Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3136/20.8T8FNC.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) A Lei n.º 23/2013, de 5 de março, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI), veio proceder a uma desjudicialização mitigada do processo de inventário que, antes, era tramitado em todos os seus termos junto dos tribunais judiciais, tendo passado, com tal Lei, a competência-regra para a tramitação deste processo para os cartórios notariais, ressalvados alguns aspetos em que se manteve a intervenção judicial.
II) No âmbito do RJPI, a generalidade das decisões interlocutórias do notário, porque apenas passíveis de impugnação no recurso interposto da decisão da partilha, apenas formam caso julgado material após decorrer o prazo para tal impugnação ou com o trânsito em julgado da decisão que, sobre ela, seja tomada.
III) A decisão recorrida, não se inscrevendo no regime de recurso de decisão notarial tomada no processo de inventário, mas inserindo-se em ação autónoma deste - na sequência da remessa das partes para os meios comuns relativamente a questão que não foi decidida no inventário - não sindicou a decisão notarial que, num primeiro momento considerou tempestivo o exercício do direito pela ora recorrente e, depois, perante reclamação dos demais interessados do inventário, em sede de reclamação sobre o mapa da partilha, veio a remeter a decisão da questão para os meios comuns, por a considerar juridicamente complexa.
IV) Não estando em confronto duas decisões judiciais dotadas de autoridade judicativa, mas a prolação de uma decisão notarial e de uma decisão judicial ulterior atinente ao objeto do processo em apreço, não se mostra violado, por esta última, o princípio do esgotamento do poder jurisdicional a que se refere o n.º 1 do artigo 613.º do CPC, nem a autoridade do caso julgado, por o Tribunal recorrido apreciar questão que foi remetida para os meios comuns no âmbito do processo de inventário.
V) O direito do cônjuge sobrevivo ao encabeçamento no direito de habitação da casa de morada de família e no uso do recheio da casa, em conformidade com o previsto no artigo 2103.º-A do CC, só opera no “momento da partilha”, pelo que, não estando concluída a partilha, é tempestiva a manifestação de vontade do respetivo titular com vista ao referido encabeçamento, podendo esta ter lugar até ao momento de ser proferido o despacho determinativo da partilha.
VI) Não se encontra, assim, precludido o direito a que se refere o artigo 2103.º-A do CC, se o mesmo não foi manifestado em sede de conferência preparatória ou apenas o foi em sede de pronúncia das partes sobre a forma à partilha em conformidade com o previsto nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 57.º do RJPI, mas, ainda, em momento anterior ao da decisão sobre a partilha.
(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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1. BB, CC, DD e EE, identificados nos autos, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra AA, também identificada nos autos, peticionando o seguinte:
“(…) a) Declarar-se que o prédio urbano, ao sítio ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...65, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...44, faz parte da herança aberta por óbito de FF e GG, sendo que foi relacionado no Processo de Inventário n.º ...17, que corre termos no Cartório Notarial Privado ...;
b) Declarar-se que válida e de plena eficácia as três conferências preparatórias, realizadas a 24-09-2018,17-10-2018 (continuação da anterior) e a 18-01-2019 no âmbito do dito Processo de inventário, sendo que nesta última foi finalizada e feita a partilha dos bens daquela herança, incluindo do dito prédio urbano.
c) Declarar-se que a partilha teve por fundamento um acordo de dois terços dos titulares ao direito à herança, correspondente à votação por maioria, quanto à prévia distribuição e adjudicação dos bens, como mencionado no art.º 48.º do RJPI, pelo que foi dada às partes a possibilidade de serem ouvidas quanto à forma à partilha.
d) Declarar-se que a Ré esteve presente nas mencionadas conferências preparatórias e, até ao requerimento pelo cabeça-de-casal da forma à partilha, aquela nunca mencionou ou invocou o direito real de uso e habitação relativamente a tal imóvel;
e) Declarar-se que tal direito real de uso e habitação relativamente á casa de morada de família tem de ser exercido até ao termo da Conferência de interessados, pelo que foi exercido extemporaneamente;
f) Declarar-se, em consequência, que o despacho determinativo sobre a forma da partilha proferido pelo Exmo. Dr. Notário, datado de 30-03-2019, na parte que concedeu à Ré o direito de habitação da casa de morada de família, é nulo e ineficaz, carecendo de fundamento legal;
g) Declarar-se que a forma à partilha deve ser realizada conforme requerida nos autos do Processo de Inventário, nos precisos termos que resultam da última conferência preparatória, devendo ser as cinco verbas, correspondentes aos bens imóveis, adjudicadas aos interessados BB, na proporção de metade, e aos interessados DD e EE, na proporção de ¼ para cada uma, sem quaisquer ónus ou encargos a favor da Ré, padecendo, quanto a tal reconhecimento do direito de habitação a favor da Ré, de desigualdade e de falta de observância do despacho que determinou a partilha;
h) Ser declarada a obrigação de retificação do mapa da partilha nos termos invocados na alínea anterior, ou em alternativa, não ser concedido à viúva AA o direito de habitação na casa de morada da família e direito de uso do recheio, que constitui a verba n.9l da Relação de Bens, devendo ser feita uma nova conferência de interessados;
i) Condenar-se a Ré nas custas processuais e nas custas de parte (…).”
Invocaram os autores, para tanto e em suma:
- Que para partilha dos bens deixados por óbito de FF (falecida a 15-01-2000) e GG (falecido a 29-11-2012), pais dos AA., corre termos, no Cartório Notarial Privado ..., o Processo de Inventário n.º ...17;
- Que do seu casamento, nasceram quatro filhos, BB, CC, DD e EE, ora Autores;
- Que o falecido CC foi casado, em segundas núpcias, com AA, à qual caberia o exercício do cargo de cabeça-de-casal no referido Processo de Inventário, cargo cujo exercício foi recusado pela viúva, tendo sido o A. BB, que exercer o cargo durante o referido processo de inventário;
- Que são herdeiros legitimários da totalidade da herança, os quatro filhos dos inventariados, sendo a referida AA herdeira legitimária do inventariado CC, à qual este lhe atribuiu, ainda, a sua quota disponível, através de disposição testamentária;
- Que da Relação dos Bens deixados pelos inventariados, faz parte um prédio urbano, ao sítio ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...65, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º...44 (sendo os restantes bens prédios rústicos, de valor diminuto), que era a casa de morada de família dos inventariados, vivendo a ré no mesmo desde que contraiu matrimónio com o inventariado;
- Que, na última conferência preparatória não houve acordo quanto à partilha dos bens, tendo os AA., detentores da maioria de 2/3 dos titulares do direito à herança, e de acordo com o disposto no art.º 48.º, n.º 1 do RJPI (Lei n.923/2013), decidido, por deliberação, adjudicar, pelo valor de € 109.300,00, as cinco verbas, correspondentes aos bens imóveis, aos interessados BB, na proporção de metade, e aos interessados DD e EE, na proporção de ¼ para cada uma;
- Que o testamento foi reconhecido pelos autores, não tendo sido aprovado passivo;
- Que até à conclusão da última conferência, na qual, finalmente, foi formalizada a partilha, a interessada AA nunca invocou qualquer direito real de habitação quanto ao prédio urbano que integra a relação de bens nem fez qualquer referência, até essa data, ao direito a encabeçar no direito de habitação da casa de morada de família;
- Que na respetiva ata - doc. 15- consta que se verificou um acordo de dois terços dos titulares ao direito à herança, pelo que foi dada às partes a possibilidade de serem ouvidas quanto à forma à partilha;
- Que os AA. requereram a forma à partilha;
- Que a 30-01-2019, já após o cabeça-de-casal ter requerido a forma à partilha nos termos acima indicados, a referida AA, nos autos do inventário, requereu que a partilha fosse feita de forma a que esta fique possuidora da verba n.º 1 que é composta pela habitação dos inventariados e dos terrenos em redor da mesma, pretensão que, apesar de nunca ter sido requerida anteriormente ou sequer abordada pela mesma em fase anterior dos autos, foi deferida, em parte, a 30-03-2019, no despacho determinativo sobre a forma da partilha proferido pelo Exmo. Dr. Notário, tendo, então, sido concedida à referida AA o direito de habitação da casa de morada de família;
- Que o art.2103.º-A do CC só tem aplicação se o cônjuge sobrevivo tiver capacidade económica para pagar aos restantes herdeiros o que leva em excesso quanto à sua parte sucessória, correspondendo a um mero direito de encabeçar no direito à habitação da casa de morada de família se tal requisito estiver preenchido e se tal cônjuge assim o pretender, o que não é o caso, conforme resulta das atas das conferências preparatórias efetuadas e da sua confissão nos autos nesse sentido;
- Que o pedido de encabeçamento do direito de habitação, foi formulado pela viúva, pela primeira e única vez, aquando da pronúncia pelas partes sobre a forma da partilha, nos termos do n.º 1 do art.57.º do RJPI, ou seja, já após a decisão acerca da partilha dos bens e respetiva adjudicação, momento manifestamente inapropriado e tardio, para os devidos efeitos.
- Que a Notária proferiu despacho de remessa do dito Processo de Inventário para os meios comuns com fundamento na reclamação apresentada pelos ora AA. do mencionado mapa da partilha, por aquela elaborado, o que deu origem ao Processo n.º160/19.... - Inventário (Lei 23/2013), que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Competência Genérica ...; e
- Que não são as questões complexas que devem ser remetidas para o tribunal, conforme ocorreu, mas sim as partes recorrer ao tribunal para intentar a respetiva ação, o que agora se faz.
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2. Citada, a ré contestou concluindo pela improcedência da ação, com procedência da exceção dilatória de caso julgado e, subsidiariamente, pela procedência da exceção perentória de “violação de normas imperativas e da tempestividade do exercício do direito de uso e habitação”.
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3. Proporcionado o exercício de contraditório aos autores, os mesmos pronunciaram-se – cfr. requerimento de 04-12-2020 – pela improcedência das exceções invocadas.
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4. Em 21-09-2021 teve lugar audiência prévia, na qual foi proferido o seguinte despacho e concedido às partes o prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciarem:
“Compulsados os autos e, tendo em consideração aquelas que são as alegações de facto e de direito apresentadas pelas partes em sede de articulados, considera-se existir excepção dilatória insuprível de incompetência material, no que diz respeito aos pedidos apresentados nestes autos, sob as alíneas b), c), d), f), g) e h).
Igualmente se constata, em face dessas mesmas alegações, e tendo em consideração o disposto no artigo 595º do Código de Processo Civil, que os autos se encontram em condições de facto e de direito, para que seja proferida decisão de mérito em sede de despacho saneador.
Assim sendo, por forma a que as partes possam exercer o devido contraditório, concede-se-lhes a palavra para que requeiram o que tiverem por conveniente quanto à agora referida excepção dilatória de incompetência material e possibilidade de conhecimento de mérito imediato”.
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5. Os autores pronunciaram-se – cf. requerimento de 30-09-2021 – considerando não haver lugar a exceção dilatória insuprível de incompetência material.
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6. Em 12-10-2021 foi proferida a seguinte decisão:
“(…) Decorrido o prazo solicitado pelas partes, a fim de se pronunciarem quanto às questões levantadas em sede de audiência prévia, cumpre (em conformidade com o que ali se havia já deixado explanado - tendo sido concedido às partes a possibilidade de discutirem os aspectos de facto e de direito da causa) proferir nos termos definidos pelo artigo 595º, do Código de Processo Civil.
(…) Instauram os Autores a presente acção comum, na sequência da decisão de remessa para os meios comuns, proferida pela Notária nos autos de inventário em que Autores e Ré assumem a qualidade de interessados, relativa à questão da atribuição preferencial da casa de morada de família à aqui Ré.
Peticionam os autores que:
a. Se declare que o prédio urbano ao sítio ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...65, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...44, faz parte da herança aberta por óbito de FF e GG, sendo que foi relacionado no Processo de Inventário número ...17, que corre termos no Cartório Notarial Privado ...;
b. Se declarem válidas e de plena eficácia as três conferências preparatórias, realizadas no âmbito do dito processo de inventário;
c. Se declare que a partilha teve por fundamento acordo de dois terços dos titulares ao direito à herança, correspondente à votação por maioria, quanto à prévia distribuição e adjudicação dos bens;
d. Se declare que a Ré esteve presente nas mencionadas conferências preparatórias e que até ao requerimento pelo cabeça-de-casal da forma à partilha, nunca mencionou ou invocou o direito real de uso e habitação relativo ao imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...65, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...44;
e. Se declare que o direito real de uso e habitação relativamente à casa de morada de família tem de ser exercido até ao termo da Conferência de interessados, pelo que foi exercido extemporaneamente;
f. Se declare que o despacho determinativo sobre a forma da partilha proferido pelo Notário, datado de 30-03-2019, na parte que concedeu à Ré o direito de habitação da casa de morada família é nulo e ineficaz;
g. Se declare que a forma à partilha deve ser realizada conforme requerida nos autos do Processo de Inventário, nos precisos termos que resultam da última conferência preparatória, devendo ser as cinco verbas, correspondentes aos bens imóveis, adjudicadas aos interessados BB, na proporção metade, e aos interessados DD e EE, na proporção de ¼ para cada uma, sem quaisquer ónus ou encargos a favor da Ré, padecendo, quanto a tal reconhecimento do direito de habitação a favor da Ré, de desigualdade e de falta observância do despacho que determinou a partilha;
h. Ser declarada a obrigação de rectificação do mapa da partilha nos termos invocados na alínea anterior, ou em alternativa, não ser concedido à viúva AA o direito de habitação na casa de morada da família e direito de uso do recheio, que constitui a verba número 1 da Relação Bens, devendo ser feita uma nova conferência de interessados;
Analisados os pedidos assim apresentados pelos Autores, cotejados com o preceituado pelo artigo 1º e 3º, do Regulamento Jurídico do Inventário, constata-se a existência de uma situação de incompetência material deste Tribunal para conhecer parte dos pedidos apresentados pelos Autores, por os mesmas se referirem a situações que apenas em sede de processo de inventário, seguindo o iter processual por aquela lei estabelecida podem ser apreciadas.
Vejamos.
Sustentam os Autores os seus pedidos na circunstância de estarem pendentes autos de inventário, no Cartório Notarial Privado ... e na sua discordância relativamente a algumas das decisões neles tomadas.
Os referidos autos foram ali instaurados, ao abrigo das disposições constantes da Lei 23/2015, de 17 de Março, em vigor à data de entrada do processo de inventário mencionado pelas partes.
Estabeleceu a referida Lei uma clara desjudicialização do procedimento de inventário, fixando a competência para efectuar a partilha de bens na sequência de comunhão hereditária, nos Cartórios Notariais.
Significa o que vem de dizer-se que, à data da apresentação do inventário por óbito de FF e GG, a competência para apreciação do referido processo se encontrava atribuída aos Cartórios Notariais (cfr. artigo 3º, n.º 1 e n.º4, da Lei 23/2015), sendo que, a competência do Tribunal se estabelecia em pontos concretos do iter processual expressamente definidos pela Lei (cfr. artigo 3º, n.º7).
Dos preceitos da Lei em vigor resultava, assim, que todo o processo de inventário corria os seus termos no Cartório Notarial – entidade materialmente competente para o efeito – até que se mostrasse chegado o momento de proferir decisão homologatória da partilha.
Nessa altura, os autos seriam remetidos ao Tribunal, para que seja o Juiz a proferir tal decisão.
A Lei 23/2015 assenta, assim, no que respeita à entidade encarregue da tramitação do processo de inventário, numa repartição material de competência entre os cartórios notariais e os tribunais, caracterizada pela atribuição ao notário da competência (regra) para a prática, em geral, de todos os actos e termos do processo de inventário e pela especificação dos actos (excepções à regra) reservados à competência do Tribunal. - Eduardo Sousa Paiva e Helena Cabrita, in Manual do processo de inventário: à luz do novo regime, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, pág. 19.
Aquando da remessa dos autos ao Juiz da Comarca, este afere da validade dos actos praticados e da legalidade e regularidade do processo, efectuando uma sindicância dos actos até então praticados e, sendo caso disso, determinando – no limite – a anulação e repetição dos actos que tenha por contrários à lei ou violadores de garantias das partes.
Não pode ser outra a interpretação a retirar da circunstância de o processo de inventário terminar com uma sentença judicial; tal circunstância é a prova clara que o legislador - apesar da intenção de desjudicialização – decidiu manter o inventário, ao menos em parte, como um processo jurisdicional, cuja decisão final é da competência jurisdicional do tribunal, cujo controlo se revela material e não meramente formal. – Neste sentido, vide Carla Câmara, Carlos Castelo Branco, João Correia e Sérgio Castanheira, in Regime Jurídico do Inventário, pág. 338 ss e Eduardo Sousa Paiva e Helena Cabrita, Manual do processo de inventário: à luz do novo regime, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, pág. 195
Da repartição material de competência estabelecida pela Lei 23/2013 resulta que o Tribunal competente para decidir das questões relacionadas com o processo e com as decisões nele tomadas pelo Notário será o Tribunal da Comarca onde o Cartório Notarial se situa, na medida em que a este é atribuída a competência para a prática de todos os outros actos que venham a ser praticados pelo juiz ( cfr. n.º7, do artigo 3º).
Aqui chegados, haverá que ponderar que a avaliação da licitude, legalidade ou validade dos actos praticados pelo Notário no processo de inventário, naquela que se reconduz à tramitação processual regularmente estabelecida para o efeito, deverá ser efectuada no âmbito do processo, de acordo com os trâmites processuais estabelecidos para o efeito.
A lei estabelece os mecanismos de defesa e reacção dos interessados, no que respeita às decisões tomadas em sede de inventário notarial, não se mostrando legalmente admissível que tais mecanismos sejam preteridos ou excluídos pelo recurso a outros mecanismos que não os previstos para o efeito, sob pena de violação do princípio da legalidade ( cfr. artigo 131º, do Código Processo Civil).
Prevendo a lei a forma de reacção às decisões proferidas, não podem as partes lançar mão de outros mecanismos processuais.
Ora, às partes é permitida a apresentação de recurso das decisões proferidas pelo Notário – se não imediatamente, ao menos a final, sendo o Tribunal de 1.ª instância da Comarca do Cartório Notarial chamado a intervir, não só no momento em que deva proferir decisão homologatória da partilha, mas também para conhecer dos recursos que venham a ser interpostos da decisão do Notário (Cfr., designadamente, artigos 16º, n.º 4, 57º, n.º 4, do Regulamento Jurídico de Inventário).
Temos, assim, que das decisões tomadas pelo notário com as quais se não concorde, se apresenta impugnação para o Tribunal de l.ª instância territorialmente competente e das decisões deste recorre-se para o Tribunal da Relação.
Acresce que, no que especificamente respeita à partilha, a lei estabeleceu a competência material no Notário ( cfr. artigo 3º, n.º 1 e n.º 4).
Por outro lado, a conferência preparatória, prevista nos artigos 47º e 48º, da Lei, decorre sob a presidência do notário, da mesma forma que o despacho determinativo da forma como se efectuará a partilha a este exclusivamente compete.
A competência material para esse efeito mostra-se, portanto, legalmente fixada no Notário e no Cartório Notarial.
É certo que as decisões proferidas pelo Notário podem ser postas em crise pelas partes; mas também é certo que a própria Lei que organiza o processo de inventário, fixa a forma correcta para o fazer: através de impugnação ou recurso dirigido ao juiz do tribunal da comarca onde se encontra sediado o notário que dirige o processo de inventário.
Das normas processuais estabelecidas pela Lei 23/2013 resulta que o interessado que se considere prejudicado pelo decidido deve defender-se primeiro no inventário impugnando a decisão do Notário, junto do Tribunal competente e, não concordando com a decisão deste, interpondo recurso para o Tribunal da Relação.
Do cotejo das normas estabelecidas pela Lei 23/2013 resulta que as decisões proferidas pelo Notário, ao longo do processo, são impugnáveis judicialmente, estando a competência para conhecer dessa impugnação fixada no tribunal de 1.ª instância da Comarca do Cartório Notarial, não apenas nas situações previstas nos artigos 57º e 16º, mas em todas as outras em que nos termos gerais do direito processual civil a decisão é passível de recurso. As impugnações das decisões do notário seguem o regime dos aspectos em que o artigo 57º e 16º coincidem e, quanto aos aspectos aí não previstos de forma coincidente, aplica-se subsidiariamente o regime do recurso de apelação. – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27/06/2018, com o número de processo 379/18.8T8GDM.P1, disponível in www.dgsi.pt.
Significa o que vem de dizer-se que os próprios autos de inventário possuem os mecanismos próprios para questionar e pôr em causa as decisões nele tomadas, assim salvaguardando o direito ao contraditório e à discordância das partes.
O meio adequado a evitar um acto próprio do inventário é intervindo adequadamente e nos termos previstos na lei de processo dentro desses autos o que, in casu, se traduz – quanto aos aspectos que analisamos – na apresentação de impugnação ou recurso a ser apreciado pelo juiz junto do Tribunal de 1.ª instância da Comarca do Cartório Notarial (no caso, o Juízo Local ...) e, na discordância do assim decidido, apresentação de recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
Ignorar o iter processual assim estabelecido seria retirar função útil ao normativo relativo a recursos, na medida em que – no limite - mesmo que não recorresse, o interessado poderia reagir contra a decisão, através de outro meio processual, noutra sede processual, quando bem entendesse.
Inutilizaríamos, dessa forma, o próprio regime do processo de inventário.
Ponderado tudo quanto supra se deixa exposto e cotejando-o com o conteúdo expresso dos pedidos deduzidos nas alíneas b), c), d), f), g) e h) da Petição Inicial, concluímos que a competência material para a ponderação de tais questão não se mostra atribuída a este Tribunal.
As matérias em causa têm o seu local de conhecimento fixado no Cartório Notarial e a possibilidade de fiscalização judicial dessas decisões mostra-se atribuído ao Tribunal de 1.ª Instância da comarca onde aquele se situa (in casu - face ao preceituado pelos artigos 117º, n.º1 e 130º, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto e artigo 90º, do Decreto-Lei 49/2014, de 27 de Março e mapa III que o integra - o Juízo Local de competência genérica ...).
Estamos, em face do que se deixa exposto, no que respeita aos pedidos deduzidos sob as referidas alíneas perante uma situação de incompetência absoluta, em razão da matéria (cfr. artigo 96º, alínea a), do Código de Processo Civil).
A incompetência em razão da matéria configura excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição do réu da instância, conforme o disposto nos artigos 99º, n.º 1, 278º, nº. 1, alínea a), 576º, n.º 2, 577º, alínea a) e 578º, todos do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, constatada a existência de incompetência absoluta no que respeita aos pedidos deduzido pelos Autores nas alíneas b), c), d), f), g) e h) do petitório, nada mais resta a este tribunal que não seja declarar a absolvição da ré da instância, no que aos mesmos respeita.
Destarte, tudo ponderado e ao abrigo das disposições normativas que supra se referiram, declara-se ser este Juízo Central Cível materialmente incompetente para julgar os pedidos elencados nas alíneas b), c), d), f), g) e h), do Petitório apresentado na Petição Inicial e, em consequência, absolve-se a Ré da instância, no que aos mesmos diz respeito.
Custas, nesta parte, pelos Autores (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
(…) No que respeita ao pedido deduzido sob a alínea e), atento o disposto pelo artigo 16º, n.º 3, que permite ao Notário a remessa de questão concretamente controvertida para resolução nos meios comuns, entendemos que tal incompetência em razão da matéria já se não verifica.
De facto, a remessa para os meios comuns tem o alcance de determinar que seja conhecido com total autonomia relativamente aos autos de inventário (tendo, embora, neles repercussão, tanto mais que, por regra, aguardam os autos de inventário suspensos, a decisão que venha a ser proferida no processo a que a questão complexa deu lugar) uma questão que, fundamentadamente não pôde ser decidida nos autos de inventário.
O processo de inventário mantém-se no cartório notarial, não obstante ocorra tal remessa dos interessados para que suscitem a questão nos meios comuns.
Na medida em que a remessa dos interessados para os meios comuns se destina apenas a dirimir as questões concretas, não resolvidas no processo de inventário, que justificaram esse reenvio – concluímos que, no que respeita ao pedido de avaliação de tempestividade do exercício do direito de atribuição do direito real de uso e habitação da casa de morada de família, este Tribunal se revela materialmente competente para o efeito.
Temos, assim, que quanto a esse pedido, o Tribunal é o competente.
O processo é o próprio, sem nulidades que o invalidem.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se regularmente representadas.
Suscita a Ré excepção dilatória de violação de caso julgado, por entender que as decisões proferidas pelo Notário, quanto à forma como se havia de efectuar a partilha, haviam transitado e julgado e, como tal, não podiam ser postas em crise.
Ponderado o objecto da alegação assim apresentada e cotejando-a com o que supra se deixou já decidido quanto à competência para conhecimento das referidas questões, entendemos mostrar-se prejudicada a alegação apresentada.
(…) Inexistem nulidades processuais ou questões prévias de que cumpra, nesta fase, conhecer.
(…) Estabelece o artigo 595, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, que “o despacho sanador destina-se a (...) conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”.
Afigura-se-nos ser esse o caso dos presentes autos, na medida em que nestes pretendem os Autores que se afira se a Ré exerceu tempestivamente o seu direito de uso e habitação da casa de morada de família ou se, como defendem, não o tendo feito até ao termo da conferência de interessados, deixou precludir tal direito.
Estando as partes de acordo quanto aos factos necessários ao conhecimento das questões de direito fulcrais que se mostram controvertidas entre as partes, concluímos pela possibilidade de conhecimento do mérito da causa, sem necessidade de mais diligências de prova.
Assim sendo, apreciemos.
Com interesse para a boa decisão da causa temos por assentes, com base no que pelas partes é alegado e nos documentos juntos aos autos, os seguintes factos:
i. No Cartório Notarial ... corre, termos autos de inventário, sob o número ...17, por morte de FF e GG;
ii. Nos autos de inventário referidos em i., foi realizada conferência preparatória nos dias 24 de Setembro de 2018, 17 de Outubro de 2018 e 18 de Janeiro de 2019;
iii. A Ré esteve representada por mandatário nas conferências referidas em ii.;
iv. Na conferência preparatória de 18 de Janeiro de 2019 foi formado acordo quanto ao preenchimento dos quinhões, formado por dois terços dos interessados;
v. Na sequência do acordo referido em iv., foi concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem quanto à forma da partilha;
vi. Quando se pronunciou sobre a forma a dar à partilha, a Ré solicitou que lhe fosse atribuído direito de uso e habitação da casa de morada de família;
vii. Por decisão proferida a 30 de Março de 2019 foi determinada a forma a dar à partilha, considerando o pedido da Ré AA;
viii. Por decisão da Notária, foram as partes remetidas para os meios comuns quanto à questão da tempestividade do exercício do direito de uso e habitação da casa de morada de família
(…)
Estabelece o artigo 2103º-A, do Código Civil, que o cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte e meação, se a houver.
Estabelece, assim, o referido preceito legal um direito do cônjuge – e apenas deste - de fazer retirar do mecanismo corrente das atribuições por inventário os bens referidos.
Opera-se a constituição ex lege e sob exercício de direito potestativo, de direitos reais menores de habitação e de uso, com a sua autonomização se desdobrando o direito de propriedade plena, sob o regime previsto nas respectivas normas (cfr. artigos 1305º, 1306º e 1484º e ss., do Código Civil), com a finalidade de assegurar ao viúvo a fruição de bens essenciais à manutenção dos seus hábitos e nível social. – Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, 2018, Vol. II, pág. 463.
A lei nada estabelece quanto ao momento correcto para exercer estes direitos.
Considerando, no entanto, que a ponderação desta circunstância sempre terá repercussões nos direitos de cada um dos interessados, doutrina e jurisprudência mostram-se unânimes ao concluir que tal questão se reconduz, necessariamente, a questão que influi na partilha.
Na verdade, saber se sobre os bens em causa vai ou não recair o ónus agora tratado influi sobre o modo de partilhar os respectivos bens.
Partindo dessa conclusão – de que nos deparamos com questões susceptíveis de influir na partilha – e cotejando-o com o regime jurídico em vigor nos autos de inventário sobre os quais nos debruçamos, forçoso se torna concluir que a questão deverá ser suscitada em sede de conferência preparatória: atenta a circunstância de se tratarem de atribuições prévias de bens, apenas compatíveis com a fase da conferência preparatória e não com a conferência de interessados, nos moldes em que o regime em causa a definiu. - Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, 2018, Vol. II, pág.464-465.
De referir, ademais, que a conclusão assim retirada se mostra, até, sustentada, pelo regime estabelecido para os encargos ou ónus da herança – sendo que o direito que a cabeça de casal pretende exercer não pode deixar de ser assim considerado – na medida em que estes igualmente apenas até à conferência preparatória podem ser reclamados no inventário.
Acresce que a questão não pode, de forma alguma, ser considerada como superveniente em relação ao momento temporal fixado à conferência preparatória, na medida em que a natureza da «casa de morada de família» do de cujus e seu cônjuge tem de estar assente ao tempo da abertura da herança - é uma das típicas cuja suscitação e/ou resolução pode influir na partilha.
Temos, assim, que a questão da casa de morada de família e/ou do respectivo recheio tem que ser levantada antes das adjudicações no seu conjunto, independentemente a fase a que se reporta o n.º 4 do artigo 48º ter sido, ou não encerrada. - Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, 2018, Vol. II, pág. 466-467.
Não é assim apenas por se tratar de questão que influi na partilha, mas porque se trata de questão que influi decisivamente nas demais adjudicações, naquilo que é exigível pelos interessados para poderem concorrer a elas em condições correctas.
A manifestação de vontade do cônjuge – ainda que possa não ser contestada – pode determinar a necessidade de correcção dos valores base de adjudicação conferidos aos bens – pelo ónus (principalmente sentido relativamente ao imóvel) que sobre ele se estabelece e tal questão deverá, ainda, ser resolvida em sede de conferência preparatória.
Não sendo a casa de morada de família ou o seu recheio excluídos das adjudicações, a verdade é que o seu valor e o próprio interesse pelos bens, é completamente diferente se aqueles bens forem “onerados” com os direitos reais menores de habitação e de uso, respectivamente, com a ainda prevista longa indisponibilidade desse património. Desta maneira, é necessário que, previamente, todos possam saber com que valores (e interesse) podem contar, quer a respeito dos bens concretos (de maneira previsional ou “até onde” é que cada um estará disposto a “licitar”), quer a respeito do conjunto do património hereditário e preenchimento de quinhão. - Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, 2018, Vol. II, pág. 466-467.
Significa o que vem de dizer-se que, celebrado acordo quanto à composição dos quinhões e tomando a Ré conhecimento, nesse momento, que os bens em causa não lhe seriam adjudicados, tinha por obrigação, nessa mesma altura – sendo que se encontrava presente e devidamente representada por advogado – levantar a questão e expressamente declarar pretender exercer o seu direito às atribuições preferenciais em causa.
Não o tendo feito, forçoso se torna concluir – face ao regime que se mostrava em vigor e que aos autos de inventário se aplica (cfr. artigo 11º, n.º 1 e n.º 2, da Lei 117/2019, de 13 de Setembro) -, que deixou passar o tempo legalmente estabelecido para o efeito e, por força disso e da natureza potestativa dos direitos em causa, pela falta de manifestação atempada da sua vontade, gerou-se a renúncia tácita aos referidos direitos de habitação e/ou de uso.
Tudo ponderado, julga-se procedente a presente acção e conclui-se que o direito de atribuição preferencial da casa de morada de família e uso do respectivo recheio foi extemporaneamente exercido, razão pela qual não podia ter sido atendido em sede de determinação da forma da partilha.
Tendo sido esse o objecto da remessa das partes para os meios comuns – sendo que a circunstância de o prédio em causa integrar o acervo hereditário não se mostra controvertido entre as partes - julga-se a acção procedente e, em consequência declara-se que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...44 faz parte da herança aberta por óbito de FF e de GG e que o exercício, por parte da Ré, às atribuições preferenciais relativamente a este se mostra extemporâneo.
Custas, nesta parte, pela Ré, por ter saído vencida (cfr. artigo 527º, do Código de Processo Civil) (…)”.
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7. Não se conformando com a referida decisão, dela apela a ré, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1 Vem o presente recurso interposto do despacho saneador-sentença que julgou parcialmente procedente o peticionado pelos AA, designadamente o no que ao presente recurso reporta-se o peticionado sob a al. e) do petitório, declarando que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...44 faz parte da herança aberta por óbito de FF e de GG e que o exercício, por parte da Ré, às atribuições preferenciais relativamente a este se mostra extemporâneo.
2 Ora é quanto à este segmento decisório que vem a Recorrente se insurge, por entender que o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas que infra se aduzirá e bem assim pela circunstância de se entender que a decisão proferida violou os princípios infra indicados.
3 Importa salientar em primeiro lugar que a presente acção foi proposta na sequência da remessa dos autos para os meios comuns ordenada pelo Cartório Notarial para ser apreciada a questão quanto à atribuições preferências ao cônjuge sobrevivo.
Ora, salvo e o devido respeito, urge salientar a título prejudicial, que conforme resulta daqueles autos, o CN já havia pronunciado sobre a atribuição e reconhecimento de tais direitos, máxime o direito de uso e habitação à Recorrente, despacho relativamente ao qual, os AA não interpuseram recurso.
4 Destarte não tendo interposto recurso, deveria-se ter consolidada a referida decisão, por força do caso julgado. Pelo que a decisão de remessa e a reapreciação por parte do tribunal ex novuum dessa mesma quaestio sobre a qual já havia sido emitido pronuncia consubstancia uma violação do princioio do esgotamento do poder jurisidicional previsto no n.º 1 do art.º 613.º do CPC e bem assim do caso julgado violando-se assim o disposto no art.º 620.º e 621.º do CPC.
5 Por outro lado, realce-se que o douto tribunal fez uma errada interpretação do disposto no art.º 2103.º A do CC ao considerar que tal direito apenas poderá ser exercido até à conferência preparatória ou de interessados no âmbito do processo de inventário.
6 Com efeito, tal direito deverá e poderá ser exercício pelo seu titular até que efectivamente esteja consolidado o acto de individualização material da partilha do património indiviso, o que não se verificava à data e no momento processual em que exerceu, pelo que violou o disposto no referido inciso legal interpretando-o erroneamente.”.
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8. Os autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, concluindo que:
“A) O pedido de encabeçamento do direito de uso e habitação em apreço foi formulado pela recorrente, pela primeira vez, aquando da pronúncia pelas partes sobre a forma da partilha, nos termos do n.9l do art.57.9 do RJPI, ou seja, já após a decisão acerca da partilha dos bens e respetiva adjudicação.
B) Momento manifestamente inapropriado e tardio, para os devidos efeitos.
C) Pelo que, em sede de Reclamação contra o Mapa da Partilha, apresentada no processo de inventário em apreço, os recorridos reclamaram contra a atribuição à recorrente do direito de uso e habitação da casa que constitui a verba 1 daquele processo de inventário.
D) No seguimento de tal reclamação, as partes foram remetidas para os meios comuns, por se considerar ter sido suscitada questão que influi na definição dos direitos dos interessados diretos na partilha, sendo esta complexa do ponto de vista jurídico, extravasando a competência do Cartório Notarial.
E) Ao instaurar o presente processo, autónomo e independente dos autos de processo de inventário em apreço, os recorridos lançaram mão de uma faculdade que a lei lhes confere, pois só através desta ação se vislumbra possível obter a resolução da questão ali controvertida.
F) Pois não são as questões complexas que devem ser remetidas para o tribunal, mas sim as partes, que devem recorrer ao tribunal para intentar ação autónoma.
G) Entretanto, o Processo de Inventário em questão está suspenso, até à obtenção da sentença ou decisão judicial que ponha termo à questão controvertida.
H) Pelo que não se formou caso julgado quanto ao objeto destes autos.
I) A admissão, adjudicação e integração de tal direito de habitação de casa de morada de família a favor da ora Ré, confronta, sem qualquer dúvida as expetativas dos restantes interessados, ora recorridos.
J) Trata-se de um direito de preferência (atribuição preferencial) que, como resulta do art.5 2103-A.s CC, deve ser exercido no momento crucial da partilha, ou seja, no momento das adjudicações e não da forma à partilha, que trabalha com as adjudicações feitas e respetivos valores.
K) Tendo sido neste sentido que decidiu o tribunal a quo, em cuja decisão consta que a Recorrente deixou passar o tempo legalmente estabelecido para formular o pedido em apreço e, por força disso, e da natureza potestativa dos direitos em causa, gerou-se a renuncia tácita aos referidos direitos de habitação e uso, pela falta de manifestação atempada da sua vontade.
L) Posição relativamente à qual os recorridos manifestam plena concordância, pelo que pugnam para que a mesma seja mantida, em todos os seus termos (…)”.
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9. Por despacho de 10-01-2022 foi admitido liminarmente o recurso.
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10. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir, neste âmbito, são as de saber:
A) Se a decisão recorrida violou o princípio do esgotamento do poder jurisdicional (artigo 613.º, n.º 1, do CPC) e do caso julgado (artigos 620.º e 621.º do CPC)?
B) Se a decisão recorrida fez uma errada interpretação do disposto no art.º 2103.º-A do CC ao considerar que tal direito apenas poderá ser exercido até à conferência preparatória ou de interessados no âmbito do processo de inventário?
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3. Enquadramento de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO ASSENTE A SEGUINTE FACTUALIDADE:
i. No Cartório Notarial ... corre, termos autos de inventário, sob o número ...17, por morte de FF e GG;
ii. Nos autos de inventário referidos em i., foi realizada conferência preparatória nos dias 24 de Setembro de 2018, 17 de Outubro de 2018 e 18 de Janeiro de 2019;
iii. A Ré esteve representada por mandatário nas conferências referidas em ii.;
iv. Na conferência preparatória de 18 de Janeiro de 2019 foi formado acordo quanto ao preenchimento dos quinhões, formado por dois terços dos interessados;
v. Na sequência do acordo referido em iv., foi concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem quanto à forma da partilha;
vi. Quando se pronunciou sobre a forma a dar à partilha, a Ré solicitou que lhe fosse atribuído direito de uso e habitação da casa de morada de família;
vii. Por decisão proferida a 30 de Março de 2019 foi determinada a forma a dar à partilha, considerando o pedido da Ré AA;
viii. Por decisão da Notária, foram as partes remetidas para os meios comuns quanto à questão da tempestividade do exercício do direito de uso e habitação da casa de morada de família.
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4. Enquadramento jurídico:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando a questão supra enunciada.
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A) Se a decisão recorrida violou o principio do esgotamento do poder jurisdicional (artigo 613.º, n.º 1, do CPC) e do caso julgado (artigos 620.º e 621.º do CPC)?
Como se viu, peticionaram os autores, em sede de petição inicial, o seguinte:
a. Se declare que o prédio urbano ao sítio ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...65, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...44, faz parte da herança aberta por óbito de FF e GG, sendo que foi relacionado no Processo de Inventário número ...17, que corre termos no Cartório Notarial Privado ...;
b. Se declarem válidas e de plena eficácia as três conferências preparatórias, realizadas no âmbito do dito processo de inventário;
c. Se declare que a partilha teve por fundamento acordo de dois terços dos titulares ao direito à herança, correspondente à votação por maioria, quanto à prévia distribuição e adjudicação dos bens;
d. Se declare que a Ré esteve presente nas mencionadas conferências preparatórias e que até ao requerimento pelo cabeça-de-casal da forma à partilha, nunca mencionou ou invocou o direito real de uso e habitação relativo ao imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...65, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...44;
e. Se declare que o direito real de uso e habitação relativamente à casa de morada de família tem de ser exercido até ao termo da Conferência de interessados, pelo que foi exercido extemporaneamente;
f. Se declare que o despacho determinativo sobre a forma da partilha proferido pelo Notário, datado de 30-03-2019, na parte que concedeu à Ré o direito de habitação da casa de morada família é nulo e ineficaz;
g. Se declare que a forma à partilha deve ser realizada conforme requerida nos autos do Processo de Inventário, nos precisos termos que resultam da última conferência preparatória, devendo ser as cinco verbas, correspondentes aos bens imóveis, adjudicadas aos interessados BB, na proporção metade, e aos interessados DD e EE, na proporção de ¼ para cada uma, sem quaisquer ónus ou encargos a favor da Ré, padecendo, quanto a tal reconhecimento do direito de habitação a favor da Ré, de desigualdade e de falta observância do despacho que determinou a partilha;
h. Ser declarada a obrigação de rectificação do mapa da partilha nos termos invocados na alínea anterior, ou em alternativa, não ser concedido à viúva AA o direito de habitação na casa de morada da família e direito de uso do recheio, que constitui a verba número 1 da Relação Bens, devendo ser feita uma nova conferência de interessados;
O Tribunal recorrido considerou verificada a incompetência absoluta do Tribunal para a apreciação dos pedidos deduzidos pelos autores nas mencionadas alíneas b), c), d), f), g) e h), considerando que as matérias em causa têm o local do seu conhecimento fixado no Cartório Notarial e a possibilidade de fiscalização judicial dessas decisões, de acordo com os mecanismos de reapreciação consignados no próprio processo de inventário, se mostra atribuída ao Tribunal de 1.ª instância da comarca onde aquele se situa (no caso o Juízo Local de competência genérica ...) tendo, em consequência, absolvido a ré da instância quanto aos referidos pedidos.
Prosseguiram os autos para apreciação dos pedidos constantes das alíneas a) e e).
O Tribunal recorrido considerou que:
“No que respeita ao pedido deduzido sob a alínea e), atento o disposto pelo artigo 16º, n.º 3, que permite ao Notário a remessa de questão concretamente controvertida para resolução nos meios comuns, entendemos que tal incompetência em razão da matéria já se não verifica.
De facto, a remessa para os meios comuns tem o alcance de determinar que seja conhecido com total autonomia relativamente aos autos de inventário (tendo, embora, neles repercussão, tanto mais que, por regra, aguardam os autos de inventário suspensos, a decisão que venha a ser proferida no processo a que a questão complexa deu lugar) uma questão que, fundamentadamente não pôde ser decidida nos autos de inventário.
O processo de inventário mantém-se no cartório notarial, não obstante ocorra tal remessa dos interessados para que suscitem a questão nos meios comuns.
Na medida em que a remessa dos interessados para os meios comuns se destina apenas a dirimir as questões concretas, não resolvidas no processo de inventário, que justificaram esse reenvio – concluímos que, no que respeita ao pedido de avaliação de tempestividade do exercício do direito de atribuição do direito real de uso e habitação da casa de morada de família, este Tribunal se revela materialmente competente para o efeito (…).
Suscita a Ré excepção dilatória de violação de caso julgado, por entender que as decisões proferidas pelo Notário, quanto à forma como se havia de efectuar a partilha, haviam transitado e julgado e, como tal, não podiam ser postas em crise.
Ponderado o objecto da alegação assim apresentada e cotejando-a com o que supra se deixou já decidido quanto à competência para conhecimento das referidas questões, entendemos mostrar-se prejudicada a alegação apresentada.”.
A recorrente insurge-se contra esta decisão considerando, nomeadamente, o seguinte:
“…o CN já havia pronunciado sobre a atribuição e reconhecimento de tais direitos, máxime o direito de uso e habitação à Recorrente, despacho relativamente ao qual, os AA não interpuseram recurso.
Destarte não tendo interposto recurso, deveria-se ter consolidada a referida decisão, por força do caso julgado. Pelo que a decisão de remessa e a reapreciação por parte do tribunal ex novuum dessa mesma quaestio sobre a qual já havia sido emitido pronuncia consubstancia uma violação do principio do esgotamento do poder jurisidicional previsto no n.º 1 do art.º 613.º do CPC e bem assim do caso julgado violando-se assim o disposto no art.º 620.º e 621.º do CPC”.
Os recorridos contra-alegaram dizendo, nomeadamente, que “ao instaurar o presente processo, autónomo e independente dos autos de processo de inventário em apreço, os recorridos lançaram mão de uma faculdade que a lei lhes confere, conforme, aliás, decidiu o Mm. Juiz no despacho acima explanado. (…) Pelo que, como se disse, e contrariamente ao alegado pela recorrente, o Cartório Notarial não se pronunciou acerca da questão ora controvertida”.
Vejamos:
De acordo com o disposto no artigo 613.º do CPC, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, apenas lhe sendo lícito, depois de proferida a sentença, retificar erros materiais, suprir nulidades ou reformar a sentença nos termos legalmente admitidos.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, p. 734), “da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar”.
Com a aludida previsão normativa visa-se evitar a incerteza e insegurança jurídicas, fora do quadro do regime dos recursos.
Conforme decorre do artigo 628.º do CPC, ocorre o trânsito em julgado quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
De acordo com o critério da eficácia, distingue-se entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1, do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º do CPC.
“Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito) (…).
Nos termos do art.º 613.º agora em vigor (que reproduziu o artigo 666.º do diploma cessante), proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que era lícito suprir (vide n.ºs 1 e 2 do preceitos). Tal regime é aplicável aos despachos por força do n.º 3 do preceito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-10-2015, P.º 231514/11.3YIPRT.C1, rel. MARIA DOMINGAS SIMÕES).
A força obrigatória das decisões que gozam de caso julgado formal é absoluta: mantém-se mesmo que o juiz seja substituído por outro ou o processo seja remetido para outro tribunal ou não pode ser afastada com a mera invocação do princípio da adequação formal (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-12-2011, Pº 545/09.7T2OVR-B.C1, rel. CARLOS QUERIDO).
O n.º 2 do artigo 620.º do CPC determina que se excluem da regra do caso julgado formal “os despachos previstos no artigo 630.º”, exclusão que não significa que esses despachos não tenham força obrigatória dentro do processo, mas sim, que o juiz não estará vinculado a eles de modo absoluto, podendo alterá-los (assim, Rui Pinto; “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 5, consultado em: http://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/).
A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC expressa legalmente o efeito negativo do caso julgado, cujo fundamento constitucional assenta no princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado de Direito, do artigo 2.º da Constituição Portuguesa, à semelhança do que sucede com o trânsito em julgado.
A ocorrência da exceção de caso julgado supõe uma particular relação entre ações judiciais: uma relação de identidade entre os sujeitos e os objetos de duas causas. Em termos lógicos, pressupõe-se, então, a “repetição de uma causa”, conforme enuncia o artigo 580.º, n.º 1, do CPC.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-11-2021 (Pº 1969/20.4T8BRG.G1, rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE): “A melhor maneira de interpretar e aplicar o instituto do caso julgado é ter presente o que dispõe o art. 580º,2 CPC: “tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”. Essa aferição só pode ser feita em concreto, num raciocínio circular e concêntrico que parta dos factos concretos para cada um dos requisitos abstractos da existência do caso julgado (mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir), e destes para a visão de conjunto que permita perceber se poderemos estar a contradizer ou reproduzir uma decisão anterior”.
Tal situação de repetição de causas pode ocorrer em termos intraprocessuais, quando se verifique que já foi proferida decisão entre as partes, relativamente a causas de pedir e a pretensões idênticas.
Assim, por exemplo: “O despacho proferido a indeferir liminarmente o incidente de habilitação, entendendo que o mesmo, tendo sido requerido depois de ter sido proferido o acórdão pelo qual se julgou definitivamente a ação, altura em que estavam já findos os termos desta, era manifestamente intempestivo, uma vez transitado em julgado, faz caso julgado formal, impedindo que posteriormente venha o tribunal a proferir novo despacho de sentido contrário” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-01-2016, Pº 2450/10.5TVLSB.E1, rel. MATA RIBEIRO).
Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 13 e ss.) ensaia uma linha de atuação para a aferição, na prática, da relação de identidade entre causas, concluindo que, primeiro, “apura-se a consideração dos efeitos que uma eventual segunda decisão de mérito terá sobre a primeira decisão de mérito”, importando que, a primeira decisão haja transitado em julgado, nos termos do artigo 628.º CPC; “Depois, para efeitos da exceção de caso julgado há que comparar o teor da parte dispositiva da decisão já transitada com o perímetro potencial da decisão a proferir no segundo processo, segundo as soluções plausíveis da questão de direito, para o que relevam o objeto e os sujeitos determinados pelo autor na petição. Em suma: comparar uma decisão passada com uma potencial decisão futura”.
Não poderá olvidar-se que o efeito negativo do caso implica, que transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 574).
Tal proibição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao enunciado seguinte: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida (cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC) independentemente de ser alheia ou ser sua (cf. artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o que apenas poderá ter lugar em sede de recurso.
Finalmente, cumpre referir que o próprio ordenamento jurídico tem uma salvaguarda para a possibilidade de ocorrência de casos julgados contraditórios, valendo (na expressão legal: “cumprindo-se”) a decisão primeiramente transitada – cfr. artigo 625.º, n.º 1, do CPC. Este princípio é aplicável à contradição que exista entre duas decisões que, “dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual” (cfr. n.º 2 do artigo 625.º do CPC).
Em síntese, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019 (Pº 355/16.5T8PMS.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES): “1.- O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 2. Quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão). 3.- O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão). 4.- Ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, entende a recorrente que a decisão recorrida violou o caso julgado e o princípio do esgotamento do poder jurisdicional.
Sucede que, como se viu, um e outro dos institutos em causa reportam-se a decisões judiciais, no confronto entre si. Não se pode considerar que, relativamente a despachos ou decisões notariais tais princípios vigorem com a mesma força e nos mesmos moldes em que se acham estabelecidos para decisões judiciais ou, pelo menos, no confronto com estas.
O inventário em questão deu entrada no cartório notarial em 16-06-2017, conforme resulta do documento n.º 1 junto com a petição inicial e aí pendia em 31-12-2019, sendo-lhe aplicável o mencionado RJPI.
Importa precisar que, ao caso dos autos é aplicável o Regime Jurídico do Processo de Inventário (abreviadamente RJPI, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, diploma entretanto revogado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro) – cfr. artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de março.
De facto, “aos processos de inventário pendentes nos cartórios notariais em 31.12.2019 e que aí prossigam a sua tramitação, aplica-se o regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março (artigos 11.º, n.º 2, e 15.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro” (assim, Carla Câmara; O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial; Almedina, 2021, p. 9).
Para além destes aspetos importa referir que a Lei n.º 23/2013, de 5 de março veio proceder a uma desjudicialização mitigada do processo de inventário que, antes, era tramitado junto dos tribunais judiciais, tendo passado, com tal Lei, a competência-regra para a tramitação deste processo para os cartórios notariais, ressalvados alguns aspetos em que se manteve a intervenção judicial.
O legislador da Lei n.º 23/2013, de 5 de março expressou esta confluência de competências, desde logo, nos artigos 3.º e 66.º do RJPI.
Da conjugação do disposto no artigo 3.º do RJPI “com o artigo 66.o do RJPI, resulta um sistema “mitigado” – na expressão utilizada nos debates parlamentares preparatórios da presente lei: «a presente iniciativa – ao invés da anterior – visa criar um sistema mitigado, ou seja, partilhado, um sistema claro, onde a competência para o processamento dos atos e termos do processo de inventário passa a pertencer aos cartórios notariais. Todavia, sem prejuízo da intervenção necessária dos juízes, nomeadamente em matéria de homologação, e sem prejuízo também de que, sempre que se suscitem questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário, o processo é remetido para o juiz do tribunal do cartório notarial onde foi apresentado» (cfr. Diário da Assembleia da República, I, n.º 31, de 15/12/2012, p. 9) – na tramitação do processo de inventário.
De facto, o inventário corre os seus trâmites no cartório notarial, até ao momento em que caiba proferir decisão homologatória da partilha. Chegado este momento, os autos transitam para o Tribunal, para que seja o Juiz a proferir tal decisão, acto jurisdicional constitutivo em que culmina toda a actividade processual até então desenvolvida.
É este o momento para o Juiz aferir da validade dos actos praticados e da legalidade e regularidade do processo.
E não se diga que a tanto obsta o preceituado no artigo 17.º, n.º 1, do RJPI quando preceitua que se consideram “definitivamente resolvidas as questões que, no inventário, sejam decididas no confronto do cabeça de casal ou dos demais interessados a que alude o artigo 4.º, desde que tenham sido regularmente admitidos a intervir no procedimento que precede a decisão, salvo se for expressamente reservado o direito às acções competentes”, na medida em que tal preceito o que pretende é obstar à invocação interpartes das mesmas questões sobre que já se pronunciaram e sobre que já foi proferida decisão fazendo, assim, precludir a possibilidade de, de novo, as mesmas serem invocadas por aquelas, por se terem por definitivamente resolvidas.
Tal preceito não obsta à análise e sindicância pelo Juiz dos actos do processo até então praticados e, sendo caso, à determinação pelo mesmo da anulação e repetição dos que tenha por contrários à lei ou violadores de garantias das partes” (cfr. Carla Câmara; Carlos Castelo Branco; João Correia e Sérgio Castanheira; Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado, Almedina, 3.ª ed., 2017, pp. 26-27).
Ou seja: “O Regime Jurídico do Processo de Inventário veio instituir um “sistema mitigado”, na medida em que se atribuiu competência ao Notário para tramitar e instruir o processo, que corre os seus termos no Cartório Notarial, atribuindo competência ao juiz para intervir no processo em situações pontuais e expressamente previstas na lei, reservando-se o direito de ação judicial relativamente às questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário e devem ser decididas pelo juiz do tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado (art. 3º e art. 16º RJPI)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-05-2017, Pº 271/13.2TMPRT-A.P1, rel. ANA PAULA AMORIM; em semelhante sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-2016, Pº 146/15.0T8AMD-A.L1, rel. MARIA MANUELA GOMES).
Interessa neste ponto ter presente o regime de impugnação de decisões que se encontrava estabelecido no artigo 76.º do RJPI, onde se dispunha o seguinte:
“1 - Da decisão homologatória da partilha cabe recurso, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o regime de recursos previsto no Código de Processo Civil.
2 - Salvo nos casos em que cabe recurso de apelação nos termos do Código de Processo Civil, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha.”.
Com efeito, no âmbito do RJPI, “os únicos recursos a serem decididos pelos tribunais de 1ª instância são o referente às decisões dos notários que indefiram o pedido de remessa das partes para os meios judiciais comuns (nº 4 do art. 16º) e o recurso do despacho determinativo da forma à partilha, a que se reporta o nº 4 do art. 57º, recursos estes que são especificamente atribuídos à competência hierárquica do tribunal de comarca. As decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário que se mostrem recorríveis, quer o tenham sido pelo notário, quer o tenham sido pelo tribunal de comarca, são impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão homologatória da partilha e, portanto, num caso e noutro, para o Tribunal da Relação territorialmente competente, como decorre da conjugação do disposto no nº 3 do art. 66º e da segunda parte do nº 2 do art. 76º do RJPI, a menos que dessas decisões caiba recurso de apelação - entenda-se, autónomo - nos termos do CPC, como resulta da 1ª parte do nº 2 do art. 76º CPC, caso em que esses recursos são igualmente para o Tribunal da Relação. Como a grande maioria das decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário são tomadas pelos notários no âmbito da respetiva competência, que se quis geral, não haverá como excluir que o RJPI previu como que recursos “per saltum” de decisões de notários para o Tribunal da Relação, o que, apesar de tudo, não contraria o nº 1 do art. 68º CPC, onde apenas se diz que «as Relações conhecem dos recursos», não se dizendo que conhecem necessariamente dos recursos das decisões dos tribunais de 1ª instância. Não se admite, assim, que de uma decisão de um Notário seja interposta “impugnação judicial” para o tribunal da 1ª instância, não se conhecendo tal figura, com suficiente autonomia, quer no CPC, quer no RJPI” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-06-2020, Pº 284/19.0T8FIG-A.C1, rel. MARIA TERESA ALBUQUERQUE).
Ou seja: “Não se tratando de decisões interlocutórias judicialmente proferidas que devam subir com o recurso da decisão final (e cuja previsão encontramos no artigo 76.º, n.º 2, 2.ª parte do RJPI), caso em que, subindo com o recurso da decisão homologatória da partilha, são conhecidas pelo Tribunal da Relação territorialmente competente, nos termos do artigo 66.º, n.º 3, do CPC), nos demais casos, as decisões tomadas pelo notário apenas serão objecto de impugnação para o Tribunal de 1.ª instância territorialmente competente” (assim, Carla Câmara; Carlos Castelo Branco; João Correia e Sérgio Castanheira; Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado, Almedina, 3.ª ed., 2017, p. 425).
Decorre deste regime que a generalidade das decisões interlocutórias do notário (salvo aquelas de que possa caber apelação autónoma – cfr. artigo 76.º, n.º 2, primeira parte), porque apenas passíveis de serem impugnadas no âmbito do recurso que seja interposto da decisão da partilha, são contingentes ou provisórias, pelo que, não se poderá quanto às mesmas formar caso julgado material, senão após decorrer o prazo para tal impugnação ou com o trânsito em julgado da decisão que, sobre ela, seja tomada.
No caso, o notário em 30-03-2019 (cfr. fls. 94v.º-98 dos presentes autos) proferiu despacho determinativo sobre a forma a partilha, no âmbito do qual fez constar, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Do direito real de habitação.
Vem ainda a interessada AA, no mesmo requerimento, informar que “pretende que a partilha seja feita da seguinte forma: esta fique possuidora da verba número um que é composta pela habitação e da verba número três que são as pequenas parcelas de terreno que estão em redor da habitação”.
Acontece que tal pretensão, suportada pelo artigo 2103.º-A do Código Civil, é manifestada numa fase processual posterior à deliberação tomada por maioria de dois terços em sede de conferência preparatória, isto é, num momento processual de contraditório em que a parte em questão apenas é chamada a pronunciar-se sobre a forma à partilha, no âmbito do estipulado no art. 57.º, n.º 1 do RJPI.
Cumpre, assim, decidir da extemporaneidade ou não desta pretensão da interessada AA, nomeadamente decidir se o momento processual adequado para o exercício desta faculdade é o presente.
Na verdade, em sede de conferência preparatória, foi deliberado por maioria de dois terços dos interessados, nos termos do artigo 48.º do RJPI, a adjudicação da totalidade das verbas aos demais herdeiros, filhos dos inventariados, com o consequente pagamento de tornas à interessada AA.
A admitir a pretensão da herdeira AA, terá de se coadunar a mesma com a deliberação tomada por aquela maioria (…).
Assim, a nosso ver, uma vez que não houve conferência de interessados, o momento lógico para se invocada essa faculdade é o “momento da partilha” stricto sensu, que se deverá entender como sendo o momento da elaboração do mapa da partilha. Tendo em conta que as partes não estão presentes nesse momento, o momento mais próximo em que é dada a palavra às partes é o do despacho determinativo da forma à partilha, o qual concretiza o deliberado em conferência preparatória e baliza o próprio mapa da partilha.
Ora, só com a deliberação da maioria, em sede de conferência preparatória, é que se estabeleceu a partilha em espécie, a qual apenas ficará perfeita com a elaboração a final do mapa da partilha. Pelo que nos parece ser de atender a pretensão da mencionada herdeira, considerando-a em tempo útil. Será assim adjudicado o direito de habitação do prédio urbano aquando da elaboração do mapa da partilha (…)”.
Sucede que, em 20-02-2020, foi proferida nova decisão notarial sobre a elaboração do mapa da partilha (cfr. fls. 92v.º- 94 dos presentes autos) onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Da decisão judicial constante dos autos resulta que o despacho determinativo sobre a forma à partilha se mantém, pelo que cumpre elaborar o mapa da partilha (…).
II) Em sede de conferência preparatória, foi deliberada a adjudicação da totalidade das verbas, a favor dos interessados BB, CC, DD, e EE, na proporção de metade para o primeiro e de uma quarta parte para cada uma das restantes, por maioria de dois terços, nos termos do artigo 48.º do RJPI.
III) No entanto, a também interessada AA veio invocar o direito de atribuição preferencial previsto no artigo 2103.º-A do Código Civil, requerendo que lhe fosse adjudicado o direito de habitação da casa de morada de família. Ora, para a determinação do valor a atribuir a este direito, e conforme consagrado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/01/2019 (processo n.º 2879/07.6TBBCL.G1, in www.dgsi.pt): “(…) à falta de outros critérios legais específicos deve-se recorrer às regras previstas no CIMT (Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de Imóveis, aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12.11), aplicando-se as percentagens que vêm previstas no artigo 13.º deste diploma”.
Assim, considerando-se a idade da referida interessada – 64 anos (…), o direito em questão representa um valor de trinta e cinco por cento do valor total do bem, isto é, vinte e seis mil novecentos e cinquenta euros (…).
À interessada AA é adjudicado o direito de habitação da verba número um no valor de vinte e seis mil novecentos e cinquenta euro (26.950€). Uma vez que lhe corresponde o quinhão de trinta e quatro mil cento e cinquenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos (37.156,25€), leva a menos o valor de sete mil duzentos e seis euros e vinte e cinco cêntimos (7.206,25€) (…)”.
E em 16-04-2020 foi proferido despacho de remessa para os meios comuns (cfr. fls. 153-154 dos presentes autos), pelo Cartório Notarial, nos seguintes termos:
“A 09/03/2020, os interessados BB, CC e DD e EE reclamaram do mapa da partilha, em particular no que diz respeito à adjudicação do direito de habitação da casa de morada de família à interessada AA, ao abrigo do artigo 2103.º do Código Civil.
Fundamentaram os ditos interessados o seu desacordo no facto de ter sido deliberado por maioria de dois terços, em sede de conferência preparatória, a adjudicação do dito imóvel aos mesmos, alegando que as suas expetativas foram defraudadas pela concretização do despacho sobre forma da partilha.
A nosso ver, e como melhor explanado no dito despacho, sendo de admitir a pretensão da herdeira AA, terá sempre de se coadunar a mesma com a deliberação tomada por aquela maioria.
Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/06/2012, esclarece que: "sendo a partilha judicial, o pedido de encabeçamento terá de ser formulado na conferência de interessados ([2]); todavia, o direito de habitação em referência - como direito real de gozo sobre coisa alheia - só virá a constituir-se como tal na hipótese de a casa vir a caber em propriedade a outro herdeiro, pois se integrar o quinhão do cônjuge sobrevivo nenhuma necessidade haverá de constituição daquele direito."
E é nessa lógica de raciocínio que, a nosso ver, uma vez que não houve conferência de interessados, o momento lógico para ser invocada tal faculdade é o "momento da partilha" stricto sensu, isto é, a elaboração do mapa da partilha. Considerando que as partes não estão presentes nesse momento, o momento mais próximo em que é dada a palavra às mesmas é o do despacho determinativo da forma à partilha, o qual materializa as deliberações tomadas em sede de conferência preparatória e desenha as linhas mestras do posterior mapa da partilha.
Ora, só com a deliberação da maioria, em sede de conferência preparatória, é que se estabeleceu a partilha em espécie, a qual apenas ficará perfeita com a elaboração a final do mapa da partilha. Neste sentido, atendeu-se à pretensão da mencionada herdeira, considerando-a feita em tempo útil e adjudicando-se à mesma o direito de habitação do prédio urbano.
No entanto, compreende-se que tal decisão poderá lesar, tal como alegado pelos reclamantes, a convicção e as expetativas criadas pelos demais interessados aquando da deliberação por maioria de dois terços, traduzindo-se na prática, por exemplo, no desinteresse em manter as adjudicações então feitas, já que o prédio que pretendiam ver-lhes adjudicado apenas poderá passar a pertencer-lhes em termos de nua propriedade.
De resto, podemos sempre admitir que, conforme defendem os mesmos na aludida reclamação, caso tal pretensão da interessada AA tivesse sido demonstrada previamente à deliberação, não mais teriam interesse na adjudicação acordada.
Por tudo isto nos parece que se levanta aqui uma questão complexa do ponto de vista jurídico que extravasa a competência deste Cartório Notarial à luz do atual regime jurídico do processo de inventário.
Tanto é assim que, com o novo regime do inventário notarial, ora aprovado pela Lei 117/2019, de 13 de setembro, mormente no artigo 3.º daquele regime, veio o legislador corroborar este entendimento, consagrando a competência dos tribunais quando se suscitem questões que possam influir na definição dos direitos dos interessados diretos na partilha.
Termos em que determino a remessa das partes para os meios judiciais comuns para decisão da presente questão controvertida, nos termos previsto no artigo 16.º n.º 1 do RJPI.
Notifique-se (…)”.
Para além do referido, resulta da informação colhida junto do cartório notarial e junta aos presentes autos em 07-04-2021 (cfr. fls. 129-130 dos presentes autos) que:
“(…) A nossa decisão foi no sentido de, atendendo ao normativo legal (artigo 2103.º-A do Código Civil) e o entendimento doutrinal, atender àquela pretensão, adjudicando à viúva o direito de habitação do prédio urbano. Foi, nesse pressuposto, dado despacho sobre a forma da partilha.
No dia 17/04/2019, os herdeiros BB, CC, DD e EE impugnaram, por recurso, o despacho sobre a forma à partilha (nos termos do artigo 57.º da Lei n.º 23/2013), sendo exercido o respetivo contraditório pela herdeira AA, conforme requerimento apresentado nos autos de inventário no dia 17/05/2019.
Por decisão proferida no dia 23/09/2019 pelo Tribunal Judicial ... – Juízo de Competência Genérica ..., foi indeferida a indicada impugnação.
Retomados os autos a 20/02/2020 foi elaborado o mapa da partilha, contra o qual foi apresentada reclamação, no dia 09/03/2020, pelos indicados herdeiros, BB, CC, DD e EE. Face esta impugnação, foi proferido despacho no dia 16/04/2020, remetendo as partes para os meios comuns, por estar em causa uma questão complexa que, do ponto de vista jurídico, extravasa a competência deste Cartório Notarial.
No dia 17/08/2020 foi intentada, pelos reclamantes BB, CC, DD e EE, ação judicial, que deu origem ao processo 3136/20..... Por considerarmos que a decisão que será proferida nesses autos judiciais influirá, diretamente, na partilha, foi ordenada a suspensão do processo de inventário (…)”.
A decisão recorrida, atento o exposto, considerou prejudicada a alegação apresentada de violação do caso julgado, ponderando o objeto da alegação apresentada e o decidido quanto à competência para o conhecimento das questões precedentemente apreciadas pelo Tribunal recorrido.
Ora, não nos parece que este juízo, tomado no concreto conspecto referenciado dos autos recorridos, mereça alguma censura.
De facto, importa sublinhar que não está em questão, relativamente ao thema decidendum da decisão recorrida, algum recurso relativamente à decisão notarialmente dada. A decisão recorrida insere-se, antes e contrastantemente, no âmbito de uma ação autónoma face ao processo de inventário, tendo tido por génese, precisamente, a remessa das partes para os meios comuns relativamente a questão que não foi decidida no inventário (a da reclamação apresentada pelos interessados BB, CC, DD e EE contra o mapa da partilha).
E, neste sentido, não se pode concluir que possa o Tribunal recorrido sindicar – fora do mecanismo de impugnação de decisões, que constitui o sistema recursório – o sentido da decisão do Cartório Notarial que, num primeiro momento considerou tempestivo o exercício do direito pela ora recorrente e, depois, perante reclamação dos demais interessados do inventário, em sede de reclamação sobre o mapa da partilha, veio a remeter a decisão da questão para os meios comuns, por a considerar juridicamente complexa.
Esse recurso foi interposto pelos mencionados interessados BB, CC, DD e EE e deu origem ao processo que correu termos no Tribunal Judicial ... – Juízo de Competência Genérica ... – Processo n.º 160/19.....
Neste sentido, a questão que se coloca é a de saber se ocorre exceção de caso julgado ou se encontrava esgotado o poder jurisdicional do juiz do Tribunal recorrido para apreciar a questão atinente ao pedido deduzido pelos autores dos presentes autos, na alínea e) do petitório (sendo que, quanto às demais alíneas b), c), d), f), g) e h) do pedido formulado na petição inicial, o Tribunal recorrido se julgou incompetente, decisão essa que, não foi, de algum modo, colocada em crise) face à decisão previamente tomada pelo Notário?
Ora, neste ponto, cumpre considerar o seguinte:
1.º) Desde logo, não estão em confronto duas decisões judiciais dotadas de autoridade judicativa, mas sim, a prolação de uma decisão notarial, contingente ou passível de recurso a interpôr com o que seja interposto da decisão homologatória da partilha, e uma decisão judicial ulterior, relativamente à qual não se encontrava esgotado algum poder jurisdicional, antes de inscrevendo no objeto do processo em apreço, por o Tribunal recorrido apreciar questão que foi remetida para os meios comuns no âmbito do processo de inventário;
2.º) O recurso interposto relativamente ao despacho sobre a forma à partilha, em conformidade com o disposto no artigo 57.º, n.º 4, do RJPI, não obteve provimento, não colidindo com o objeto do presente processo (cfr. fls. 125 a 128 dos presentes autos), não violando o conhecimento operado pelo Tribunal recorrido com o caso julgado;
3.º) A decisão determinativa da remessa das partes para os meios comuns sobre a questão que foi suscitada no inventário, não colide com o âmbito da decisão proferida pelo Tribunal recorrido (nem com a mesma colide a decisão tomada em julho de 2020, no processo n.º 160/19...., do Juízo de Competência Genérica ... – cfr. fls. 151-152 dos presentes autos), sendo que, relativamente àquela foi proferido precisamente despacho de remessa para os meios comuns e declarado suspenso o processo de inventário, pelo que, ficou este a aguardar a decisão que o Tribunal viesse a tomar sobre a mesma, não comportando o conhecimento efetuado pelo Tribunal recorrido, violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional.
Em face do exposto, podem retirar-se as seguinte conclusões:
- A Lei n.º 23/2013, de 5 de março, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI), veio proceder a uma desjudicialização mitigada do processo de inventário que, antes, era tramitado em todos os seus termos junto dos tribunais judiciais, tendo passado, com tal Lei, a competência-regra para a tramitação deste processo para os cartórios notariais, ressalvados alguns aspetos em que se manteve a intervenção judicial;
- No âmbito do RJPI, a generalidade das decisões interlocutórias do notário, porque apenas passíveis de impugnação no recurso interposto da decisão da partilha, apenas formam caso julgado material após decorrer o prazo para tal impugnação ou com o trânsito em julgado da decisão que, sobre ela, seja tomada;
- A decisão recorrida, não se inscrevendo no regime de recurso de decisão notarial tomada no processo de inventário, mas inserindo-se em ação autónoma deste - na sequência da remessa das partes para os meios comuns relativamente a questão que não foi decidida no inventário - não sindicou a decisão notarial que, num primeiro momento considerou tempestivo o exercício do direito pela ora recorrente e, depois, perante reclamação dos demais interessados do inventário, em sede de reclamação sobre o mapa da partilha, veio a remeter a decisão da questão para os meios comuns, por a considerar juridicamente complexa; e
- Não estando em confronto duas decisões judiciais dotadas de autoridade judicativa, mas a prolação de uma decisão notarial e de uma decisão judicial ulterior atinente ao objeto do processo em apreço, não se mostra violado, por esta última, o princípio do esgotamento do poder jurisdicional a que se refere o n.º 1 do artigo 613.º do CPC, nem a autoridade do caso julgado, por o Tribunal recorrido apreciar questão que foi remetida para os meios comuns no âmbito do processo de inventário.
Nestes termos, conclui-se que a questão enunciada deve receber resposta negativa, não se afigurando que a decisão recorrida tenha violado o principio do esgotamento do poder jurisdicional ou a autoridade do caso julgado.
*
B) Se a decisão recorrida fez uma errada interpretação do disposto no art.º 2103.º-A do CC ao considerar que tal direito apenas poderá ser exercido até à conferência preparatória ou de interessados no âmbito do processo de inventário?
Concluiu ainda a recorrente o seguinte:
“5 Por outro lado, realce-se que o douto tribunal fez uma errada interpretação do disposto no art.º 2103.º A do CC ao considerar que tal direito apenas poderá ser exercido até à conferência preparatória ou de interessados no âmbito do processo de inventário.
6 Com efeito, tal direito deverá e poderá ser exercício pelo seu titular até que efectivamente esteja consolidado o acto de individualização material da partilha do património indiviso, o que não se verificava à data e no momento processual em que exerceu, pelo que violou o disposto no referido inciso legal interpretando-o erroneamente.”.
Contrapuseram os recorridos o seguinte:
“(…) I) A admissão, adjudicação e integração de tal direito de habitação de casa de morada de família a favor da ora Ré, confronta, sem qualquer dúvida as expetativas dos restantes interessados, ora recorridos.
J) Trata-se de um direito de preferência (atribuição preferencial) que, como resulta do art.º 2103-A. CC, deve ser exercido no momento crucial da partilha, ou seja, no momento das adjudicações e não da forma à partilha, que trabalha com as adjudicações feitas e respetivos valores.
K) Tendo sido neste sentido que decidiu o tribunal a quo, em cuja decisão consta que a Recorrente deixou passar o tempo legalmente estabelecido para formular o pedido em apreço e, por força disso, e da natureza potestativa dos direitos em causa, gerou-se a renuncia tácita aos referidos direitos de habitação e uso, pela falta de manifestação atempada da sua vontade.
L) Posição relativamente à qual os recorridos manifestam plena concordância, pelo que pugnam para que a mesma seja mantida, em todos os seus termos (…)”.
Vejamos:
Estabelece o n.º 1 do artigo 2103.º-A do CC - preceito introduzido no CC pelo D.L. n.º 496/77, de 25 de novembro - que “o cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte e meação, se a houver”.
Como refere França Pitão (A Posição do Cônjuge Sobrevivo no Actual Direito Sucessório Português, Almedina, 2.ª ed., p. 46), a previsão legal assenta na ideia de assegurar, em caso de necessidade, o encabeçamento do cônjuge sobrevivo, no momento crucial da partilha, em dois poderes que, embora não tendo grande expressão económica, são de capital importância para a continuidade do convívio familiar ou, pelo menos, para manutenção do lar conjugal.
Tratam-se de normas inspiradas nas alterações sociológicas tendentes à transformação da chamada família-linhagem na família nuclear ou conjugal (cfr. Nuno Espinosa Gomes da Silva, “Posição sucessória do cônjuge sobrevivo”, in Reforma do Código Civil, Instituto da Conferência, Ordem dos Advogados, Conselho Geral, Lisboa, 1981, p. 57 e ss; Joaquim Fernando Nogueira; “A reforma de 1977 e a posição sucessória do cônjuge sobrevivo”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 40, vol. III, Set.-Dez. 1980, p. 687; e Rita Lobo Xavier; “Para quando a renovação do Direito sucessório português”, in Edição comemorativa do cinquentenário do Código Civil; Universidade Católica Editora, 2017, p. 598).
Os direitos em questão têm a natureza de direitos potestativos, relativamente aos quais a sua constituição depende substancialmente da declaração de vontade do seu titular, “a ponto de para serem exercidos, não havendo consenso sobre eles, aquele só poder alcançá-los através de inventário, mesmo que este não “sirva” para mais nada. Com efeito, a lei refere expressis verbis que a atribuição é feita «no momento da partilha» e esta só através deste processo e não de uma acção comum pode ter lugar” (assim, Augusto Lopes Cardoso; Partilhas Litigiosas; Almedina, 2018, p. 465).
Visa-se com o instituto em apreço “proteger o cônjuge sobrevivo, assegurando que na partilha do património deixado pelo falecido aquele não seja privado dos bens que compunham o seu lar conjugal, facultando-lhe a possibilidade de ser encabeçado preferencialmente no direito de uso dos mesmos, embora concomitantemente assegure que essas atribuições preferenciais não redundem em prejuízo para os demais co-herdeiros, restabelecendo o indispensável equilíbrio através da imposição do pagamento de tornas” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-03-2014, Pº 1612/10.OYXLSB.L1-7, rel. ROSA MARIA RIBEIRO COELHO).
Os referidos direitos caducam se o cônjuge não habitar na casa por prazo superior a um ano (cfr. artigo 2103.º-A, n.º 2, do CC).
Importa referir que, tendo sido objeto de legado a outrem, só haverá lugar ao exercício deste direito se o bem legado for objeto de licitação (cfr. Capelo de Sousa; Lições de Direito das Sucessões; 3.ª ed. vol. II, p. 160 e Augusto Lopes Cardoso; Partilhas Litigiosas; Almedina, 2018, p. 461, nota 1125).
Por outro lado, através do mecanismo legal em questão, opera-se “a constituição ex lege e sob exercício do direito potestativo, de direitos reais menores de habitação e de uso, com a sua autonomização se «desdobrando» o direito de propriedade plena, sob o regime previsto nas respectivas normas (CCiv. arts. 1305.º, 1306.º e 1484.º segs), com a finalidade de assegurar ao viúvo a fruição de bens essenciais à manutenção dos seus hábitos e nível social” (cfr. Augusto Lopes Cardoso; Partilhas Litigiosas; Almedina, 2018, pp. 462-463).
Se a constituição deste direito de atribuição preferencial não é aplicável a residências secundárias, mas sim, à casa que constituía morada de família, certo é que, todavia, não se restringe em função das necessidades efetivas do cônjuge sobrevivo relativamente à casa (cfr. Nuno Gomes da Silva; Posição sucessória do cônjuge sobrevivo; pp. 71-76).
Os direitos reais de uso e habitação que sejam atribuídos ao cônjuge sobrevivo, seguem o seu regime comum, em especial o contido nos artigos 1488.º e 1489.º do CC, salvo no que se encontre especialmente regulado no n.º 2 do artigo 2103.º-A do mesmo Código (cfr., a este respeito, Luís Carvalho Fernandes; Lições de Direito das Sucessões, Quid Juris – Soceidade Editora, 2008, p. 356).
Com a atribuição preferencial consignada no artigo 2103.º-A do CC, o cônjuge não se torna proprietário da casa de morada de família e do recheio, passando apenas a poder manter o respetivo direito de habitação ou uso.
Por outro lado, a norma do artigo 2103.º-A do CC prevalece sobre a do artigo 5.º da Lei n.º 6/2001, de 11 de maio, que confere às pessoas que vivam em economia comum já mais de 2 anos, com o proprietário falecido, pelo prazo de 5 anos, o direito real de habitação sobre a casa, entendendo-se que o mencionado artigo 5.º apenas será aplicável se o falecido não tiver deixado cônjuge. “Havendo cônjuge sobrevivo, a este cabe o direito real de habitação dessa casa e, bem assim, o direito real de uso do correspondente recheio” (neste sentido, Inocêncio Galvão Telles; Sucessões – Parte Geral; Coimbra Editora, 2004, pp. 117-118).
Importa ainda considerar que “a atribuição ao cônjuge sobrevivo dos direitos reais menores de habitação da casa e de uso do recheio só fazem sentido, como é por demais óbvio, se essa casa e esse recheio não lhe couberem em propriedade (plena)” (assim, Inocêncio Galvão Telles; Sucessões – Parte Geral; Coimbra Editora, 2004, p. 119; no mesmo sentido, Tomé d’Almeida Ramião; Novo Regime do Processo de Inventário Judicial e Notarial, Anotado e Comentado; Quid Juris, 2020, p. 78).
Conforme se referiu, nesta linha, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-10-2019 (Pº 806/18.4T8PBL.C1, rel. FONTE RAMOS): “O n.º 1 do art.º 2103º-A do CC prevê o direito de encabeçamento na habitação da casa de morada de família e no uso do recheio da casa - as duas atribuições patrimoniais que o cônjuge sobrevivo (que for chamado à sucessão do de cujus), ao efectuar-se a partilha (pressupondo, por isso, que há uma partilha a fazer, ou seja, que não houve expressa atribuição desses direitos a terceiro, mormente por parte do testador)(…) tem o direito de avocar a si incidem sobre o direito de habitação relativamente à casa de morada da família (direito cujo perfil se encontra traçado no n.º 2 do art.º 1484º do CC) e o direito de uso sobre o recheio dessa casa. Não se trata, porém, de mais um reforço quantitativo da posição sucessória do cônjuge sobrevivo, uma vez que a lei (art.º 2103º-A, n.º 1, in fine, do CC) lhe manda pagar tornas pelo benefício recebido, se o seu valor exceder o da sua parte sucessória (na herança), acrescida da meação, se a houver; tais direitos, na veste de direitos de gozo sobre coisa alheia que são, só virão a constituir-se como tais, na hipótese de, quer a casa, quer o recheio dela, virem a caber em propriedade, a outro herdeiro, que não o cônjuge sobrevivo, pois se a casa, ou o respectivo recheio, integrarem a meação, ou o quinhão hereditário do cônjuge sobrevivo, nenhuma necessidade haverá de constituição dos direitos reais sobre coisa alheia a que a disposição legal se refere”.
Finalmente, a falta de manifestação atempada da vontade de exercício do direito consignado no artigo 2103.º-A do CC importa a renúncia tácita aos aludidos direitos (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-11-1995, in BMJ 451.º, p. 504).
Relativamente ao momento de exercício deste direito pelo cônjuge sobrevivo, o artigo 2103.º-A do CC reporta apenas que o direito do cônjuge sobrevivo a ser encabeçado no direito de habitação da casa de morada da família e no de uso do respectivo recheio ocorre “no momento da partilha”, não definindo a lei substantiva qualquer momento específico até ao qual deva ter lugar a pretensão de tal encabeçamento.
No âmbito do processo judicial de inventário, anterior à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, a jurisprudência dividiu-se, entre os que consideraram que o direito deve ser necessariamente exercido em acto da conferência de interessados em momento anterior ao das licitações (assim, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto: de 19-02-1991, in CJ, 1991, t. I, p. 249; de 25-10-1993, Pº 9231043, rel. ARAÚJO CARNEIRO e de 21-11-1995, in BMJ 451.º, p. 504) e entre os que entendiam que tal exercício poderia ocorrer até ao momento de ser proferido o despacho determinativo da partilha (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-06-1999, in BMJ 488.º, p. 413).
Sobre a questão, à luz do RJPI, refere Augusto Lopes Cardoso (Partilhas Litigiosas; Vol. II, Almedina, 2018, pp. 464-466) o seguinte:
“Chamado a resolver o dissídio, é ao Notário a quem compete a decisão, na oportunidade em que ele for soerguido, desde que, como parece sem dúvida, a questão possa ter influência na partilha. Mas já não depois disso, por, então, ser inútil para o inventário (…).
Quer isto dizer que, nada sendo dito na lei nova sobre o momento azado para o exercício destes direitos, uma de duas, ou, pelo paralelismo analógico com outras situações de adjudicações prévias como são as do estudado art. 34.º RJPI se conclui que deverão estoutras situações de adjudicações prévias ser afrontadas na conferência preparatória, ou sempre elas se atribuiriam a objecto desta por não poder haver dúvida de que elas estão incursas nas «questões cuja resolução possa influir na partilha» (RJPI art. 48.º-4) pois, que é evidente que saber se sobre os bens em causa vai ou não recair o ónus agora tratado influi sobre o modo de partilhar os respectivos bens. Inclinamo-nos para ter mais razão de ser o primeiro paralelismo, pois se trata de atribuições prévias de bens que só são compatíveis com a fase da conferência preparatória e nunca com a actual conferência de interessados (…).”
E, o mesmo Autor (ob. cit., pp. 467-468) desenvolve esta ideia dizendo:
“(…) a suscitação do problema da casa de morada de família e/ou do respectivo recheio tem necessariamente de ocorrer antes das adjudicações no seu conjunto e nem sequer só antes da adjudicação do(s) bem(ns) em causa; e isso, quer tenha sido ou não considerada encerrada, por qualquer razão, a fase a que se reporta o n.º 4 do citado art. 48.º RJPI, e porventura, tenha sucedido na conferência preparatória o tratamento de outra questão que aí possa ser submetida. Repete-se: antes das adjudicações no seu globo, sempre.
Melhor dizendo, não é assim apenas por se tratar de questão que influi na partilha, mas porque se trata de questão que influi decisivamente nas demais adjudicações, naquilo que é exigível pelos interessados para poderem concorrer a elas em condições concretas. Na verdade, faz parte do espírito do sistema que os interessados possam conscientemente preparar-se para aquelas, fazendo as suas previsões e prévias contas antes mesmo de se realizar a actual conferência de interessados. Ora, não sendo a casa de morada de família ou o seu recheio excluídos das adjudicações, é óbvio que o seu valor, e o próprio interesse pelos bens, é completamente diferente se aqueles bens forem “onerados” com os direitos reais menores de habitação e de uso, respectivamente, com a ainda prevista longa indisponibilidade desse património. Desta maneira, é necessário que, previamente, todos possam saber com que valores (e interesse) podem contar, quer a respeito dos bens concretos (de maneira previsional ou “até onde” é que cada um estará disposto a “licitar”), quer a respeito do conjunto do património hereditário e preenchimento de quinhão. Antes disso, urge resolver os eventuais problemas que possam surgir quer quanto à existência desses direitos (de habitação e/ou de uso), quer quanto à sua extensão.
Acresce que a manifestação de vontade, mesmo sem qualquer contestação, pode dar origem à necessidade de correcção (por reclamação) do valor de base de adjudicação atribuído na relação de bens, sabido que (sobretudo quanto ao imóvel) ele deve ser afectado pelo ónus que sobre ele impende, o que terá de resolver-se na mesma sede da conferência preparatória.
Em argumento de menor peso, observa o Acórdão de 1991 que, ao aderir à tese de permitir a manifestação de vontade em fase posterior [então depois da conferência de interessados], «abria-se a porta à eventualidade de emenda de partilha, por erro susceptível de viciar a vontade do interessado licitante (art. 1386.º CPCiv. [de então]), punindo-se injustamente a parte colhida de surpresa, sobrecarregada por vicissitude a que não deu causa».
Considera o mesmo Autor que não colhe o argumento da expressão “no momento da partilha” constante do artigo 2103.º-A do CC, que se reporta à partilha no seu todo e não a momento concreto do inventário.
O Tribunal recorrido acolheu, em suma, esta orientação referindo o seguinte:
“(…) A lei nada estabelece quanto ao momento correcto para exercer estes direitos.
Considerando, no entanto, que a ponderação desta circunstância sempre terá repercussões nos direitos de cada um dos interessados, doutrina e jurisprudência mostram-se unânimes ao concluir que tal questão se reconduz, necessariamente, a questão que influi na partilha.
Na verdade, saber se sobre os bens em causa vai ou não recair o ónus agora tratado influi sobre o modo de partilhar os respectivos bens.
Partindo dessa conclusão – de que nos deparamos com questões susceptíveis de influir na partilha – e cotejando-o com o regime jurídico em vigor nos autos de inventário sobre os quais nos debruçamos, forçoso se torna concluir que a questão deverá ser suscitada em sede de conferência preparatória: atenta a circunstância de se tratarem de atribuições prévias de bens, apenas compatíveis com a fase da conferência preparatória e não com a conferência de interessados, nos moldes em que o regime em causa a definiu. - Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, 2018, Vol. II, pág.464-465.
De referir, ademais, que a conclusão assim retirada se mostra, até, sustentada, pelo regime estabelecido para os encargos ou ónus da herança – sendo que o direito que a cabeça de casal pretende exercer não pode deixar de ser assim considerado – na medida em que estes igualmente apenas até à conferência preparatória podem ser reclamados no inventário.
Acresce que a questão não pode, de forma alguma, ser considerada como superveniente em relação ao momento temporal fixado à conferência preparatória, na medida em que a natureza da «casa de morada de família» do de cujus e seu cônjuge tem de estar assente ao tempo da abertura da herança - é uma das típicas cuja suscitação e/ou resolução pode influir na partilha.
Temos, assim, que a questão da casa de morada de família e/ou do respectivo recheio tem que ser levantada antes das adjudicações no seu conjunto, independentemente a fase a que se reporta o n.º 4 do artigo 48º ter sido, ou não encerrada. - Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, 2018, Vol. II, pág. 466-467.
Não é assim apenas por se tratar de questão que influi na partilha, mas porque se trata de questão que influi decisivamente nas demais adjudicações, naquilo que é exigível pelos interessados para poderem concorrer a elas em condições correctas.
A manifestação de vontade do cônjuge – ainda que possa não ser contestada – pode determinar a necessidade de correcção dos valores base de adjudicação conferidos aos bens – pelo ónus (principalmente sentido relativamente ao imóvel) que sobre ele se estabelece e tal questão deverá, ainda, ser resolvida em sede de conferência preparatória.
Não sendo a casa de morada de família ou o seu recheio excluídos das adjudicações, a verdade é que o seu valor e o próprio interesse pelos bens, é completamente diferente se aqueles bens forem “onerados” com os direitos reais menores de habitação e de uso, respectivamente, com a ainda prevista longa indisponibilidade desse património. Desta maneira, é necessário que, previamente, todos possam saber com que valores (e interesse) podem contar, quer a respeito dos bens concretos (de maneira previsional ou “até onde” é que cada um estará disposto a “licitar”), quer a respeito do conjunto do património hereditário e preenchimento de quinhão. - Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, 2018, Vol. II, pág. 466-467.
Significa o que vem de dizer-se que, celebrado acordo quanto à composição dos quinhões e tomando a Ré conhecimento, nesse momento, que os bens em causa não lhe seriam adjudicados, tinha por obrigação, nessa mesma altura – sendo que se encontrava presente e devidamente representada por advogado – levantar a questão e expressamente declarar pretender exercer o seu direito às atribuições preferenciais em causa.
Não o tendo feito, forçoso se torna concluir – face ao regime que se mostrava em vigor e que aos autos de inventário se aplica (cfr. artigo 11º, n.º 1 e n.º 2, da Lei 117/2019, de 13 de Setembro) -, que deixou passar o tempo legalmente estabelecido para o efeito e, por força disso e da natureza potestativa dos direitos em causa, pela falta de manifestação atempada da sua vontade, gerou-se a renúncia tácita aos referidos direitos de habitação e/ou de uso (…)”.
Ora, não obstante os argumentos expendidos, não se afigura que os mesmos tenham adequada correspondência com a previsão normativa constante do artigo 2103.º-A do CC, nem com a finalidade para a qual foi instituído o direito de encabeçamento do cônjuge sobrevivo no direito de habitação da casa de morada de família.
Na realidade, o artigo 2103.º-A do CC reporta claramente que o direito de encabeçamento tem lugar a favor do cônjuge sobrevivo “no momento da partilha”, no sentido de que, por via da partilha, lhe assistirá um tal direito.
A efetivação da partilhe constitui, pois, o momento intransponível a partir do qual não é legítimo ao cônjuge exercitar o direito previsto no artigo 2103.º-A do CC.
Mas, não refere a lei qualquer específico momento em que o direito em questão deva ser exercitado.
Ora, é evidente e claro que, quando a recorrente manifestou a sua pretensão, a partilha ainda não se tinha efetivado.
A preclusão do direito da recorrente no momento anterior ao da partilha da herança em questão, simplesmente, por não ter sido questão desencadeada pela mesma, ou suscitada pelo Tribunal, em sede de conferência preparatória, parece-nos colidir frontalmente com o desiderato legal substantivo, não tendo arrimo na lei processual, nem nisso concorre qualquer dos argumentos evidenciados na aludida orientação doutrinal, acolhida pela decisão recorrida.
É certo que, em sede de conferência preparatória, a lei processual manda considerar para resolução as questões que devam ser suscitadas ou influem na partilha e, logicamente, que as mesmas devem ser resolvidas previamente à decisão da partilha. Assim sucede, com as disposições do n.º 1 do artigo 47.º e 48.º, n.º 4, do RJPI.
Contudo, não é por assim o fazer, que a lei processual – o dito RJPI – permite concluir no sentido de qualquer efeito preclusivo, no caso de, até ao termo da conferência preparatória, a questão do encabeçamento previsto no artigo 2103.º-A do CC não ser suscitada e apenas o ser – como sucedeu no caso dos autos – em sede de pronúncia dos interessados sobre a forma à partilha.
Repare-se, aliás, que o próprio RJPI viabiliza o conhecimento pelo notário, ou a remessa dos interessados para os meios comuns, relativamente a questões que devam ser resolvidas no inventário e que ainda não o tenham sido, para que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha, em fase ulterior ao termo da conferência preparatória. Assim ocorre com o disposto no artigo 57.º, n.ºs. 2 e 3, do RJPI.
Por outro lado, não nos parece ocorrer argumento relevante no paralelismo com o artigo 34.º do RJPI, uma vez que, o encabeçamento do artigo 2103.º-A do CC não é das questões que deva ter tratamento nos termos daquele preceito, considerando que, não se está perante uma pretensão de adjudicação, mas sim, no exercício de um direito legalmente previsto, sobre o uso de determinados direitos/bens, que não depende de exercício nos moldes ali previstos para bens de outra natureza.
Mas, para além destes aspetos - e se bem se concorde de que é relevante que os interessados devam saber se sobre os bens em causa vai ou não recair o ónus do direito conferido ao cônjuge sobrevivo como previsto no artigo 2103.º-A do CC, o que poderá influir decisivamente sobre as pretensões de adjudicação dos interessados - não é menos certo que, a função do inventário (a que se reporta o artigo 2.º do RJPI) não colide, de modo algum, com a possibilidade de tal manifestação de encabeçamento apenas vir a ter lugar em sede de pronúncia das partes sobre a forma da partilha.
Ou seja: Não existe relação direta ou consequente, prevista na lei, entre o momento de exercício do direito previsto no artigo 2103.º-A do CC (que, todavia e logicamente, terá de ser exercido e manifestado antes de a partilha se concretizar) e as eventuais vicissitudes ou consequências que, porventura, decorram para o processo de inventário da circunstância de os adjudicantes se verem confrontados com condições de “oneração” dos bens que se propuseram adjudicar, em moldes diversos ou não previstos daqueles que ocorriam no momento em que teve lugar a conferência preparatória.
Não nos parece, por isso, que tenha algum sentido ou fundamento legal, a consideração, acolhida pela decisão recorrida, de que o direito do cônjuge sobrevivo, a que se refere o artigo 2103.º-A do CC, deva ser exercido até ao momento das adjudicações em sede de conferência preparatória, sob pena de se considerar precludido o direito.
Neste ponto importa salientar que, para além dos argumentos já expendidos, três considerações complementares se nos afiguram extremamente relevantes:
A primeira é a de que, se bem que a lei não preveja senão com referência “ao momento da partilha” que o direito ao encabeçamento nas atribuições preferenciais seja exercido, (assim não estabelecendo qualquer momento específico para tal exercício, sendo o termo final apenas o da efetivação da partilha), quando a recorrente manifestou a respetiva pretensão, ainda não tinha ocorrido a partilha.
A segunda é a de que não fará sentido que se impusesse ao cônjuge interessado o ónus de manifestar o exercício de um tal direito antes mesmo de saber se o bem sobre que incide tal direito lhe seria adjudicado, pois, como se viu, no caso de o bem lhe ser adjudicado, o referido direito não terá razão de existir.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-01-2006 (Pº 0536414, rel. FERNANDO BAPTISTA), “o direito de habitação da casa de morada de família previsto no artº 2103º-A do Cód. Civil, adquirido por um herdeiro a quem não tocou a propriedade da casa, constitui-se ex novo sobre coisa alheia, como emerge da redacção do nº 3 do mesmo artº 2103º-A”.
Por fim, uma terceira consideração assenta na constatação da instrumentalidade do processo civil face ao direito substantivo, devendo as soluções conferidas por aquele, coadunar-se em plena harmonia com as normas materiais neste previstas, não podendo ser produzidos ou alcançados efeitos por via do direito processual que o direito substantivo não viabiliza (cfr. Miguel Teixeira de Sousa; “Aspectos Metodológicos e Didácticos do Direito Processual Civil”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. 35, n.º 2, Lisboa, 1994, pp. 341-343 e Joana Leal de Oliveira Geraldo Dias; A deliberação sobre a composição dos quinhões hereditários à luz do princípio da intangibilidade qualitativa da legítima no regime jurídico do processo de inventário (Lei n.º 23/2013, de 5 de março), FDUL, 2018, p. 50).
Ora, se assim é, até à concretização da partilha a manifestação do respetivo direito é de ter por tempestiva.
Este entendimento foi acolhido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-06-2012 (Pº 4109/11.7TBFUN.L1-2, rel. MARIA JOSÉ MOURO), aliás, invocado na decisão notarial de 16-04-2020.
No sumário deste aresto concluiu-se, em termos amplos, que, “para a situação da casa de morada de família entre o momento da abertura da sucessão e o da partilha, valem as regras gerais relativas à administração da herança, mas o cônjuge e demais partilhantes têm em relação à utilização da casa em questão enquanto a partilha não esteja efectuada, os mesmos direitos e obrigações que tinham em vida do falecido” e, na respetiva fundamentação, considerou-se que “o direito de habitação em referência – como direito real de gozo sobre coisa alheia – só virá a constituir-se como tal na hipótese de a casa vir a caber em propriedade a outro herdeiro, pois se integrar o quinhão do cônjuge sobrevivo nenhuma necessidade haverá de constituição daquele direito, o que pressupõe que seja admissível a constatação de tal constituição pelo titular do direito em momento ulterior ao da adjudicação do bem a outro herdeiro e, logicamente, a conclusão de que é tempestivo o exercício de tal direito nessas condições.
Esta jurisprudência veio a ser reiterada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-10-2020 (Pº 121/20.3T8PFR.P1, rel. PAULO DUARTE TEIXEIRA) decidindo que o Direito de preferência do cônjuge sobrevivo a ser encabeçado na casa de morada da família, só opera no momento da partilha da herança. Desde a abertura da herança até essa data a utilização dessa habitação deve ser feita no quadro de administração de um bem comum pertença da herança”.
Assim, afigura-se-nos que a interpretação que melhor se coaduna com a disposição do artigo 2103.º-A do CC, relativamente ao momento de exercício do direito ali consignado, conjugando os interesses contrapostos confluentes dos vários interessados, bem como, a instrumentalidade das disposições processuais com vista ao exercício da tutela de direitos substantivos, é a que viabiliza a manifestação de tal pretensão, em termos amplos, até ao momento de ser proferida a decisão sobre a partilha, concluindo-se que não se encontra precludido tal direito, se o mesmo não foi manifestado em sede de conferência preparatória ou apenas o foi em sede de pronúncia das partes sobre a forma à partilha em conformidade com o previsto nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 57.º do RJPI, mas ainda em momento anterior ao da decisão sobre a partilha.
A decisão recorrida, acolhendo interpretação contrária, não se poderá, pois, manter relativamente à procedência da pretensão constante da alínea e) da petição inicial apresentada nos presentes autos (sendo que, relativamente à constante da alínea a) da petição inicial, a mesma não foi objeto do presente recurso).
A apelação procederá em conformidade com o exposto e, em conformidade com o exposto e, na parte impugnada, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que, julgando improcedente a pretensão constante da alínea e) da petição inicial, absolva a ré do contra si peticionado a este respeito.
*
A responsabilidade tributária inerente, incidirá sobre os apelados/recorridos, que decaíram integralmente no presente recurso – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em, na procedência da apelação, revogar a decisão de 12-10-2021 do Tribunal recorrido, na parte impugnada, que se substitui pela presente, julgando improcedente a pretensão constante da alínea e) da petição inicial, absolvendo a ré do contra si peticionado a este título.
Custas pelos autores/apelados.
Notifique e registe.

Lisboa, 10 de março de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva