Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
150/18.7PCRGR.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: - A censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção(…)”.
- A reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida, porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório.
- Com a incriminação das condutas previstas no artigo 152.º, do Código Penal, com base no qual o arguido foi condenado, visa-se, no essencial, proteger a dignidade humana, tutelando quer a integridade física da pessoa, quer a sua integridade psíquica, defendendo, de uma maneira abrangente, a saúde da vítima, quando esta tem com o arguido uma relação familiar da natureza das mencionadas no mesmo normativo legal.
- Na génese da incriminação da violência doméstica está, assim, de forma decisiva, mais do que a preocupação de preservação da comunidade familiar ou conjugal, a tutela da pessoa humana na sua irrenunciável dimensão de liberdade e dignidade, estando directamente abrangida pelo âmbito da protecção dispensada por aquela norma penal, não só a integridade física propriamente dita, mas a saúde da pessoa ofendida, na sua globalidade e, enquanto tal, abrangendo o bem estar físico, psíquico e mental.
- Existe um alargado consenso no sentido da reprovação de quaisquer actos - acções ou omissões - que, de forma directa ou indirecta, visam infligir sofrimento físico, sexual ou mental, seja através de castigos corporais, de privações de liberdade, de ofensas sexuais, ou por qualquer outra via, a qualquer ser humano, tendo por objectivo e/ou como efeito intimidá-lo, puni-lo, humilhá-lo ou simplesmente mantê-lo sob controle, ou recusar-lhe a inerente dignidade humana ou a sua autonomia sexual.
- O aludido crime abarca, assim, condutas que se traduzam em “violência” física, psicológica, verbal ou sexual, correspondendo aos maus tratos físicos as ofensas à integridade física simples, enquanto os maus tratos psíquicos, decorrentes, nomeadamente, de humilhações, provocações, molestações, etc., podem ser concretizados através de ameaças, mesmo que não configurem o crime de ameaça (art. 153.º, do CP), de coacção simples, ou dos crimes contra a honra (difamação e injúrias) e as privações de liberdade incluem o sequestro simples, enquanto nas ofensas sexuais estarão incluídas a coacção sexual, a violação, a importunação sexual, ou ainda o abuso sexual de menores, salvo se as condutas forem punidas mais gravemente pelas respectivas incriminações, afastando o crime de violência doméstica por força da regra da subsidiariedade.
- Tal como acontece com o crime de maus tratos, relativamente ao qual se autonomizou o de violência doméstica, entre este e o crime de ofensas corporais simples (art. 143.º), o crime de ameaça (art. 153.º), o crime de difamação (art. 180.º), ou o crime de injúria (art. 181.º), “existe uma relação de especialidade, só se aplicando, portanto, a pena estabelecida para aquele” (maus tratos ou violência doméstica, consoante as circunstâncias), sendo o concurso aparente.
 - Com a Lei n.º 59/2007, de 4/9, o legislador pôs fim à querela sobre se a conduta teria de ser reiterada ou não, definindo que o conceito de maus tratos pode ser preenchido com uma conduta isolada, dispensando a reiteração mas, quando esta traduz um comportamento isolado, exige-se uma gravidade notoriamente acrescida e com efeitos nefastos para a vítima, ao nível da sua dignidade como pessoa.
- Entre as situações previstas no mencionado tipo legal, uma das que, com maior frequência, se verifica é a dos maus tratos físicos e psíquicos ao cônjuge, ao ex-cônjuge, a namorado/a, ou a pessoa com quem tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges.
- No presente caso, a conduta ilícita do recorrente manifesta-se em várias vertentes, tendo como alvo a mulher com quem era casado (cônjuge). Após várias considerações negativas sobre a personalidade da vítima - a quem apelidou de “desgraçada” e “ameaçou” de que a ia “deixar sem nada” e que a casa onde viviam “era para vender”, que a mesma andava “com placas de droga” e que vendia droga - e o seu desempenho sexual na frente de uma vizinha - referindo para a vítima  “já não sinto desejo por ti! não me satisfazes! Não passas de um objecto!” - o arguido, não gostando do comentário inofensivo feito pela visada (facto provado n.º 12),  dirigiu-se a esta e «desferiu-lhe um pontapé na perna direita», tendo a sogra acorrido a separá-los, após o que, o arguido voltou-se para esta e desatou a agredi-la fisicamente, com murros e pontapés, a dirigir-lhe palavras injuriosas e a ameaçá-la, com uma faca que foi buscar à cozinha.
- A suspensão da execução da prisão não pode ser apreciada relativamente a cada uma das penas parcelares, em caso de concurso de crimes, mas apenas quanto à pena única que a final vier a ser imposta, após o correspondente cúmulo jurídico de penas e apesar de tal pena de substituição ter sobretudo a ver com razões de prevenção especial, de socialização - visando, antes de mais, o afastamento do arguido da prática de novos crimes -, o certo é que, para o efeito, não são despiciendas as exigências de defesa do ordenamento jurídico, que são naturalmente muito elevadas quando nos encontramos perante uma criminalidade multifacetada como a que está em causa nestes autos, tendo o arguido beneficiado já da suspensão da execução da prisão que lhe foi aplicada na anterior condenação, também por crime de violência doméstica, o que não o dissuadiu da prática de novas infracções criminais, cometendo os crimes deste processo em pleno período de suspensão da execução da pena de 3 anos e 3 meses de prisão.
- Por outro lado, do que decorre dos factos provados quanto às suas condições pessoais não se extrai que exista um enquadramento favorável à sua reinserção, estando em liberdade, indiciando ser bastante impulsivo nas suas reacções e haver manifestações de dependência do álcool, o que favorece essa reactividade pelo que, atendendo à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à sua conduta anterior, nomeadamente aos seus antecedentes criminais, bem como às circunstâncias que rodearam a prática dos crimes aqui em apreciação, não é possível concluir que «a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», razão pela qual improcede, também neste campo, a pretensão do recorrente, impondo-se o efectivo cumprimento da pena de prisão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I - Relatório:
1. Após acusação do Ministério Público, o arguido A. foi submetido a julgamento, em processo comum e perante o tribunal colectivo do Juízo Central Criminal de Ponta Delgada (J1), Comarca dos Açores, tendo sido condenado, por acórdão de 26 de Fevereiro de 2019, nos seguintes termos (transcrição do respectivo dispositivo):
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo:
Condenar A. pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, n° l, alínea a) e n° 2 do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.
Condenar A. pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353° do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão.
3. Condenar A. pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143°, n° l do Código Penal na pena de 1 ano e 2 meses de prisão.
4. Condenar A. pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153°, n° l, alínea a) e 155°, n° l, alínea a) do Código Penal na pena de 1 ano de prisão.
5. Efetuado o cúmulo jurídico, condenar A. na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
6. Arbitrar, a título indemnizatório, 800,00€ a favor da ofendida TA.
7. Determinar a recolha de amostra de ADN ao arguido e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei n° 5/2008, de 12 de fevereiro.
8. Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, as quais se fixam em 3 UCS (artigos 513° e 514° do Código de Processo Penal e 8o, n°9
do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III Anexa].
…”

2. Inconformado, o arguido A. recorreu daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:
1. Não pode o Recorrente conformar-se com o subscrito no douto acórdão;
2. O Recorrente não pode conformar-se com o subscrito no douto Acórdão no que diz respeito à imputação ao Recorrente de um crime de violência doméstica, bem como no que concerne à pena que lhe foi aplicada, em cúmulo jurídico pela alegada prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.° do CP; de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.° n.º l CP e de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.° n.° 1 al. a) e 155.° n.° 1 al. a) do CP;
3. Afigura-se ao aqui Recorrente que, salvo o devido respeito, carece de fundamento de facto e de direito a douta Sentença que o condenou na pena única de 5 anos e 6 meses (cinco anos e seis meses) de prisão efetiva;
4. Encontra-se errada e incorretamente julgada a matéria de facto dada como provada nos pontos 4, 7 e 12 a qual deveria antes ter sido dada como não provada porque assim o impunha toda a prova produzida e a ausência de prova da prática do crime pelo arguido A. ;
5. Nestes autos claramente também deveria ter sido ditada uma absolvição do crime de violência doméstica, uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a imputação de tal crime ao arguido, p. e p. pelo art.° 152.° n.° 1 al. a) e n.° 2 do Código Penal;
6. O Tribunal a quo deu como provado os pontos 4, 7 e 12 os quais por brevidade aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais;
7. Acontece que, salvo o devido respeito, não foi produzida prova segura e inequívoca que o arguido, ora Recorrente, foi autor dos alegados factos no ponto 12 e agente do crime de violência doméstica pelo qual veio a ser condenado;
8. Para formar a convicção do Tribunal a quo quanto à prática do crime de violência doméstica pelo aqui Recorrente na douta Sentença, foi apenas tido em consideração o depoimento da ofendida TA  , desvalorizando-se por completo a prova pericial;
9. Acontece que o depoimento da ofendida TA   não permitia (nem permite), salvo o devido respeito e melhor opinião, atribuir a prática do crime ao aqui Recorrente. O seu depoimento não passou de uma contradição do depoimento prestado pelo arguido;
10. Assim, não se podia ter formado no tribunal a convicção positiva, para além de qualquer dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que resultaram provados;
11. Não havendo provas concludentes teria que haver uma aplicação do princípio in dúbio pro reo;
12. Pelo exposto, o supra identificado depoimento da ofendida TA  não permitia, nem permite, com o devido respeito, ao Tribunal a quo dar como provada a factualidade vertida no ponto 12 dos factos provados. Na realidade, impunha que esses factos fossem dados como não provados;
13. A não ter assim considerado a douta Sentença recorrida violou os artigos 118.º, 125.°, 127.°, 340.º, 374.º e 410.º, n.º 2, al. a) e c) todos do CPP e os artigos 40.° n.° 1 e 2, 50.º, 51.°, 70.°, 71.° n.° 1 e 2, 72.º e 152.° n.° 1 al. a) e n.° 2, todos do Código Penal e ainda os 205.° e 32.º da CRP;
14. Assim como também não devem ser dados como provadas as factualidades vertidas nos pontos 4 e 7;
15. Acresce que, conforme supra referido, perante a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a qual era manifestamente insuficiente para atribuir ao Recorrente a autoria do crime de violência doméstica, pelo que deveria o Tribunal a quo ter absolvido o arguido, e, a não o fazer, violou, entre outros, o princípio in dúbio pro reo e da verdade material;
16. A escolha da pena reconduz-se, numa perspetiva político-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o art. 70.° do Código Penal que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição". Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas de liberdade;
17. É certo que a única vantagem que a pena de prisão pode apresentar face a qualquer outra pena não privativa de liberdade, reside precisamente na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expetativas, se em seu entender, "fazer-se justiça", abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor;
18. Todavia não se poderá corresponder a tal sentimento generalizado da comunidade, condenando em penas de prisão efetiva. Antes de mais há que atender às constatações da moderna criminologia tendentes à afirmação de que "aquele que cumpre uma pena de prisão é desinvestido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado muitas vezes, com uma efetiva socialização". Para além de que a privação da liberdade pode representar um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre sem que essa diferente "sensibilidade à privação da liberdade" possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Não se olvidem, por fim, embora num plano diferente, os elevadíssimos custos financeiros públicos do sistema prisional;
19. Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas - previstos no art. 40.° n.° 1 do CP: "A aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" (sublinhado nosso);
20. Pelo exposto, e sem prescindir o supra referido quanto à absolvição do arguido, e admitindo-se a prática do crime de violência doméstica pelo arguido, ora Recorrente, para mero efeito de raciocínio, deveria o Tribunal a quo ter optado pela pena mínima prevista no art. 152.° n.° 2 CP e suspensa na sua execução por igual período, uma vez que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição;
21. Ainda, e relativamente aos restantes crimes pelos quais o arguido, ora Recorrente, vem acusado (um crime de violação de imposições, proibições ou interdições; um crime de ofensas à integridade física simples e um crime de ameaça agravada) e considerando que o mesmo assumiu, na sua generalidade, a prática dos factos, é do nosso entendimento que o arguido deve ser condenado em pena de multa, ou e, sem conceder, nas penas mínimas previstas para cada tipo legal de crime, suspensas na sua execução;
22. Quanto ao crime de ofensas à integridade física simples, importa ainda referir que é do nosso entendimento, considerando o depoimento da ofendida Teolinda Andrade, no qual não escondeu que também bateu no arguido, que deve o Tribunal a quo proceder à dispensa de pena por ter havido lesões recíprocas, não tendo ficado provado qual dos contendores agrediu primeiro (art.º 143.° n.° 3 al. a) do CP);
23. Também deve a indemnização fixada ser substancialmente reduzida atenta a diminuta gravidade dos ferimentos e a reciprocidade das ofensas físicas.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA:
a) DAR-SE COMO FACTOS NÃO PROVADOS A MATÉRIA DE FACTO DOS PONTOS 4, 7 E 12 - cfr. Art. 410.º n.º 2 Al. a) e c) do CPP;
b) REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA NA TOTALIDADE NOS PRECISOS TERMOS E PELAS RAZÕES SUPRA EXPENDIDAS;
c) SER O ARGUIDO ABSOLVIDO DO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DE QUE VEM ACUSADO E FOI CONDENADO, OU SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, DEVERÁ A PENA DE PRISÃO SER REDUZIDA AO MÍNIMO LEGAL (ART. 152N.º 2 CP) E SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, UMA VEZ QUE A SIMPLES CENSURA DO FACTO E A AMEAÇA DA PRISÃO REALIZAM DE FORMA ADEQUADA E SUFICIENTES AS FINALIDADES DA PUNIÇÃO;
d) SER O ARGUIDO, FACE AOS RESTANTES CRIMES PELOS QUAIS VEM ACUSADO, SER CONDENADO EM PENA DE MULTA PARA CADA UM DELES, OU E, SEM CONCEDER, NAS PENAS MÍNIMAS PREVISTAS PARA CADA TIPO LEGAL DE CRIME, SUSPENSAS NA SUA EXECUÇÃO;
e) QUANTO AO CRIME DE OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES, PROCEDER-SE À DISPENSA DE PENA POR TER HAVIDO LESÕES RECÍPROCAS, NÃO TENDO FICADO PROVADO QUAL DOS CONTENDORES AGREDIU PRIMEIRO (Art.° 143.º 3 Al. a) do CP);
f) SER A INDEMNIZAÇÃO FIXADA SUBSTANCIALMENTE REDUZIDA PARA O MONTANTE A FIXAR POR V. EXAS. SEGUNDO JUÍZOS DE EQUIDADE MAS NUNCA SUPERIOR A 300 EUROS ATENTA A DIMINUTA GRAVIDADE DOS FERIMENTOS E A RECIPROCIDADE DAS OFENSAS FÍSICAS.

Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo do seguinte modo:
1. A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no art° 127° do CPP.
2. O acórdão refere claramente os meios de prova que serviram para o tribunal formar a sua convicção, garantindo que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não omitindo a fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação do recorrente, não constituindo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum.
3. Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

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Subidos os autos, nesta Relação de Lisboa a Sr. Procuradora-Geral Adjunta, ao abrigo do art. 416.º, do CPP, emitiu douto parecer, no qual pugna «pela improcedência do recurso e pela integral manutenção do decidido».
Cumprido o art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais foi acrescentado.
Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do mencionado Código e teve lugar a conferência, cumprindo decidir.

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II. Fundamentação:
1. Das conclusões formuladas pelo recorrente - que acima transcrevemos na íntegra e que, como tem sido recorrentemente afirmado, delimitam e fixam o objecto do recurso -, extrai-se que aquele submete à apreciação deste tribunal de segunda instância as seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto provada;
- Violação do princípio in dubio pro reo;
- Escolha e medida concreta das penas;
- Suspensão da execução da prisão.
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2. Vejamos, em primeiro lugar, o teor da decisão recorrida no que concerne à matéria de facto provada e não provada e correspondente motivação (transcrição da sentença, na parte respectiva):
«1. Factos Provados
Em sede de audiência de julgamento, e com interesse para a causa, provaram-se os seguintes factos:
1. O arguido A. contraiu matrimónio com TA  no dia 06/04/2003.
2. Do relacionamento nasceram duas filhas menores: NV , nascida no dia 12 de dezembro de 2003 e AV , nascida no dia 20 de janeiro de 2008.
3. O casal vivia em casa própria sita na Rua Dr…., em Rabo de Peixe, área de Ribeira Grande, juntamente com TT, mãe de TA  .
4. O arguido é consumidor de substâncias estupefacientes e bebidas alcoólicas.
5. Em face de factos praticados no período de 2014 a 2015, na pessoa da sua mulher TA  , o arguido foi condenado no âmbito do Processo n.° 319/15.6PCRGR, sentença que transitou em julgado no dia 05/01/2017, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa por igual período e na pena acessória de proibição de contactos com TA  no período de 3 anos e 3 meses.
6. No dia 18 de março de 2017, TA  acolheu-o em casa, já que este afirmou que nunca mais ingerira bebidas alcoólicas.
7. O arguido permaneceu na habitação até ao dia 12 de Fevereiro de 2018, altura em que o arguido saiu da casa após discutir com a esposa e na sequência de um mal-estar com a sogra.
8. Todavia, ao fim de três semanas, o arguido voltou para casa, alegando que a casa também era sua, razão pela qual tinha o direito de aí permanecer.
9. TA  não o conseguiu impedir e permitiu a sua permanência.
10. No dia 7 de março de 2018, pelas 16h00, TA  encontrava-se sentada no sofá, no interior da sua habitação,
11. Encontrando-se o arguido no primeiro piso a colocar tijolos no chão e este ao se aperceber que a esposa TA  se encontrava com uma vizinha, sentou-se nas escadas e começou a falar com essa vizinha, acerca de casas/moradias e disse: - "essa casa é para vender, já não quero mais aquela desgraçada" e acrescentou "vou-te deixar sem nada! Já não sinto desejo por ti! Não me satisfazes! Não passas de um objeto!, "Andas com placas de droga! Vendes droga!".
12. Não contente com tais expressões, TA  respondeu ao marido "já que não gostas, há de haver quem goste", altura em que o arguido dirigiu-se na sua direção e desferiu-lhe um pontapé na perna direita, sendo depois separado pela sogra.
13. Logo de seguida, o arguido voltou-se para a sogra TT e desferiu-lhe vários pontapés no corpo e diversos murros na cabeça e, ao mesmo tempo, disse: "és uma feiticeira, cabra" e que a ia escalar ao meio.
14. Como TT se defendeu, o arguido foi à cozinha da habitação, pegou numa faca de cozinha, com uma lâmina de 20,5cm de comprimento, ao mesmo tempo que disse a TT "vou-te cortar ao meio".
15. Nesse instante, TT fugiu para a rua e fechou a porta no exato momento em que o arguido ia desferir um golpe com aquela faca, atingindo apenas a porta em alumínio.
16. Alguns minutos depois, compareceu a P.S.P de Rabo de Peixe no local.
17. Em consequência da conduta do arguido, TA  sofreu dores no couro cabeludo e na coxa direita.
18. Em consequência da conduta do arguido, TA sofreu dores e no crânio uma zona de enduramento doloroso na região frontal à esquerda e uma equimose recente, arroxeada com centro vermelho, disforme, ocupando um área de 5 cm de extensão por 4 cm de largura, na face ventral do relo médio do antebraço.
19. Tais lesões determinaram em condições normais 5 dias para a cura sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
20. Com as suas condutas o arguido sabia e quis molestar e humilhar física e psiquicamente a sua esposa, no interior da residência do casal, através de agressão física, palavras atentatórias da sua honra e consideração e prometendo fazer-lhe mal, causando-lhe, por isso, dores, inquietação e medo pela sua vida e integridade física.
21. O arguido tinha consciência da proibição de contactar com a ofendida TA  , em que foi condenado, e mesmo assim quis contactar com esta durante esse período.
22. O arguido sabia que dirigia a TT palavras em que prometia atentar contra a sua vida, consciente que as mesmas eram suscetíveis de lhe provocar medo e inquietação, o que conseguiu.
23. O arguido sabia e quis molestar o corpo de TT .
24. O arguido agiu livre, deliberada, voluntária e conscientemente, bem sabendo as suas condutas proibidas e puníveis por Lei.
*
Das condições socioeconómicas do arguido:
25. TT assume-se como uma figura importante no apoio que dava às netas, uma vez que a progenitora trabalhava como operária na indústria conserveira, em horários, por vezes, noturnos, e o arguido, na qualidade de pescador por conta de outrem, por vezes, deslocava-se ao mar.
26. Sendo o arguido oriundo de um agregado com modestas condições socioeconómicas e culturais e constituindo-se o 1.° de uma fratria de 3 elementos, o mesmo conseguiu salvaguardá-lo de histórias de vitimização, apostando, contudo, os pais, não tanto no percurso escolar do próprio, mas mais na sua integração laboral.
27. Com a conclusão do 4o ano, aos 15 anos de idade, iniciou um percurso laboral ligado à atividade piscatória, na companhia do pai, assinalando-se a este nível um contexto de estabilidade laboral e económica, quer pela regularidade do desenvolvimento dessa atividade, quer pelos curtos períodos de desemprego.
28. Se na primeira etapa de vida em comum, o casal coabitou com o agregado de origem da presumível vítima, pouco tempo depois conseguiu autonomizar-se, mediante a construção de casa própria, com adequadas condições habitacionais.
29. Na sequência da medida de afastamento, sob meios de vigilância eletrônica (12-04-2018) o arguido reintegrou o agregado de origem, coabitando com o pai, de 60 anos, com a 4.a classe, pescador reformado; pela mãe, doméstica, sem rendimentos próprios; por um irmão, de 33 anos e que explora um café; a mulher deste, empregada no café; 3 sobrinhos, filhos deste casal, agora com 13, 9 e 5 anos de idade, respetivamente.
30. A família põe em prática uma economia partilhada, sendo que o arguido continua a desenvolver a atividade piscatória, o que lhe garante uma remuneração semanal de 70,00€.
31. Através da realização de algumas tarefas no ramo da construção civil, a título de biscates, refere angariar um rendimento suplementar, que não soube quantificar.
32. Beneficia de adequadas condições habitacionais, na casa que é propriedade dos pais, e que lhe proporcionam espaço próprio.
33. Desde que está sujeito a controlo por vigilância eletrônica, a sua conduta tem-se caracterizado pela normatividade, sendo que, se há relativamente pouco tempo, o arguido ainda apresentava uma crença de reversibilidade da situação com as presumíveis ofendidas, atualmente denota uma acomodação à rutura da relação, o que o leva a aceitar o divórcio.
34. Tem acompanhamento psiquiátrico e psicológico na ARRISCA e respeita a terapia medicamentosa, tendo para este o apoio controlado de uma irmã, sem registo de recaídas, tem concorrido para que consiga assumir as suas dificuldades de autocontrolo.
35. Foi detetado no arguido elevada ideação homicida e suicida e pensamentos circulares, associando-os a sentimentos de raiva, que, de momento, continua a direcionar à ex-companheira e mãe desta, agora pela alegada impossibilidade de estabelecer relação com as filhas.
36. Não deixa, no entanto, o arguido de denotar uma gradual estabilização comportamental, inclusive em termos alcoólicos, por via da intervenção continuada da psiquiatria.
37. Em termos sócio residenciais, é conotado como trabalhador responsável, pessoa de fácil trato, sendo no contexto familiar constituído com as presumíveis ofendidas que tende a assumir uma conduta desajustada / censurável.
38. Já se encontra divorciado de TA  , tendo esta ficado a exercer, em exclusivo, as responsabilidades parentais das filhas do casal.
39. O arguido já foi condenado:
i. Por sentença transitada em julgado a 16/06/2014, na pena única de 150 dias de multa, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada e dois crimes de injúria agravada a 13/05/2013.
ii. Por sentença transitada em julgado a 05/01/2017, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa com regime de prova, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo prazo de 3 anos e 3 meses, pela prática de um crime de violência doméstica agravada em 2015.
*
2.       Factos Não Provados
Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:
a) A 18 de março de 2017, TA  acolheu o arguido em casa devido às suas várias insistências.
b) Na situação descrita em 9.) TA  permitiu a permanência do arguido com medo do que pudesse fazer,
c) Na situação descrita em 10.), TT estava sentada junto de TA  .
d) Na situação descrita em 11.) o arguido disse "Aquelas filhas não são minhas" e "e estou aqui para lhe fazer a vida num inferno! E para a matar".
e) Na situação descrita em 14.), o arguido disse a TA  "vou-te cortar ao meio".
f) Nos dias 6 e 7 de setembro de 2018, o arguido dizia à esposa que era uma cabra e uma feiticeira.
g) E dizia-lhe, ainda, "tu andas é com aqueles homens na cofaco! Tu vendes droga! Andas a vender placas" e, por vezes, na presença de outras pessoas.
h) Além do mais, o arguido disse-lhe "eu mato-te e dou cabo desse corpo e depois vou pá cadeia".
i)     Já com a P.S.P no local, o arguido virou-se para a esposa TA , inclinando a cabeça sobre ela, e disse-lhe: "isso não fica assim! Vou-te matar".
*
3. Motivação
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade à luz das regras de experiência comum (artigo 127° do Código de Processo Penal).
Foram assim valoradas as declarações prestadas pelo próprio arguido, devidamente conjugadas com os depoimentos das testemunhas TA e TT (ofendidas) e das testemunhas abonatórias MB, MJ , JA, CA e VE, devidamente conjugados com o relatório social.
Quanto à prova documental o Tribunal teve em consideração o auto de apreensão da faca e respetivo exame direto e avaliação (fls. 8/9), a certidão de sentença condenatória (fls. 32 a 45), as certidões de nascimento (fls. 49 a 51) e a ata de conferência de pais (fls. 122 a 125).
Por fim, e quanto à prova pericial, o Tribunal analisou os relatórios de perícia forense ao dano corporal de fls. 105 a 112.
Concretizando, o arguido assumiu, na sua generalidade, a prática dos factos, mas adotando uma postura de vítima e direcíonando a culpa dos acontecimentos para a sua sogra, a qual nunca lhe deu paz desde que, em 2005, se mudou para a sua casa, tendo sido, inclusive, ele próprio, vítima de violência doméstica. Contou-nos que, efetivamente, gosta de beber, que tinha plena consciência da proibição decretada pelo Tribunal (mas que voltou para casa por amor às filhas) e confessou os factos relativos ao episódio de 07/03/2018 no que diz respeito à sua sogra, TT , mas não deixando de enfatizar que aquela fazia a sua vida no inferno e que esta até lhe deu umas bofetadas. Quanto ao episódio da faca, confessou-o, mas dizendo que apenas queria assustar a sogra para sair lá de casa.
Quanto aos factos que envolveram a sua esposa, o arguido apenas confessou ter dito algumas das expressões em causa, mas o depoimento de TA , claro e espontâneo, sem qualquer resquício de vingança para com o ex-marido, negando, inclusive, alguns dos factos constantes da acusação (com exceção dos factos do dia 7 de março, negou as demais ofensas verbais aí descritas), não nos deixou qualquer dúvida.
Explicou-nos tal testemunha que a primeira vez que o marido voltou para casa foi com o seu consentimento, pois acreditava na reconciliação, sendo que da segunda vez tinha sido aconselhada pela assistente social a não deixar o seu marido entrar (porque estava proibido pelo Tribunal). No entanto, tudo corria aparentemente bem (embora com algumas discussões), até que no dia 7 de março aquele lhe dirigiu as expressões que se deram como provadas, tendo-lhe dado socos na cabeça e pontapés no corpo (sendo certo que a circunstância de tais agressões não constarem da perícia forense não significa que não aconteceram). Tal depoimento foi corroborado por TT , a qual, num depoimento objetivo, não escondeu que também bateu no arguido, mas contou que estava no quintal quando ouviu barulho e, ao espreitar, viu o seu genro a dar um pontapé na sua filha, motivo pelo qual os foi separar, tendo os acontecimentos seguintes se passado de acordo com o que foi dito pelo arguido, tendo sofrido dores (conforme resulta da prova pericial).
Em relação aos elementos subjetivos dos factos imputados ao arguido, os mesmos decorrem, ainda, da conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras da normalidade e da experiência comum do julgador. Quem atua como o arguido atuou, sem qualquer interferência de elemento perturbador da capacidade intelectual e da vontade, não pode deixar de querer atuar como o descrito, de ter consciência da proibição das condutas e de conformar-se com as consequências legais das mesmas.
No que diz respeito à situação pessoal e económica do arguido, o Tribunal teve em consideração as suas declarações, devidamente corroboradas pelos depoimentos dos seus colegas de trabalho, supra identificados.
Quanto à situação pessoal e económica do arguido o Tribunal analisou o relatório social e teve em consideração o depoimento das cinco testemunhas abonatórias, as quais referiram, em uníssono, tratar-se de um bom rapaz, pese embora desconhecessem, em concreto, os problemas ocorridos no interior do lar.
Por fim, atendeu-se aos certificados de registo criminal juntos aos autos.
Quanto aos factos não provados, e conforme já mencionado, foram negados, quer pelo arguido, quer pela sua esposa, pelo que, na ausência de outra prova, o Tribunal apenas os poderia considerar como não provados (repare-se que quer o arguido quer TA concordam que as ameaças verbalizadas no local junto da Polícia de Segurança Pública foram dirigidas a TT e não a TA ).»

***
3. Conhecendo das questões suscitadas pelo recorrente:
3.1. Na ausência de nulidades de que cumpra neste momento conhecer – sendo certo que, nenhuma foi invocada – e não padecendo a decisão recorrida de qualquer vício dos previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP - apesar de invocados os das alíneas a) e c), deste normativo -, conforme adiante se explicará melhor, passemos desde já à aludida impugnação de facto.
Estamos nesta matéria em consonância com o afirmado no Acórdão de 15/07/2014, proferido no Proc. 290/97.4 GGSNT.L1-5, deste Tribunal e Secção, no sentido de que «o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (artigo 430°), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento».
Sendo ainda de salientar que, na apreciação da prova, intervém sempre uma componente subjectiva, com especial relevância no que concerne à credibilidade da prova pessoal, a qual será bem melhor aferida pelo tribunal de primeira instância, por força da imediação na sua produção, do que pelo tribunal de recurso, onde falta tal imediação.
Por outro lado, vigora em processo penal o “princípio da livre apreciação da prova”, significando que esta «… é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» (art. 127.º), razão pela qual, caberá ao tribunal de recurso, essencialmente, verificar se o tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do supra mencionado princípio, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar ao veredicto de facto, sendo que, tal apreciação deverá ter por base a motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação daquela que foi a sua opção, ao dar cumprimento ao disposto o art. 374.º, n.º 2, do CPP.
Consequentemente, a censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão” (Ac. do TC n.º 198/2004 – DR II série, de 2/6/2004; Ac. do TRL de 7/11/2007, Proc. 4748/07-3).
Reafirmando, mais uma vez, o que vimos dizendo há muito tempo, a reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida. Porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório.
Impugnando os factos provados 4, 7 e 12, defende o arguido que «não foi produzida prova segura e inequívoca que … praticou os factos acima enunciados e pelos quais veio a ser condenado no crime de violência doméstica» … tendo a convicção do tribunal assentado «apenas no depoimento da ofendida TA , que foi corroborado por TT , também ofendida», havendo «versões claramente contraditórias», face à «contraposição dos depoimentos das ofendidas e do arguido» e não tendo o tribunal considerado essencial, para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, o versado no exame pericial forense a que foi submetida a ofendida TA , do qual resulta a inexistência de lesões, apenas valorando o depoimento desta, «existindo consequentemente no acórdão recorrido os vícios constantes das alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º, do CPP, nomeadamente a insuficiência da matéria dada como provada e erro notório na apreciação da prova», tendo sido violado o princípio in dúbio pro reo, face à insuficiência da prova para condenar o arguido pelo aludido crime de violência doméstica.
Segundo o aludido princípio, se o tribunal, depois de produzida a prova, ficar com dúvidas sérias e inultrapassáveis quanto à verificação de determinado facto desfavorável à defesa e essencial à procedência da acusação, deverá declará-lo não provado e, consequentemente, absolver o arguido.
Isto porque, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência» (Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. I, pág. 84).
Assim, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido «à subsistência no espírito do Tribunal de uma dúvida positiva e invencível», outra alternativa não é deixada ao julgador senão aplicar o aludido princípio. O in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Ora, no caso em apreciação, não resulta da fundamentação da decisão de facto que o julgador tenha ficado com quaisquer dúvidas quanto à verificação ou não dos factos que julgou provados, de molde a justificar a aplicação do aludido princípio, antes tendo a decisão de facto sido proferida no pleno convencimento de que os factos ocorreram nos moldes supra relatados, cuja convicção assenta em provas legalmente admissíveis e consideradas credíveis pelo tribunal, juízo que não podemos deixar de acompanhar, perante o teor das provas produzidas em audiência de julgamento e devidamente documentadas nos autos.
Pelo que, inexiste violação do aludido princípio.
Também não se verificam os vícios imputados à decisão recorrida, seja o de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou o erro notório na apreciação da prova.
O primeiro, traduzindo uma ausência de factos - que têm de ser concretamente identificados e sobre os quais o tribunal omitiu investigação e pronúncia -, o que impossibilita o tribunal de proferir uma decisão, seja ela em que sentido for, e implica que tal lacuna factual tenha de ser previamente suprida para que tal decisão seja possível, é uma realidade que não se confunde com a alegada insuficiência da prova para que os factos fossem declarados provados, problema este que terá de ser resolvido mediante a impugnação dos respectivos factos relativamente aos quais o recorrente acha que a prova impunha uma decisão diversa. Ou seja, uma coisa é a ausência de factos que são essenciais e que não foram, mas têm de ser, investigados, para que se possa decidir da causa, outra muito diferente é a falta ou insuficiência de prova, para que determinados factos fossem dados por provados, implicando as provas, ou a falta delas, que os mesmos deviam ter sido declarados não provados.
De igual modo, no que concerne ao erro notório na apreciação da prova, a sua verificação também não está comprovada, neste caso. Para que ele existisse era imperioso que do texto do acórdão recorrido, sem recurso ao teor das provas ou a quaisquer outros elementos externos à decisão, ainda que constantes do processo, resultasse de modo inequívoco que o tribunal errou na valoração dessas provas, sendo notório e evidente que devia ter decidido no sentido contrário. Em contraposição, a alegada desconformidade da prova produzida com os factos provados - concretamente, com os factos 4, 7 e 12, que o recorrente impugna - poderá revelar um eventual erro na apreciação da respectiva prova, porém, esse erro nunca será notório, mas encoberto - porque implica o conhecimento do teor dessa prova, mediante o seu reexame -, e só poderá ser reparado pela via da impugnação, nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.
Do exposto se conclui que os alegados vícios não existem.
Analisemos, pois, a impugnação de facto apresentada pelo arguido, a qual, como dissemos já, incide sobre os factos provados sob os números 4, 7 e 12, cujo teor é o seguinte:
4. O arguido é consumidor de substâncias estupefacientes e bebidas alcoólicas.
O arguido permaneceu na habitação até ao dia 12 de Fevereiro de 2018, altura em que o arguido saiu da casa após discutir com a esposa e na sequência de um mal-estar com a sogra.
12.  Não contente com tais expressões, TA respondeu ao marido "já que não gostas, há de haver quem goste", altura em que o arguido dirigiu-se na sua direção e desferiu-lhe um pontapé na perna direita, sendo depois separado pela sogra.

As divergências assinaladas pelo recorrente referem-se às três seguintes situações:
- À referência a consumo de «substâncias estupefacientes», que consta do facto n.º 4;
- À discussão a que se refere o facto 7, concretamente, se a mesma ocorreu «com a esposa» do arguido;
- Se o arguido desferiu «um pontapé na perna direita» da ofendida TA  .
No que concerne aos factos atinentes à situação pessoal do recorrente, resulta da respectiva motivação que o tribunal teve em consideração as declarações do próprio, os depoimentos das testemunhas abonatórias, seus colegas, bem como o teor do relatório social.
Apesar da irrelevância de tal afirmação no desfecho da causa, de nenhum desses meios de prova, nem mesmo do relatório social junto aos autos, se extrai que o arguido fosse consumidor de substâncias estupefacientes, referindo-se apenas que é «consumidor de bebidas alcoólicas». Por isso, entendemos que a referência àquele consumo não tem qualquer suporte probatório - não sendo identificado na decisão qual o concreto meio de prova em que assenta a respectiva convicção -, sendo, por isso, de conceder na eliminação da referência ao mesmo consumo de estupefacientes, remanescendo no referido facto n.º 4, apenas, que «o arguido é consumidor de bebidas alcoólicas».
A referência no ponto 7 a uma discussão «com a esposa» como estando na base da saída do arguido da casa da ofendida é igualmente irrelevante para a boa decisão da causa, não interferindo tal pretensa “discussão” com a verificação do crime de violência doméstica que é imputado ao arguido, nem com a sanção correspondente, tratando-se, pois, de afirmação inócua e sem consequências, conste ela, ou não, dos factos provados. Para além disso, a ofendida Teresa confirmou que não estava presente, por estar no trabalho, e, por essa razão, não assistiu a nenhuma discussão quando o arguido abandonou a casa. Consequentemente, também não vemos razões para, em tais circunstâncias, manter a aludida expressão, perante a impugnação deduzida pelo arguido, a qual procederá nesta parte. Com tal alteração, do facto provado n.º 7 passará a constar apenas que « … o arguido saiu de casa após uma discussão e na sequência de um mal-estar com a sogra».
Quanto ao facto n.º 12, não há dúvidas em como a prova produzida em audiência de julgamento dá suficiente sustentação à afirmação de que o arguido «desferiu um pontapé na perna direita» da ofendida, TA .
É esta que o afirma (aliás, não só o pontapé, mas também outras ofensas que não foram levadas à acusação), com toda a clareza, descrevendo pormenorizadamente todo o desenrolar da respectiva cena, em depoimento que o tribunal considerou «claro e espontâneo, sem qualquer resquício de vingança para com o ex-marido», que «não deixou qualquer dúvida» e que foi corroborado pela testemunha e também ofendida TT , que presenciou a agressão, pois, «viu o seu genro dar um pontapé na sua filha, motivo pelo qual os foi separar», em depoimento considerado objectivo e credível pelo tribunal a quo.  
Não vemos razões plausíveis para retirar credibilidade a estas duas testemunhas e conceder maior credibilidade ao arguido do que aquela que foi concedida pelo mesmo tribunal, sendo certo que, apesar de este negar ter dado o aludido pontapé, não obsta à prova do mesmo com base naquela prova, assim como, o facto de se demonstrar que existia uma conflitualidade latente entre o arguido e a mãe da ofendida não é, só por si, suficiente para concluir pela falta de veracidade do que é afirmado por esta. Acresce que, como refere o tribunal recorrido, o facto de inexistirem lesões visíveis e elas não terem sido assinaladas em exame médico a que foi submetida a ofendida não impede que a agressão tenha ocorrido, não sendo demonstrativo de que esta não podia ter acontecido. Nem toda a agressão física deixa marcas visíveis, dependendo das circunstâncias.
Consequentemente, as provas indicadas pelo recorrente não impõem decisão diversa quanto ao identificado segmento do facto provado n.º 12, sendo improcedente a impugnação nesta parte.

3.2. O recorrente contesta a imputação do aludido crime de violência doméstica, defendendo que dele devia ter sido absolvido e mencionando entre as normas violadas pelo tribunal recorrido o artigo 152.º, n.ºs 1 al. a) e 2, do CP.
Todavia, tal conclusão tem como pressuposto o seu inconformismo quanto a alguns dos factos que foram considerados provados, os quais, na sua perspectiva, deveriam ser considerados não provados, não tendo, por essa razão, cometido o crime. Na verdade, não se surpreende na motivação do recurso e respectivas conclusões que aquele ponha em causa a subsunção jurídico-criminal dos factos provados, mas sim que estes não se provaram, não desenvolvendo qualquer raciocínio no sentido de demonstrar que os factos declarados provados pelo tribunal colectivo não preenchem o referido tipo legal.
Ainda que assim seja, a ausência de uma expressa impugnação da qualificação jurídica dos factos apurados não nos impede de apreciar tal questão, o que faremos, começando por afirmar que nenhum erro foi cometido pelo colectivo ao considerar que o arguido cometeu o aludido crime de violência doméstica.
Com a incriminação das condutas previstas no artigo 152.º, do Código Penal, com base no qual o arguido foi condenado, visa-se, no essencial, proteger a dignidade humana, tutelando quer a integridade física da pessoa, quer a sua integridade psíquica, defendendo, de uma maneira abrangente, a saúde da vítima, quando esta tem com o arguido uma relação familiar da natureza das mencionadas no mesmo normativo legal.
Na génese de tal incriminação está, assim, de forma decisiva, mais do que a preocupação de preservação da comunidade familiar ou conjugal, a tutela da pessoa humana na sua irrenunciável dimensão de liberdade e dignidade.
Está, por isso, directamente abrangida pelo âmbito da protecção dispensada por aquela norma penal, não só a integridade física propriamente dita, mas a saúde da pessoa ofendida, na sua globalidade e, enquanto tal, abrangendo o bem estar físico, psíquico e mental, enquanto elemento essencial, indispensável à "mais livre realização possível da personalidade de cada homem na comunidade" (Figueiredo Dias, Direito Penal, Questões Fundamentais e Doutrina Geral do Crime, 1996, pág. 63).
Nos termos do artigo 26.°, n.º 2, da CRP, «a lei garantirá a dignidade pessoal» e, face ao art. 25.º, «a integridade moral e física das pessoas é inviolável» e «ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos».
 Trata-se da tutela constitucional de um direito organicamente ligado à defesa da pessoa individualmente considerada, cuja proclamação faz resultar para cada um de nós a legítima expectativa de, ao conformar-se e dispor de si mesmo nas múltiplas formas de interacção social, não vir a ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, anotada, pág. 177).
É essa evidência, devidamente sublinhada nas sociedades modernas, que permite um alargado consenso no sentido da reprovação de quaisquer actos - acções ou omissões - que, de forma directa ou indirecta, visam infligir sofrimento físico, sexual ou mental, seja através de castigos corporais, de privações de liberdade, de ofensas sexuais, ou por qualquer outra via, a qualquer ser humano, tendo por objectivo e/ou como efeito intimidá-lo, puni-lo, humilhá-lo ou simplesmente mantê-lo sob controle, ou recusar-lhe a inerente dignidade humana ou a sua autonomia sexual.
O aludido crime abarca, assim, condutas que se traduzam em “violência” física, psicológica, verbal ou sexual, correspondendo aos maus tratos físicos as ofensas à integridade física simples, enquanto os maus tratos psíquicos, decorrentes, nomeadamente, de humilhações, provocações, molestações, etc., podem ser concretizados através de ameaças, mesmo que não configurem o crime de ameaça (art. 153.º, do CP), de coacção simples, ou dos crimes contra a honra (difamação e injúrias). As privações de liberdade incluem o sequestro simples, enquanto nas ofensas sexuais estarão incluídas a coacção sexual, a violação, a importunação sexual, ou ainda o abuso sexual de menores, salvo se as condutas forem punidas mais gravemente pelas respectivas incriminações, afastando o crime de violência doméstica por força da regra da subsidiariedade - Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal …”, pag. 405.
Tal como acontece com o crime de maus tratos, relativamente ao qual se autonomizou o de violência doméstica, entre este e o crime de ofensas corporais simples (art. 143.º), o crime de ameaça (art. 153.º), o crime de difamação (art. 180.º), ou o crime de injúria (art. 181.º), “existe uma relação de especialidade, só se aplicando, portanto, a pena estabelecida para aquele” (maus tratos ou violência doméstica, consoante as circunstâncias), sendo o concurso aparente – Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 336.
 Com a Lei n.º 59/2007, de 4/9, o legislador pôs fim à querela sobre se a conduta teria de ser reiterada ou não, definindo que o conceito de maus tratos pode ser preenchido com uma conduta isolada, dispensando a reiteração.
 Todavia, não é toda e qualquer conduta. Em especial quando esta traduz um comportamento isolado, exige-se uma gravidade notoriamente acrescida e com efeitos nefastos para a vítima, ao nível da sua dignidade como pessoa. Repetindo aqui o que escrevemos em antecedente acórdão desta mesma 5.ª Secção Criminal (Proc. n.º 1816/14.6PFLRS.L1), um crime de ofensas à integridade física simples, ou um simples crime de injúria, cometidos em circunstâncias normais, não é pelo facto de a vítima ser cônjuge que passam automaticamente a preencher o conceito de “maus tratos” e a ser considerados “violência doméstica”. Com reiteração ou não, as concretas circunstâncias em que ocorreu a conduta é que serão determinantes para, a partir delas, se apurar se os factos ilícitos cometidos, valorados à luz do relacionamento entre agressor e vítima, são susceptíveis de constituir um verdadeiro atentado à dignidade desta, para além de ofenderem a integridade física ou a honra, ou atentarem contra a liberdade ou a autodeterminação sexual. Ou seja, é essencial que fique demonstrado que a conduta ilícita “atingiu o âmago da dignidade da pessoa ou o livre desenvolvimento da sua personalidade”, de molde a poder concluir-se que, com tal actuação, o agressor tratou a vítima como mera “coisa” ou “objecto” e não como sua igual, como pessoa livre, titular de direitos que está obrigado a respeitar.
Entre as situações previstas no mencionado tipo legal, uma das que com maior frequência se verifica é, precisamente, a dos maus tratos físicos e psíquicos ao cônjuge, ao ex-cônjuge, a namorado/a, ou a pessoa com quem tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges.
No presente caso, a conduta ilícita do recorrente manifesta-se em várias vertentes, tendo como alvo a mulher com quem era casado (cônjuge). Após várias considerações negativas sobre a personalidade da vítima - a quem apelidou de “desgraçada” e “ameaçou” de que a ia “deixar sem nada” e que a casa onde viviam “era para vender”, que a mesma andava “com placas de droga” e que vendia droga - e o seu desempenho sexual na frente de uma vizinha - referindo para a vítima “já não sinto desejo por ti! não me satisfazes! Não passas de um objecto!” - o arguido, não gostando do comentário inofensivo feito pela visada (facto provado n.º 12), dirigiu-se a esta e «desferiu-lhe um pontapé na perna direita», tendo a sogra acorrido a separá-los, após o que, o arguido voltou-se para esta e desatou a agredi-la fisicamente, com murros e pontapés, a dirigir-lhe palavras injuriosas e a ameaçá-la, com uma faca que foi buscar à cozinha.
Estamos, claramente, perante uma cena típica de violência doméstica, com actos de violência física e psicológica, em que é evidente que da parte do agressor há um intuito de humilhar a vítima, de a calar e a subjugar à sua vontade, pela força, agindo o mesmo consciente e voluntariamente, sabendo que tal conduta era proibida.
Estamos, pois, perante factualidade que é subsumível ao crime do artigo 152.º, n.º 1 al. a), com a agravante do n.º 2, do CP, porque aquela ocorreu no domicílio da vítima.
No que concerne aos demais crimes pelos quais foi condenado, apesar de o recorrente não questionar o seu cometimento, não podemos deixar de reconhecer que o tribunal recorrido fez uma correcta subsunção dos factos ao direito, sendo a factualidade provada suficiente para o preenchimento dos respectivos pressupostos objectivos e subjectivos, quanto a todos os ilícitos discriminados supra, nenhuma censura podendo ser feita à decisão.
3.3. Quanto à escolha e medida das penas:
Pretende o recorrente que a pena correspondente ao crime de violência doméstica seja fixada no mínimo legal (dois anos) e suspensa na sua execução, que pelos demais crimes seja condenado em multa, ou, não sendo possível, que seja aplicado o limite mínimo das respectivas molduras, também suspensas na sua execução, devendo ser dispensado de pena quanto ao crime de ofensas à integridade física simples, por ter havido lesões recíprocas, ao abrigo do art. 143.º, n.º 3 al. a), do CP.
Comecemos pela pena correspondente àquele primeiro crime.
Este é punível com prisão de 2 a 5 anos.
O tribunal recorrido, após algumas considerações sobre os princípios e critérios legais a ter em conta nesta matéria, fixou tal pena em 4 anos de prisão, apoiando-se fundamentalmente no elevado grau de ilicitude dos factos - «consubstanciado não só nas agressões físicas e verbais infligidas a duas mulheres (respetivamente, esposa e sogra) e a ameaça proferida (com recurso a uma faca), enquanto se encontrava proibido, pelo Tribunal, de se aproximar da sua mulher» -, no dolo é intenso, porquanto direto, na forma de cometimento dos crimes – o que «revela bem o seu sentimento de desprezo pela ação do Tribunal, já que tinham apenas decorrido cerca de 3 meses desde o início da pena acessória» -, na existência de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, relevando a favor do arguido a sua actual inserção familiar e laboral.
O recorrente, para além do apelo aos princípios gerais e às finalidades da pena, alerta para os malefícios e subsidiariedade da prisão.
A determinação da pena concreta de prisão deverá resultar da aplicação dos critérios definidos nos arts. 40.º e 71.º, do Código Penal, do primeiro se extraindo que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, acrescentando o segundo que, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Ou seja, conforme tem sido salientado pela jurisprudência constante do nosso mais alto tribunal, aquela medida concreta tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.
Em suma, a culpa e a prevenção constituem os dois termos do binómio que importa ter em conta para encontrar a medida justa e adequada da pena, em cada caso concreto.
Na concretização desses princípios, manda o n.º 2 do mesmo art. 71.º que “o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, considerando, nomeadamente, as circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas da referida norma.
É evidente que o tribunal recorrido ponderou os factores relevantes que havia para ponderar. Entendemos, todavia, que não sopesou correctamente alguns dos aludidos índices, dando-lhes maior relevo do que o merecido. Referimo-nos, concretamente, ao grau de ilicitude dos factos, que o tribunal considerou “elevado”, sem distinguir cada um dos crimes, dando a ideia de que foi transposta para a violência doméstica a gravidade da conduta subsequente do arguido, de que foi vítima a sogra deste.
Acontece, porém, que, no que concerne ao crime de violência doméstica, cuja única vítima é a TA  , então esposa do arguido, o que consta da matéria de facto provada é que este desferiu um «pontapé na perna direita» da vítima, que não provocou lesão corporal, porquanto, não deixou qualquer marca, conforme resulta do exame médico a que a mesma foi submetida, e dirigiu à ofendida algumas palavras injuriosas, susceptíveis de a ofender na sua honra e de baixar a sua auto-estima.
Consideramos, pois, que a aludida ofensa à integridade física simples assume pouca gravidade relativa, assim como as palavras dirigidas à ofendida e descritas no facto provado n.º 11 não assumem, do nosso ponto de vista, uma gravidade tal que, associada àquela ofensa física, justifique uma pena tão elevada, que vai muito para além do ponto médio da respectiva moldura abstracta.
Assim, tendo em conta o grau de ilicitude dos factos referentes ao crime de violência doméstica - a qual, no presente caso, consideramos estar aquém da média neste tipo de criminalidade -, a inexistência de lesões causadas à vítima com a agressão física, para além das dores, que pela mesma foram temporariamente sentidas na perna direita - irrelevando, para o efeito, a referência constante do facto provado 17, a «dores no couro cabeludo», por não terem qualquer correspondência com o aludido pontapé, o que não pode deixar de ser reconhecido apesar de não ter sido impugnado o aludido facto -, o dolo do arguido, que é directo, os antecedentes criminais deste, nomeadamente, por idêntico crime, ocorrendo o destes autos no período da suspensão da pena de prisão imposta pela anterior condenação, as condições pessoais e situação económica do arguido, sem esquecer as exigências de prevenção, que, no caso, são elevadas, entendemos como justa e adequada a aplicação, por este crime, de uma pena que, não coincidindo com o mínimo legal, não vá muito para além dele, razão pela qual se fixa a mesma em 2 anos e 6 meses de prisão.
Quanto ao crime do artigo 353.º, do CP e demais crimes de ameaça agravada e de ofensa à integridade física, dos quais é ofendida TT :
Conforme se refere na decisão recorrida, as respectivas molduras abstractas da pena são as seguintes:
«- O crime de violação de imposições, proibições ou interdições é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias (artigo 353° do Código Penal).
- O crime de ofensa à integridade física simples é punido com uma pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias (artigo 143°, n° 1 do Código Penal).
- O crime de ameaça agravada é punido com uma pena de prisão de 1 mês até 2 anos ou com pena de multa de 10 dias até 240 dias [artigo 155°, n° 1, alínea a) conjugado com os artigos 41°, n° 1 e 47°, n° 1, todos do Código Penal]».

O tribunal de primeira instância, dando concretização ao determinado pelo artigo 70.º, do CP, optou pela prisão, com os seguintes fundamentos:
«Uma vez que três dos crimes admitem, em alternativa, pena principal de prisão e de multa, importa, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena principal a aplicar ao arguido para seguidamente determinar a medida concreta da pena escolhida.
Em conformidade com o disposto no artigo 70° do Código Penal, a escolha da pena deve ser feita dando preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta se mostre suficiente para promover a ressocialização do delinquente e satisfaça a proteção dos bens jurídicos (artigo 40° do Código Penal), sendo alheias, neste momento, considerações relativas à culpa que apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.
A aplicação de penas visa, por um lado, reafirmar na comunidade a manutenção da validade das normas violadas, repondo a confiança dos cidadãos na validade e vigência da norma violada sempre que a mesma tenha sido abalada pela prática de um crime (prevenção geral positiva) e, por outro, a reintegração do agente na sociedade através da «prevenção da reincidência» (prevenção especial positiva).
O Tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade a não ser que por razões ligadas à necessidade de ressocialização da arguida ou à defesa da ordem jurídica o desaconselhem.
No caso em análise, do ponto de vista das exigências de prevenção geral, há que ter em consideração a natureza e a relevância dos bens jurídicos protegidos pelo tipo legal de crime em análise, a integridade física, a liberdade de decisão e o respeito pelas decisões judiciais e, bem assim, a frequência com que são praticados estes ilícitos, como é disso expressão o Relatório Anual de Segurança Interna de 2017, segundo o qual todos estes crimes continuam a ter uma grande expressão no nosso país.
Assim sendo, são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado.
No que concerne às exigências de prevenção especial ou individual, haverá que ter em consideração que o arguido praticou tais factos no pleno decurso de uma pena de prisão suspensa na sua execução, o que revela uma personalidade avessa ao direito e pouco permeável às normas, elevando a um nível muito alto as exigências de prevenção especial, persistindo assim a necessidade de prevenir o cometimento de mais crimes e de os fazer interiorizar, de vez, o desvalor das suas condutas.
Assim, nos termos expressamente previstos pelo artigo 70° do Código Penal, o Tribunal opta pela aplicação de uma pena privativa da liberdade ao arguido, uma vez que se mostra evidente que a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente a proteção dos bens jurídicos e a reintegração dos agentes na sociedade (artigo 40° do Código Penal).»

Não podemos deixar de subscrever tal opção pela pena privativa da liberdade, em detrimento da multa, pelos fundamentos acima aduzidos, que acompanhamos, acrescendo o facto de estarmos perante um concurso de crimes, em que um dos ilícitos (violência doméstica) não admite tal alternativa, o que obriga à condenação em pena de prisão, não fazendo sentido, porque nenhum benefício trará, nem mesmo para o arguido, a imposição de penas de diferente natureza, o que impediria o respectivo cúmulo jurídico e obrigaria ao cumprimento de ambas as penas.
A mesma argumentação impedirá, também, a substituição de cada uma das penas parcelares de prisão, por multa, nos casos em que tal substituição seria possível em função da respectiva medida, ou seja, quanto às penas de prisão que não excederem um ano (art. 45.º, n.º 1, do CP).
É chegado o momento de apreciar a alegada «dispensa de pena» relativamente ao crime de ofensas à integridade física. O arguido formulou tal pretensão ao abrigo do disposto no artigo 143.º, n.º 3 al. a), do CP, porquanto, segundo ele, teriam ocorrido «lesões recíprocas», na medida em que a ofendida Teolinda Terceiro, no seu depoimento, «não escondeu que também bateu ao arguido».
Todavia, na matéria de facto provada nada consta no sentido de que aquela ofendida bateu ao arguido, ou que este sofreu quaisquer lesões, ou ainda que a sua reacção foi uma resposta a eventual agressão daquela, pelo que, não só não está demonstrado que o arguido foi agredido ou que sofreu lesões, não se podendo, por isso, concluir pela existência de «lesões recíprocas», como a eventual agressão por parte da Teolinda não se poderia considerar ilícita, face às circunstâncias em que os factos ocorreram, na medida em que, aquela se limitou a agir na defesa da TA , sua filha, e em sua própria defesa, quando ambas estavam a ser alvo de agressão (física e psicológica) por parte do arguido, pelo que, a reacção deste nunca estaria justificada, contrariamente à da Teolinda, se tivesse ficado provado que esta lhe bateu.
Consequentemente, não estão apurados os pressupostos que poderiam sustentar a alegada dispensa de pena relativamente a tal crime, indeferindo-se a respectiva pretensão.
No que diz respeito à medida concreta da pena de prisão por cada um dos aludidos crimes, tendo em conta o circunstancialismo atinente a cada um deles e que acima é mencionado por referência ao que, a tal propósito, consta da decisão recorrida, esta não nos merece qualquer censura nesse campo, mostrando-se as penas aplicadas justas e adequadas, dentro da acima denominada “moldura de prevenção”, com respeito pela culpa do arguido e com capacidade para responder eficazmente às expectativas comunitárias na reposição da validade das normas penais violadas com o comportamento ilícito sancionado. Sendo, por isso, de manter as respectivas penas.
Contrariamente ao pretendido pelo recorrente, a suspensão da execução da prisão não pode ser apreciada relativamente a cada uma das penas parcelares, em caso de concurso de crimes, mas apenas quanto à pena única que a final vier a ser imposta, após o correspondente cúmulo jurídico de penas, porquanto, «sabendo-se que a pena que vai ser aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição». Depois de «determinada a pena conjunta e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por uma pena não detentiva» (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências …”, Ed. Notícias, 1993, §§ 409.º e 419.º, paginas 285 e  290, respectivamente).
Assim, face à redução da pena correspondente ao crime de violência doméstica, impõe-se a reformulação do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, ao abrigo do disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, tendo-se em conta, para o efeito, os mesmos critérios que presidiram ao cúmulo efectuado em primeira instância e ponderando, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido que pelos mesmos é revelada. Tudo ponderado, fixa-se a pena única em 4 (quatro) anos de prisão.

3.4. Quanto à pretendida suspensão da execução da pena de prisão:
Apesar de a pena de prisão em que o arguido acaba de ser condenado se situar aquém do limite de cinco anos previsto no art. 50.º, n.º 1, do Código Penal, preenchendo-se, assim, o primeiro dos pressupostos daquela suspensão, o certo é que, esta depende ainda de outros factores de natureza substancial e tem como requisito essencial a formulação de um “juízo de prognose favorável” relativamente ao comportamento futuro do arguido. Ou seja, para que tal suspensão seja possível é necessário que o tribunal se convença que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão – acompanhada ou não de imposição de deveres e/ou regras de conduta – bastarão para afastar o condenado da prática de novos crimes, relevando, para o efeito, as respectivas condições de vida, bem como a conduta anterior e posterior aos factos, a sua personalidade e as circunstâncias do próprio facto ilícito praticado.
Tem sido recorrentemente dito que, na aplicação desta medida sancionatória está ínsita a ideia de socialização do delinquente, traduzida na “prevenção da reincidência” (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 343).
Não se pode, porém, olvidar que a aplicação da pena não visa apenas a “reintegração do agente na sociedade”, mas também a “protecção de bens jurídicos”.
Assim, apesar de tal pena de substituição ter sobretudo a ver com razões de prevenção especial, de socialização - visando, antes de mais, o afastamento do arguido da prática de novos crimes -, o certo é que, para o efeito, não são despiciendas as exigências de defesa do ordenamento jurídico, que são naturalmente muito elevadas quando nos encontramos perante uma criminalidade multifacetada como a que está em causa nestes autos, tendo o arguido beneficiado já da suspensão da execução da prisão que lhe foi aplicada na anterior condenação, também por crime de violência doméstica, o que não o dissuadiu da prática de novas infracções criminais, cometendo os crimes deste processo em pleno período de suspensão da execução da pena de 3 anos e 3 meses de prisão.
Por outro lado, do que decorre dos factos provados quanto às suas condições pessoais não se extrai que exista um enquadramento favorável à sua reinserção, estando em liberdade, indiciando ser bastante impulsivo nas suas reacções e haver manifestações de dependência do álcool, o que favorece essa reactividade.     
Consequentemente, se atendermos à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à sua conduta anterior, nomeadamente aos seus antecedentes criminais, bem como às circunstâncias que rodearam a prática dos crimes aqui em apreciação, não é possível concluir que «a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», razão pela qual improcede, também neste campo, a pretensão do recorrente, impondo-se o efectivo cumprimento da pena de prisão.

3.5. Por último, o recorrente peticiona uma redução do montante indemnizatório, argumentando com a «diminuta gravidade dos ferimentos» e a «reciprocidade das ofensas».
O montante da indemnização em que o arguido foi condenado é de € 800,00 e a mesma foi arbitrada, ao abrigo do artigo 21° da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, a favor da ofendida TA , na qualidade de vítima de crime de violência doméstica.
Inexiste qualquer menção de que esta tenha sido autora de qualquer agressão ao arguido, pelo que, a invocação de “reciprocidade das ofensas” não tem qualquer fundamento, sendo certo que aquela quantia não visa apenas compensar os efeitos da agressão física, mas todos os danos causados à ofendida pela conduta do arguido, físicos e psicológicos.
Por outro lado, o reduzido valor da indemnização está aquém do exigido pela lei processual penal para que seja admissível recurso da decisão nessa parte (artigo 400.º, n.º 2, do CPP), para além de não ter sido invocado qualquer fundamento razoável que justifique a pretendida redução, consequentemente, esta só seria possível ao abrigo do artigo 503.º, n.º 3, do CPP, como consequência da procedência, ainda que parcial, do recurso na parte criminal, no sentido da limitação da responsabilidade do arguido, o que não acontece no presente caso, em que a procedência, sendo parcial, se limita, na prática, à medida da pena, sem repercussão nos danos apurados.
Improcedendo, por isso, também nesta parte, o recurso.

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III. Decisão:        
Nos termos expostos, julgando-se parcialmente procedente o recurso do arguido A. , reduz-se a pena correspondente ao crime de violência doméstica para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico desta com as demais penas parcelares dos restantes crimes, condena-se o mesmo arguido na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, confirmando-se, quanto ao mais, a decisão recorrida, sem prejuízo das alterações introduzidas nos factos provados 4 e 7, nos termos supra aludidos.

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Sem custas, por não serem devidas, face ao disposto no artigo 513.º, n.º 1, do CPP.
Notifique.
Lisboa,         /         /
(Elaborado em computador e revisto pelo relator).