Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
290/97.4GGSNT.L1-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: RECURSO PENAL
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - O recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância

II - Não basta afirmar que pretende ver reapreciada a prova, não tendo um direito a que o tribunal oficiosamente o faça, nem a que o faça como um segundo julgamento; é preciso usar os mecanismos legais que a lei estabelece para que veja exercido o direito ao recurso pleno da matéria de facto, com reapreciação da prova gravada e não apenas como revista plena e para o qual a lei conferia um prazo mais alargado.

III - O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (artigo 430°), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento

Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.

1.1.
No processo n.° 290/97.4 GGSNT dos Juízos de Média Instância Criminal -ta Secção foi julgado o arguido

AS...,

acusado pelo M°P°, em autoria material, da prática de factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.° e 218.°, n.° 1, do Código Penal.

JC..., deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento do 1.100.000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 25 de Junho de 1997, e até integral pagamento, quantia que entregou ao arguido a título de pagamento do preço da viatura cuja propriedade nunca lhe foi transmitida.

Realizado o julgamento foi proferida decisão que
Condenou o arguido AS..., como autor material de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz € 2.000.00 (dois mil euros).
Foi ainda o arguido condenado nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 2 (duas) UC (art°s. 513° e 514.° do CPP e art. 8.°, n.° 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa).

Julgou-se totalmente procedente o pedido cível deduzido pelo demandante

JC... condenando o arguido/demandado AS... a pagar-lhe o montante de € 5.486,77, acrescido do pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos, a contar desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil, à taxa legal e até integral pagamento, sendo as custas cíveis serão suportadas pelo demandado (arts. 523.°, do Cód. de Processo Penal, art. 446.°, n's 1 e 2, do Cód. de Processo Civil).

1.2.

Interpôs recurso o arguido alegando em síntese:

1. Vem o arguido condenado, pela prática de um crime de
burla qualificada, p.
e p. pelos artigos 217.°, n. ° 1 e 218,0 n. ° 1 do Código Penal;
2. Constitui elemento objectivo essencial deste tipo de crime,
o carácter astucioso do erro ou engano provocado; Porém,

3. dos factos vertidos para o probatório, não se extrai que o
arguido ora Recorrente tenha agido de tal forma, resultando daí de todo omisso este elemento da tipicidade do crime "sub-judice";

4. Bem ao invés do decidido pelo V, Tribunal "a quo , não
emerge d a matéria provada, que tivesse h avido intenção por parte do a rguido de enriquecimento ilegítimo;

Termos em que,

5. deverá atenta a factualidade provada, concluir-se pela não
verificação dos respectivos elementos típicos, objectivos e subjectivos do crime em questão;

6. A correcta subsunção dos factos dados como provados ao
Direito, imporá
a nosso modesto ver, conclusão diversa da decidida pela Sentença recorrida;

7. Devendo face a todo o exposto no presente recurso sob
estes fundamentos, ser desde logo
o arguido ora recorrente, absolvido; Acresce que,
8. constitui exigência dos preceitos sancionadores, que a
conduta do agente seja dolosa, não se verificando os pressupostos da punição se o agente não tiver consciência da ilicitude;

9. Mas conduta essa, que foi do mais perfeito
desconhecimento do arguido;

10. Não tendo este, não só não participado no acto subjacente à burla, como dele não teve oportunamente conhecimento; tão-pouco tendo tido assim consciência da ilicitude;
11. Não podendo d'estarte, ser incriminado por acto que não
cometeu e do qual não teve sequer conhecimento concreto;

12. Tendo-se neste caso verificado também, erro na apreciação das
provas por banda do V. Tribunal "a quo"; bem como omissão de factos essenciais, o que determinou erro de julgamento;

13. E devendo agora com este fundamento, ser outrossim o arguido
absolvido;

14. Resultaram violadas as normas constantes dos artigos 1.° n.° 1, 2.°, 217.°, n.° 1 e 218.° n.° 1 todas do Código Penal e bem assim a do n.° 2. do Art.° 374.° do CPP.

1.3.

O M°P° não respondeu.

1.4.

Respondeu o demandante civil:

1. O recurso interposto não cumpre o art.° 412.° do CPP, pois apesar de identificar as normas violadas, furta-se à interpretação do sentido de cada uma dessas normas, assim como omite a explicação do sentido com que essas normas deveriam ter sido aplicadas.
2. Acresce que o recorrente ao impugnara decisão de facto, deveria ter indicado os pontos da matéria de facto provada que em concreto considera incorrectamente julgados e mais uma vez não o fez, impugnando na globalidade toda a matéria de facto que foi dada como provada...

3. ... o que manifestamente não era a intenção do legislados, quando consigna na al. a) do n.° 3 do art.° 4122 do CPP que o recorrente deve indicar concretamente os

pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
4. Mais, não resulta das doutas motivações de recurso. que provas devem ser renovadas, assim como que provas, no entender do recorrente, teriam servido para consignar uma decisão de facto diferente da tomada/recorrida, já que a única menção às provas produzidas em julgamento e que no entender do recorrente mereceriam decisão de facto diferente, é ao depoimento da testemunha Jorge Fevereiro em conjugação com as declarações do arguido...
5. ... mas levanta-se entretanto uma dificuldade lógica de compreensão
na senda do motivado, tal qual se encontra estruturado e que é a seguinte: o depoimento da testemunha JF... e m conjugação com as declarações do arguido alterariam, no entender do recorrente, que pontos concretos da decisão de facto e com que sentido? Desconhecemos e o recorrente não o menciona, nem explica!

6. A cresce ainda a violação do n.2 4 do art.2 412.2 do CPP, pois nenhuma especificação das mencionadas nas ais. a) a c) do n.2 3 do art.2 412.2 do CPP o foram por referencia ao consignado na acta, antes o recorrente as menciona como bem entende e por referência a algo que não está ao alcance dos restantes sujeitos processuais e que n os parece serem referências por convenção com o suporte que terá sido entregue ao recorrente, mas ainda assim desconhecido do demandante respondente.

7. Prosseguindo e agora já não quanto à omissões perpetradas elo recorrente no seu recurso e respectivas motivações, refere o demandante respondente que o recorrente não tem razão no que expende no recurso, pois esquece-se e omite que o demandante afirmou claramente que adquiriu o dito automóvel ao senhor Adindo (arguido, ora recorrente) no stand propriedade deste e que por diversas vezes se lhe dirigiu solicitando os documentos do dito carro, sem contudo alguma vez o arguido ora recorrente lhos ter entregue.

8. Pouco importa se o demandante fez o negócio numa primeira vez com o arguido ou não, pois foi admitido pelo arguido que o stand onde se encontrava o carro era de sua propriedade e que o dito carro em concreto foi vendido pelo próprio, independentemente do negócio em causa ter sido operado por si (arguido) directamente ou por intermédio de um funcionário deste e diga-se em abono da verdade que ficou provado e o recorrente admite-o que a pessoa a quem o demandante se dirigiu numa primeira visita ao stand propriedade do arguido foi a um funcionário deste, declarando o demandante que o arguido / recorrente sabia do negócio, porque foi este quem recebeu o preço/dinheiro na sua conta proveniente do negócio e que veio de um crédito que o demandante contraiu para pagar o veículo em causa.

9.         Refere o arguido recorrente ainda que não ocorreu engano, nem ardil para que o demandante ficasse sem carro e sem dinheiro e que nem sequer se pode considerar "caloteiro", no entanto esquece-se o arguido recorrente que foi ele próprio, não qualquer um outro funcionário ou coimissionista, quem por diversas vezes prometeu os documentos do veículo ao demandante (ver depoimento da testemunha SM... que acompanhou por diversas vezes o demandante ao stand do Sr. AS... --arguido / recorrente -- para que este lhe entregasse os documentos do veículo, até que o dito veículo foi "furtado" da porta da casa do demandante durante a noite e mais tarde se veio a saber e a conhecer que tinha sido "recuperado" pela sociedade vendedora do dito veículo em virtude de não ter recebido preço que o arguido / recorrente deveria ter pago) e que nunca lhos entregou até que o veículo foi "recuperado" pela sociedade vendedora do mesmo, por não ter recebido o preço por parte do arguido / recorrente.
10.            O arguido recorrente sabia que o dito veículo não era de sua propriedade, expos o mesmo no seu stand, fazendo crer aos clientes (de entre os quais o demandante) que o dito carro que ali se encontrava estava em boas condições de serem negociado e mesmo após o negócio efectuado e sabendo que não conseguiria obter os documentos do dito carro a fim de os entregar ao demandante, manteve o negócio, enganando através de esquema ardil, o demandante, convencendo-o de que os documentos estavam a ser tratados e actualizados ao mesmo temo que sabia que a qualquer momento a sociedade vendedora do dito carro o iria tentar recuperar a qualquer custo e assim sucedeu, pois a sociedade vendedora desconhecia quem tinha adquirido o carro e onde o carro se encontrava, sendo que essa informação só poderia ter vindo de quem sabia a quem tinha vendido o dito carro e onde o carro pernoitava durante a noite (altura em que foi subtraído da porta da casa do demandante); esse alguém fácil é de perceber que só poderia ser o arguido / recorrente, pois ninguém da sociedade vendedora do carro que não recebeu o preço, sabia a quem tinha sido entregue o carro e em que morava pernoitava durante a noite.

11.             Se o recorrente não tivesse usado de meios enganosos e ardis para provocar um prejuízo patrimonial no demandante, nunca este teria adquirido o dito carro, pois que ninguém no seu perfeito juízo adquire um bem, sabendo que o mesmo nunca passará para a sua propriedade e só o fez porque o arguido /recorrente enganou o demandante, provocando-lhe a sensação de que seria uma questão de tempo até que os documentos do carro estivessem tratados e actualizados a fim de lhos entregar (ao demandante), o que nunca veio a suceder.

12. O demandante entregou o preço / dinheiro ao arguido / recorrente a título de nada, pois não conseguiu, por exclusiva responsabilidade do arguido / recorrente, ficar com o carro que pagou, ficando assim com um claro prejuízo patrimonial, causado pelo arguido / recorrente.
13. O arguido / recorrente defende no seu recurso que nem sequer se lhe pode chamar ou apelidar de "caloteiro», porque não pagou ao demandante porque não quis, mas sim porque não conseguiu, apesar de ter intenção de efectuar esse pagamento; a verdade é que o arguido recorrente é um verdadeiro "caloteiro", pois desde a data em que enganou o demandante já lá vão cerca de 15 anos e se tivesse mesmo vontade de pagar e devolver ao demandante o valor com ilegitimamente ficou, já o poderia ter feito, porquanto devolver 5.500,00C em 15 anos (180 meses), daria pouco mais de 30e por mês! O arguido/ recorrente não devolveu ainda ao demandante o valor com que ficou porque não quis e a este forma de ser e de actuar chama-se ser "caloteiro" é isso que o arguido /recorrente é, com toda a clareza e objectividade e o arguido / recorrente lá saberá porque fez menção a este adjectivo nas suas motivações, certamente que se revê no mesmo!
14. Estão claramente verificados todos os elementos do tipo do crime pelo qual o arguido/recorrente foi condenado, a Douta Sentença faz uma correcta apreciação da matéria de facto constante dos autos, valoriza correctamente os depoimentos das testemunhas, credibilizando as que devem ser consideradas credíveis e descredibilizando as que não devem ser consideradas credíveis como a testemunha Jorge Fevereiro, que fez um depoimento absolutamente irreal e inverosímil, com menções a supostas actuações de grandes grupos vendedores automóveis que não se enquadram de modo algum na forma de actuação desses mesmos grupos, como dizer que a actuação do arguido / recorrente se equipara à do Grupo Auto Industrial ou Salvador Caetano, o que de todo é verdade ou sequer se equiparam' A actuação criminosa do arguido / recorrente em nada se assemelha à actuação desses grupos, o que por si só demonstra que a testemunha em causa sentou-se na sala de audiências não para dizer a verdade como jurou, mas sim para mentir, como fez, chegando ao ponto de afirmar que nem sequer o próprio demandante tinha mágoa contra o arguido recorrente, como se esta testemunha conhecesse a mágoa ou o estado de espírito do demandante!!!!

Pelo exposto, se conclui a presente resposta afirmando que muito bem esteve o Tribunal "a que" e muito bem se encontra elaborada e redigida a Douta Sentença recorrida, devendo ser mantida na integra, assim se fazendo a costumada Justiça e a boa aplicação do Direito!

2.  

A Exm.a PGA pronunciou-se pela intempestividade do recurso conforme parecer junto aos autos por considerar que o recorrente não formula, perante a motivação e conclusões do recurso, a especificação dos factos que pretende impugnar nem as provas que impõem que decisão diversa, pelo que não se justificando a reapreciação da prova gravada perante um recurso que não cumpre as regras necessárias à impugnaçao da matéria de facto, não deveria beneficiar do prazo alargado de 30 dias, mas apenas do prazo de 20 dias.

3.

3.1.

Será aceitável, numa dada perspectiva, o entendimento da Exm.a PGA.

Porém, não pretendendo privilegear a forma sobre o conteúdo e, porque a

decisão acerca da definição do objecto do recurso acabaria por se reconverter na apreciação do próprio conteúdo do thema decidendum, preferimos apreciar liminarmente o recurso com vista à apreciação do mérito do mesmo ou da sua eventual improcedência manifesta, não sendo confundível o que sejam os vícios de forma que poderão conduzir a esta com a utilização indevida do prazo de recurso.

No art.° 412°, n.°1 CPP prevê-se que, no seguimento e decorrência da enunciação especificada dos motivos e fundamentos do recurso, ou seja da motivação do recurso, se termine pela formulação de conclusões em que sejam resumidas as razões do pedido.

É a partir das conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o ãmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer. Cfr., neste sentido, os Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 3-2-1999 (BMJ 484-271), de 25-6-1998 (BMJ 478-242) e de 13-5-1998 (BMJ 477-263); SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, «Recursos em Processo Penal», pág. 48; GERMANO MARQUES DA SILVA, «Curso de Processo Penal», vol. III, 2' ed., 2000, pág. 335, JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES, «Recursos», in «Jornadas de Direito

Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal», 1988, pág. 387, e ALBERTO DOS REIS, «Código de Processo Civil Anotado», vol. V, pp. 362-363.
Como sublinha o Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA (ibidem), «são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar».

A motivação de recurso deve identificar, com clareza e precisão, quais as exactas razões da discordância do recorrente relativamente à decisão, ou seja os fundamentos do recurso devendo as conclusões, tal como decorre do art.° 412°, n.°1 CPP, resumir as razões do pedido que o recorrente formula relativamente à decisão recorrida.
São as conclusões de recurso que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.

Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido nem podendo ser tão extensas e exaustivas como as conclusões, e destinam-se a permitir que o tribunal conheça, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.

Essa definição compete exclusivamente ao recorrente e tem a finalidade útil e garantística de permitir que não existam dúvidas de interpretação acerca dos motivos que levam o recorrente a impugnar a decisão, o que poderia acontecer perante a mera leitura das alegações, por natureza mais desenvolvidas, definindo-se claramente quais os fundamentos de facto e/ou de direito, já que é através das conclusões que se conhece o objecto do recurso.

Neste sentido se pronunciaram os Ac. STJ 21.4.93, 19.4.94, 9.11.94, CaJa STJ, tomos 2°, 2°,e 3° dos anos respectivos, p. 206, 189, 245.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretende que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.

Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.

As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal.


Constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

Embora o recorrente indique, no requerimento inicial de recurso, que pretende ver reapreciada a prova gravada, não a requer nos rigorosos termos em que a lei a prevê e da forma como a preconiza.
É necessário que, no quadro do recurso que interpõe, o manifeste claramente e que, na motivação e conclusões, refira que factos pretende concretamente impugnar fazendo-o de forma nítida e especificada.

E é nas conclusões que se destinam a, de forma séria e clara, indicar o que pretende ver apreciado pelo tribunal de recurso que tal indicação deverá ser feita expressamente, como síntese do alegado na motivação.
Evidentemente que a motivação, por vezes longa, serve para o recorrente expandir os argumentos mas a lealdade da lide obriga a que nas conclusões se sintetize de forma clara e concisa quais as exactas questões que o recorrente pretende ver apreciadas e qual a exacta medida de apreciação que pretende seja feita pelo tribunal de recurso.

Ora um recurso da matéria de facto não é necessariamente um recurso que imponha reapreciação da prova gravada.
Para tanto é necessário que o recorrente indique quais os factos que pretende ver alterados e quais as provas que justificam tal alteração e que razões, perante a apreciação que delas se faça, impõem uma diferente decisão relativamente à matéria de facto.

Porém, não se confunda o que sejam vícios que afectam o aspecto formal do recurso com a pretensão do recorrente de ver reapreciada a prova gravda e das razões para que nesse caso possa usar de um prazo mais alargado,

O recorrente na motivação, embora não especifique quais os factos da decisão que pretende impugnar refere genericamente factos de que discorda e transcreve excertos de depoimentos que o justificam. Veja-se por exemplo a alusão que faz na motivação do facto provado Ponto III-C.


Embora o faça de forma incorrecta e ineficaz na perspectiva do que pretende, fá-lo de forma minimamente aceitável na definição formal do que pretende, ou seja impugnar o facto vertido em 9 e os factos 4 e 5.(fls. 397).
Por isso aceita-se o recurso no prazo em que foi interposto, embora as questões suscitadas pela Exm.a PGA venham a colocar pertinentemente em causa a própria procedibilidade substanctiva do recurso.

3.2.

É a seguinte a fundamentação de facto da decisão:

II- FUNDAMENTAÇÃO

(...)

.

3.3

Lendo, atentamente, as conclusões constata-se que o recorrente invoca a violação dos art.°s 1°, n.°s 1 e 2 e 217, n.°1 e 218°, n.° 1 CP e a nulidade do art.° 374° n.°2 CPP.

Ao longo das suas conclusões o recorrente discorda da circunstância de, dos factos provados, se não poder retirar que o arguido com tais factos preencheu o tipo legal de crime por que foi acusado.

Alega que da matéria provada não emerge que tenha havido intenção de enriquecimento ilegítimo pelo que conclui pela inexistência dos elementos típicos do crime, atenta a (actualidade apurada ( cls. 3° a 5') .

Porém, é nítida a confusão que estabelece entre a sua discordância relativamente aos factos e a sua errada subsunção ao Direito.

Apenas na conclusão 12ª o recorrente fala em omissão de factos essenciais e de erro na apreciação das provas mas faz declarações genéricas como as seguintes: a conduta foi do mais perfeito desconhecimento do arguido, não tendo participado no acto subjacente à burla, como dele não teve conhecimento nem tão pouco teve consciência da ilicitude.

Embora, na motivação o recorrente aluda a excertos de depoimentos testemunhais que segundo ele afastariam qualquer intenção de enganar o cliente, bem como de enriquecer ilegitimamente, a falta de consciência da ilicitude e a própria participação no negócio.

É o caso da alusão ao depoimento da testemunha JF... que refere um excerto em que este refere que, ao realizar a venda, o arguido mais não fez do que seguir o procedimento normal, de modo similar ao que vinha tendo há cinco anos.

Afasta assim, na sua versão, a intenção de enganar o cliente.


Porém, este depoimento não é suficiente para impor a versão d o recorrente como mais plausível do que aquela que o tribunal adoptou.

Nem nada no excedo transcrito o faz conluir.

Na motivação, ao expor o motivo de discordância relativamente ao decidido,
refere que esta discordância radica na circunstância de entender que a conduta que é assacada ao arguido e dada como provada não deverá constituir objecto da penalização sentenciada e nos termos do n.°1 e al. b) e c) do n° 2 e 3 do art.° 410°CPP assim se fundamenta o recurso com base em :
"Errónea subsunção dos factos dados como provados ao Direito; Erro notório na apreciação da prova;

Omissão de factos essenciais para a boa decisão da causa."

Já a leitura das conclusões — que, por seu turno, não podem sintetizar mais do que aquilo que deverá já constar da motivação — não permite concluir sequer que o recorrente pretenda impugnar a matéria de facto da forma que a lei lhe confere para tal, conforme mecanismos estabelecidos nos art.°s 411° e 412° CPP, nem que para tal deva o tribunal reapreciar a prova gravada, apesar de o afirmar no requerimento inicial de apresentação do recurso.

Não basta afirmar que pretende ver reapreciada a prova, não tendo um direito a que o tribunal oficiosamente o faça, nem a que o faça como um segundo julgamento; é preciso usar os mecanismos legais que a lei estabelece para que veja exercido o direito ao recurso pleno da matéria de facto, com reapreciação da prova gravada e não apenas como revista plena e para o qual a lei conferia um prazo mais alargado.

O recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância"— Germano Marques da Silva, "Forum Justitiae, Maio/99.

Como o Supremo Tribunal vem decidindo, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (artigo 430°), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o

recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento — artigo 412°, n.° 2, alíneas a) e b)..

O recorrente faz a indicação da sua própria versão dos factos, perante uma avaliação genérica e global da matéria de facto provada que também não impugna especificadamente, nem na motivação nem nas alegações.

Em bom rigor, o recorrente não cumpriu aquele ónus, nem nas conclusões — o que não seria obstáculo a prosseguimento do recurso se depois de convidado as viesse aperfeiçoar — mas também não na motivação pelo que não se justifica aperfeiçoar as conclusões.
A exigência legal é de que o recorrente indique as provas que impõem decisão diversa da recorrida, não bastando a mera possibilidade de uma decisão diferente nem bastando para obter uma reapreciação substancial e não meramente formal da prova que indique excertos descontextualizados da prova que em nada contrariam a versão considerada como provada pelo tribunal.
E a forma como o faz não permite a este tribunal sequer conhecer do recurso por a forma como o faz não permitir a este tribunal verificar se o tribunal a quo formou uma convicção não plausível e a que se devesse perante as provas ter imposta uma decisão diversa, quer quanto à autoria dos factos, quer quanto à intenção de enganar o cliente e de obter um enriquecimento ilícito.

Por outro lado, perante a alegação do próprio recorrente facilmente se constata que não pretende invocar a existência de existe qualquer erro notório na apreciação da prova m as sim demonstrara  s ua d iscordância a cerca d a forma como o tribunal formou a sua convicção e fixou a matéria de facto.
De acordo com o n.° 2 do art.° 410° C.P.P. qualquer dos vícios aí invocados tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos a ele estranhos, como por exemplo os conteúdos da prova.

Erro notório na apreciação da prova é aquele que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja , quando o homem médio facilmente dele se dá

conta (Situas Santos e Leal Henriques, C.P.P. Anotado, I, 554) e traduz uma desconformidade do facto apurado com a prova.

Verifica-se este erro "quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser desmontado a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum ."(Ac. do S.T.J. de 17/12/97, B.M.J. 472, 407).
Ora não é susceptível de constituir erro notório na apreciação da prova aquilo que o recorrente invoca, confundindo a sua alegação com inexistência ou insuficiência da prova, também não confundível com o vício do ad.° 410°,n.°2 al. a) CPP.

Também não resulta da decisão que esta contenha contradição insanável entre a decisão e a fundamentação ou que seja insuficiente para a decisão que foi proferida (art.° 410°, n.°1 e 2 CPP), vícios de conhecimento oficioso.
Ao contrário do referido pelo arguido, resulta manifesto da própria decisão que se mostram preenchidos os suficientes factos integradores do tipo legal em questão.
O recorrente ora refere que não estão verificados os elementos típicos do crime face aos factos provados como parece — embora inconsequentemente — alegar que não existiram provas que justificassem os factos apurados, o que são realidades bem distintas, deixando este tribunal na impossibilidade de conhecer, de forma consequente, do recurso interposto cujo objecto se torna incompreensível.

Os factos 4,5,6,8 e 9 revelam a existência da astúcia indutora em erro e o facto 3 refere a intenção

São pois suficientes os factos para a condenação como resulta do texto da decisão que se mostra devidamente fundamentada de facto e de direito.

Pelo exposto, acordam as juízas em julgar o recurso manifestamente improcedente .

Custas pelo recorrente com 4 fixada em 4 UC.

Lisboa, 15.07.2014

Filomena Lima

Ana Sebastião

                                 

Decisão Texto Integral: