  
Julga-se improcedente o demais peticionado pelo A., absolvendo-se a R. do restante pedido.”
Inconformado com tal decisão dela veio a R. interpor RECURSO, tendo, para o efeito, formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“A) O Recorrido vem requerer a nulidade das deliberações adoptadas em 7 de Outubro de 2020, uma vez que, segundo ele, não foi convocado para comparecer naquela Assembleia Geral da Recorrida.
B) Não corresponde à verdade que o Recorrido não tivesse sido convocado para comparecer na Assembleia Geral de 7 de Outubro de 2020.
C) Acrescenta-se que, o Recorrido não pode invocar a nulidade prevista na alínea a) do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que as deliberações de 7 de Outubro de 2020 foram renovadas por deliberação de 22.11.2021.
D) Em face da renovação das deliberações sociais veio o Tribunal ad quo considerar que, “a renovação da deliberação de 7.10.2020 não faz precludir o interesse do A. na apreciação destes autos, impondo-se a tomada de decisão em conformidade. (…)”.
E) Acontece que, tal decisão é manifestamente contrária ao entendimento da jurisprudência e doutrina dominantes e não tem qualquer respaldo na legislação vigente, daí que, a Recorrente não possa admitir aquela Sentença de fls… Senão vejamos:
F) Mesmo que o Recorrido não tivesse presente no dia 7 de Outubro de 2020, porque não recebeu a convocatória – o que não se admite – ainda assim, não pode o Autor invocar a nulidade prevista na alínea a) do artigo 56.º do CSC.
G) Não pode o Recorrido alegar que existem deliberações tomadas em Assembleia Geral não convocada, uma vez que, as deliberações de 7 de Outubro de 2020 foram renovadas.
H) A deliberação de 7 de Outubro de 2020 deixou de produzir efeitos, passando os seus efeitos a serem regulados pela deliberação de 22 de Novembro de 2021.
I) Tendo a deliberação de 7 de Outubro de 2020 – que aqui foi impugnada – sido renovada, quer isto dizer que, os efeitos da deliberação reportam à deliberação renovada.
J) Daí que dúvidas não existam que, existe uma impossibilidade de procedência do pedido, mais do que uma inutilidade da lide, pelo que, deve este douto Tribunal pugnar pela absolvição da Recorrente do pedido.
Caso assim não se entenda, o que não se admite, ainda assim cumpre referir que:
K) Mesmo que o douto Tribunal ad quo não considerasse que devido à renovação da deliberação deve a Recorrente ser totalmente absolvida do pedido, ainda assim, de acordo com a jurisprudência relevante deveria o Tribunal ad quo pugnar pela suspensão da instância. Senão vejamos:
L) Tendo a deliberação renovadora também sido impugnada pelo Recorrido, dúvidas não existem que, para que não hajam decisões contrárias sobre a mesma causa, deveria o Tribunal ad quo ter suspendido a instância, nos termos e efeitos do artigo 272.º do CPC, até que fosse proferida decisão na ação em que é impugnada a deliberação renovadora.
M) Neste sentido, esclarece o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 675/10.2TBPTS.L1.S1 que, “Assim, dando-se conhecimento da deliberação renovadora na ação em que se impugna a deliberação primitiva, há que, em função da reação do autor da ação pendente – que tanto pode nada dizer, dizer que aceita a renovação ou dizer que contesta a sua validade – retirar as correspondentes consequências processuais:
- se nada diz ou diz que aceita a deliberação renovadora, a consequência processual terá que ser a extinção da instância, com fundamento em inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide (cfr. art. 277.º, al. e), do CPC).
- se contesta a validade da deliberação renovadora, intentando (ou tendo até já antes intentado) ação autónoma a impugnar a deliberação renovadora, deve-se sobrestar na prolação duma decisão de extinção da instância, procedendo-se antes à suspensão da instância (nos termos do art. 272.º do CPC) até que seja proferida decisão na ação em que é impugnada a deliberação renovadora.”
N) Assim, deve este douto Tribunal a quem considerar que, a Recorrida deveria ter sido absolvida do pedido, devido à renovação da deliberação, ou então, considerar que deveria ter-se suspendido a instância até que a decisão da impugnação da deliberação renovadora tenha transitado em julgado.
Acrescenta-se ainda que:
O) O Tribunal ad quo deu como provados factos sem que para tanto tivesse qualquer documentos ou depoimento para suportar tal decisão, daí que, deva este douto Tribunal ad quem dar como não provado os seguintes pontos:
i) “Em 6.10.2021 o A. tinha o seu domicílio fiscal na Rua Engenheiro ….”;
ii) “O A. tomou conhecimento da realização da Assembleia Geral de 7.10.2020 em data posterior ao registo da sua destituição junto da Conservatória do Registo Comercial.”.
P) Deve ainda ordenar que os presentes Autos sejam devolvidos ao Tribunal ad quo por forma a que seja possível ouvir as testemunhas arroladas pelas partes e, por conseguinte, ser possível aferir os factos alegados pelas partes.
Assim, nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. reverendíssimas douta e sapientemente suprirão, deverá o presente recurso ser admitido e declarado procedente e, consequentemente ser revogada a presente sentença colocada em crise, com as legais consequências daí advenientes, fazendo-se assim, a tão costumeira JUSTIÇA!”
O A. apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
Como conclusões formulou as seguintes:
“I – A douta sentença mostra-se devidamente fundamentada;
II – A matéria de facto julgada provada mostra-se devida e acertadamente fundamentada, não merecendo reparo;
III – Não se verifica qualquer causa de inutilidade superveniente da lide em virtude da renovação da deliberação impugnada.
IV – Não se verifica qualquer causa de suspensão da instância decorrente de questão prejudicial ou outra;
V – O sócio que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação relativamente ao período anterior à deliberação renovatória;
VI – O recorrido impugnou a decisão renovatória assacando-lhe idênticos vícios à primitiva;
VII – Não merece censura a douta sentença revidenda a qual deve ser confirmada.”
O recurso foi correctamente admitido, como sendo de apelação, com subida imediata nos autos e efeito devolutivo.
Já nesta instância foi solicitado e concedido o acesso electrónico aos autos que correm termos sob n.º 30182/21.1T8LSB, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Comércio de Lisboa (Juiz 1).
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes, nem estar obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação da decisão referente à matéria de facto;
2. Erro de julgamento:
a) Aferir dos efeitos processuais da deliberação renovatória de 22/11/2021 sobre a presente instância – designadamente se a acção deveria ter sido julgada improcedente por impossibilidade superveniente da lide e a ré/apelante absolvida do pedido;
b) Caso assim se não entenda, aferir se a instância devia ter sido suspensa até que fosse decidida a acção pela qual se impugnou a deliberação de 22/11/2021;
c) Sendo negativas as respostas às anteriores questões, aferir da (i)legalidade da deliberação impugnada (de 07/10/2020).
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida, quanto à matéria de facto, a 1.ª instância consignou:
1. A R. tem como objeto social o comércio, fabricação, preparação e venda de cortiças e madeiras e seus derivados.
2. O seu capital social de € 54.000,00 encontra-se dividido da seguinte forma:
a. Quota com o valor nominal de € 9.000,00 titulada pelo A.;
b. Quota com o valor nominal de € 9.000,00 titulada por MM, irmã do A.;
c. Quota com o valor nominal de € 18.000,00 titulada por Y, pai do A.;
d. Quota com o valor nominal de € 9.000,00 titulada pela herança aberta por óbito B, mãe do A..
3. Por deliberação de 22.09.2009 foram nomeados gerentes da R., a qual se obriga com a assinatura de um gerente, o A. e a sua irmã MM, já sendo nessa data gerentes Y e B, pais do A..
4. O pai do A., Y, nasceu em 9.09.1924.
5. A irmã do A., MM, é contabilista de profissão, sendo membro da Ordem dos Contabilistas Certificados com o nº xxx.
6. A mãe do A., B, faleceu no dia 23 de agosto de 2019 sem deixar testamento ou outra disposição de última vontade, tendo deixado como herdeiros o cônjuge Y e os dois filhos, JJ e MM.
7. A herança ainda não foi partilhada, sendo seu cabeça de casal Y.
8. Em 7.10.2020 foi realizada uma Assembleia Geral da R. onde foi aprovada por MM, em nome próprio e representação de Y e da quota da falecida sócia B., a destituição do A. do cargo de gerente da sociedade com justa causa.
9. Pode ler-se na ata da deliberação que a justa causa fundamenta-se em diversos comportamentos lesivos dos interesses da sociedade, concretamente no facto de o A. ter feito constar publicamente por informações falsas prestadas ao jornal “...”, publicadas na edição de 5.08.2020, que a R. iria fechar, causando pânico nos trabalhadores, nos fornecedores e nos clientes, quando a R. não corre qualquer risco de fecho, antes pelo contrário, está de boa saúde económica e financeira, tendo até, relativamente aos fundadores, descendência assegurada, sem contar com o próprio A. Este comportamento é grave e põe em causa a estabilidade e o nom nome da R., violando gravemente os seus deveres de gerente, pelo que é manifestamente impossível ter na gerência uma pessoa com estes comportamentos.
10. Tal deliberação veio a ser registada na Conservatória do Registo Comercial em 23.09.2021.
11. Em 21.09.2021 MM remeteu ao A. uma convocatória para a Assembleia Geral de 7.10.2020, através de carta registada com aviso de receção dirigida para a morada do A. constante da certidão de registo comercial da R..
12. Tal morada, sita na Rua Cidade … Lisboa, coincide com a sede da R.
13. A convocatória não foi recebida na sede da R. por indicação de que o destinatário se mudou.
14. MM tem o seu domicílio profissional na Rua Cidade … Lisboa.
15. Em 6.10.2021 o A. tinha o seu domicílio fiscal na Rua Engenheiro ….
16. O A. tomou conhecimento da realização da Assembleia Geral de 7.10.2020 em data posterior ao registo da sua destituição junto da Conservatória do Registo Comercial.
17. Em Assembleia Geral da R. de 30.09.2020, estando presentes MM e Y, foi por estes deliberado eleger a sócia MM como representante comum da quota indivisa no valor nominal de € 18.000,00, que pertenceu à falecida sócia B, ficando a representante incumbida de, nos termos do disposto no artigo 222.º do Código das Sociedades Comerciais, representar a aludida quota em todas as assembleias gerais que ocorram até à partilha da mesma quota, votando em conformidade com o que achar mais adequado aos interesses da R..
18. O artigo 9.º do Contrato de Sociedade da R. tem o seguinte teor: «Falecendo um dos sócios, poderão os seus herdeiros continuar na sociedade, exercendo em comum os respetivos direitos, enquanto a quota se achar indivisa, salvo se o outro sócio resolver amortiza-la, o que lhe fica permitido durante os trinta dias seguintes ao óbito. [...].».
19. Em 05 de agosto de 2020 foi publicada no jornal “...” uma notícia com o título “História de 110 anos da Fábrica da Cortiça das ... está prestes a acabar”, onde se pode ler: «O neto do fundador herdou a fábrica, que passou de geração em geração. Trabalha como administrador, ainda ao lado do pai, Y. Porém, revelou em primeira mão ao jornal, que a probabilidade de a fábrica fechar é alta, “porque não há continuidade”. Assume que tem de se viver “um dia de cada vez”, não respondendo à hipótese de o novo proprietário continuar ou cessar funções. Admite que “não se pode viver à custa do Estado a vida toda [sendo] também preciso iniciativa e capacidade de trabalho” e, portanto, o fecho nada tem a ver com a Covid-19. A população ainda não se manifestou porque “não há confirmação, apenas uma previsão lógica do futuro a curto-médio prazo”, esclareceu o actual proprietário JJ não esconde a tristeza de ver a fábrica fechar portas para si e para outros 10 trabalhadores.»
20. Em 07 de agosto de 2020, foi publicada nova notícia no jornal “...” com o título “Administração da Fábrica de Cortiça das ... apostada em manter aberta unidade centenária”, onde se pode ler: «Com 110 anos de história, de muito passado, presente e um futuro que está por vir, a fábrica G … Lda, situada nas ... de Sado, Santiago do Cacém, vai continuar a trabalhar na produção de cortiça, com a administração apostada em manter a actividade da unidade centenária.
Em declarações a ..., JJ, que é actualmente o principal responsável pela administração da empresa, juntamente com o pai, Y, afirmou que vai dar continuidade ao negócio que era do seu avô, e que foi fundado em 1910. “São quatro gerações que não vão parar agora”, disse.
“Comprei cortiça este anos, para dar continuidade, e dá para mais de um ano”, contou JJ. “O fabrico da cortiça não vai parar”, acrescentou, sendo que nos últimos cinco anos houve um pico de procura deste material.
Admite que ele e os seus funcionários formam “uma boa equipa com os trabalhadores” sendo “quase família” e que a par disso, há também um “bom relacionamento com as entidades” que se relacionam com a fábrica.
Apesar desta grande vontade de continuar, JJ admite que se um dia tiver de se afastar por condições de saúde, ou por até agora não haver descendência, porque não tem filhos, o fará com grande pesar e tristeza. Triste é exactamente a palavra que usou para adjetivar o seu sentimento em tal cenário, de um dia a fábrica vir a ter novos  proprietários, pela história da fábrica, por ser um negócio de família e por ser este o seu trabalho. É “o que melhor sei fazer” confessou, garantindo manter portas abertas.»
21. Desde 07 de outubro de 2020, data da deliberação de destituição de gerente, até ao seu conhecimento de tal deliberação, o A. celebrou vários contratos de compra e venda de cortiça em nome e no interesse da sociedade G … Lda.
22. Comprou vários lotes de cortiça a diversos clientes os quais emitiram as respetivas faturas e recibos de pagamento.
23. Vendeu diversos lotes de cortiça a vários clientes, tendo a sociedade R. emitido as respetivas faturas e recibos dos pagamentos efetuados.
24. Estes negócios foram encetados e concluídos no lapso temporal que mediou a deliberação de destituição como gerente, em 07/10/2020 e o registo da mesma em 23/09/2021, sendo do conhecimento da R. e dos restantes sócios.
25. O A. integra o quadro de pessoal da R. com a profissão de Diretor das indústrias transformadoras, categoria profissional de Direito de Produção, e a remuneração base de € 995,00.
26. Até, pelo menos, ao registo da deliberação de destituição, o A. recebeu o seu ordenado mensal.
27. Sem qualquer aviso prévio, MM procedeu à alteração da password de acesso ao site das finanças, não tendo informado o A. da nova password, retirou o computador que existia na fábrica da R. em ...-Sado, não fornecendo, igualmente, informação relativa à faturação e demais elementos contabilísticos.
28. Em 03.11.2021 foram dirigidas ao A., para o seu domicílio fiscal, para a Av. Do Brasil, …, em Lisboa, para a rua da ..., … em Santiago do Cacém, convocatórias para uma Assembleia Geral a realizar-se em 22.11.2021, tendo como ponto único da ordem de trabalhos renovar todas as deliberações tomadas em 7.10.2020.
29. Em 22.11.2021 realizou-se Assembleia Geral da R., estando presente o A. e MM, por si e em representação de Y e da herança aberta por óbito de B, que nestas qualidades aprovou o ponto único da ordem de trabalhos, com efeitos retroativos, nos termos do artigo 62.º do Código das Sociedades Comerciais.
30. O A. foi declarado impedido de votar o ponto único da ordem de trabalhos, impedimento que contestou, declarando votar contra, voto a que MM se opôs.
31. A deliberação de 22.11.2021 foi impugnada judicialmente pelo A.”
Sem prejuízo do acabado de transcrever e da apreciação que iremos fazer com relação à impugnação da matéria de facto, nos termos previstos pelos artigos 607.º, n.º 4, 2.ª parte, 662.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2, todos do CPC, em complemento à matéria de facto provada, aditam-se os seguintes factos:
32. Com relação à AG realizada no dia 07/10/2020 foi elaborada a Acta n.º 111, junta como doc. n.º 7 anexo à petição inicial (PI), cujo único ponto da Ordem de Trabalhos era deliberar sobre a destituição do autor JJ.
33. Pelo Serviço de Finanças de Santiago do Cacém foi emitida a certidão a que corresponde o doc. n.º 8 junto com a PI, datada de 06/10/2021, pela qual atesta que o domicílio fiscal do autor é o constante do facto provado n.º 15.
34. O autor remeteu à ré a carta registada, com a/r, datada de 12/10/2021, na qual se pode ler: “Tendo tomado conhecimento que não exerço funções de gerente dessa sociedade venho solicitar a V.Ex.ªs, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 280.º do Código de Processo Civil, me seja enviado, no prazo de 24 horas as deliberações sociais (atas) relativas à minha alegada destituição, bem como toda a documentação com ela conexa, nomeadamente, convocatórias e demais elementos. // Os elementos solicitados devem ser remetidos para Rua Eng.º…” – cfr. doc. n.º 48 junto com a PI.
35. A esta carta respondeu a ré com carta registada com a/r, datada de 15/10/2021 – doc. junto n.º 50, junto pelo autor em 26/10/2021.
36. A convocatória mencionada no facto n.º 11 está datada de 18/09/2020, na mesma se podendo ler:
“ASSUNTO: Convocatória de Assembleia Geral Extraordinária (…) Nos termos do disposto no artigo 248º do Código das Sociedades Comerciais convoco vossa Exa. na qualidade de sócio da “G … Lda” para a Assembleia Geral Extraordinária da sociedade a realizar no próximo dia 7 de outubro de 2020 às 09h00, na sede social Rua Cidade … LISBOA, com a seguinte // ORDEM DE TRABALHOS: // Ponto único: destituição do cargo gerente do sócio JJ– Doc. 1 junto com a Contestação.
37. A ré remeteu para o autor carta registada datada de 03/11/2021 - enviada para a Rua Engenheiro …, para a Av. Do Brasil, … e para a Rua da ..., … -, a qual tem o seguinte teor:
“ASSUNTO: Convocatória de Assembleia Geral (…) Nos termos do disposto no artigo 248.º do Código das Sociedades Comerciais convoco V, Exa. na qualidade de sócio da “G … Lda”, pessoa colectiva n.º XXX, com sede na Rua Cidade … Lisboa e com o capital social de € 54.000,00 para a realização de uma Assembleia Geral a realizar-se noa dia 22 de Novembro de 2021, às 10:00 horas, na sede da sociedade, sita na Rua Cidade … LISBOA, para apreciação da seguinte ordem de trabalho: // PONTO ÚNICO: Deliberar sobre a renovação de todas as deliberações adoptadas na Assembleia Geral de 7 de Outubro de 2020, nos termos e para os efeitos do artigo 62.º do Código das Sociedades Comerciais, cujo ponto único foi “destituição do cargo de gerente de JJ” (…)” – Doc. 10 junto com a Contestação.
38. Com relação à AG realizada no dia 22/11/2021, a que se alude no facto anterior, foi elaborado instrumento público de ata de órgão social, por P, notário do Cartório Notarial de Lisboa, sito na Rua xxx, no qual se consignou ter sido aprovado o ponto único da ordem de trabalhos: “nos termos da deliberação ora aprovada, as deliberações adotadas na assembleia geral de sete de outubro de dois mil e vinte, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente a destituição do cargo de gerente de JJ, consideram-se renovadas com efeitos retroativos, nos termos e para os efeitos do artigo 62.º do Código das Sociedades Comerciais.” – Doc. 11 junto com a Contestação.
39. Com relação à impugnação referida no facto n.º 31 corre termos o Proc. n.º 30182/21.1T8LSB, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Comércio de Lisboa (Juiz 1), o qual ainda não se mostra decidido.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da reapreciação da matéria de facto:
Prescreve o n.º 1 do artigo 640.º do CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” [1]
Segundo Abrantes Geraldes[2], caso esteja em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, impõe-se, em síntese, que o recorrente: a) indique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões); b) especifique, na motivação, os meios de prova que determinam uma decisão diferente (que constem do processo ou que nele estejam registados); c) tratando-se de prova gravada, indique com exactidão as passagens relevantes da gravação (e, se assim o entender, transcreva os excertos que julgue oportunos); e d) deixe expresso, na motivação, a decisão que entende que deverá ser proferida sobre as questões impugnadas.
Vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova – artigo 607.º, n.º 5 do CPC – “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.-, o tribunal sustenta a sua decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (força probatória plena dos documentos autênticos – artigo 371.º do CCivil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o citado princípio.
No caso, nada obsta a que seja apreciado e decidido cada um dos pontos da matéria de facto impugnada.
Insurge-se a apelante quanto aos pontos 15 – “Em 6.10.2021 o A. tinha o seu domicílio fiscal na Rua Engenheiro …” - e 16 – “O A. tomou conhecimento da realização da Assembleia Geral de 7.10.2020 em data posterior ao registo da sua destituição junto da Conservatória do Registo Comercial” - da matéria de facto.
No que respeita ao facto n.º 15 alega não resultar dos autos que o recorrido tivesse a sua morada na Rua Engenheiro …, sendo que a correcta é a Avenida do Brasil …, para além de o mesmo ter requerido que todas as comunicações fossem remetidas para a sede da Recorrente.
Contudo, o que consta do facto impugnado é a indicação do domicílio fiscal do apelado em 06/10/2021, o que está conforme com a certidão emitida pela AT e que não foi impugnada (cfr. doc. n.º 8 junto com PI).
Como tal, mantém-se o facto n.º 15 nos exactos moldes em que se encontra redigido.
Já no que concerne ao facto n.º 16, refere que a apelante que o mesmo não poderia ter sido considerado provado sem que tivessem sido ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes.
Invoca que o autor/apelado se recusou a receber a convocatória da AG, tendo sido “informado pelo Sr. Y e pela Sra. MM para comparecer na Assembleia Geral”, mais lhe tendo comunicado o primeiro que “havia sido destituído da gerência da recorrente”.
Conclui que tal matéria foi consignada sem que existisse “qualquer facto ou documento que pudesse ser utilizado para suportar aquela decisão”.
Antes de mais, importa frisar que as partes foram expressamente notificadas da intenção do tribunal em conhecer do mérito, sem produção de qualquer prova, nenhuma oposição tendo manifestado (cfr. acta da audiência prévia).
Sem prejuízo de assim ser, dos articulados apresentados, resulta que o autor defende apenas ter tido conhecimento da AG realizada em 07/10/2020 no dia 06/10/2021 (artigo 21.º da PI). Mais refere ter sido neste dia que recebeu um telefonema através do qual lhe foi transmitido que “já não mandava em nada na família e nas empresas”, altura na qual consultou a certidão permanente de registo comercial da sociedade e constatou que havia sido registada a sua destituição como gerente (artigos 11.º e 12.º da PI).
Já a ré defende que o autor teve conhecimento do registo da deliberação de destituição da gerência em 28 de Setembro de 2021 (artigos 14.º, 18.º a 20.º da Contestação, sendo que reforça tal afirmação, citando o nome de terceiros que, a final, arrola como testemunhas).
Sendo certo que, no caso, não foi contestada a tempestividade da acção intentada pelo autor (até por ter sido suscitada a nulidade da deliberação), também se afigura incontestável que inexiste qualquer prova documental que ateste a concreta data na qual o autor/apelado teve conhecimento da realização da AG e da deliberação que na mesma foi aprovada.
Ora, no facto n.º 16 menciona-se apenas que o autor tomou conhecimento da realização da AG de 07/10/2020, “em data posterior ao registo da sua destituição junto da Conservatória do Registo Comercial” (facto unanimemente reconhecido por ambas as partes).
Por assim ser assim, mantém-se igualmente o facto provado n.º 16.
Termos em que improcede totalmente a impugnação da matéria de facto.
Decidida que se encontra a impugnação da decisão da matéria de facto, passemos a conhecer das questões suscitadas pela recorrente em termos de Direito.
Do erro de julgamento
Dos efeitos processuais da deliberação renovatória de 22/11/2021 sobre a presente instância
Estando em causa um pedido de anulação da deliberação social aprovada em AG de 07/10/2020 (pela qual foi o autor/apelado destituído do cargo de gerente da ré), sustenta a apelante não poder a acção proceder porquanto:
- O autor não compareceu à AG porque não quis (e não porque não tenha sido convocado),
- A deliberação em causa foi renovada por deliberação aprovada em posterior AG realizada em 22/11/2021, na qual o autor esteve presente.
Nessa medida defende não poder o mesmo invocar a nulidade prevista na al. a) do artigo 56.º do CSC, desde logo por a deliberação de 07/10/2020 ter deixado de produzir efeitos, passando tais efeitos a serem regulados pela deliberação de 22/11/2021. Conclui existir “uma impossibilidade de procedência do pedido”, do mesmo devendo a ré ser absolvida.
Para a eventualidade de assim se não entender, defende a ré/apelante que a acção deverá ser suspensa até que seja decidida a acção de impugnação da deliberação social renovada (aprovada na AG de 22/11/2021), dessa forma se evitando a prolação de decisões contraditórias.
Assim não o entendeu a 1.ª instância.
O CSC, nos seus artigos 56.º a 60.º, alude expressamente à nulidade e à anulabilidade das deliberações sociais.
Como refere Menezes Cordeiro[3], “A nulidade de deliberações sociais corresponde aos casos mais graves, sendo expressamente visada pela lei: quando não, caímos na mera anulabilidade. Nesse sentido, os casos de nulidade são taxativos. O regime da nulidade consta, em parte, do 57.º devendo, no resto, aproximar-se do 286.º do CC.[4]
Prescreve o artigo 56.º, n.º 1 do CSC serem nulas as deliberações dos sócios, “a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados; b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto; c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios; d) Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.”
Já no seu n.º 2 estatui que “Não se consideram convocadas as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência, aquelas de cujo aviso convocatório não constem o dia, hora e local da reunião e as que reúnam em dia, hora ou local diversos dos constantes do aviso”, acrescentando no número seguinte que “ A nulidade de uma deliberação nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação.”
Por seu turno, segundo o artigo 58.º do mesmo código, “1 - São anuláveis as deliberações que: a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade; b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos; c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação. 2 - Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados diretamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56.º. 3 - Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do n.º 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados. 4 - Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação: a) As menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8; b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.”
Destes dois artigos decorre que os vícios susceptíveis de determinar a nulidade ou a anulação de uma deliberação social podem respeitar ao seu conteúdo (vícios de conteúdo ou de substância - vícios que ocorrem na deliberação em si) ou ao seu processo de formação (vícios de procedimento - que ocorrem, por norma, quando é o processo ou modo de formação da deliberação que está inquinado)[5].
No que concerne à acção de anulação de deliberação social, a legitimidade para a sua instauração está prevista no n.º 1 do artigo 59.º do CSC, legitimidade essa que não foi questionada.
Feita esta nota introdutória, cumpre reportar ao caso em análise, tendo por assente que a questão referente à validade da renovação deve preceder o conhecimento da validade da deliberação originária, sobre a qual versa o presente recurso.
Quanto a esta questão, entendeu a 1.ª instância:
“Entende a R. que o A. não pode invocar a nulidade prevista na alínea a) do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que as deliberações de 7 de Outubro de 2020 foram renovadas por deliberação de 22.11.2021.
Nos termos do artigo 62.º do Código das Sociedades Comerciais, uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroativa, ressalvados os direitos de terceiros.
Por sua vez, o sócio que nisso tiver interesse atendível pode obter a anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.
No caso dos autos, a deliberação de 7.10.2020 foi renovada em 22.11.2021, com eficácia retroativa. Esta deliberação renovatória veio a ser também impugnada pelo A..
Assim, a deliberação renovatória pode vir a ser declarada inválida e, consequentemente, o A. tem interesse atendível na declaração de nulidade da deliberação de 7.10.2020, por forma a evitar a produção dos seus efeitos em caso de procedência da ação de anulação nº 30182/21.1T8LSB.
Desta feita, a renovação da deliberação de 7.10.2020 não faz precludir o interesse do A. na apreciação destes autos, impondo-se a tomada de decisão em conformidade.”
Vejamos se assim é.
A deliberação de 22/11/2021 é posterior, não apenas à data na qual foi instaurada a presente acção, como também àquela na qual a ré foi citada para os seus termos (citação essa que ocorreu em 03/11/2021 – Ref.ª/Citius 30815889).
Prescreve o artigo 62.º do CSC: “1 - Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros. 2 - A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória. 3 – (…)”.
Segundo o seu n.º 2, as deliberações anuláveis serão sempre renováveis desde que afastado o vício.
Já através do seu n.º 1, o legislador consagrou expressamente a possibilidade de uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º poder ser alvo de renovação, bem como de ser possível a atribuição de eficácia retroactiva à deliberação renovatória (ressalvados os direitos de terceiros).
Como escreve Coutinho de Abreu[6], em anotação ao artigo 62.º do CSC, a renovação de uma deliberação, “consiste, pois, na substituição desta por outra de conteúdo idêntico mas sem os vícios (de procedimento), reais ou supostos, que tomam aquela inválida ou de validade duvidosa”.
Assim, não obstante ser possível renovar deliberações nulas, apenas o poderão ser quando a nulidade resulte de vícios de procedimento - não convocação de assembleia geral ou não exercício do direito de votar por escrito por falta de convite para tal – cfr. artigo 56.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 2 do CSC. Já as deliberações nulas por vícios de conteúdo não serão renováveis (sob pena de estarmos perante uma deliberação substituta e já não renovadora).
Com a adopção de uma segunda deliberação (renovadora) salvaguardam-se os fins visados pela primeira.
Refere Menezes Cordeiro[7] que a possibilidade de renovação das deliberações inválidas visa prevenir os inconvenientes de, perante certas decisões societárias, se poder prolongar um ambiente de incerteza e de dúvida quanto à sua subsistência.
Também a este respeito escreve Carneiro da Frada[8]: “A dúvida sobre a validade duma deliberação pode causar embaraços compreensíveis no desenrolar posterior da actividade social. Para já não falar de quando uma acção de declaração de nulidade ou de anulação vem a ser efectivamente interposta. (…) Foi para obviar a estes inconvenientes que o Código das Sociedades Comerciais consagrou no seu art. 62.º a possibilidade de reiteração de uma deliberação inválida por uma outra, tomada agora regularmente, que renova a definição de interesses por aquela outra apresentada. (…) Se uma dada deliberação se apresenta ferida de nulidade, os efeitos a que tendia a título directo e principal e em vista dos quais foi tomada, não se produzirão. Podem porém os sócios, a quem continua a interessar a regulamentação de interesses (ou de comando) visada pelo acto nulo antecedente, tomar sobre o mesmo objecto nova deliberação com o mesmo conteúdo, e agora validamente, a qual virá assim a constituir-se como única fonte dos efeitos jurídicos intentados. É como se a deliberação anterior não tivesse existido e fosse agora concluída pela primeira vez.”. E, realçando igualmente que a renovação de deliberações nulas apenas poderá ter lugar quando a nulidade respeite a vícios de procedimento (e já não a vícios de conteúdo), defende já que tais vícios não serão apenas os mencionados no artigo 62.º.
Não cumpre, por agora, aferir da validade da deliberação impugnada e a que se reporta o presente recurso, impondo-se previamente, como já antes se aludiu, indagar se a posterior deliberação de 22/11/2021 se assume ou não como renovatória da primeira.
Analisada a respectiva acta, designadamente o ponto único da sua ordem de trabalhos, constata-se que a mesma se assume efectivamente como renovatória da aqui impugnada (assim foi expressamente mencionado nessa acta e, também, assim foi afirmado na decisão recorrida), mais lhe tendo sido atribuída eficácia retroactiva.[9]
Por assim ser, a constituir esta segunda deliberação uma cópia corrigida da anterior, sem o vício que a inquinava, passará a substituir esta última.[10]
Com a renovação da deliberação será à nova deliberação que se passam a reportar todos os efeitos, não apenas para o futuro, mas igualmente para o passado quando, como aqui sucedeu, lhe tenha sido atribuída eficácia retroactiva (deixando quaisquer efeitos de ser imputáveis à deliberação primitiva).
Essencial é que a deliberação renovatória apresente o mesmo conteúdo da deliberação originária (ou, pelo menos, que sejam coincidentes os seus elementos essenciais) e que não padeça do vício desta última.[11]
Sucede que também a segunda deliberação foi impugnada pelo autor (facto que se assume como incontrovertido e que se confirmou pela consulta electrónica da respectiva acção), nessa medida podendo vir a ser declarada inválida caso a acção que para o efeito foi intentada seja julgada procedente (acção essa que não se encontra ainda decidida).
Ora, se assim suceder, a invalidade da deliberação renovatória repercutir-se-á necessariamente na primeira deliberação que, em face da destruição dos efeitos da segunda, irá ver repristinados os seus próprios efeitos.
Nessa hipótese, assiste razão ao tribunal recorrido quando defende que o autor/apelado mantém “interesse atendível na declaração de nulidade da deliberação de 7.10.2020”, seja porque esta última voltará a produzir efeitos (e, nessa medida, há que aferir se padece ou não dos vícios que o autor lhe imputa), seja até porque a mesma só veio a ser registada em 23/09/2021 e, no tempo que decorreu entre as duas datas, foram realizados negócios nos quais o autor terá tido intervenção enquanto gerente da sociedade (segundo o próprio alega).
Não ocorre, pois, pelo menos nesta fase, qualquer impossibilidade superveniente nos moldes invocados pela apelante[12].
Mas será a impugnação da deliberação de 22/11/2021 motivo de suspensão da presente instância?
Julgamos que a resposta tem de ser afirmativa, até em face do que já anteriormente se escreveu.
Na verdade, na eventualidade de a acção de anulação de deliberações sociais que corre termos sob o n.º 30182/21.1T8LSB ter como desfecho a sua improcedência, vindo a deliberação de 22/11/2021 a ser declarada válida, esta substituirá retroactivamente a deliberação aqui impugnada (caso em que, aí sim, carecerá de utilidade a presente lide).
Já se for declarada inválida, haverá que conhecer e decidir da validade da deliberação de 07/10/2020.
Por assim ser, deverá a instância ser suspensa até que naqueles autos seja proferida decisão com trânsito em julgado.
Como sumariado no acórdão do STJ de 22/09/2021 (Proc. n.º 675/10.2TBPTS.L1.S1, relator António Barateiro Martins), “dando-se conhecimento da deliberação renovadora na ação em que se impugna a deliberação primitiva, há que, em função da reação do autor da ação pendente – que tanto pode nada dizer, dizer que aceita a renovação ou dizer que contesta a sua validade – retirar as correspondentes consequências processuais:
- se nada diz ou diz que aceita a deliberação renovadora, a consequência processual terá que ser a extinção da instância, com fundamento em inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide (cfr. art. 277.º, al. e), do CPC).
- se contesta a validade da deliberação renovadora, intentando (ou tendo até já antes intentado) ação autónoma a impugnar a deliberação renovadora, deve-se sobrestar na prolação duma decisão de extinção da instância, procedendo-se antes à suspensão da instância (nos termos do art. 272.º do CPC) até que seja proferida decisão na ação em que é impugnada a deliberação renovadora.”
Mais se podendo ler no sumário deste aresto:
“I - Em termos substantivos, a deliberação renovadora é uma nova deliberação que se pretende extirpada dos vícios da primitiva deliberação, passando os efeitos, idênticos aos da deliberação primitiva, a ser imputáveis e reportados à deliberação renovadora, ou seja, a regra é a deliberação renovadora repetir e substituir a deliberação primitiva, ocupando “por defeito” retroativamente o seu lugar. II - Assim, havendo um ato da sociedade (a deliberação renovadora) que deste modo retira valor à primitiva deliberação, a decisão do juiz que se debruce sobre um pedido de impugnação da primitiva deliberação, debruça-se sobre um ato que não é já sequer uma manifestação da vontade social. III – Pode, porém, dar-se o caso da própria deliberação renovadora padecer de vícios e não ser por isso idónea a produzir os efeitos a que tendia (designadamente, o efeito substitutivo), hipótese em que a sua invalidade se repercutirá na primitiva deliberação, que, perante a “destruição” da deliberação renovadora, verá os seus efeitos repristinados. IV – A adoção de uma deliberação renovadora, na pendência duma instância processual cujo objeto consiste na apreciação da validade da deliberação original, produz efeitos processuais sobre a instância pendente. V – Não, porém, o da invalidade da deliberação renovadora passar a poder ser apreciada e declarada na ação em que se impugna a deliberação primitiva (…) a invalidade da deliberação renovadora tem que ter lugar em ação autónoma.”
No caso, o autor/apelado impugnou, de forma autónoma, ambas as deliberações.
Estatui o artigo 272.º, n.º 1 do CPC que “[o] o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”, acrescentando no número seguinte que “[n]ão obstante a causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.
Daqui decorre a necessidade de existir um nexo de prejudicialidade entre as duas acções pendentes, ou seja, que a decisão a proferir numa delas possa destruir o fundamento ou a razão de ser da outra[13].
Visa-se, pois, a coerência de julgamentos, por forma a evitar a prolação de eventuais decisões contraditórias ou conflituantes entre si.
É essa a situação dos autos, sendo que importa aguardar pelo desfecho da acção que corre termos sob o n.º 30182/21.1T8LSB, no qual será apreciada a questão de estarmos ou não perante uma deliberação renovatória e de a mesma se apresentar isenta de vícios, ou seja, se se poderá concluir pela sua validade.
Só após tal acção ser decidida se poderá avaliar a respectiva repercussão para a presente lide, designadamente ajuizar do destino que, em termos processuais, a mesma deverá merecer, sendo que, caso a deliberação de 22/11/2021 venha a ser declarada inválida, justificar-se-á o prosseguimento dos presentes autos para apreciar a validade da deliberação de 07/10/2020.
Recorrendo, uma vez mais, ao já citado acórdão do STJ de 22/09/2021, apresentada a deliberação de renovação, o tribunal no qual pende a acção de impugnação da deliberação primitiva confronta-se com uma insusceptibilidade de se poder debruçar sobre o pedido na mesma deduzido, estando-lhe vedado entrar na apreciação de fundo de tal deliberação (de conhecer do mérito da causa). E, argumenta-se: “se na ação movida contra a primeira deliberação o tribunal proferir uma decisão de mérito, com a necessária formação de caso julgado material, uma bem sucedida invalidação da deliberação de “renovação” pouco ou nenhum efeito teria, uma vez que estaria vedada (pelo caso julgado material formado pela decisão de absolvição do pedido) a apreciação da deliberação primitiva, entretanto repristinada pela invalidação da segunda deliberação.
Termos em que deverá a instância ficar suspensa até que seja proferida decisão, com trânsito em julgado, na acção em que o autor/apelado impugna a deliberação renovadora, datada de 22/11/2021.
Consequentemente, prejudicado ficou o conhecimento da questão atinente à validade da deliberação de 07/10/2020.
***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação e, nessa sequência, revogar a decisão recorrida, a qual se substituiu pela de suspensão da instância até que seja proferida decisão, com trânsito em julgado, na acção que corre termos sob o n.º  30182/21.1T8LSB e através da qual o autor/apelado impugna a deliberação de 21/11/2021.
Custas pela apelante e pelo apelado na proporção de metade.

Lisboa, 19 de Março de 2024 (acórdão assinado digitalmente)
Renata Linhares de Castro
Isabel Maria Brás Fonseca
Teresa de Sousa Henriques
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[1] Na reapreciação da matéria de facto, por força do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão. Pode, ainda, o recorrente requerer à Relação a renovação da produção de certos meios de prova ou mesmo a produção de novos meios probatórios – n.º 2, als. a) e b) do mesmo artigo.
Relevante é que a Relação forme a sua própria convicção, o que ocorre através da avaliação de todas as provas carreadas para os autos, ou seja, em face dos meios probatórios que estão disponíveis (sem que esteja sujeita às indicações dadas pelo recorrente e pelo recorrido).
[2] Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição actualizada, 2020, págs. 196-198.
[3] Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina, 4.ª edição, revista e actualizada, 2021, pág. 294.
Defendendo que, para os casos de nulidade de deliberação social, vigora o princípio da tipicidade, veja-se, entre outros, o acórdão do STJ de 13/05/2004 (Proc. n.º 04A1519, relator Lopes Pinto), in www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser citados sem referência à sua fonte.
[4] Em regra, o nosso sistema jurídico sanciona com a nulidade a violação de interesses públicos e com a anulabilidade a violação de interesses meramente privados, sendo que, também em regra, a nulidade é invocável a todo o tempo, é de conhecimento oficioso e pode ser invocada por qualquer interessado, enquanto a anulabilidade apenas pode ser invocada em determinado período subsequente à cessação do vício e por aqueles em cujo interesse foi estabelecida – cfr artigos 285.º a 294.º do CC.
[5] Segundo PEDRO MAIA, Deliberações dos Sócios, Estudos de Direito das Sociedades, 5ª edição, págs. 186 e ss, os vícios no conteúdo geram, por norma, a anulabilidade quando se trate da violação de uma regra do contrato ou de uma norma legal dispositiva; quando esteja em causa a violação de uma norma legal imperativa (ou a ordem pública ou aos bons costumes), a consequência será a nulidade da deliberação.
[6] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2017, pág. 743, e Curso de Direito Comercial, Das Sociedades, Vol. II, Almedina, 7.ª edição, 2021, pág. 543, defendendo o ilustre Professor: “A renovação implica que a deliberação renovadora não enferme dos vícios da renovada mantendo (no essencial) o conteúdo desta. Ora, uma (pretensa) deliberação renovadora de uma nula por vício de conteúdo, para não repetir o vício, teria de apresentar conteúdo diverso, regulamentação diferente (seria uma deliberação substituta, mas não substituta-renovadora).”
[7] Obra citada, págs. 314/315.
[8] Renovação de Deliberações Sociais, Separata do Vol. LXI (1985) do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Gráfica de Coimbra, Julho de 1987, págs. 3-6 e 16/17.
[9] A deliberação renovatória a que o artigo 62.º do CSC alude é distinta e autónoma da primitiva deliberação social; constitui-se ex novo e pode ter efeitos ex nunc ou mesmo efeitos ex tunc, podendo, pois, ter eficácia retroactiva (desde que sanado o vício).
[10] Como escreve PAULO OLAVO CUNHA, Deliberações Sociais – Formação e Impugnação, Almedina, 2020, pág. 289, “O processo de sanação corresponde à operação designada de “renovação das deliberações sociais”, em que é possível repor o requisito de validade em falta, eventualmente repetindo o processo formativo da deliberação social. Neste caso, a lei realiza um aproveitamento do processado, exigindo apenas que a posteriori se pratique o que está em falta. Essencial é que se verifique coincidência entre as duas deliberações – a inválida e a renovatória – e a que a segunda não amplie o âmbito da primeira.”
[11] Escreve CARNEIRO DA FRADA, obra citada, pág. 25, que a deliberação renovatória produzirá os efeitos que lhe correspondem e impedirá as “consequências incómodas que uma deliberação anterior viciada ocasiona à sociedade”, desde que ela própria se apresente válida.
[12] Como defendem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, pág. 561, “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.
[13] Nesse sentido, vide ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 333.
Veja-se, ainda, o acórdão do STJ de 09/05/2023 (Proc. n.º 826/21.1T8CSC-A.L1.S1, relator Jorge Dias) e o acórdão da Relação de Lisboa de 07/11/2023 (Proc. n.º 8309/21.3T8LSB.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa), podendo ler-se neste último que “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode afetar ou destruir o fundamento ou razão de ser da segunda, quando a decisão naquela pode prejudicar a decisão nesta, pressupondo que as partes de ambas as ações (a prejudicial e a dependente) são as mesmas ou, pelo menos, que a eficácia da decisão proferida na causa prejudicial é extensível às partes na causa dependente”.