Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
54/19.6YQSTR.L1-PICRS
Relator: ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA
Descritores: INFRACÇÕES AO DIREITO DA CONCORRÊNCIA
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. A interpretação de uma Decisão da Comissão da UE sancionadora de uma conduta violadora do artigo 101.º do TFUE, faz-se com base no respetivo dispositivo e fundamentos. Os fundamentos incluem considerandos da Decisão necessários à compreensão do seu dispositivo ou que constituem um suporte essencial do mesmo.
II. No caso conhecido como o “Cartel dos Camiões” (processo da Comissão Europeia AT.39824 - Trucks) e no âmbito de uma ação de private enforcement por conduta violadora do artigo 101.º TFUE, as inferências feitas, no que concerne à factualidade atinente à existência de dano e nexo causal, com base em considerandos constantes da Decisão da Comissão da UE, podem ser válidas.
III. Em sede de quantum do dano, cabe ao demandante o respetivo ónus da prova.
IV. Não logrando a demandante provar a quantia exata do dano e concluindo o tribunal, perante circunstâncias objetivas do caso, que tal determinação era praticamente impossível ou excessivamente difícil, poderá fixar o valor do dano com base em estimativa judicial prevista no artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018 que transpôs o artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva 2014/104/EU, sendo tal poder do tribunal expressão do princípio da efetividade.
V. De acordo com jurisprudência do TJUE, C-267/20, a aplicação do prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 10.º da Diretiva e artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2018, depende de três condições: a interposição de uma ação de indemnização que tenha subjacente uma infração que cessou antes da entrada em vigor da Diretiva; que a ação tenha sido intentada após a entrada em vigor da respetiva Lei de Transposição; que o prazo de prescrição ao abrigo das regras nacionais aplicáveis ainda não se mostre esgotado na data do termo do prazo de transposição da Diretiva. No caso concreto tais condições verificam-se.
VI. Em casos de private enforcement por conduta violadora do artigo 101.º TFUE, os juros de mora contam-se a partir da ocorrência do dano. Tais juros já contemplam a atualização do montante indemnizatório ao abrigo do artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil.
VII. Em relação a tais juros não é aplicável a prescrição prevista no artigo 310.º, alínea d) do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

Recorrente: a Ré RENAULT TRUCKS SAS, sociedade comercial de direito francês registada sob o número 954 506 077, com o número de identificação fiscal FR 61 954 506 077 e com sede sita em 99 route de Lyon, 69806 Saint-Priest, França.
Recorrida: a Autora TRANSPORTES GF, LDA., NIF: …, com sede na Rua …, Salvaterra de Magos.

A Autora, em 09-07-2019, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a Ré, peticionando (após aperfeiçoamento da petição original), que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 123.436,07, a título de indemnização devida pela violação dos artigos 101.º, n.º 1 do 30 T.F.U.E. e 53.º, n.º 1 do Acordo EEE, acrescida de juros legais de mora, vencidos, no valor de € 57.085,91 e vincendos, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese:
A Ré RENAULT TRUCKS SAS, conjuntamente com outras sociedades, foi condenada por decisão da Comissão Europeia datada de 19.07.2016, no âmbito do processo AT.39824 – Cartel de Camiões (adiante, abreviadamente, Decisão ou Decisão da Comissão), por violação dos artigos 101.º, n.º 1 do T.F.U.E. e 53.º, n.º 1 do Acordo EEE durante o período decorrido entre os dias 17.01.1997 e 18.01.2011, ao terem participado em práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e à temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6.
Durante o período em que durou a infração por parte da Ré (entre 17 de Janeiro de 1997 e 18 de Janeiro de 2011), a Autora adquiriu os veículos pesados novos, marca RENAULT, com mais de 6 toneladas: ...-...-TH, ...-...-QM, ...-EE-..., ...-DG-..3, ...-DG-..2, ...-...-ZO, 44 ...-..2-TX, ...-..1-TX, ...-...-TG e ...-GA-..., todos eles integrantes do objeto da Decisão.
O processo que correu termos na Comissão permite dar por verificado que a Autora sofreu danos em resultado da infração provocada pela Ré, já que se mostra provado que os veículos foram vendidos por um preço superior ao devido.
Mais acresce que, pela aquisição dos referidos camiões, pagou um preço superior ao que pagaria caso não tivesse ocorrido a infração, pretendendo ver, por esta via, ressarcidos os danos que sofreu devido às práticas anti concorrenciais da Ré, os quais correspondem à aplicação de um mark up de 15,4% aplicado sobre o preço de aquisição de cada veículo (atualizado a preços constantes do ano de 2011, com base no deflator do PIB disponibilizado pelo Banco de Portugal), sem prescindir dos juros de mora vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento.
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Citada, a Ré contestou, impugnando a maior parte dos factos alegados pela Autora.
Defendeu a irrelevância para o presente caso da Diretiva 2014/104/UE e da Lei n.º 23/18 de 5 de 61 Junho.
Considerou que, ainda que se verificasse algum dano advindo de um sobrecusto dos camiões adquiridos pela Autora, esta sempre teria repercutido tal sobrecusto nos preços que cobrou aos seus clientes, através das revendas dos veículos ou benefícios fiscais.
Invocou, ainda, a prescrição do direito invocado pela Autora, defendendo, inclusive, a irrelevância para o presente caso da Diretiva 2014/104/UE e da Lei n.º 23/18 de 5 de 61 Junho.
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A Autora respondeu à matéria de exceção suscitada pela Ré, mediante o requerimento entrado em juízo em 14.09.2020, ref.ª 45311, sendo certo que o TCRS apenas admitiu esse articulado nas partes que correspondiam a resposta à exceção de prescrição e contraditório quanto à prova documental junta pela Ré – vide despacho de 02.11.2020, ref.ª 275271.
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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento no tribunal de primeira instância.
A Autora apresentou pedido de ampliação do pedido em sede de audiência de discussão e julgamento, na sessão de 05.05.2021, nos seguintes moldes: “considerando que, o valor da indemnização que peticionou no ponto 200 e 203 da Petição Inicial Aperfeiçoada é inferior ao que resulta do apuramento do relatório de danos que figura como documento 2 da Petição Inicial. Assim, o valor da indemnização que a Autora vem reclamar como sobrecusto, ao invés de ser € 9.558,19, é efetivamente de € 12.751,06, correspondendo este valor ao sobrecusto que efetivamente suportou, por via da aquisição deste veículo [veículo de matrícula ...-...-TG].”
Mediante despacho de 02.06.2021, ref.ª 304243, foi admitida a ampliação do pedido, nos exatos termos requeridos.
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Em 10-03-2023 foi proferida sentença pelo Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão, que julgou a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos (transcrição):
“a)  Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia, a título de capital, de € 126.397,10 (cento e vinte e seis mil, trezentos e noventa e sete euros e dez cêntimos) e a quantia de € 54.540,74 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e quarenta euros e setenta e quatro cêntimos), a título de juros civis, vencidos até à data da citação da Ré (23.07.2019), o que perfaz a quantia global de € 180.937,84 (cento e oitenta mil, novecentos e trinta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), à qual acresce o valor a título de juros civis à taxa legal de 4% (quatro por cento) e nas demais que sucessivamente venham a ser aprovadas legalmente, vencidos desde a data de 24.07.2019 e vincendos, até efectivo e integral pagamento sobre o capital de € 126.397,10 (cento e vinte e seis mil, trezentos e noventa e sete euros e dez cêntimos);
b)  Absolvo a Ré do mais peticionado nestes autos pela Autora.

Custas a cargo da Ré e da Autora, na respectiva proporção do decaimento, que fixo respectivamente, em 99,8% (noventa e nove, virgula oito porcento) e 0,2% (zero virgula dois por cento) – artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC”.
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Inconformada com a sentença proferida, veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação.
A Recorrente suscita, nas respetivas Conclusões de recurso (num total de 368 artigos, que aqui se dão por reproduzidos), as questões, que ao presente tribunal cumpre resolver, que se passam a expor.

II. QUESTÕES
a) Processuais
1) Se a sentença é nula por omissão de pronúncia, por desconsideração de factos essenciais (cf. artigos 42 a 45 das Conclusões)

B) Impugnação da matéria de facto
2) Relativamente aos factos provados n.ºs 30 a 33 (e, consequentemente, os factos n.º 34, 35, 42, 43, 52, 53, 63, 64, 74, 75, 85, 86, 96, 97, 109, 110, 119, 120, 121 e 122):
a) No que toca a esta factualidade, atinente à existência do dano e nexo causal, a prova produzida foi insuficiente para a considerar provada. Ademais, o tribunal elaborou uma presunção judicial inválida (baseando-se numa interpretação errada da Decisão da Comissão), e violou o princípio da efetividade, as regras de ónus da prova e o princípio da igualdade de armas (Cf. artigos 46-47, 94 a 274, 311 a 331 das Conclusões).
b) O mesmo se aplica, no âmbito dos factos relativos ao quantum do dano, baseado essencialmente nos relatórios e esclarecimentos do Senhor Professor Doutor xxxx.
3) Do facto não provado n.º 3: a Recorrida teve conhecimento dos aspetos artigos 46-47 e 275 a 279 das Conclusões).
4) Do facto não provado n.º 4: a Recorrida refletiu o sobrecusto no preço dos serviços prestados aos seus clientes (Cf. artigos 46-47 e 280 a 287 das Conclusões).
5) Do facto não provado n.º 5: a Recorrida refletiu o sobrecusto (dano), quer através da revenda de diversos camiões a entidades terceiras, quer por força das vantagens fiscais obtidas (Cf. artigos 46-47 e 288 a 299 das Conclusões).
c) De Direito
6) Na sequência da requerida alteração de matéria de facto, o direito invocado pela Autora encontra-se prescrito, ao abrigo do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, não sendo aqui aplicável o artigo 10.º da Diretiva 2014/104 (Cf. artigos 304 a 310 das Conclusões).
7) Não se verificam no caso concreto os pressupostos da responsabilidade civil [extracontratual - artigo 483.º, do Código Civil], em particular a culpa, dano e nexo causal (Cf. artigos 332 a 344 das Conclusões).
8) Subsidiariamente, o Tribunal deveria ter-se socorrido de um juízo de equidade [artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil], para a avaliação da medida da mitigação do sobrecusto por via da revenda dos veículos e, bem assim, da obtenção de vantagens fiscais pela Recorrida (Cf. artigos 345 a 351 das Conclusões).
9) Os juros de mora deveriam ser calculados a partir da citação, ao abrigo do artigo 805.º do Código Civil, e não partir da data da ocorrência dos danos ao abrigo da Diretiva 2014/104 e respetiva lei de transposição (Cf. artigos 352-353 das Conclusões). A atualização feita para valores de 2019, de acordo com o deflator do PIB, também é incorreta (artigo 201 das Conclusões).
10) Os juros vencidos em momento anterior aos cinco anos que antecederam a citação da Recorrente mostram-se prescritos ao abrigo do artigo 310.º, alínea d) do Código Civil (Cf. artigos 354-355 das Conclusões)
11) A sentença recorrida procede a uma interpretação normativa dos artigos 3.º, n.º 1 e 9.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho, inconstitucional, por violação dos princípios constitucionalmente consagrados do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), da proporcionalidade (artigo 18.º da CRP) e do princípio da igualdade (artigo 13.º), também na vertente da igualdade de armas (artigo 20.º da CRP) (Cf. artigos 356 a 368 das Conclusões).
A Recorrente termina as alegações de recurso com o seguinte pedido (transcrição):
“Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser considerado procedente e, em consequência:
(i) Ser a Sentença Recorrida declarada nula, por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e 665.º do CPC;
(ii) Ser a Sentença Recorrida revogada e substituída por outra nos termos da qual se absolva a Recorrente de todos os pedidos contra si formulados.”
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A Apelada RESPONDEU, pronunciando-se detalhadamente sobre cada uma das questões suscitadas pela Recorrente (mas sem finalizar com conclusões), e pugnando pela manutenção do sentido decisório da sentença recorrida.
A Recorrida, invocou a p. 5 a 9 da sua Resposta, deficiências nas Conclusões de recurso, concluindo que a Autora deve ser “convidada para, querendo, introduzir as conclusões contidas na parte B. na parte C. ou na parte D., sob pena de não se poder conhecer o recurso na parte afetada (art.º 639.º, n.º 3 do CPC)”.
Analisadas as Conclusões de recurso as mesmas efetivamente contêm uma parte B intitulada “Considerações prévias” (artigos a 4 a 41).
Contudo, as questões suscitadas no recurso resultam claras, quer em sede de facto, quer em sede de direito, tanto mais que resulta da Resposta que a Recorrida respondeu a cada uma delas de forma detalhada.
Não se julgou, por isso, que as Conclusões enfermassem de deficiências que justificassem a prolação de um despacho de convite para aperfeiçoamento.
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Tal como pedido pela Recorrida em requerimento apresentado em 12-10-2023 (ref.ª 654075/46783538), o requerimento da Recorrente apresentado em 29-09-2023 (ref.ª 652005/46647772), considera-se não escrito uma vez que se pronuncia sobre pareceres que não foram admitidos aos autos por despacho datado de 03-10-2023.
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Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÃO PROCESSUAL
1) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (cf. artigos 42 a 45 das Conclusões)
Alega a Recorrente que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
Entende que o tribunal a quo desconsiderou factos essenciais, com relevância para a boa decisão da causa, sobre os quais estava obrigado a pronunciar-se especificamente, e que deviam ter sido dados por provados. Em particular, no que respeita: às (i) características técnicas dos camiões; (ii) ao processo de negociação e fixação dos preços dos camiões; (iii) à cadeia de comercialização dos camiões em Portugal durante o período da Infração; (iv) às características do mercado dos camiões e à efetiva concorrência entre fabricantes durante o período da Infração; e (v) do contexto da diferença entre preços brutos de tabela e preços de venda. E, bem assim, no que respeita à mitigação do alegado sobrecusto por força das vantagens fiscais obtidas pela Recorrida, facto que considerou “totalmente inútil para a boa decisão da causa”.
Segundo o disposto no art.º 615º, nº 1, al. d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Neste âmbito, importa ter presente que as questões submetidas à apreciação do tribunal a que o legislador se refere se identificam com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Nessa medida, embora a não apreciação de algum fundamento fáctico ou argumento jurídico, invocado pela parte, possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas, daí apenas pode decorrer um eventual erro de julgamento (“error in iudicando”), mas não já um vício (formal) de omissão de pronúncia.
Ou seja, este tipo de omissão pode, eventualmente, conduzir a um erro de julgamento quanto à matéria de facto e/ou quanto às questões de direito esgrimidas nos autos e, portanto, logicamente, nessa medida, só em sede de impugnação da decisão de facto ou de dissídio jurídico perante a decisão, se pode/deve colocar a questão.
Deve, pois, a nulidade invocada ser indeferida, sem prejuízo da decisão a proferir em sede de matéria de facto.
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2) Considerações prévias
Antes de passarmos à análise das questões de facto suscitadas no recurso, julga-se adequado tecer algumas considerações prévias sobre o quadro normativo aqui aplicável e sobre alguns princípios que regem a matéria subjacente ao objeto do litígio, em especial, o princípio da efetividade.
Como se sabe, no plano do Direito da UE, em matéria de concorrência regem, além do mais, os artigos 101.º e 102.º do TFUE.
Como infração base da presente ação, que se afigura ser consensual (se bem que, conforme resulta das conclusões da apelação, o alcance da decisão em causa não o seja, o que será objeto de análise detalhada infra), temos a decisão da Comissão Europeia de 19.07.2016, proferida no âmbito do processo AT.39824 – Cartel de Camiões, por violação imputável à Recorrente e a outras entidades, dos artigos 101.º, n.º 1 do TFUE e 53.º, n.º 1 do Acordo EEE, durante o período decorrido entre 17.01.1997 e 18.01.2011 (doravante, Decisão ou Decisão da Comissão).
Nesta esteira e da descrição do objeto do litígio supra exposto no Relatório, é de se concluir que no presente caso estamos perante uma ação de private enforcement, ou seja, uma ação de indemnização intentada por um particular visando o ressarcimento de danos causados por uma infração ao direito da concorrência por uma empresa ou associação de empresas, infração esta, neste caso, cuja existência já foi verificada pela aludida Decisão.
Neste âmbito, resulta desde logo do artigo 16.º, n.º 2, do Regulamento n.º 1/2003, o seguinte: “Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos [101.º] ou [102.º] do Tratado que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, as autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão”. Esta previsão implica, como constatou e bem o tribunal a quo, “uma presunção inilidível sobre a existência, natureza e âmbito material, subjetivo, temporal e territorial da infração” (v. p. 73 e p. 154 da sentença recorrida).
Como é sabido o private enforcement veio a ser expressamente regulamentado pela Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de novembro de 2014, publicada no JOCE em 5/12/2014 - Diretiva do Private Enforcement (doravante, Diretiva).
O prazo de transposição desta Diretiva terminou no dia 27 de dezembro de 2016. Contudo, em sede da nossa ordem jurídica nacional, a Diretiva foi tardiamente transposta pela Lei n.º 23/2018, de 05 de junho, com data de entrada em vigor em 5 de agosto de 2018 (Cf. artigo 25.º da lei de transposição em referência).
Como resulta do considerando 6 da Diretiva 2014/104, no que respeita às ações de indemnização intentadas em aplicação das medidas nacionais destinadas a transpor esta diretiva, o legislador da União baseou‑se na constatação de que o combate dos comportamentos anticoncorrenciais por iniciativa da esfera pública, ou seja, da Comissão e das autoridades nacionais da concorrência, não era suficiente para assegurar a plena observância dos artigos 101.º e 102.º TFUE e que havia que facilitar a possibilidade de a esfera privada contribuir para o alcance desse objetivo (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2022, PACCAR e o., C‑163/21, EU:C:2022:863, parágrafo 55).
Nesta esteira, como é reconhecido pelo TJUE, o private enforcement, não visa apenas a tutela de direitos subjetivos dos particulares, mas insere-se também na tutela do próprio mercado único e interesses públicos a ele subjacentes. Como refere o TJUE “[e]sta participação privada na sanção pecuniária, e, por conseguinte, também na prevenção de comportamentos anticoncorrenciais, é tanto mais desejável quanto é suscetível não só de reparar o dano direto que a pessoa em questão alega ter sofrido mas também de reparar os danos indiretos causados à estrutura e ao funcionamento do mercado, que não pôde atingir a sua plena eficácia económica, nomeadamente em proveito dos consumidores em causa” (TJUE C-163/21, PACCAR, parágrafo 56).
Não surpreende, por isso, que  a Diretiva contenha importantes disposições, nomeadamente, em matéria de prazos de prescrição (artigo 10.º, em especial, o seu n.º 3), a que acrescem, entre outros, disposições sobre os poderes de que devem estar dotados os tribunais nacionais em matéria de quantificação de danos e regras sobre repartição do ónus de prova (artigo 17.º, n.º 1 e 2, da Diretiva).
Em sede da aplicação no tempo, a própria Diretiva prevê um regime específico no respetivo artigo 22.º, segundo o qual:
1. Os Estados-Membros asseguram que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.º a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente.
2. Os Estados-Membros asseguram que quaisquer disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.º, que não as referidas no n.º 1, não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014.
Tendo em conta esta previsão legal, que distingue disposições substantivas de outras, em concreto, processuais, proibindo a retroatividade das primeiras, o TJUE foi chamado a decidir, em sede de reenvio prejudicial, sobre a aplicabilidade dos já aludidos artigos 10.º (prescrição) e 17.º, n.º 1 e 2 (poderes de que devem estar dotados os tribunais nacionais em matéria de quantificação de danos, a que acrescem regras sobre a repartição do ónus de prova).
Em tal âmbito, o TJUE, por decisão de 22 de junho de 2022, proferida no caso C-267/20, Volvo e DAF Trucks (ECLI:EU:C:2022:494), declarou no dispositivo:
“O artigo 10.º da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados Membros e da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.º, n.º 1, desta diretiva, e que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva, foi intentada após a entrada em vigor das disposições que a transpõem para o direito nacional, na medida em que o prazo de prescrição aplicável a essa ação ao abrigo das anteriores regras não decorreu antes da data do termo do prazo de transposição da mesma diretiva.
O artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição processual, na aceção do artigo 22.º, n.º 2, desta diretiva, e que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva, foi proposta após 26 de dezembro de 2014 e após a entrada em vigor das disposições nacionais que a transpõem para o direito nacional.
O artigo 17.º, n.º 2, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.º, n.º1, desta  diretiva, e que não está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora intentada após a entrada em vigor das disposições que transpõem tardiamente a referida diretiva para o direito nacional, tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da data do termo do prazo de transposição da mesma.”.
Recorde-se que a presente ação foi intentada em 09-07-2019.
Recorde-se, por seu turno, contrariamente ao que alega a Recorrente (artigo 1376 e ss. das motivações da apelação; artigo 308 das respetivas conclusões), que as decisões do TJUE, em sede de reenvios prejudiciais, são vinculativas não só para o respetivo tribunal requerente, mas para todos os tribunais dos Estados Membros, sob pena de inviabilizar-se o primado do direito da EU e o corolário da respetiva uniformidade (sobre estes pontos, veja-se, Fausto de Quadros, Direito da União Europeia, Almedina, 2015, 3.º ed., p. 608-611).
É certo que pode considerar-se que as decisões do TJUE em sede de reenvio prejudicial não são, em certo sentido, definitivas, mas tal não afasta o referido efeito vinculativo para os tribunais nacionais. Com efeito, a não definitividade das decisões do TJUE apenas quer dizer que, com o passar do tempo o TJUE pode, no âmbito de um outro processo de reenvio prejudicial suscitado por um tribunal nacional, alterar uma posição anteriormente tomada, situação que, como é bom de ver, no que ao citado acórdão diz respeito, manifestamente não ocorreu.
Tendo em conta a importância do referido artigo 17.º da Diretiva, em sede de matéria que iremos analisar em sede de questões de facto a resolver, convém desde já ter presente o seu conteúdo:
“Quantificação dos danos
1. Os Estados-Membros asseguram que nem o ónus da prova nem o grau de convicção do julgador exigidos para a quantificação dos danos tornem o exercício do direito à indemnização praticamente impossível ou excessivamente difícil. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais sejam competentes, de acordo com os processos nacionais, para calcular o montante dos danos, se for estabelecido que o demandante sofreu danos mas seja praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar com precisão os danos sofridos, com base nos elementos de prova disponíveis.
2. Presume-se que as infrações de cartel causam danos. O infrator tem o direito de ilidir essa presunção.
3. Os Estados-Membros asseguram que, nas ações de indemnização, a autoridade nacional da concorrência possa, a pedido do tribunal nacional, prestar-lhe assistência na quantificação dos danos, caso a autoridade nacional da concorrência considerar adequada a prestação dessa assistência.”
Porventura o n.º 1 do citado preceito carece de esclarecimentos quanto ao conceito de “competentes” utilizado na segunda parte da norma. Com efeito, tal competência deve ser entendida como uma faculdade ou poder[1] reconhecido aos tribunais dos Estados-Membros para calcular o montante do dano, através de uma estimativa judicial. Como constata o Ac. TJUE caso C-267/21, parágrafo 83 “[e]sta disposição [artigo 17.º, n.º 2 da Diretiva] e, mais especificamente, o segundo período da mesma, visa, em contrapartida, de acordo com os «processos nacionais» a que se refere, conferir aos órgãos jurisdicionais nacionais uma faculdade especial no âmbito dos litígios relativos a ações de indemnização por infrações ao direito da concorrência”.
Tal poder encontra-se expressamente consagrado no artigo 9.º, nº 2, da Lei n.º 23/2018 (Lei de transposição), nos seguintes termos:
“2 - Se for praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos pelo lesado ou o valor da repercussão a que se refere o artigo anterior, tendo em conta os meios de prova disponíveis, o tribunal procede a esse cálculo por recurso a uma estimativa aproximada, podendo, para o efeito, ter em conta a Comunicação da Comissão (2013/C 167/07), de 13 de junho de 2013, sobre a quantificação dos danos nas ações de indemnização que tenham por fundamento as infrações aos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”.

Ora, tomando em conta o decidido no Ac. do TJUE C-267/21, porque a infração base da presente ação cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva (terminou em 2011), sendo que a presente ação foi proposta após 26 de dezembro de 2014 e após a entrada em vigor das disposições nacionais que a transpõem para o direito nacional, podemos ter por certo que a previsão legal em causa (artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva, artigo 9.º, n.º 2 da Lei de transposição), é aqui aplicável. Tendo em conta o ora exposto, em especial, o facto da presente ação ter sido interposta em momento posterior à entrada em vigor da Lei 23/2018, a este entendimento não se opõe o artigo 24.º, n.º 2, desta mesma Lei.
Por seu turno, resulta igualmente claro da aplicação da jurisprudência estabelecida pelo citado acórdão do TJUE C-267/21, que as presunções legais previstas no artigo 17.º, n.º 2, da Diretiva, em concreto, a presunção legal (ilidível) do dano resultante da infração e do respetivo nexo causal, não são aqui aplicáveis.
O artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva é uma expressão do princípio da efetividade, segundo o qual as normas nacionais não devem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União.
Sobre o princípio da efetividade (e equivalência) e o seu sentido no âmbito do Direito da Concorrência da União, a Recorrente levantou várias objeções nas considerações prévias que elaborou em sede das suas conclusões, conforme supra descrito, sobre a respetiva interpretação dada pelo tribunal a quo. Mais juntou, em 01-09-2023 (referência 651112), pareceres de jurisconsultos que opinam sobre esta matéria (entre outras).[2] Convirá, pois, esclarecer o sentido deste princípio no que é aqui particularmente pertinente.
Quanto ao princípio da efetividade e o princípio da equivalência, estes já tinham sido reconhecidos pelo TJUE como emanações dos artigos 101.º e 102.º TFUE, logicamente anteriores à Diretiva (Acs. TJUE 20-09-2001, C-453/99, Courage e Crehan, EU:C:2001:465 e de 13.07.2006, Manfredi e o., C-295/04 a C-298/04, EU:C:2006:461).
Segundo o Acórdão proferido nos casos conexos C-295/04 a C-298/04 (Manfredi), parágrafo 95, “resulta do princípio da efectividade e do direito de qualquer pessoa a pedir a reparação do dano causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou falsear o jogo da concorrência que as pessoas que tenham sofrido um dano possam pedir reparação não só do dano real (damnum emergens) mas também dos lucros cessantes (lucrum cessans), bem como o pagamento de juros”. Ou seja, este acórdão esclareceu, desde logo, que tipo de danos poderiam ser reclamados em consequência de uma violação das regras da concorrência, entendimento agora positivado no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 da Diretiva.
Por seu turno, de acordo com o Acórdão do caso C-453/99 (Courage), parágrafo 29, “na ausência de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade)”. Ou seja, este acórdão esclareceu obrigações genéricas dos Estados-Membros no sentido de regular a matéria das indemnizações por infrações aos atuais artigos 101.º e 102.º do TFUE, de modo a garantir a salvaguarda dos direitos dos cidadãos prejudicados, em condições que não sejam menos favoráveis do que as das ações análogas de natureza interna e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária. Estes princípios gerais foram objeto de positivação no artigo 4.º da Diretiva.
Neste contexto, o disposto no artigo 17.º da Diretiva, constitui um novo passo na concretização do princípio da efetividade.
Ora, apesar de poder haver aqui alguma tentação em interpretar o artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva e o princípio da efetividade como uma facilitação em sede probatória dos pressupostos da responsabilidade civil e da respetiva indemnização, em especial quanto à extensão do dano,[3] cremos que tal interpretação somente é válida num certo sentido.
Com efeito, em casos onde está em causa uma infração ao direito da concorrência, por exemplo, pela existência de acordos colusórios entre empresas concorrentes no sentido de aumentar os preços de determinados produtos, muitas vezes torna-se praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar os danos, desde logo, porque normalmente as práticas restritivas da concorrência ocorrem de forma secreta, existindo invariavelmente uma assimetria de informações entre o infrator e o demandante. Como se constata no Ac. TJUE de 16 de fevereiro de 2023, C-312/21, Tráficos Manuel Ferrer SL e Ignacio (ECLI:EU:C:2023:99), parágrafo 55, “por definição, o autor da infração sabe o que fez e o que lhe foi eventualmente imputado e conhece as provas que, nesse caso, puderam servir à Comissão ou à autoridade de concorrência nacional em causa para demonstrar a sua participação num comportamento anti concorrencial contrário aos artigos 101.º e 102.º TFUE, ao passo que a vítima do dano provocado por esse comportamento não dispõe dessas provas”.
É neste contexto, aliás, que o artigo 5.º, n.º 1 da Diretiva prevê que “os tribunais nacionais possam ordenar ao demandado ou a um terceiro a divulgação dos elementos de prova relevantes que estejam sob o seu controlo”.
É certo que pode ler-se no parágrafo 82 do Ac. TJUE C-267/20 já citado que “a mesma disposição [artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva] tem por objetivo aligeirar o nível de prova exigido para efeitos de determinação do montante dos danos sofridos e sanar a assimetria de informação existente em detrimento da parte demandante em causa, bem como às dificuldades resultantes do facto de a quantificação dos danos sofridos exigir que se avalie de que forma teria evoluído o mercado em causas e não tivesse existido a infração”.
Tal “aligeiramento” pode e deve ser compreendido como a validade do uso de métodos de cálculo da extensão do dano por aproximação ao valor “real” do dano, por exemplo, através de métodos econométricos descritos no Guia Prático.[4] Já no que toca aos poderes atribuídos ao tribunal no segundo período da norma, cremos tratar-se de coisa diversa. Conforme resulta do parágrafo 83 do Ac. TJUE caso C-267/20, o que aqui se prevê é uma faculdade especial.
De notar que o recurso ao poder judicial previsto no artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva, não pode ser efeito da mera incerteza, por si só, sobre o quantum do dano subsistente após a prova produzida pelas partes. Como esclarece o acórdão do caso C-312/21 (Tráficos Ferrer) parágrafo 52 “a mera existência dessas incertezas, inerentes ao contencioso da responsabilidade e que resultam, na realidade, do confronto de argumentos e de peritagens no âmbito do debate contraditório, não corresponde ao grau de complexidade na avaliação do dano exigido para permitir a aplicação da estimativa judicial prevista no artigo 17.º, n.º 1, desta diretiva”.
Ou seja, o que pode despoletar o uso do poder judicial previsto no artigo 17.º, n.º 1, não é uma mera incerteza sobre a quantidade de dano resultante da atividade probatória das partes, mas determinadas circunstâncias concretas do caso, em particular, uma especial complexidade na avaliação do dano, donde se infere que, apesar de todos os esforços probatórios encetadas pelas partes, maxime, o demandante ou autor, é praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar o dano.
Com efeito, esclarece o parágrafo 53 do acórdão do caso C-312/21, “o próprio teor desta disposição limita o âmbito de aplicação da estimativa judicial do dano às situações em que é praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificá‑lo, uma vez demonstrada a sua existência relativamente à parte demandante, o que pode corresponder, por exemplo, a dificuldades particularmente importantes de interpretação dos documentos apresentados quanto à proporção da repercussão do custo adicional resultante do acordo sobre os preços dos produtos adquiridos pela parte demandante a um dos autores do cartel”.
Nesta esteira é de notar que o poder especial previsto no artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva, ou seja, a estimativa judicial, lido em harmonia com acórdão ora em referência (C-312/21), é algo distinto da prova produzida pelas partes. O próprio corpo do artigo realça que será praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar com precisão os danos sofridos, com base nos elementos de prova disponíveis. A estimativa judicial deve, pois, entender-se como um poder atribuído ao tribunal para a quantificação do dano, quando as partes, maxime, o demandante ou autor, não o logram fazer, não porque foram menos diligentes, mas porque tal quantificação era, em termos objetivos, praticamente impossível ou excessivamente difícil. O problema da quantificação do dano passa, assim, de um plano primordialmente factual, para, pelo menos em importante medida, para o plano jurídico, como ocorre, entre nós, com o recurso à equidade (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil).[5]
Daqui resulta que o poder previsto no artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva também não constitui um poder instrutório do tribunal, no sentido de implicar, por exemplo, o poder oficioso de determinar uma perícia. Tal não faria sentido, pois o pressuposto desta faculdade especial é precisamente a prova do quantum do dano ser praticamente impossível ou excessivamente difícil. Ora, pressupondo-se que determinado demandante é diligente e encetou os esforços probatórios para quantificar o dano que lhe eram exigíveis, que sentido faria atribuir uma faculdade especial ao tribunal para apenas e tão só tentar o que já se concluiu ser praticamente impossível ou excessivamente difícil?
Este poder visa, assim, ultrapassar as dificuldades probatórias do caso concreto, atribuindo-se ao tribunal a faculdade especial de fazer uma estimativa do quantum do dano, precisamente quando os meios probatórios disponíveis são insuficientes para o efeito.
É por isso que este poder deve ser uma última ratio ao dispor do tribunal e não pode visar colmatar falhas processuais das partes. Como se lê no parágrafo 57 do acórdão do caso C-312/21 “na hipótese de a impossibilidade prática de avaliar o dano resultar da inação do demandante, não cabe ao juiz nacional substituir‑se a este último nem colmatar as suas falhas”. É certo que o sistema processual civil nacional, diferentemente de outros sistemas de Estados Membros da UE, prevê amplos poderes ao juiz para ordenar meios de prova (cf. artigos 411.º e 663.º, n.º 1 e 2, do CPC). Ora, interpretando o direito nacional em conformidade com o já exposto, em especial, com o Ac. TJUE C-312/21, parágrafo 57, parece-nos que tais poderes deverão ser utilizados com acrescida ponderação. De recordar, por exemplo, que a realização de perícias nestas matérias importará, muitas vezes, despesas elevadas (que podem, inclusive, ultrapassar o valor do pedido), entrando estas em custas do processo da responsabilidade da parte que decai. Por outro lado, o sucesso de perícias em matérias de elevada complexidade, será uma incógnita. O tribunal não pode, pois, ser alheio a estes aspetos quando pondera ordenar, oficiosamente, uma perícia. Parece-nos que, no mínimo, um debate contraditório sério e leal com as partes impõe-se antes de se ordenar a diligência.
Através dos mecanismos previstos nos artigos 5.º e 17.º, n.º 1, da Diretiva, interpretados da forma descrita, visa-se o reequilíbrio da relação de forças entre demandantes e demandados. Não se pode, pois, interpretar aqui o princípio da efetividade como um “aligeiramento” das regras probatórias, senão com os sentidos aqui expostos.
Por seu turno, seguindo a jurisprudência do TJUE aqui em análise (em especial, o caso C-312/21), a estimativa judicial pressupõe que a existência do dano se mostre suficientemente provada pela parte respetiva, reduzindo-se assim o campo de aplicação dos poderes judiciais especiais apenas e tão só ao quantum do dano (estimativa judicial).
Neste contexto, conforme já resulta do supra exposto, afastada a aplicabilidade das presunções previstas no artigo 17.º, n.º 2 da Diretiva (presunções legais do dano e nexo causal), caberá ao autor a prova da existência do dano.
Como é sabido, na falta de norma de direito da União, as ações de indemnização são regidas pelas regras e pelos processos nacionais dos Estados-Membros (considerando 11 da Diretiva). No nosso caso em termos de causa de pedir da ação, rege, portanto, o artigo 483.º, do CC, no que aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual diz respeito (interpretado em conformidade com o Direito da UE, nomeadamente, nos pontos ora analisados).
Por seu turno, obviamente que não deixa de aqui ser aplicável, quando admissível à luz do direito nacional, o regime das presunções judiciais (artigos 349.º e 351.º, 392.º, do CC; artigo 607.º, n.º 4 e 5, do CPC). Com efeito, de acordo com o princípio da equivalência, as regras nacionais que regem o exercício do direito à reparação por danos causados por infração aos artigos 101.º ou 102.º do TFUE, não deverão ser aplicadas de forma menos favorável do que as regras aplicáveis às ações nacionais análogas.
Nesta esteira, também o standard da prova deve ser pelo menos equivalente à exigida em processos nacionais. Ora em sede de standard da prova, dir-se-á que a quem cabe provar determinado facto de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, nomeadamente, os factos atinentes ao dano, terá que demonstrar que a hipótese fáctica visada encontra confirmação positiva nos meios de prova que apresentou e é mais provável do que não (teoria da probabilidade prevalecente).
Como constatou o STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022, em matéria relativa a danos hipotéticos no âmbito da chamada “perda de chance”, “para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência”.
Por último, porque no caso concreto se colocam também questões difíceis de nexo causal, haverá que recordar aqui, novamente com aquele AUJ: “a teoria da causalidade adequada cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a um encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, dum ponto de vista hipotético, não eram de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (como é o caso), ser considerada “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que para a imputação objetiva dum dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade”.
Feitas estas considerações prévias, vejamos, pois, as demais questões que cumpre ao presente tribunal resolver.

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
1) Dos factos provados n.ºs 30 a 33 (e, consequentemente, os factos n.º 34, 35, 42, 43, 52, 53, 63, 64, 74, 75, 85, 86, 96, 97, 109, 110, 119, 120, 121 e 122). (Cf. artigos 46-47, 94 a 274, 311 a 331 das Conclusões)
Os factos essenciais aqui em causa são os seguintes:
“30. A Ré, em conluio com outros fabricantes de camiões e por força das condutas que foram consideradas provadas em sede da Decisão da Comissão, aumentou intencional, coordenada e continuadamente, com os seus concorrentes, os preços brutos dos camiões de peso superior a 6 toneladas, que fabricou e comercializou, directamente ou através da sua rede de distribuição, no período de 17.01.1997 a 18.01.2011;
31. Tendo a Ré fixado preços brutos superiores àqueles que seriam praticados caso não tivesse adoptado a conduta descrita na Decisão da Comissão, tal aumento nos preços brutos foi projectado, na mesma proporção, nos preços líquidos de venda dos veículos;
32. O aumento do preço fixou-se num mark-up de preço de estimadamente, 15,4% por veículo;
33. Foi na sequência directa da conduta da Ré demonstrada na Decisão da Comissão que a Autora, por ter adquirido (quer mediante fundos próprios, quer mediante financiamentos por contratos de locação financeira), no período entre 2001 e 2008, os referidos veículos fabricados por aquela, teve de suportar um excesso de custo que de outra forma não teria tido, estimado em 15,4% (2) do preço líquido (sem IVA) de venda dos veículos, com excepção do veículo com a matrícula ...-...-TH, em que se estima que a Autora suportou um excesso de custo de 15,12%, por intermédio do pagamento das rendas fixadas no contrato de locação financeira”.

a. Dos factos relativos à existência de dano e nexo causal
Conforme se depreende pela mera leitura da factualidade reproduzida, estão aqui em causa quer factos atinentes à existência do dano da Recorrida e nexo causal entre este e o facto ilícito praticado pela Recorrente (contendo, também, matéria atinente à intencionalidade imputável a esta, ou seja, à culpa), quer factualidade essencial para quantificar, em concreto, esse mesmo dano.
Se bem que estes factos estejam interligados, cremos que uma análise separada dos factos n.º 30 e 31 – essencialmente atinentes à verificação do dano da Recorrida e nexo causal entre este e o facto ilícito praticado pela Recorrente (e, conforme se verá, a culpa) – merecem um tratamento autónomo dos factos n.º 32 e 33 - essencialmente atinentes ao quantum do dano.
Iniciemos, pois, a nossa análise com enfoque na factualidade atinente ao dano e nexo causal.
Neste âmbito, a sentença recorrida faz a sua análise crítica da prova, quanto aos factos descritos, a partir da página 72, in fine.
Após uma análise detalhada da Decisão da Comissão, o tribunal a quo, partindo das características específicas da infração em causa descritas na Decisão, em conjugação com as máximas da experiência comum, concluiu que “um aumento de preços, tal como intencionado pela Ré, foi verificado no mercado, acarretando por isso um dano para os adquirentes no EEE das viaturas fabricadas por si” (p. 83, linhas 2026-2028).
Ou seja, o tribunal a quo, pelo menos num primeiro momento da sua argumentação (p. 72 linha 1763 à p. 83 linha 2032), unicamente com base nas descrições da Decisão da Comissão, dá como verificado um efetivo aumento de preços no mercado de camiões, o que, naturalmente implicou que os preços pagos pela Recorrida na aquisição de camiões, ocorrida durante o período da infração, fossem superiores ao que teria pago caso a infração não tivesse existido.
A Recorrente insurge-se contra este raciocínio, alegando, ademais, a invalidade da presunção judicial realizada.
Vejamos.
Recorde-se que a Decisão foi junta como Documento 1 da petição inicial apresentada em 09-07-2019. Consta dos autos uma versão em língua inglesa e uma tradução para português. A Decisão foi dada por integralmente reproduzida no facto provado n.º 11 da sentença recorrida e foi transcrita em muitos dos seus pontos considerados mais importantes (factos provados 1 a 25, não impugnados).
 O documento junto aos autos é uma versão não confidencial da Decisão e, por isso, com alguma informação retirada. O documento também constitui uma versão provisória. Foi publicado no website da Comissão Europeia, uma versão não confidencial mais recente da Decisão, em 30.06.2020, mas que não foi junta a estes autos.[6]
De qualquer modo, inexistem razões para crer que a informação constante da versão da Decisão junto aos autos não seja fidedigna. Seguramente faltam informações por tratar-se de uma versão não confidencial da Decisão. A Recorrente, neste âmbito, apesar de sublinhar o carácter “não autêntico” do documento (nomeadamente, artigos 46, 59, 63 da motivação do recurso), não afirma que o seu conteúdo se encontre de alguma forma comprometido e também faz uso da mesma versão ao longo das alegações de recurso (por ex., artigos 93 a 97 e respetivas notas da motivação, artigos 93 e 94 e respetivas notas das Conclusões).
Obviamente que a Recorrente conhecerá a versão completa da Decisão uma vez que foi uma das respetivas destinatárias.
Neste contexto, uma vez que não foi invocada a falsidade do documento, conduzir-nos-emos, assim, pela versão da Decisão constante dos autos.
Conforme descrito nos factos provados 1) a 11), a Decisão da Comissão foi proferida no âmbito de um “Procedimento de transação em processos de cartéis”, nos termos do disposto no artigo 10.º-A, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 773/2004 da Comissão.
O tribunal a quo inicia o seu raciocínio com a constatação, que se nos afigura correta, de que “a Decisão da Comissão implica uma presunção inilidível sobre a existência, natureza e âmbito material, subjectivo, temporal e territorial da infracção – vide n.º 1 do artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos ex-artigos 81.º e 82.º do Tratado” (p. 72 da sentença recorrida).
Mais constata a sentença recorrida, contrariamente ao defendido pela Recorrente, que “a infracção não se limita essencialmente à troca de informações entre concorrentes” (linhas 1774-1775). Diz-nos a sentença recorrida “A infracção vai mais além do que a mera troca de informação” (loc. cit.), para depois realçar “acordos colusórios” que “implicam que as empresas envolvidas prescindam da sua autonomia no mercado, com vista à redução ou eliminação dos riscos da concorrência (linhas 1875-1876). Estes acordos “visavam, designadamente, a negociação dos preços dos camiões e o seu aumento” (linhas 1925-1926).
Ou seja, concluiu a sentença recorrida que a infração subjacente à Decisão consistiu quer na troca de informações sensíveis entre empresas infratoras, quer em acordos e comportamentos “colusórios” com vista à fixação e aumento de preços dos camiões.
Há que determinar, portanto, se a conclusão do tribunal a quo, sobre o sentido e âmbito da Decisão é acertada ou se foi longe demais na sua interpretação da Decisão.
Para tanto, antes do mais, há que esclarecer o sentido do termo “cartel”, conceito este que, por exemplo, a testemunha xxxx, economista de profissão e que poderíamos aqui descrever como a principal testemunha com conhecimentos técnicos indicado pela Recorrente, mostrou-se, no seu depoimento, relutante em utilizar (cf. aproximadamente a 11m14 da respetiva gravação).
A Diretiva (e Lei de transposição) define um cartel como “o acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas concorrentes que vise coordenar o seu comportamento concorrencial no mercado ou influenciar os parâmetros relevantes da concorrência, através de condutas como, nomeadamente, fixar ou coordenar os preços de aquisição ou de venda ou outras condições de transação, incluindo relativamente a direitos de propriedade intelectual, atribuir quotas de produção ou de venda, repartir mercados e clientes, incluindo a concertação em leilões e concursos públicos, restringir importações ou exportações ou conduzir ações anticoncorrenciais contra outros concorrentes, tal como proibido pelo artigo 9.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, e, se aplicável, pelo artigo 101.º do TFUE” (artigo 2.º, n.º 14).
Por sua vez, antes da Diretiva, o já aludido Guia Prático,[7] a p. 13, ponto 21 (a), no âmbito de infrações ao Direito da Concorrência, realça que “[a]s infrações podem resultar num aumento dos preços pagos pelos clientes das empresas infratoras. Entre as infrações que produzem um efeito deste tipo, encontram-se as práticas de cartel proibidas pelo artigo 101.º do TFUE, tais como a fixação de preços, a repartição dos mercados ou os cartéis que limitam a produção”.
Ora a Decisão da Comissão é resultado de um “procedimento de cartel”. Para entendermos porquê, há que interpretar a Decisão.
Nesta sede há que recordar que a Decisão da Comissão constitui um ato de uma instituição da União e, como tal, pode ser, inclusive, objeto de interpretação em sede de reenvio prejudicial pelo TJUE (artigo 267.º, §1, alínea b), TFUE).
Aliás, a Decisão da Comissão aqui em causa, já foi objeto de interpretação pelo TJUE no caso C-588/20, por decisão de 01 de agosto de 2022 (ECLI:EU:C:2022:607). Neste processo o TJUE, em sede de reenvio prejudicial, interpretou a Decisão para determinar que tipo de produtos (camiões) estavam abrangidos pelo ilícito. Segundo o TJUE, para proceder à interpretação do alcance da Decisão há que tomar em conta, em primeiro lugar, o dispositivo e os fundamentos desta decisão (parágrafo 39). Naturalmente que devem entender-se por “fundamentos” quaisquer considerandos da Decisão necessários à compreensão do dispositivo ou que constituem um suporte essencial do mesmo. Tal corresponde ao sentido geralmente aceite de “fundamento”, ou seja, de algo que suporta uma decisão ou que o torna compreensível.
Recorde-se, assim, o teor do dispositivo da Decisão, constante de p. 30 e ss., da versão constante dos autos. O artigo 1 do dipositivo é do seguinte teor em inglês (única versão autêntica da Decisão, tal como realçado pela Recorrente – artigo 13 da motivação), no que concerne a Recorrente:
“By colluding on pricing and gross price increases in the EEA for medium and heavy trucks; and the timing and the passing on of costs for the introduction of emission technologies for medium and heavy trucks required by EURO 3 to 6 standards, the following undertakings infringed Article 101 TFEU and Article 53 of the EEA Agreement during the periods indicated:
(…)
AB Volvo (publ), from 17 January 1997 until 18 January 2011; Volvo Lastvagnar AB, from 17 January 1997 until 18 January 2011; Volvo Group Trucks Central Europe GmbH, from 20 January 2004 until 18 January 2011; Renault Trucks SAS, from 17 January 1997 until 18 January 2011
(…)”.[8]

Resulta claro do dispositivo citado que a infração envolveu, desde logo, atos colusórios ou de conluio (“by colluding on”), entenda-se, entre as empresas infratoras referidas no mesmo dispositivo, atos estes relativos a preços e aumentos de preços brutos no Espaço Económico Europeu (EEE) de camiões médios e pesados, e sobre os timings e respetiva repercussão de custos da introdução de standards de tecnologias de emissões.

O artigo 2 do dispositivo é, por sua vez, do seguinte teor (no que à Recorrente diz respeito):
“For the infringement referred to in Article 1, the following fines are imposed:
(…)
(b) EUR 670 448 000 jointly and severally on AB Volvo (publ), Volvo Lastvagnar AB and Renault Trucks SAS of which, Volvo Group Trucks Central Europe GmbH is held jointly and severally responsible for the amount of EUR 468 855 017.
 
Ou seja, foi aplicada às descritas entidades uma coima total de 670.448.000,00 €, da responsabilidade solidária das mesmas, inclusive, da Recorrente, pela infração referida no artigo 1 do dispositivo.

O artigo 3 do dispositivo diz-nos:
“The undertakings listed in Article 1 shall immediately bring to an end the infringements referred to in that Article insofar as they have not already done so.
They shall refrain from repeating any act or conduct described in Article 1, and from any act or conduct having the same or similar object or effect.”

O citado artigo 3 constitui, como resulta claro do texto citado, uma ordem de cessação imediata das infrações aludidas no artigo 1, caso ainda não tenham cessado, devendo as entidades visadas abster-se da repetição de qualquer ato ou conduta descrita no artigo 1 e de qualquer ato ou conduta com objeto ou efeito semelhante.
Ora, para compreendermos o alcance desta ordem de imediata cessação e interdição de atos semelhantes em objeto ou efeito, torna-se necessário, como nos parece óbvio, saber em mais detalhe, a que atos colusórios ou de conluio, incidentes sobre preços e aumentos de preços brutos no EEE de camiões médios e pesados, e sobre os timings e respetiva repercussão de custos da introdução de standards de tecnologias de emissões, o dispositivo se refere.
Para compreendermos, assim, o citado dispositivo devemos recorrer, desde logo, à descrição da conduta ilícita constante do capítulo 3 da Decisão. Do referido capítulo 3, podemos destacar, no âmbito de atos de colusão ou conluio aludidos no artigo 1 do dispositivo, os considerandos 49 a 51 (sublinhados nossos):
"(49) The collusive contacts engaged in by the Addressees in the period 1997 to 2010 took place in the form of regular meetings at venues of industry associations, at trade fairs, product demonstrations by manufacturers or competitor meetings organised for the purpose of the infringement. They also included regular exchanges via e-mails and phone calls. The Addressees' headquarters (hereinafter: Headquarter-Level) were directly involved in the discussion of prices, price increases and the introduction of new emission standards until 2004. From at least August 2002 onwards, discussions took place via German Subsidiaries (hereinafter: German-Level), which, to varying degrees, reported to their Headquarters.
(50) These collusive arrangements included agreements and/or concerted practices on pricing and gross price increases in order to align gross prices in the EEA and the timing and the passing on of costs for the introduction of emission technologies required by EURO 3 to 6 standards.
"(51) From 1997 until the end of 2004, the Addressees participated in meetings involving senior managers of all Headquarters (see for example (52)). In these meetings, which took place several times per year, the participants discussed and in some cases also agreed their respective gross price increases. Before the introduction of price lists applicable at a pan-European (EEA) level (see above at (28)), the participants discussed gross price increases, specifying the application within the entire EEA, divided by major markets. During additional bilateral meetings in 1997 and 1998 apart from the regular detailed discussions on future gross price increases, the relevant Addressees exchanged information on harmonising gross price lists for the EEA. Occasionally, the participants, including representatives of the Headquarters of all of the Addressees, also discussed net prices for some countries. They also agreed on the timing of the introduction of, and on the additional charge to be applied to, the emissions technology complying with EURO emissions standards. In addition to agreements on the levels of price increases, the participants regularly informed each other of their planned gross price increases [...]".
Resulta claro destes considerandos que o conluio (ou colusão) referido no dispositivo, consistiu, portanto, em acordos colusórios (collusive arrangements) que incluíram acordos e/ou práticas concertadas (agreements and/or concerted practices) sobre a fixação de preços (pricing) e aumentos de preços brutos (gross price increases) de forma a alinhar os preços brutos no EEE e a oportunidade (timing) e repercussão de custos pela introdução de tecnologias de emissões.
Resulta, pois, que a infração envolveu, não só a troca de informações sensíveis, tal como descrito, por exemplo, no considerando 46, mas também acordos colusórios sobre a fixação de preços e aumentos de preços brutos, visando o alinhamento de tais preços no EEE.
Não pode haver dúvidas de que são condutas como estas que se subsumem aos artigos 1 e 3 do citado dispositivo.
Para melhor compreendermos o dispositivo serão ainda de destacar os seguintes considerandos:
"(71) [...] The single anti-competitive economic aim of the collusion between the Addressees was to coordinate each other's gross pricing behaviour and the introduction of certain emission standards in order to remove uncertainty regarding the behaviour of the respective Addressees and ultimately the reaction of customers on the market. The collusive practices followed a single economic aim, namely the distortion of independent price setting and the normal movement of prices for Trucks in the EEA".
"(81) The anti-competitive behaviour described in paragraphs (49) to (60) above has the object of restricting competition in the EEA-wide market. The conduct is characterised by the coordination between Addressees, which were competitors, of gross prices, directly and through the exchange of planned gross price increases, the limitation and the timing of the introduction of technology complying with new emission standards and sharing other commercially sensitive information such as their order intake and delivery times. Price being one of the main instruments of competition, the various arrangements and mechanisms adopted by the Addressees were ultimately aimed at restricting price competition within the meaning of Article 101(1) of the TFEU and Article 53(1) of the EEA Agreement".
O considerando 71 inclui-se no capítulo da fundamentação das considerações legais, mais precisamente no subcapítulo dedicado à aferição se a infração envolveu uma única conduta continuada. Este considerando é fundamental à compreensão do dispositivo, pois sem este (e demais considerações do subcapítulo em causa) não se compreenderia porquê que apenas foi sancionada uma única conduta a cada uma das infratoras, quando as condutas, em termos naturalísticos foram muitos e necessariamente espaçados entre si durante um longo período de tempo.
Quanto ao considerando 81, também se insere no capítulo das considerações legais desta feita no subcapítulo dedicado à restrição da concorrência. Aqui os considerandos obviamente eram essenciais até para a conclusão de que o objeto da infração era a violação dos artigos 101.º TFUE, presente no dispositivo.
Podemos, assim, ter por certo, desde logo com os considerandos citados, que a infração envolveu acordos colusórios que incluíram acordos e/ou práticas concertadas que visaram alinhar os preços brutos e respetivas subidas em todo o território do EEE, incidindo os acordos em alguns casos sobre preços líquidos (considerando 51). O objetivo de tais acordos e práticas era a distorção do estabelecimento independente dos preços no mercado respetivo e a coordenação dos timings e respetiva repercussão de custos da introdução de standards de tecnologias de emissões.
Não surpreende, por isso, que no parágrafo 40 da decisão do TJUE no já aludido caso C-588/20, se refira “há que salientar que, segundo o artigo 1.º da decisão em causa, o cartel em questão no processo principal tinha como objeto, por um lado, a fixação de preços e o aumento dos preços brutos no EEE dos camiões médios e dos camiões pesados, e, por outro, o calendário e a repercussão dos custos relativos à introdução de tecnologias de emissões exigidas pelas normas EURO 3 a 6”.
Resultou, pois, evidente ao TJUE que a Decisão incidiu sobre um cartel destinado, desde logo, à fixação e aumento de preços brutos de camiões médios e pesados.
Podemos, assim, ter por certo que a infração subjacente à Decisão, tinha como objeto, para além da troca de informações sensíveis, acordos e práticas de fixação de preços e o aumento dos preços brutos no EEE dos camiões médios e dos camiões pesados. Neste ponto, portanto, temos de concordar com o tribunal a quo.
Visto este primeiro ponto, vejamos se a Decisão suporta a inferência realizada pelo tribunal a quo, sobre a existência de danos, em suma, se foram efetivamente praticados no mercado, aqui no que concerne à Recorrente, preços líquidos superiores aos que seriam praticados caso não existisse o dito cartel.
Neste âmbito é de salientar, tal como fez a sentença recorrida, em harmonia com a Decisão, a muito longa duração do cartel, em concreto cerca de 14 anos (de janeiro de 1997 a janeiro de 2011).
Também de salientar a imensa extensão do cartel ou, como refere a sentença recorrida (linha 2023), a sua “área igualmente ampla”.
De notar que o Espaço Económico Europeu, até 30 de abril de 2004, incluía a Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, os Países Baixos, Portugal, Espanha, o Reino Unido, Áustria, Suécia, Finlândia, Islândia, Liechtenstein e Noruega. A partir de 1 de maio de 2004 passou a incluir a República Checa, a Estónia, Chipre, Lituânia, Hungria, Malta, Polónia, Eslovénia, Eslováquia. A partir de 1 de janeiro 2007 a Roménia e a Bulgária passaram a integrar o EEE.
Estas circunstâncias foram usadas na Decisão para justificar a gravidade da infração e respetivas coimas aplicadas no dispositivo (considerandos 114 e 118).
Por seu turno retira-se da Decisão, ademais, que a elevada quota de mercado também contribuiu para a elevada gravidade das condutas infratoras e, consequentemente, para as elevadíssimas coimas aplicadas no dispositivo da Decisão (coimas inclusivamente descritas no facto provado 25). Recorde-se que a aqui Recorrente foi condenada, solidariamente com a AB Volvo (publ) e Volvo Lastvagnar AB em coima de € 670.448.000,00.  Aliás, do Comunicado de Imprensa da Comissão datada de 19.07.2016,[9] descrito no facto provado 125, e dos documentos juntos pela Recorrente consubstanciados em enxertos de comunicação social (ref.ª 46912, documentos n.ºs 1, 3, 4, 5, 6, 7), retira-se que os infratores beneficiavam de uma quota de mercado muito elevada, próxima dos 90%, pois como aí se refere, aproximadamente 9 em cada 10 camiões eram por aqueles produzidos na Europa. Este facto foi tomado em conta na Decisão da Comissão, apesar da específica quota de mercado ter sido omitida na versão da Decisão junta aos autos (v. considerandos 24 e 116-117).
Ainda neste âmbito e perante o contexto em causa, não se pode deixar de concluir, como reflete o facto n.º 30 da sentença recorrida, que os infratores, inclusive, a ora Recorrente, ao acordar com os demais elementos do cartel a subida de preços brutos durante o longo período de tempo em causa, agiram necessariamente de forma intencional, coordenada e continuada. Esta intencionalidade e coordenação continuadas foram sublinhadas na Decisão, nomeadamente, no considerando 104 (intencionalidade), e considerandos 52, 71, 81 e 115 (coordenação continuada). Esta factualidade evidentemente suporta o dispositivo quando constata o conluio entre as empresas, sobre preços e aumentos de preços brutos, conluio este que perdurou no tempo.
De salientar que todas estas características são específicas do concreto cartel ora em causa. Não tratam, portanto, de características genéricas atribuíveis a um qualquer cartel em abstrato, como parece supor o Parecer da autoria dos Professores Paulo Mota Pinto a Sandra Passinhas junto aos autos (v. p. 77 e p. 133-134, conclusões 41 e 45, do documento 1 apresentado em 22-09-2023, ref.ª 651114).
Não menos certo é que a Recorrente (artigo 74 e ss. da motivação, artigo 110.º e ss. das Conclusões), defende-se aqui com o facto de a sanção da Decisão incidir sobre uma infração por objeto e não por efeitos.
 Conforme resulta do considerando 82 da Decisão da Comissão, tendo em conta o objeto da infração, consistente na prevenção, restrição ou distorção da concorrência no EEE, a Comissão concluiu que era desnecessário aferir dos efetivos efeitos da infração no mercado.
Neste âmbito a Decisão inclusivamente cita o Ac. TJUE de 11 de setembro de 2014, C-67/13, Groupement des Cartes Bancaires v Commission (EU:C:2014:2204), parágrafo 49, que nos diz que “resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que determinadas formas de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos” .
Neste contexto, donde se depreende que a Decisão julgou desnecessário analisar os efetivos efeitos da infração no mercado, afigura-se-nos porventura excessivo recorrer-se ao considerando 85 da Decisão para se retirarem tais efeitos da infração.[10]
Contudo, mesmo não recorrendo a tal considerando 85 chega-se à conclusão que a infração sancionada pela Comissão, com elevada probabilidade, implicou uma efetiva subida dos preços praticados no mercado, quer brutos, quer líquidos, influenciando, assim, os preços de venda dos camiões adquiridos pela Recorrida.
Efetivamente, já aludimos a algumas das principais características da infração que podem e devem ser aqui tomadas em consideração, em especial, que não envolveu a mera troca de informações sensíveis, mas também acordos colusórios sobre o aumento de preços brutos. O cartel tinha uma elevada quota de mercado e uma enorme extensão territorial, tendo-se coordenado, obviamente de forma intencional, durante um longo período de tempo, em concreto, de 1997 a 2011.
Neste âmbito, recorde-se, que resulta assente pelos factos provados n.ºs 29, 36 a 41; 44 a 51, 54 a 62, 65 a 73, 76 a 84, 87 a 95, 98 a 108, 111 a 118, a aquisição pela Recorrida, dos seguintes veículos pesados novos, com mais de 6 toneladas, fabricados pela Ré, e as seguintes datas em que foram estabelecidos os respetivos preços de venda:

    Veículo
        Data
      Preço venda
    …-…-TH
      Abril 2002
      79.211,87
    …-…-QM
      25-09-2001
      67.337,72
    …-EE-…
      28-08-2007
      86.203,00
    …-DG-..3
      13-04-2007
      86.203,00
    …-DG-..2
      Maio 2007
      86.203,00
    …-…-ZO
      25-02-2005
      76.000,00
    …-..2-TX
      06-09-2002
      72.001,48
    …-..1-TX
      06-09-2002
      72.001,48
    …-…-TG
      Abril 2002
      72.325,69
    …-GA-…
      Julho 2008
      80.000,00

Ou seja, a Recorrida adquiriu todos os camiões com preços de venda fixados durante o período da infração.
Ora, no Guia Prático,[11] bastante referenciado nestes autos, citando o estudo Oxera 2009, por sua vez sustentado numa série de estudos empíricos já existentes sobre os efeitos dos cartéis, concluiu-se que em 93% dos casos verificaram-se subidas de preços, ou seja, sobrecustos ou preços adicionais[12] (parágrafo 142 do Guia Prático).
Apenas 7% dos cartéis estudados não implicaram um sobrecusto.
Nesta sede, o mesmo Guia Prático não deixa de referir que “os tribunais nacionais, com base nesses conhecimentos empíricos, têm sustentado que os cartéis conduzem normalmente a um preço adicional e que, quanto maior tiver sido a duração e a sustentabilidade de um cartel, tanto mais difícil será para um requerido argumentar a ausência de qualquer incidência negativa nos preços num caso específico. Tais ilações são, todavia, uma questão da competência das legislações aplicáveis” (parágrafo 145).
Como recordamos supra em sede de Considerações prévias, em sede de standard da prova, dir-se-á que a quem cabe provar determinado facto de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, nomeadamente os factos atinentes ao dano, terá que demonstrar que a hipótese fáctica visada encontra confirmação positiva nos meios de prova que apresentou e é mais provável do que não (teoria da probabilidade prevalecente).
Mais acrescentamos, seguindo o STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022, “a teoria da causalidade adequada cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a um encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, dum ponto de vista hipotético, não eram de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (como é o caso), ser considerada “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que para a imputação objetiva dum dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade”.
Ora, seguindo estes ensinamentos e o já exposto, óbvio se torna que a hipótese defendida pela Recorrida, no sentido de que adquiriu camiões a um preço mais elevado (dano), preços estes aumentados devido à infração em causa, ou seja, devido aos descritos acordos colusórios (nexo causal), não só é mais provável do que a hipótese contrária, como é bastante mais provável (como se diria em inglês, numa fórmula conhecida, much-more-likely-than-not).
Com efeito, a Recorrida adquiriu veículos pesados novos, ou através de contratos de locação financeira ou diretamente à Renault Trucks Portugal, Lda, por preços fixados no período em que perdurava o dito cartel, que envolvia a coordenação dos preços brutos, no sentido do seu aumento.
É certo que a Recorrente alega, em sede de recurso, que demonstrou nos autos que a hipótese contrária era a mais provável, ou seja, de que inexistiu sobrecusto ou overcharge (ver, em especial, artigos 114-116 das conclusões, nas partes aqui relevantes, ou seja, relativas, à prova da existência de sobrecusto).
Em abstrato, conduzindo-nos pelas estatísticas apresentadas no Guia Prático e demais estudos referidos, segundo os quais 93% de cartéis estudados implicaram sobrecustos, sempre sobraria 7% de casos onde tal sobrecusto não se verificou.
Vejamos, pois, da pertinência da contraprova.
Neste âmbito, foi junto pela Recorrente um outro estudo da Oxera do ano de 2019, junto como doc. 6 da contestação (ref.ªs 44042 e 35918758, versões no original inglês e tradução portuguesa), de natureza confidencial e encomendado pelas OEMs (original equipment manufacturers ou fabricantes originais de equipamentos), ou seja, por empresas visadas pela Decisão da Comissão. Neste estudo (doravante Oxera 2019), pode ler-se na página 6 que “[a] Decisão por si só não fornece a base para estabelecer uma inferência económica relativamente à questão de saber se da infração no Caso de Camiões resultaram custos adicionais”.
Ou seja, este estudo conclui que a Decisão da Comissão é insuficiente para dele inferir-se a existência de um aumento de preços ou sobrecusto. Contudo, as entidades referidas, ao encomendarem o dito estudo, como salienta a sentença recorrida (p. 73), limitaram-se “a pedir que o estudo se centrasse apenas em parte da infracção, ou seja, na troca de informações”.
Efetivamente, na página 6 do referido estudo admite-se “Foi-nos solicitado que preparássemos este relatório com base no facto de que a principal característica da infração no Caso de Camiões foi a troca de informações entre os OEM sobre preços brutos. Como questão de teoria económica, os efeitos concorrenciais da troca de informações podem ser distinguidos dos efeitos de outras formas de conduta associados a infrações colusivas [na língua inglesa original, cartel infringements]”. Ou seja, o estudo explicitamente assume como pressuposto que a infração em causa consistiu essencialmente em trocas de informações entre os fabricantes (e vendedores) dos camiões, pressuposto este com o qual não se pode concordar após a análise da Decisão supra realizada. Mais salienta o texto citado que os efeitos da troca de informações no mercado são diversos dos efeitos de carteis.
Ora, estando precisamente aqui em causa um cartel, onde, para além de trocas de informações sensíveis, se verificou que as empresas efetivamente conluiaram e coordenaram o aumento de preços brutos entre si, com o objetivo de distorcer o estabelecimento independente dos preços no mercado e coordenar os timings e respetiva repercussão de custos da introdução de standards de tecnologias de emissões, devemos concluir que aquele estudo parte de um pressuposto manifestamente incorreto. Nestes termos, devemos concluir no sentido da sua irrelevância no que concerne às possíveis inferências baseadas naquele pressuposto.
Contudo, o estudo Oxera 2019 não deixa de tecer também considerações sobre possíveis efeitos de cartéis, tal como o cartel efetivamente aqui em causa. Com efeito, recorrendo aos mesmos dados do Guia Prático e do estudo Oxera 2009 (página 10, figura 3.1)[13] também conclui que apenas 7% dos cartéis não implicam uma subida de preços no respetivo mercado. Este gráfico corrobora, portanto, que de acordo com a experiência, a probabilidade de um cartel implicar uma efetiva subida de preços é muito elevada.
Por outro lado, uma das principais objeções da Recorrente e do estudo Oxera 2019, no sentido de que dos factos subjacentes à Decisão da Comissão não se pode inferir um efetivo aumento de preços de venda, baseia-se nas diferenças entre os preços brutos e preços líquidos. Este aspeto específico é focado no capítulo 4D.2 que, curiosamente, contém um erro de tradução no título do capítulo “Seria necessária uma ligação clara e sistemática entre as listas de preços brutos e os preços líquidos para que a troca de informações permitisse aos OEM coordenar os preços brutos”. Ora, este segmento final por nós sublinhado devia ler-se antes como “coordenar os preços líquidos”, tal como se pode confirmar na versão original inglesa.[14]
Neste ponto, o estudo Oxera 2019 mais uma vez parte do pressuposto do que a infração consistiu essencialmente na troca de informações. Ora, como já dissemos, tal pressuposto não se nos afigura correto.
A tal acresce que o estudo parece pressupor uma fraca coordenação entre os infratores. Contudo, como se pode ler no considerando 51 da Decisão já supra citado “the Addressees participated in meetings involving senior managers of all Headquarters (see for example (52)). In these meetings, which took place several times per year, the participants discussed and in some cases also agreed their respective gross price increases (…). During additional bilateral meetings in 1997 and 1998 apart from the regular detailed discussions on future gross price increases, the relevant Addressees exchanged information on harmonising gross price lists for the EEA.”. Mais se acrescenta “In addition to agreements on the levels of price increases, the participants regularly informed each other of their planned gross price increases. Furthermore, they exchanged their respective delivery periods and their country-specific general market forecasts, subdivided by countries and truck categories. In addition to the meetings, there were regular exchanges of competitively sensitive information by phone and email”.
Ou seja, as reuniões ocorriam inclusivamente entre os gestores sénior das empresas infratoras (empresas multinacionais por todos conhecidas). Tais reuniões eram frequentes (várias vezes ao ano) onde, por vezes, se acordavam os aumentos dos preços brutos, a que acresciam contactos regulares entre as empresas para se informarem mutuamente dos aumentos e transmitirem outras informações sensíveis por via remota (telefone e email).
Seguidamente (considerandos 52 e ss., todos respeitantes à natureza e escopo da conduta ilícita), a Decisão dá exemplos concretos de reuniões, onde foram discutidos, entre outros, a redução de descontos, tendo-se acordado no aumento de preços, por exemplo, em França (considerando 53). Denota-se, ainda, que os fluxos de informação entre as empresas eram tão frequentes, que foram inclusivamente, elaborados templates, ou seja, modelos standard (padronizados) para as respetivas comunicações (considerando 57).
Estes factos descrevem, diferentemente do que parece inferir o estudo Oxera 2019, uma coordenação entre empresas, nomeadamente quanto ao aumento de preços, bastante regular e intensa.
Em suma, perante uma coordenação de atividades do cartel regular e intensa, realizada inclusivamente pelas próprias cúpulas em pessoa várias vezes ao ano, temos de discordar do estudo Oxera 2019 quando afirma inexistir base suficiente para inferir-se que os preços efetivamente praticados não sofreram aumentos devido a tais atividades ilícitas.
Perante o concreto cartel ora em causa, com as características que temos vindo a sublinhar, e conduzindo-nos pela razoabilidade e as máximas da experiência comum, cremos ser bastante provável o contrário, ou seja, que partindo-se de um preço bruto superior, o preço líquido final também seria mais elevado.
Com efeito, resulta das regras da lógica que, se se parte de um preço bruto X, a haver um desconto, por exemplo, um desconto de 20%, o preço líquido final Y refletirá o preço bruto donde se partiu. Assim sendo, acordando as empresas em causa no aumento dos preços brutos é bastante provável que os preços líquidos de venda dos camiões tenham sofrido um aumento proporcional àqueles, tal como concluiu a sentença recorrida no facto provado 30.
Cremos, portanto, que a conclusão precedente é a que efetivamente resulta como sendo bastante provável perante as descrições constantes da Decisão, em especial, a longa duração dos acordos colusórios visando o aumento de preços, a extensão territorial do cartel, a elevada quota de mercado das infratoras, a que acresce a intensa coordenação verificada entre as mesmas. Tal conclusão é, pois, a que resulta das máximas da experiência comum e das regras da Lógica.
Mas ainda quanto à (contra)prova da inexistência de sobrecusto (dano), apoia-se a Recorrente no Relatório de Análise junto em 13-04-2021, ref.ª 50115, da autoria principal do Senhor Professor xxxx e respetivo depoimento. Este estudo, encomendado pela Recorrente, também parte do mesmo pressuposto do estudo da Oxera 2019, ou seja, de que a infração em causa tratou essencialmente de trocas de informações. Como se afirma logo na primeira página do respetivo Sumário Executivo “A infração consistiu predominantemente na troca de informações sobre os preços brutos de tabela dos camiões médios e pesados, bem como a calendarização da introdução de novas tecnologias de emissões imposta pelas normas EURO 3 a 6.”.
Neste ponto, portanto, todas as considerações tecidas neste estudo acerca dos efeitos económicos de meras trocas de informações, são de relevância muito limitada para o caso concreto, pois, como vimos, retira-se da Decisão da Comissão que a infração aqui em causa consubstanciou-se, para além da troca de informações, em acordos para a fixação de preços e o aumento dos preços brutos no EEE dos camiões médios e dos camiões pesados.
É, no entanto, de reparar que este estudo afirma, na p. 2, que “A nossa metodologia e análise não dependem da natureza exata da infração. Ou seja, a nossa abordagem metodológica e os resultados são independentes e igualmente válidos tanto se a infração tiver consistido numa troca de informações como se tiver consistido num acordo de fixação de preços”.
Porquanto este estudo analisa, portanto, dados empíricos concretos e objetivos, nomeadamente a variação de preços líquidos, margens brutas e custos de produção parece-nos efetivamente irrelevante o pressuposto donde se parte. Será, portanto, nos dados concretos apresentados e tratados, que este estudo poderá relevar interesse para a descoberta da verdade.
Contudo, o estudo apenas utiliza dados de 2004 a 2014 (11 anos), o que abrange cerca de metade do período da infração, ou seja, aproximadamente 7 anos, e cerca de 4 anos após a infração (início de 2011 a 2014). Quanto ao acesso a estes dados refere o Professor xxxx, a aproximadamente 16m45 do seu depoimento, que teve acesso a uma base de dados facultada pela Renault que “inclui todas as vendas de camiões em Portugal entre 2004-2014”. O Professor aproximadamente a 22m10 refere que “só temos dados da Renault de 2004-2014” e, mais adiante, aproximadamente a partir de 26m45, que a base de dados continha “um conjunto vasto de informação”. Mais resulta, a cerca de 32m00 da gravação do depoimento, que a falta de dados relativos a 2015 em diante terá sido porque a partir de tal momento, as vendas aos clientes finais passaram a ser feitas por uma empesa do grupo Autosueco, pelo que optaram por não os incluir dadas as diferenças verificadas com tal mudança (volta a falar deste assunto a aproximadamente 35m40). Deixaram, assim, de ter dados comparáveis entre si a partir de 2015 para a frente.
Também a partir de 34m00 do respetivo depoimento do Professor xxxx, depreende-se que não lhe foi possível aceder a dados anteriores a 2004 porque lhe foi dito pela Renault que os “únicos dados disponíveis eram a partir de 2004”, tendo o depoente esclarecido que só a partir de tal ano é que tinham dados suficientemente detalhados para o estudo em causa (dados com o necessário nível de “desagregação”). Nos últimos 15m da segunda parte do seu depoimento (que durou cerca de 3 horas no total) a instâncias, ao que tudo indica, da Mm.ª Juiz titular, a testemunha volta a descrever o acesso que teve aos dados e contactos que teve com a Renault.
Depreende-se, portanto, que os dados foram fornecidos de forma irrestrita pela Recorrente à equipa do Senhor Professor xxxx, mas com as limitações temporais referidas.
Sobre as bases de dados utilizadas neste Relatório, veja-se também a Secção 4.1 do Relatório de Análise, do qual se infere que foi feito um trabalho considerável na seleção e adaptação dos dados recolhidos de tais bases de dados.
Quanto a este último ponto, ou seja, o período temporal da infração captado pelos dados analisados, denota-se, salvo melhor opinião, uma fragilidade do estudo. Efetivamente, o estudo apenas envolveu aproximadamente metade do período da infração. É certo que pode até ser compreensível que o acesso a dados, fornecidos neste caso pela própria Recorrente, fosse limitado, dado o período de tempo já decorrido e as alterações entretanto verificadas na estrutura organizatória da Recorrente. Mas o que é um facto é que o estudo apenas visou metade do tempo da infração.
O estudo, porventura consciente desta fragilidade, afirma que o “relatório permite-nos retirar conclusões diretas quanto à inexistência de um sobrecusto entre 2004 e 2011. Embora não se possa retirar conclusões diretas quanto ao impacto da infração no primeiro período da infração (entre 1997 e 2003), não temos razões a priori para crer que o impacto da infração nos preços teria sido diferente durante esse período inicial” (p. 3). O Senhor Professor xxxx reitera esta posição, sem grandes desenvolvimentos, aproximadamente a 36m40 do seu depoimento.
Analisando nós os dados constantes do estudo ora em apreço, não nos parece que tal conclusão seja clara e inequívoca.
Vejamos porquê.
Por um lado, conforme já referido, os dados fornecem-nos uma imagem cortada sobre o período de infração, faltando os dados de 1997 a 2003, ou seja, cerca de metade do tempo total de duração da infração.
Em segundo lugar, no que toca ao período pós-infração, foi feita uma escolha de não inclusão de dados posteriores ao ano de 2014, por as mesmas não refletirem os preços líquidos cobrados ao cliente final e poderem “refletir mudanças na estrutura de custos da atividade de retalho” (p. 23 do Relatório de Análise).
Ora, no que concerne ao período pós-infração, que se inicia em janeiro de 2011, ou seja, no primeiro quadrimestre de 2011, é de notar que os dados descrevem comportamentos anómalos e bastante impressivos, entre o preço líquido médio, a margem bruta média e o custo (SCOM). Salienta-se aqui, conduzindo-nos pela Figura 4.4, p. 27 do estudo,[15] que a partir de 2012, a margem bruta média (MBM), indicador de lucro ou prejuízo, que já vinha sofrendo descidas desde 2008, entra, em meados de 2012 até ao final deste ano no plano negativo. Segundo o próprio estudo verificaram-se “descidas temporárias e significativas das margens brutas observadas entre 2012 e 2014”.
A figura 4.4 é a seguinte:

Ora, se a descida da MBM a partir do início de 2008 pode ser em parte explicada, como nos parece razoável, pela crise financeira mundial de conhecimento público (também salientada no estudo), já as descidas de MBM entre 2012 e 2014 não encontram explicação por fatores imanentes ao mercado. Com efeito, como se depreende do texto no local citado do estudo (p. 27), foi necessário explicar estas diferenças significativas no comportamento da referida variável (MBM), com o recurso a circunstâncias extraordinárias inerentes à própria Recorrente, tais como a perda de um cliente importante em 2012 (IKEA), discussões sobre a venda à Auto Sueco do negócio de retalho entre 2013 e 2015 e o atraso na introdução de novas gamas de modelos originalmente previstos para 2012. Naturalmente, o preço líquido acompanhou o MBM situando-se, de forma inédita, em finais de 2012, bastante abaixo da variável custo (SCOM).
Ora, se estas situações anómalas influenciaram de forma significativa os dados, como se observa da Figura 4.4, em especial as ditas margens e os preços líquidos, pelo menos entre 2012 e 2014, que período de comparação pós-infração nos resta? Responder-se-á, pouco mais de que o ano de 2011, talvez o primeiro quadrimestre de 2012 e, porventura, parte de 2014.
Sobre a referida figura, o Professor xxxx, a partir aproximadamente de 40m30 da gravação do seu depoimento, retira que os dados apontam para a inexistência de um sobrecusto durante o período da infração porque, da sua perspetiva, a partir de 2011 a MBM em vez de aumentar diminuiu até ficar negativa no final de 2012. Mais acrescenta que “há aqui qualquer coisa, qualquer fenómeno” (43m20) a levar que a MBM fosse elevada durante a infração, mas que o faz diminuir progressivamente até inverter a tendência em 2012. Concluiu, portanto, que a elevada MBM verificada durante o período da infração pode não ser necessariamente devido à infração. Surpreendentemente, o Professor xxxx não faz qualquer menção neste momento do seu depoimento, nem da crise financeira mundial 2008-2010, nem da informação extraordinária relativa ao período de 2012-2014, que tinha feito constar do Relatório de Análise.
O Senhor Professor apenas fala da crise financeira (e, subsequentemente, da crise da dívida soberana portuguesa), quando analisa a Figura 3.2 do estudo, salientando que as vendas de camiões caíram para quase metade a partir de 2008, e só começaram a recuperar a partir de 2012 (p. 18 do estudo; depoimento a partir de 45m50).
Como se sabe, qualquer modelo comparativo[16] visa reconstruir a forma como o mercado em causa teria evoluído na ausência da infração para determinar a diferença entre este cenário e o cenário afetado, por exemplo, por um cartel. Como se afirma no Guia Prático (considerando 37) “Os métodos comparativos assentam no postulado de que o cenário de comparação pode ser considerado representativo da situação que provavelmente prevaleceria em caso de não infração e que a diferença entre os dados observados durante a infração e os dados escolhidos a título comparativo resulta da infração cometida”.
Por outro lado, como é sabido, principalmente quando estamos perante infrações que perduraram por muito tempo, como é o caso do cartel destes autos, o mercado, logo após o fim da infração não recupera de um dia para outro, carecendo, em muitos casos, de um período mais ou menos longo de readaptação à concorrência irrestrita. É, por isso, aconselhável, nestes casos, realizar uma comparação com períodos anteriores à infração, durante a infração e pós-infração (ver Guia Prático, considerandos 42 e 44).
Obviamente que tal não será sempre possível, dependendo da disponibilidade dos dados. Contudo, independentemente das razões da falta de disponibilidade de dados, o que é certo é que nestes casos uma análise apenas do período pós-infração será muitas vezes limitada no seu poder explicativo.
Sobre este ponto o Professor xxxx, a partir de 1h02m20 do seu depoimento, declara que fizerem testes para verificar se o ponto de partida do fim de infração era efetivamente o marco a ter em conta e que, para tal efeito, analisaram os dados a partir do fim desse ano e que os “resultados foram exatamente iguais”. Estas afirmações levantam-nos muitas dúvidas. Se o teste para aferir se o mercado recuperou imediatamente após o fim da infração foi feito a partir de finais de 2011, teve necessariamente que englobar o período de 2012-2014, ou seja, aquele período onde a Recorrente admite que passava por diversas condicionantes internas que explicam as mudanças extraordinárias referidas ao analisarmos a Figura 4.4. Se assim é, qual a fiabilidade de tais testes?
Dir-se-á que o estudo em referência, partindo, conforme se viu, de dados limitados do período de infração (2004 a 2011), compara-as com dados pós-infração, aparentemente abrangendo 2011-2014. Contudo, entre 2012-2014, o estudo admite que os dados sofrem variações significativas devido a causas internas à própria Recorrente e alheias ao mercado. Assim sendo, em termos comparativos pós-infração, restam dados de pouco mais de um ano (2011 e, porventura, partes de 2012 e 2014), o que se nos afigura ser manifestamente insuficiente para concluir-se o que quer que seja numa situação tão complexa como a dos presentes autos, onde um cartel com intensa coordenação perdurou por aproximadamente 14 anos. Estes limites nos dados analisados, quanto a nós, comprometem seriamente as conclusões deste estudo.
Como o próprio estudo reconhece a p. 48 “[u]ma base de dados comparável remete para a necessidade de identificar transações que estão sujeitas aos mesmos fatores explicativos dos preços durante ou fora do período da infração. Isto é importante porque, de outra forma, seria muito difícil, senão impossível, controlar empiricamente as diferenças nos fatores explicativos dos preços e isolar adequadamente o possível efeito da infração”.
Ora, como se pode sustentar que os dados estudados são suficientes, quando apenas englobam cerca de metade do período da infração (2004-2010) e cerca de 4 anos pós-infração (2011-2014), e quando pelo menos cerca de 2 destes foram afetados por condicionantes extraordinárias internas à Recorrente?
Por seu turno, depreende-se do estudo, até pelas menções ora feitas, que a partir de 2008 até 2012, o mercado sofreu alterações profundas causadas quer pela crise financeira mundial, quer pela crise da dívida soberana portuguesa. Note-se que o período de 2008 a 2011 é relativo ao período da infração. Ou seja, dos 7 anos do período cartel estudados, 3 deles refletem um mercado com alterações abruptas e profundas por circunstâncias extraordinárias.
Não nos parece, pois, que a(s) base(s) de dados em causa, levando em linha de conta os períodos de tempo estudados, seja suficiente para os efeitos comparativos pretendidos.
Os argumentos ora aduzidos parecem-nos determinantes para afastar, assim, as conclusões do estudo. Não deixamos de notar, ademais, a ausência verificada no estudo, apesar do seu invariável detalhe, de análises detalhadas sobre a eventual relação entre preços brutos e líquidos. Efetivamente, como sabemos, importante parte da argumentação da Recorrente, passa por salientar estas diferenças.  A este respeito refere-se a p. 10 do estudo que “[o]s descontos aplicados para refletir as condições locais sugerem, por sua vez, que não existe uma ligação sistemática entre os preços brutos de tabela e os preços líquidos, que seria necessária para que qualquer acordo sobre os preços brutos de tabela tivesse o impacto previsível nos preços líquidos pagos pelos clientes”. Apesar desta asserção e do confessado acesso às tabelas de preços brutos (p. 25 do estudo), ilustram-se os descontos no histograma de p. 26 (Figura 4.3), sem se estabelecer qualquer (co)relação com os preços brutos e sem qualquer análise diacrónica, ou seja, no decorrer do tempo.
Enfim, foi feito um esforço considerável no estudo do Senhor Professor xxxx para demonstrar que os preços líquidos dos camiões estavam fortemente correlacionados com a procura,[17] permanecendo perfeitamente alheios à infração. Contudo, tal conclusão não pode ser aceite, devido às apontadas fragilidades ao Relatório de Análise, não pela falta de fiabilidade dos dados (como defende inclusivamente a Recorrida a p. 108 e ss. da Resposta), mas sim pela sua estreiteza, não só quanto ao período em que persistiu a infração, mas também quanto ao período pós-infração.
Concluímos supra, baseando-nos nas descrições da Decisão da Comissão, que a probabilidade de ter existido um efetivo aumento de preços brutos e líquidos, devido à infração era bastante mais provável do que a hipótese contrária. Concluímos agora que tal probabilidade não se mostra abalada mediante a contraprova, ao contrário do que alega a Recorrente.
Há, pois, que concluir que nada há a alterar nestes pontos da matéria de facto.

b. Da factualidade atinente ao quantum do dano
No que toca à prova desta matéria, essencialmente descrita em 32 e 33 dos factos provados (em suma, a aquisição dos camiões pela Recorrida por um preço com um sobrecusto de 15,4% causado pela infração, e, quanto ao veículo ...-...-TH um sobrecusto de 15,12%), a sentença recorrida baseia-se, em primeiro lugar e de forma essencial e determinante, nos relatórios técnicos elaborados pelo Senhor Professor xxxx e esclarecimentos prestados pelo mesmo em audiência, interpretados em harmonia com o Guia Prático (2013) e à luz do princípio da efetividade (p. 83 e ss.).
O relatório original da autoria do Senhor Professor xxxx foi apresentado com a petição inicial aperfeiçoada (doravante Relatório xxxx). Após, foi apresentada uma errata em 01-09-2020 (ref.ª 43284). Acrescem os relatórios de resposta a observações do Senhor Professor xxxx, apresentados em 01-07-2021 (ref.ª 51912).
Neste âmbito, como contraprova fundamental, temos o relatório Oxera 2019, já analisado supra e de parca relevância nestes pontos pelos motivos já expostos. Existem também os relatórios da equipa do Professor xxxx (Relatório de Análise já analisado, Relatório Refutação, junto em 25-06-2020, ref.ª 44042 e o Relatório Resposta ao Professor xxxx junto em 27-8-2021, ref.ª 52837) e o respetivo depoimento.
Quanto ao Relatório xxxx, o mesmo padece de uma insuficiência já apontada ao relatório do Professor xxxx supra analisado, em concreto, apenas faz a comparação de preços brutos com o período cartel e pós-cartel não incluindo, portanto, o período pré-infração. Esta insuficiência, contudo, mostra-se atenuada em relação ao relatório anterior, porquanto inclui dados até 2017 (e não apenas até 2014).
Mas analisemos em maior pormenor o Relatório xxxx.
No Relatório xxxx concluiu-se pela existência do sobrecusto de 15,4%, representando este valor a dupla diferença entre o período em que vigorou o cartel (1997-2010) e o período pós-cartel (2011-2017).
Foi feito a comparação, durante os mesmos períodos de tempo, com os preços de camiões não englobados pelo cartel (camiões médios e pesados essencialmente de origem asiática) conjuntamente com produtos alegadamente semelhantes (veículos comerciais ligeiros ou VCLs), grupo este que serve, portanto, de controlo.
A metodologia empregue pelo Professor xxxx é denominado de Duplas Diferenças ou, numa tradução literal do inglês de Diferença nas Diferenças (Difference-in-Differences approach).
Seguindo o artigo científico de P. Maier-Rigaud & Slobodan Sudaric “The Difference-in-Differences Approach to the estimation of Cartel Damage” (junho de 2019)[18], indicado pelo próprio Professor xxxx em relatório apresentado a 1 de julho 2021 (ref.ª 51912), o esquema do método em causa é o seguinte:

A = preço das empresas de cartel durante o período de existência do cartel
B = preço comparador (não-cartel) durante o período de existência do cartel
A1 = preço de empresas de cartel fora do período de existência do cartel
B1 = preço comparador (não cartel) fora do período de existência do cartel

Duplas diferenças
A – B = Y
A1 – B1 = Z
Y – Z = X (sobrecusto ou overcharge)
Ou seja, se A = 8; se B = 6, se A1 = 10 e se B1 = 9, temos 8 – 6 = 2; 10 – 9 = 1; 2 – 1 = 1.
Em primeiro lugar há que notar que este esquema não corresponde exatamente ao que encontramos na tabela final elaborada pelo Senhor Professor xxxx, mas que tal diferença metodológica não nos parece relevante, conforme se demonstrará de seguida. Esta diferença poderia levar-nos a suscitar desde logo dúvidas sérias acerca deste relatório, pelo que convém esclarecer este ponto.
Na tabela em questão encontramos:
A black and white text with numbers

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Nesta tabela,[19] em vez de se subtrair do preço cartel, o preço não cartel (preço comparador), tal como sugerido no artigo científico supra mencionado, faz-se algo diverso, mas que é matematicamente equivalente. Em concreto, subtrai-se do valor não cartel “A” (10,524), o valor da marca não cartel “B” (10,402), ou seja, ambos preços comparadores. Também se procede mutatis mutandis, para os preços do grupo cartel. Ora, conduzindo-nos pelo esquema supra teríamos:
Período cartel
10,767 (D) - 10,402 (preço comparador B) = 0,365
Período comparador (não cartel)
10,746 (C) – 10,524 (preço comparador A) = 0,222
Dupla diferença
0,365 – 0,222 = 0,143 (sobrecusto ou markup)

Como se vê, o caminho adotado na descrita tabela é diverso, mas o resultado é matematicamente equivalente, pelo que, como referimos, as apontadas diferenças parecem-nos irrelevantes.
Estes valores foram confirmados pelo Senhor Professor em sede do depoimento prestado em audiência de julgamento.
Continuemos, pois, a análise.
Os Relatórios da autoria do Professor xxxx, são desde logo parcos na exposição do tratamento de dados efetivamente dado, contrariamente aos relatórios do Professor xxxx onde os estudos são continuamente acompanhados de explicações textuais e visuais. Com os relatórios da autoria do Professor xxxx, principalmente o primeiro (apresentado com a petição inicial aperfeiçoada), para além das explicações metodológicas e a enunciação das variáveis escolhidas, conhecemos pouco mais do que o ponto de partida e o ponto de chegada do tratamento de dados. O ponto de chegada é a tabela acima reproduzida. Tudo o que sucedeu no meio é nos vedado ver, nomeadamente, as variações nos preços de um grupo e do outro no tempo. Ora tratando o método em causa de comparações de variações de preços no tempo, onde se pretende confirmar diferenças e similitudes nas respetivas tendências, tal lacuna afigura-se-nos grave.
Deste modo, aliás, constituindo os resultados expostos na tabela de meras médias de preços observados durante cada período de tempo, durante o cartel e pós-cartel, desconhecem-se quaisquer eventuais flutuações extraordinárias verificadas em cada período, por exemplo aquelas que eventualmente ocorreram durante a crise financeira mundial de 2008-2010, tal como apontado pela Recorrente nas suas Conclusões (nomeadamente, artigos 170, 202, 235), e abordado no Relatório de Análise do Professor xxxx supra analisado.
Recorde-se que uma média (em inglês, o “mean” ou “average”)[20] nada nos diz sobre a distribuição das observações, apenas nos indica o resultado da divisão da soma das observações, pelo número das observações. Podem existir, assim, observações extremadas, designadas de outliers, que fazem subir ou descer a média, apesar de constituírem instâncias extraordinárias em relação à maioria. Podem haver, por exemplo, preços muito elevados no início e meio do período observado, mas preços muito baixos no fim, que fazem, assim, baixar a média (ou vice-versa). Com os relatórios do Professor xxxx, desconhecemos por completo a distribuição e evolução das observações (preços) no longo período de tempo em causa, neste caso os 14 anos durante o a infração e os 7 que o sucederam.
É certo que o depoimento do Professor xxxx esclarece muitos pontos importantes que estavam flagrantemente ausentes do seu primeiro relatório, nomeadamente, a forma como acedeu à base de dados Eurotax (aspeto a que voltaremos infra), a utilização de dados apenas relativos a Portugal (aproximadamente a 26m45 da gravação), a inclusão de dados relativos a camiões de marcas asiáticas de número bastante reduzido (aproximadamente a 56m05 da gravação) e a percentagem de dados relativos a camiões de marca Renault que se estimam em 10% (aproximadamente a 58m10 da gravação). Acrescem as explicações acerca do uso do deflator do PIB (aproximadamente a partir de 1h13m20).
Tais esclarecimentos, contudo, não escondem o facto de que na análise comparativa efetuada, onde o fator tempo é um fator essencial, continuamos a desconhecer por completo o comportamento dos preços em cada ano durante os cerca de 21 anos observados.
O único vislumbre que nos é dado da evolução no tempo dos preços em causa é o gráfico apresentado no primeiro relatório técnico de resposta a observações do Senhor Professor xxxx, em 01-07-2021 (ref.ª 51912), onde consta o seguinte (p. 6):

A graph of a number of people

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Ora, de acordo com o artigo P. Maier-Rigaud & Slobodan Sudaric supra referido, o método das duplas diferenças depende de um pressuposto fundamental, em concreto, a assunção de que na ausência do facto ilícito (i.e., cartel), quer o preço comparador quer o preço do grupo infrator teriam evoluído de acordo com uma tendência comum (obra cit., p. 4).
Para demonstrar este ponto, foi, portanto, apresentado o gráfico supra, tendo concluído o Professor xxxx (p. 6) “[d]esta forma, valida-se o pressuposto inicial de que, em caso de ausência de cartel, ambos os mercados teriam mostrado uma evolução semelhante, nomeadamente quando se comparam índices e preços de viaturas com características semelhantes”.
Contudo, apesar da citada conclusão, quanto à alegada demonstração da tendência comum, replicamos aqui as dúvidas suscitadas na p. 10 do relatório do Professor xxxx (Relatório Resposta ao Prof. xxxx) “… observamos que, no período pós-infração, os preços médios nos dois grupos se movem em direções opostas. O gráfico apresentado pelo perito indica que após a infração, em 2011, o logaritmo do preço do grupo de controlo se deslocou em direção oposta (aumentou) ao preço dos camiões objeto da infração (diminuiu). Observamos que durante o período de infração - entre 2007 e 2011 - o preço do grupo de controlo aumentou, mas isso não foi seguido por um aumento do preço dos camiões sujeitos à infração - esperaríamos que os preços dos camiões sujeitos à infração aumentassem, pelo menos, em linha com os do grupo de controlo, e que aumentassem ainda mais, se a infração tivesse resultado num sobrecusto. O facto de isto não acontecer sugere que o grupo de controlo não é adequado. Alternativamente, sugere que se o grupo de controlo fosse adequado — o que não acreditamos ser o caso — os preços dos camiões sujeitos à infração durante esse período não estiveram sujeitos a um sobrecusto.”.
Estas dúvidas parecem-nos legítimas, pois efetivamente se denota que os preços do grupo de controlo aumentam ligeiramente a partir de 2011 e as do grupo cartel sofrem ligeira descida.
Ora, diminuir ou aumentar não são certamente tendências comuns.
Contra esta argumentação não colhe o argumento de que o grupo de controlo também incluiu veículos equivalentes aos do grupo cartelizado, vendidos por empresas não cartelizadas, na essência de marcas asiáticas, como esclarecido pelo Professor xxxx em audiência (v. aproximadamente a 56:05 da gravação). Tais veículos de origem asiática eram bastante residuais na Europa. Aliás, como vimos supra e foi inclusive aflorado durante a inquirição do Professor xxxx (respetiva gravação, 16m15 e ss.), a quota de mercado das empresas infratoras era muito elevada (cerca de 90%). O grosso do grupo de controlo era, pois, necessariamente constituído por VCLs. Neste contexto, teria sido porventura avisado representar a subdivisão do grupo de controlo em camiões de marca asiática e VCLs. Nas palavras do Professor xxxx “… de modo a demonstrar que os VCL seguem tendências semelhantes às dos camiões das marcas envolvidas na infração, seria mais credível efetuar esta regressão a fim de obter três “linhas de preços”: uma para camiões envolvidos na infração, outra para camiões não envolvidos na infração e outra para VCL” (p. 11, Relatório Resposta ao Prof. xxxx).
Sem a referida terceira linha apenas podemos supor que o comportamento dos preços dos VCLs e veículos de marca asiática era equivalente, sem qualquer controlo efetivo de tal suposição. Isto é tanto mais grave porquanto não resulta demonstrado a priori, que os VCLs devam considerar-se produtos semelhantes para efeitos de comparação. Tal suposição, aliás, afigura-se-nos ser contraintuitiva, pois, à partida, não se pode afirmar, desde logo, que o tipo de cliente de VCLs seja o mesmo que adquire camiões médios e pesados, pois as tipologias de veículos em causa cumprem funções bastante distintas (nomeadamente em termos de tipo de carga e distâncias percorridas). A tais diferenças de função e cliente, acrescem preços muito diversos o que naturalmente influencia o se e o quando do investimento que representa a respetiva aquisição. É certo que o Relatório xxxx tenta contornar estas dificuldades com o método dos preços hedónicos, mas não nos permite fazer o controlo deste método, pelos motivos já expostos. As dúvidas aqui suscitadas pela Recorrente afiguram-se ser, assim, legítimas.
É certo que o Relatório xxxx tentou, de alguma forma, anular as diferenças entre os preços (brutos) dos veículos observados, muito diferentes entre si, através das variáveis pelos quais optou em sede do método dos preços hedónicos. Interrogamo-nos, no entanto, sobre que tipo de correlações ou padrões foram observados entre cada característica, por exemplo cilindrada ou potência (variáveis independentes), e o preço (variável dependente)? Dos relatórios da autoria do Professor xxxx ficamos novamente sem saber. A este respeito apenas sabemos que no método de regressão utilizado, foram incluídas todas as variáveis categóricas (por exemplo Marca e Ano) e quantitativas (por exemplo potência em cavalos, CVm) por si escolhidas (p. 7-8 do Relatório xxxx), com a apresentação final de preços médios respeitantes a todo o período cartel e período pós-cartel, sem qualquer observação mais ou menos nuançada de como se comportou o preço em relação a cada variável independente no tempo.
Note-se, ainda, que a tabela de p. 2 do relatório ora em análise (primeiro relatório técnico de resposta a observações do Senhor Professor xxxx, em 01-07-2021 ref.ª 51912),[21] que contém referências aos anos observados, também pouco ou nada esclarece sobre o comportamento efetivo dos preços no tempo, pois, apesar de mencionar todos os anos desde 1997 a 2017, apenas nos dá o número de observações verificadas em cada ano, ou, como se diz em data science, a frequência das instâncias ou observações, e não, repete-se, a distribuição ou evolução dos preços no tempo.
No único momento em que o Professor xxxx nos revela o comportamento dos preços no tempo, no gráfico supra reproduzido, não ficamos esclarecidos, antes pelo contrário.
Aliás, ainda quanto àquele gráfico, para além das dúvidas já supra expostas, como refere a Recorrente no artigo 1010 da motivação do recurso, durante o período da infração “[o]s preços dos camiões sujeitos à Infração evoluíram de forma bastante negativa, comparando com o grupo de controlo”, o que a leva a concluir que tal evolução não é sequer consistente com a existência de um sobrecusto.
Acresce que o uso do deflator do PIB[22] para converter preços de anos diversos em “preços constantes” (Relatório xxxx, p. 9), suscita a crítica exposta no Relatório de Refutação da autoria do Professor xxxx. Como se expõe em tal relatório (p. 13) “ao ajustar todos os preços aos níveis de preços de 2011 usando o deflator do PIB, os preços dos veículos pré-2011 verão os seus preços aumentar, enquanto os preços dos veículos pós-2011 diminuirão. Como as mudanças no deflator do PIB antes de 2011 foram de maior magnitude do que depois de 2011, o efeito anterior dominará e os preços pré-2011 aumentarão mais do que aquilo que os preços pós-2011 diminuirão”.
Tais dúvidas são novamente legítimas, pois o período de 1997-2010 é de 14 anos, e o período pós-cartel é de apenas 7. Ora, apesar de tais diferenças significativas, nivelaram-se todos preços segundo a mesma bitola.
Como se exemplifica na p. 13 do Relatório de Refutação “Como exemplo dessa distorção, considere-se um camião na base de dados relativo ao ano de 2017: a utilização do deflator do PIB para converter o seu preço em preços de 2011 leva a uma redução de aproximadamente 7,4% (o deflator do PIB em 2017 é 101,5 e em 2011 é 94: portanto, os níveis de preços em 2011, medidos pelo deflator do PIB, são 7,4% inferiores aos de 2017)… Considere-se agora um camião do ano de 1997: o seu preço aumenta de forma muito expressiva – 44% – na conversão para os níveis de preços de 2011 (o deflator do PIB em 2011 é 94 e em 1997 é 65,3: portanto, os níveis de preços em 2011, medidos pelo deflator do PIB, são 44% mais elevados do que em 1997)”.
As diferenças, como se vê, são significativas. De notar, neste ponto, que na resposta que apresentou o Professor xxxx a esta objeção, pouco ou nada se esclarece. Com efeito em tal documento, o mesmo onde encontramos o supra aludido gráfico, limita-se a reiterar que se considera a aplicação do deflator do PIB nos termos expostos, “o mais razoável”. Mais se acrescenta, na p. 8, o deflator do PIB “[a]o captar a evolução dos níveis de preços em toda a economia, atenua a possibilidade do respetivo deflator estar impactado por situações temporárias/anormais.” Ora, como é bom de ver, este esclarecimento e demais observações feitas pelo Professor xxxx em tal documento, não respondem à objeção muito concreta exposta pelo Professor xxxx, limitando-se a reafirmar a posição assumida.
Neste contexto, tendo em conta as incongruências expostas, a que acresce uma quase total opacidade no tratamento dos dados dado pelo Professor xxxx, as respetivas conclusões muito dificilmente poderiam ser aceites.
Quanto aos dados utilizados pelo Professor xxxx, neste caso os preços brutos dos veículos, resulta que foram acedidos através da base de dados da Eurotax. Segundo o que o Professor xxxx declarou em audiência tal acesso foi concedido no pressuposto de que apenas poderia revelar publicamente o resultado do tratamento e não os dados em si, que deveriam permanecer confidenciais (v. depoimento a aproximadamente 9m30’’ a 12m00’’). Apenas se pagasse pelos dados é que os poderia divulgar.
Por seu turno, resulta do Parecer Técnico apresentado em 26-09-2022, solicitado pelo tribunal a quo (ref.ª 65028), que a aquisição dos dados teria um preço de 20.800,00€ sem IVA (p. 16 do Parecer). Tal valor é obviamente significativo, dificultando em muito o acesso integral aos dados em causa.
Com estas condicionantes de confidencialidade e financeiras, compreende-se que os relatórios da autoria do Professor xxxx sejam tão pouco detalhados, pouco mais se extraindo deles do que as metodologias utilizadas e as médias obtidas.
Contudo, repete-se, sem podermos observar minimamente o que o Senhor Professor observou de forma confidencial, em especial, as variações e eventuais (co)relações dos preços no tempo, impossível se torna efetuar um efetivo controlo das conclusões. Como se sabe o juiz deve ser o perito dos peritos.
Para além da condicionante financeira aludida, que obviamente não é despicienda, tendo em conta as características do cartel em causa, em especial a antiguidade, longa duração e elevada quota de mercado, naturalmente que o trabalho de estimação da quantidade do sobrecusto em causa apresentava ab initio dificuldades notórias.
Com efeito, apresentava-se como muito difícil, senão impossível, encontrar um mercado que pudesse servir efetivamente de comparação. É desde logo óbvio que os mercados americanos ou asiáticos não são comparáveis ao Europeu, tal como referido pelo Professor xxxx no seu depoimento. Acresce que aceder integralmente a dados anteriores a 1997 naturalmente implicaria custos ainda mais elevados. Neste âmbito, a tentativa de solução empregue - o recurso a VCLs agregados com veículos asiáticos - tampouco resultou convincente.
Por seu turno, o mercado concreto em causa é em si mesmo muito complexo, desde logo pela diversidade nas possíveis características dos veículos. Como se constata na Decisão da Comissão (considerando 26) “All of the Addressees offer a range of trucks and hundreds of different options and variants”. Ou seja, existiam gamas de camiões com variantes e opções na casa das centenas. Note-se que variando apenas uma das centenas de características, naturalmente que variaria o preço final do camião, sendo certo que as possíveis configurações dos veículos seriam, assim, em número muitíssimo elevado. Assim se compreende, aliás, o elevado número de observações presentes no Relatório xxxx (mais de 59 mil). Aqui, como vimos, o método dos preços hedónicos também não resultou persuasivo.
Por último, como vimos supra, pelo menos a partir de inícios de 2008 deu-se a crise financeira por todos conhecida, o que muito provavelmente terá tido implicações no mercado ora em causa e respetivos preços, durante um período relevante da infração.
Conclui-se, portanto, que a prova subjacente aos factos relativos ao quantum do dano, em essência, a quantificação do sobrecusto em 15,4%, não é suficientemente convincente, sendo certo, aliás, que tal prova se apresentava como praticamente impossível ou excessivamente difícil.
Quanto a esta conclusão de que a prova se apresentava como praticamente impossível ou excessivamente difícil, desde logo pela dificuldade de acesso a dados, é de notar que mesma a Recorrente apenas tinha dados na sua posse relativos ao período de 2004-2014, período este considerado insuficiente, como vimos, para podermos retirar conclusões seguras sobre a inexistência de um sobrecusto e, ainda menos, do seu quantum exato.
Discordamos, pois, nestes pontos da matéria de facto, da posição expressa na sentença recorrida e na Resposta da Recorrida (p. 52 e ss.) que sustentam a prova dos factos ora em causa, de forma determinante e inequívoca com base nos relatórios técnicos apresentados pelo Professor xxxx e demais esclarecimentos por este prestados.
Resultando tais meios de prova insuficientes, apesar de termos anteriormente concluído pela existência de preços de aquisição inflacionados nas compras feitas pela Recorrida, preços esses inflacionados devido à infração, continuamos a desconhecer o valor concreto de tal sobrecusto.
Nestes termos, sem necessidade de mais considerações, há que alterar a matéria de facto em questão nestes pontos, de modo a refletir a conclusão de que o valor do sobrecusto permanece indeterminado.
Para efeitos de clareza, o tribunal reproduzirá a totalidade da matéria de facto provada e não provada, após a discussão de todos os pontos da matéria de facto impugnados.

4) Do facto não provado n.º 3: a Recorrida teve conhecimento dos aspetos essenciais da Decisão da Comissão, desde 20-11-2014 ou pelo menos em 19-07-2016 (Cf. artigos 46-47 e 275 a 279 das Conclusões).
A Recorrente alega aqui, em essência, que se fez prova de que a Recorrida teve conhecimento dos aspetos essenciais da Decisão da Comissão, em 20.11.2014, data da publicação do comunicado de imprensa que tornou pública a adoção da Nota de Ilicitude ou, pelo menos, em dia 19.07.2016, data de comunicado de imprensa da Comissão onde se procedeu ao anúncio público da Decisão.
Nesta sede, alega a Recorrente (artigo 1274 das alegações) “Ora, o facto dado por provado pelo Tribunal a quo no ponto 125 da Sentença Recorrida, suportado pela prova documental junta aos autos pela Recorrente, é prova suficiente de que a Recorrida estava em condições de conhecer os elementos essenciais da Decisão ― e, por conseguinte, do alegado direito que se arrogam ― no próprio dia do anúncio público da Decisão, ou seja, em 19.07.2016 (ou, no limite, nos dias imediatamente seguintes), contrariamente ao que parece entender o Tribunal a quo sem, contudo, o lograr justificar.”.
O facto provado n.º 125 é do seguinte teor: “No dia 19.07.2016, a Comissão Europeia emitiu um comunicado de imprensa sobre a sua Decisão, incluindo a seguinte informação: (i) a identidade dos alegados infractores, incluindo a Ré; (ii) a descrição da conduta em análise; (iii) o período durante o qual ocorreu a alegada violação às normas da concorrência; (iv) o montante das coimas
Os documentos invocados pela Recorrente nesta sede são os já referidos documentos consubstanciados em enxertos da comunicação social, juntos em 16.11.2020 (ref.ª Citius 46912/37161288).
Ou seja, a Recorrente crê que a mera notícia da Decisão, com “divulgação generalizada e intensa nos órgãos de comunicação social de todo o mundo e, naturalmente, também em Portugal” (artigo 1279 das alegações de recurso), é suficiente para o tribunal concluir pelo facto psicológico do efetivo conhecimento da Recorrida, dos aspetos essenciais da condenação das infratoras, inclusive a aqui Recorrente.
Neste ponto concordamos com a sentença recorrida (p. 117), no sentido de que inexiste prova concreta a suportar o alegado, quer quanto ao dia 19.07.2016 quer quanto ao dia 20.11.2014. Com efeito, o facto da notícia ter sido amplamente difundida não permite retirar a ilação de que a Recorrente teve efetivo conhecimento da mesma e muito menos de todos os pormenores em causa.
Como bem refere a sentença recorrida, “a prova que foi produzida atesta precisamente o contrário, tendo a testemunha xxxx asseverado que a Autora apenas terá tido conhecimento da infracção em finais do ano de 2018, circunstanciando tal conhecimento”.
Não se vislumbra, pois, da prova produzida em audiência, necessidade de alterar a matéria de facto neste ponto.

5) Do facto não provado n.º 4: a Recorrida refletiu o sobrecusto no preço dos serviços prestados aos seus clientes (Cf. artigos 46-47 e 280 a 287 das Conclusões).
Nesta sede a motivação do tribunal a quo consta de p. 117-119.
A Recorrente insurge-se contra o decidido, além do mais, porquanto não foi apresentada pela Recorrida a documentação solicitada por aquela invocando, inclusive, a assimetria de informações, porquanto os elementos de prova em causa estavam na posse da Recorrida.
Em primeiro lugar o tribunal chama a atenção de que nesta sede a Recorrente produz alegações que não correspondem à verdade do que sucedeu nos autos, tendo obrigação de saber que estava a alegar inverdades.
Com efeito, no artigo 1310 da motivação de recurso afirma a Recorrente “… o Tribunal a quo, ao desconsiderar que essa recusa no fornecimento dos documentos relevantes não é imputável à Recorrida – assim prejudicando a Recorrente, por considerar que a Recorrente não cumpriu o seu ónus da prova (o que não se concede) – está a aplicar, novamente, um double standard de prova inaceitável.”.
A Recorrente repete tal alegação no artigo 285 das conclusões.
Ora se a “recusa” no fornecimento dos documentos não é imputável à Recorrente, estando os documentos alegadamente na exclusiva posse da Recorrida (cf. artigo 1309 das alegações de recurso), na citada alegação resulta claro que a Recorrente imputa à Recorrida a “recusa” de entrega de documentos.
Caso tal “recusa” correspondesse à realidade, seria porventura aplicável a previsão no artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, a inversão do ónus da prova aqui em causa.
Não ocorreu, contudo, a imputada “recusa”.
Tal como refere a sentença recorrida a p. 117 “a Autora informou já não ter quaisquer documentos dessas revendas por, quando solicitados pelo tribunal, já terem decorrido mais de 10 anos, a que alude o n.º 1 do artigo 130.º do CIRC), mediante o requerimento entrado em juízo 16.11.2020, ref.ª 46926.”.
Ou seja, parte da documentação solicitada não foi apresentada pela Autora, justificando-se tal falta com a antiguidade dos documentos solicitados. Ora, tal justificação, quando estamos a falar de elementos com mais de 10 anos, apresenta-se como razoável.
Aliás, no requerimento da Ré, ora Recorrente, apresentado em 30-11-2020 (ref.ª 47304), esta não imputa qualquer recusa na apresentação dos documentos, apesar de se pronunciar sobre documentos entretanto juntos pela Autora e retirar ilações mesmo na falta de certos documentos (referentes aos veículos de matrículas ...-..2-TX e ...-..1-TX).
A ora Recorrente excede-se, portanto, quando imputa uma “recusa” de apresentação de documentos pela Autora.
Mas adiante.
Inexistindo a inversão do ónus da prova aludida, o tribunal a quo, ao referir que o ónus da prova quanto a esta factualidade cabia à Ré, limitou-se a constatar uma evidência jurídica (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
No mais, a Recorrente não apresenta quaisquer argumentos concretos sobre a documentação efetivamente apresentada e demais meios de prova produzidos, que pudessem suportar as suas conclusões. Limita-se, no fundo a fazer inferências genéricas e abstratas, por exemplo na seguinte alegação (artigo 1293) “na prossecução dos seus negócios, as empresas visam o lucro resultante da atividade a que se dedicam, pelo que não é sustentável deixar de repercutir, num prazo mais ou menos curto, um aumento do custo dos fatores de produção no preço final dos produtos ou serviços comercializados pelas empresas. Seria irracional, de um ponto de vista económico, não o fazer, e a Recorrida, porque de uma empresa se trata, não é exceção”.
Ora, em abstrato, as hipóteses adiantadas pela Recorrente podem fazer algum sentido. Contudo, não encontram sustento, in casu, perante os elementos de prova efetivamente produzidos.
Resultou da audiência algo bem diverso, tal como exposto pelo tribunal a quo, desde logo do depoimento da testemunha xxxx, à data factos trabalhador da DHL (desde aproximadamente 1990 até 2012), e que declarou ter sido o responsável pela negociação de contratos de serviços de transportes com a Autora (v. aproximadamente a 12m30, da respetiva gravação). A partir de aproximadamente do minuto 10 e ss. da gravação deste depoimento, esta testemunha repetidamente esclareceu que era a DHL que impunha preços fixos aos seus fornecedores, onde se incluía a ora Recorrida, apenas havendo ajustes pontuais em casos muito excecionais como subidas extraordinárias nos preços dos combustíveis.
Mais resultou do depoimento da testemunha xxxx, xxxx, que uma elevadíssima percentagem (99,9%) dos serviços prestados à data dos factos em causa nestes autos pela Autora eram feitos à DHL.
Não se retira, portanto, destes depoimentos qualquer passagem do sobrecusto a clientes da Recorrida (passing on).
Também da documentação junta pela Autora nesta sede nada se retira quanto a uma eventual repercussão do sobrecusto na aquisição dos camiões nos preços cobrados aos seus clientes (v. em especial documentos juntos sob a ref.ª 47490).
Não se vislumbram, assim, razões para alterar este ponto da matéria de facto.

6) Do facto não provado n.º 5: a Recorrida refletiu o sobrecusto, quer através da revenda de diversos camiões a entidades terceiras, quer por força das vantagens fiscais obtidas (Cf. artigos 46-47 e 288 a 299 das Conclusões).
Nesta sede, a Recorrente parte da seguinte hipótese: “Como é bom de ver, num cenário meramente hipotético em que tivesse existido um sobrecusto na aquisição destes sete camiões, a Recorrida, ao revendê-los, tê-lo-á mitigado através dos preços de revenda.”.
Recorde-se que os veículos adquiridos encontram-se descritos nos factos provados 36 e ss (aquisições estas que não foram impugnadas, exceto no que ao sobrecusto diz respeito). Quanto às revendas, vejam-se os documentos juntos pela Autora em 16-11-2020, Ref.ª 46926.
Quanto à argumentação da Recorrente, em primeiro lugar cremos que o pressuposto donde parece partir, ou seja, de que um sobrecusto na aquisição de um bem será sempre repercutido no preço de revenda desse mesmo bem, carece de demonstração, em particular, no que diz respeito ao mercado de camiões aqui em causa.
Com efeito, cremos que, em geral, o mercado de bens em segunda mão pouco ou nada tem haver com o mercado de bens novos.
Como é do conhecimento geral, qualquer veículo ligeiro ao sair do stand perde importante parte do seu valor comercial. Nada nos autos aponta para situação diversa no que toca a veículos médios ou pesados.
Com efeito, recorde-se os veículos, datas de contratos aquisição/locação financeira, preços pagos para os veículos novos e subsequentes revendas, de acordo com a factualidade apurada (factos 36 e ss. da sentença recorrida):


    Veículo
      Data
    Preço venda
Data RevendaPreço revenda
    …-…-TH
    Abril 2002
      79.211,87
    …-…-QM
    25-09-2001
      67.337,72
    …-EE-…
    28-08-2007
      86.203,00
19-10-201213.000,00
    …-DG-..3
    13-04-2007
      86.203,00
01-06-20159.500,00
    …-DG-..2
    Maio 2007
      86.203,00
01-06-20159.500,00
    …-…-ZO
    25-02-2005
      76.000,00
18-07-20113.500,00
    …-..2-TX
    06-09-2002
      72.001,48
    …-..1-TX
    06-09-2002
      72.001,48
    …-…-TG
    Abril 2002
      72.325,69
    …-GA-…
    Julho 2008
      80.000,00
23-05-20165.000,00

Como facilmente se denota desta exposição dos dados, não vemos qualquer correlação entre os preços de aquisição e os preços de revenda. Por exemplo, o veículo ...-GA-..., adquirido em julho de 2008 por 80.000,00 €, foi vendido cerca de 8 anos depois pela módica quantia de 5.000,00 €. Já os dois veículos DG, adquiridos ambos em 2007 por 86.203,00 €, foram revendidos também cerca de 8 anos depois por um valor de 9.500, ou seja, por quase o dobro do primeiro.
Ora, estas diferenças, conduzindo-nos pelas máximas da experiência comum, indiciam que o valor de revenda depende, não do preço de aquisição inicial, mas de outras variáveis como por exemplo, o aparente estado do veículo no momento da revenda e, como respondeu a Recorrida, da quilometragem (v. p. 141 da Resposta). Isto, pelo menos, quando as revendas ocorrem em período de tempo relevante após a aquisição, como é o caso dos autos.
Também resultou do depoimento da testemunha xxxx, tal como enuncia a sentença recorrida (e resulta da prova produzida), que as viaturas ...-GA-..., ...-EE-... e ...-...-ZO foram vendidas a terceiros, e sendo viaturas acidentadas ou com problemas graves dificilmente a Autora lograria perpassar o sobrecusto das mesmas.
Ora na esteira do já exposto, no sentido de que os preços de revenda de veículos não dependem, nestes casos, do preço de aquisição, mas de outras variáveis, não podemos também nós senão concluir que as conclusões retiradas dos factos (instrumentais) aqui em causa, foram razoáveis.
A conclusão do tribunal a quo, no sentido de também aqui não resultar demonstrada a figura conhecida como passing on ou repercussão do sobrecusto, afigura-nos, pois, correta.
Também quanto às alegadas vantagens fiscais cremos que o tribunal a quo andou bem ao considerar que eram irrelevantes para a boa decisão da causa (v. p. 38 da sentença). Em suma, tal como se fez constar da sentença “[a]s eventuais deduções fiscais realizadas nos respectivos anos, advindas do sobrecusto incorrido pela Autora na sequência da aquisição das viaturas em causa, será, no período adequado, dado o devido tratamento fiscal e contabilístico, de acordo com a lei em vigor, na sequência da indemnização a fixar nesta sede, fazendo-se a subsequente justiça tributária, não sendo, por isso, necessário contemplar qualquer efeito fiscal no respectivo montante”. Como bem refere a sentença qualquer indemnização é, para efeitos fiscais, um proveito, pelo que está sujeita a tributação de acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea i) do CIRC.
*
*
DA MATÉRIA DE FACTO FIXADA POR ESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Terminada a análise das impugnações da matéria de facto e, conforme resulta do supra exposto, havendo necessidade de alterar a matéria de facto fixada na sentença recorrida porquanto, apesar de se ter apurado um sobrecusto, não se apurou que o mesmo tivesse o valor de 15,4% quanto aos camiões adquiridos pela Recorrida, e, quanto ao veículo ...-...-TH aludido no facto provado 33, um sobrecusto de 15,12%.
Haverá, assim, que alterar os factos provados impugnados n.º 32, 33, 42, 43, 52, 63, 64, 74, 75, 85, 86, 96, 97, 109, 110, 119, 120, 121 e 122, de forma a refletir o não apuramento de um valor exato do sobrecusto.
Ao abrigo do artigo 662.º, nº. 1, do Código de Processo Civil, haverá, ainda, que eliminar o facto provado n.º 122.A, do seguinte teor “É desconhecido um indicador mais aproximado da realidade na actualização dos preços dos camiões para além daquele que resulta da correcção desses preços mediante o deflator do PIB”. Tal eliminação impõe-se sob pena da análise à matéria de facto impugnada supra, incorrer em contradição com tal facto. Efetivamente, conforme se viu, o presente tribunal desconsiderou o uso do deflator do PIB no âmbito da factualidade atinente à quantificação do dano. Por outro lado, cremos que o critério de atualização a ser eventualmente aplicado ao abrigo do artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, é uma questão de direito e não de facto, pelo que o “facto” em causa, visando resolver uma questão de direito logo no plano de facto, sempre teria de considerar-se não escrito.
Também para evitar uma contradição, haverá que alterar os factos provados n.ºs 98 e 100, relativos aos veículos ...-..2-TX e 36-71-TX, de forma a incluir o sobrecusto de valor não concretamente apurado quanto aos mesmos. Quanto a estes veículos os sobrecustos estavam incluídos no facto provado n.º 122 da sentença recorrida, aqui alterado no mesmo sentido.
Por último, deixamos consignado que não se julga relevante a prova ou não prova dos factos invocados pela Recorrente em sede da alegada omissão de pronúncia. Recorde-se que a Recorrente entende que o tribunal a quo desconsiderou factos essenciais, com relevância para a boa decisão da causa, sobre os quais estava obrigado a pronunciar-se. Em particular, no que respeita: às (i) características técnicas dos camiões; (ii) ao processo de negociação e fixação dos preços dos camiões; (iii) à cadeia de comercialização dos camiões em Portugal durante o período da Infração; (iv) às características do mercado dos camiões e à efetiva concorrência entre fabricantes durante o período da Infração; e (v) do contexto da diferença entre preços brutos de tabela e preços de venda. E, bem assim, no que respeita à mitigação do alegado sobrecusto por força das vantagens fiscais obtidas pela Recorrida, facto que considerou “totalmente inútil para a boa decisão da causa”.
Quanto a factualidade ora invocada sob os pontos i a v, sempre se dirá que a mesma traduz-se, em essência, em factualidade atinente à contraprova dos factos essenciais relativos à existência de dano e nexo causal (vide, em especial, artigos 291 e 293 das alegações de recurso). Como se constatou supra em sede de impugnação da matéria de facto (ponto 3, alínea a) do presente acórdão), resultou provada a factualidade atinente à existência de um dano e nexo causal. Mais resulta quer da sentença recorrida, quer do presente acórdão, a apreciação crítica dos meios de prova e a exposição do percurso lógico subjacentes à convicção sobre os factos essenciais em causa. Dos factos provados e não provados apenas devem constar os factos essenciais, devendo constar da motivação da convicção do tribunal as presunções judiciais realizadas e a referência a factos de natureza instrumental pertinentes ao seu raciocínio.[23] Neste contexto, nenhum erro de julgamento ou vício se denota por não se terem levado os factos ora em causa ao elenco dos factos provados ou não provados.
No que respeita à mitigação do alegado sobrecusto por força de vantagens fiscais, o presente tribunal já enunciou as razões porque considera tal factualidade irrelevante (ponto 6 deste acórdão), nada mais havendo aqui a acrescentar.
Passamos, assim, a fixar a matéria de facto.

Factos provados
Da Decisão da Comissão Europeia datada de 19.07.2016 – Processo AT.39824 — Camiões:
1. No dia 18.01.2011, a Comissão, no âmbito do processo com a referência CASE AT.39824 Trucks (PROCESSO AT.39824 Camiões), ao abrigo do disposto no artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do disposto no artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Acordo EEE), iniciou uma investigação ao mercado de produção de veículos pesados de mercadorias.
2. A decisão da Comissão em dar início a tal investigação assentou num pedido de imunidade apresentado pela Man à Direcção-Geral da Concorrência no dia 20.09.2010, nos termos do disposto no ponto 14 da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis, momento em que revelou a sua participação num alegado cartel de camiões que afetava o mercado único europeu.
3. Sendo que, conforme exigem os pontos 8 e 9 da mesma Comunicação, a Man, imediatamente, forneceu informações e elementos de prova que permitiram à Comissão efetuar uma inspeção direcionada à (in)existência do cartel denunciado.
4. Tal qual a Man, a Volvo/Renault, a 28.01.2011, também apresentou pedido de imunidade e, bem assim, o fez a Daimler, a 10.02.2011 e a Iveco e a Fiat, a 10.02.2011, todas assumindo o compromisso de colaborar com a Comissão na descoberta da verdade.
5. A investigação começou pela realização de uma série de inspeções surpresa às instalações das fabricantes, entre 18.01.2011 e 21.01.2011.
6. No dia 20.11.2014, a Comissão deu início a um processo, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 6 do Regulamento (CE) n.º 1/2003, contra a DAF, a DAIMLER, a IVECO, a MAN, a VOLVO e a RENAULT e adotou uma comunicação de objeções, a qual foi notificada a estas entidades.
7. Após a adoção da comunicação de objeções, as referidas empresas contactaram informalmente a Comissão e solicitaram que o processo prosseguisse no âmbito do procedimento de transação.
8. Após as destinatárias terem confirmado a sua disponibilidade para participarem em conversações de transacção, a Comissão decidiu iniciar procedimentos de transacção para o processo em causa.
9. Posteriormente, a MAN, a DAF, a DAIMLER, a VOLVO, a RENAULT e a IVECO apresentaram à Comissão o seu pedido formal de transação, nos termos do disposto no artigo 10.º-A, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 773/2004 da Comissão.
10. Em 18.07.2016, o Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas e de posições dominantes emitiu um parecer favorável.
11. Tendo a Comissão Europeia adotado a Decisão datada de 19.07.2016 – Processo AT.39824 — Camiões e publicada no mesmo dia, com o conteúdo constante do documento n.º 1 junto com a petição inicial que aqui se considera integralmente reproduzido.
12. Nessa sede, foi consignado o seguinte, em sede de “Introdução”:
“(1) A presente Decisão é relativa a uma infracção única e continuada do Artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e do Artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ("Acordo EEE").
“(2) A infracção consistiu em acordos colusórios relativos aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados; e na temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões e média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6. A infracção abrangeu todo o EEE e decorreu entre 17 de Janeiro de 1997 e 18 de Janeiro de 2011.
“(3) Os factos descritos na presente Decisão foram aceites pela MAN, Daimler, Iveco, Volvo e DAF (os "Destinatários") no procedimento de resolução.(…)
13. Foram identificados os seguintes “produtos sujeitos ao processo”:
“(5) Os produtos relacionados com a infracção são camiões com um peso situado entre as 6 e as 16 toneladas ("camiões de média tonelagem") e camiões com um peso superior a 16 toneladas ("camiões pesados"), tanto na forma de camiões rígidos como de camiões tractores de semi-reboque (doravante, os camiões de média tonelagem e pesados são designados colectivamente por "Camiões")” (excluindo camiões para utilização militar.). O processo não diz respeito aos serviços pós-venda, outros serviços e garantias para camiões, venda de camiões usados ou quaisquer outros bens ou serviços vendidos pelos destinatários da presente Decisão”;
14. Os “Destinatários da Decisão” foram identificados como sendo os seguintes:
“(6) Participaram na infracção as empresas que correspondem às entidades jurídicas indicadas nas secções 2.2.1 a 2.2.5 (designadas colectivamente por "Destinatários").
1.2.1. MAN
(7) A MAN (as MAN SE e as suas filiais são designadas colectivamente por "MAN") (…)
“1.2.2. Daimler (…)
“1.2.3. Iveco
“(13) A Iveco (a CNH Industrial e a Fiat Chrysler Automobiles N.V. e as respectivas filiais activas na produção, financiamento e comercialização de camiões Iveco são designadas colectivamente por "Iveco") (…)”
“1.2.4. Volvo/Renault
“(17) A Volvo/Renault (Aktiebolaget Volvo (publ), designada por "AB Volvo", e as suas filiais são doravante designadas colectivamente por "Volvo" ou "Volvo/Renault") é a empresa-mãe da Volvo Lastvagnar AB (designada doravante por "Volvo HQ") e da Renault Trucks SAS (designada doravante por "Renault HQ", Renault Trucks SAS e as suas filiai são designadas colectivamente por ''Renault'').
(18) A AB Volvo e as suas filiais têm actividade na produção e comercialização de camiões, autocarros, equipamentos de construção, sistemas de transmissão para aplicações marítimas e industriais. Além disso, a AB Volvo também presta serviços financeiros.
(19) As entidades jurídicas da Volvo/Renault que são responsáveis pela infracção são as seguintes:
– AB Volvo (publ), com sede social em Gotemburgo, Suécia;
– Volvo Lastvagnar AB, com sede social em Gotemburgo, Suécia;
– Renault Truck SAS com sede social em Saint-Priest, França;
– Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (designada doravante por "Volvo DE") com sede social em Ismaning, Alemanha. Renault Trucks Deutschland GmbH (designada doravante por ''Renault DE''). Com efeitos a partir de 23 de Outubro de 2014, a Renault DE foi incorporada na Volvo DE. As actividades realizadas pela Renault até 23 de Outubro d 2014 foram assumidas e são agora realizadas pela Volvo DE. A entidade incorporad permanece activa com o nome Volvo Group Trucks Central Europe GmbH ("Volvo DE"). (…)
1.2.5. DAF
(21) A DAF (a PACCAR Inc. e as suas filiais europeias ativas na produção, comercialização e financiamento de camiões são designadas por "DAF") (…).”
15. Em sede do item “Descrição do mercado dos camiões”, a Decisão fez constar, nomeadamente, o seguinte:
1.3.2. Estrutura da força de vendas:
Todos os Destinatários têm filiais de comercialização nacionais nos principais países do mercado que normalmente importam os camiões. Todos os Destinatários vendem os seus produtos através de distribuidores e das respectivas redes de revendedores autorizados ou, em certos casos/regiões específicas, directamente aos principais clientes.
Alguns dos distribuidores e revendedores são propriedade dos fabricantes de camiões como parte da respectiva organização de vendas, outros são independentes.
1.3.3. Características do mercado dos camiões
(26) A procura de camiões é altamente cíclica. Enquanto os automóveis de passageiros são adquiridos por clientes particulares e comerciais, os camiões são adquiridos exclusivamente pelos clientes comerciais. Uma vez que os camiões são bens duradouros para utilização profissional, em muitos casos os clientes adiam o investimento na renovação da frota durante os períodos de crise económica, compensando essa falta de investimento quando se verifica uma maior prosperidade nos negócios. Os camiões não são produtos de base, mas são especificados de acordo com os requisitos individuais do cliente e são inerentemente complexos. Todos os Destinatários disponibilizam uma gama de camiões e centenas de opções e variantes diferentes. Além disso, a fiabilidade perceptível, o desempenho técnico, o consumo de combustível, os custos de manutenção e a imagem de marca desempenham um papel importante nas decisões de compra dos clientes. Outros aspectos importantes são a dimensão da rede de estações de serviço, os custos do serviço pós-venda, os custos operacionais, etc.
1.3.4. Mecanismos de fixação de preços e listas de preços brutos
(27) De um modo geral, o mecanismo de atribuição de preços do sector dos camiões segue o mesmo processo para todos os Destinatários. Como acontece em muitos outros sectores, a atribuição de preços parte normalmente do preço de tabela bruto inicial estipulado pela Sede. Em seguida, são estipulados preços de transferência para a importação de camiões para os diferentes mercados através de empresas distribuidoras detidas a 100 % ou independentes. Além disso, existem também os preços que serão pagos pelos revendedores que operam nos mercados nacionais e os preços líquidos finais cobrados aos clientes. Estes preços líquidos finais cobrados aos clientes são negociados pelos revendedores ou pelos fabricantes nos casos em que estes vendem directamente aos revendedores ou aos clientes de frota. Os preços líquidos finais cobrados aos clientes reflectem descontos substanciais sobre o preço de tabela bruto inicial. Nem todos os procedimentos são sempre seguidos, uma vez que os fabricantes também vendem directamente aos revendedores ou aos clientes de frota.
(28) No que diz respeito às listas de preços brutos iniciais dos novos camiões, à excepção da Iveco, todos os Destinatários aplicaram uma tabela de preços brutos com preços de tabela brutos harmonizados em todo o EEE. A Renault introduziu as listas de preços para o EEE em 2000 mas demorou algum tempo a implementá-las (…). As listas de preços para o EEE continham os preços de todos os modelos de camiões e também todas as opções de instalação na fábrica que o respectivo fabricante oferecia.
1.3.5. Transparência no mercado dos camiões
(29) O sector dos camiões é caracterizado por um elevado grau de transparência. Os Destinatários tiveram acesso a dados concorrencialmente relevantes, como os registos dos camiões através dos registos públicos. Além disso, os produtores de camiões e as respectivas empresas distribuidoras mantiveram uma troca regular de dados com diversas associações do sector. Nalgumas destas associações, verificou-se uma troca de dados sobre a recepção de encomendas e os períodos de entrega ou níveis de stock. Além disso, os Destinatários tiveram acesso a mais dados, em graus variáveis, através da apresentação espontânea, pelos clientes, das ofertas dos concorrentes com o objectivo de negociar os preços, e também através da metodologia do cliente mistério.
(30) Por conseguinte, uma das incertezas que os Destinatários ainda tinham relativamente ao mercado dos camiões era o comportamento futuro dos produtores de camiões e, mais concretamente, as suas intenções no que diz respeito às alterações aos respectivos preços brutos e às tabelas de preços brutos.”
15.A Sob a epígrafe de “A investigação da Comissão”, foi consignado o seguinte:
“(…) a MAN, DAF, Daimler, Volvo/Renault e Iveco (ou seja, os Destinatários) apresentaram à Comissão pedidos formais de transacção ao abrigo do n.º 2 da alínea a) do Artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 773/2004 (as "propostas de transacção"). A proposta de transacção de cada Destinatário continha:
– um reconhecimento, em termos claros e inequívocos, da responsabilidade do Destinatário pela infracção descrita resumidamente quanto ao objecto, aos principais factos e à qualificação jurídica, incluindo a sua função e a duração da sua participação na infracção de acordo com os resultados das negociações conducentes à transacção
16. No que toca à “Descrição da Conduta”, a Decisão fez consignar o seguinte, designadamente:
46) Todos os Destinatários trocaram tabelas de preço brutos e informações sobre preços brutos, e a maioria dos Destinatários (ver (48)) participou na troca de configuradores de camiões informatizados. Todos estes elementos constituíam informações sensíveis do ponto de vista comercial. Ao longo do tempo, os configuradores de camiões, que incluem os preços brutos detalhados de todos os modelos e opções, substituíram as tabelas de preços brutos tradicionais. Esta processo facilitou o cálculo do preço bruto de cada uma das possíveis configurações de camiões. A troca foi realizada ao nível multilateral e ao nível bilateral.
(47) Na maioria dos casos, a informação sobre os preços brutos dos componentes de camiões não estava disponível publicamente e a informação que estava disponível publicamente não era tão detalhada e precisa como a informação que foi trocada entre os Destinatários e entre outras entidades. Com a troca da informação sobre os preços brutos e as tabelas de preços brutos actuais, juntamente com o recurso a outras informações sobre o mercado, os Destinatários conseguiram calcular melhor os preços líquidos actuais aproximados dos seus concorrentes – em função da qualidade das informações sobre o mercado que tinham à sua disposição.
(48) Da mesma forma, a troca dos configuradores contribuiu para a comparação das próprias ofertas com as dos concorrentes, o que aumentou ainda mais a transparência do mercado. Concretamente, tornou-se possível compreender, com base nos configuradores dos camiões, quais eram os extras compatíveis com cada modelo de camião, e quais eram as opções que fariam parte do equipamento de série ou que seriam um extra. À excepção da DAF, todos os Destinatários tiveram acesso ao configurador de pelo menos um outro Destinatário. Alguns configuradores apenas concediam acesso a informações técnicas, como os portais dos fabricantes de carroçarias, e não incluíam quaisquer informações sobre preços.”
17. No que toca à “Natureza e âmbito da infracção”, a Decisão verteu o seguinte:
“(49) Os contactos colusórios nos quais participaram os Destinatários no período de 1997 a 2010 ocorreram na forma de reuniões regulares nas instalações das associações industriais, em feiras comerciais, demonstrações de produtos pelos fabricantes ou reuniões entre concorrentes organizadas para o efeito da infracção.
Também incluíram trocas regulares por correio electrónico e chamadas telefónicas. As sedes dos Destinatários (doravante: o Nível das Sedes) estiveram directamente envolvidas na negociação dos preços, dos aumentos dos preços e da introdução de novas normas de emissões até 2004.
A partir, pelo menos, de Agosto de 2002, ocorreram negociações através de Filiais alemãs (doravante: o Nível Alemão) que, em graus variáveis, seguiam instruções das respectivas Sedes.
(50) Entre os acordos colusórios, incluíram-se acordos e/ou práticas concertadas relativas à atribuição de preços e aos aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no EEE, e a temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões exigidas pelas normas EURO 3 a 6.
(51) Entre 1997 e até ao final de 2004, os Destinatários participaram em reuniões realizadas entre membros da direção superior de todas as Sedes (ver, por exemplo, (52)). Nestas reuniões, que ocorreram várias vezes por ano, os participantes discutiram e, em alguns casos, chegaram a acordo em relação aos aumentos dos respectivos preços brutos.
Antes da introdução das tabelas de preços aplicáveis ao nível pan-europeu (EEE) (ver acima em (28)), os participantes discutiram os aumentos dos preços brutos, com a especificação da aplicação em todo o EEE dividido pelos principais mercados. Durante as reuniões bilaterais complementares em 1997 e 1998, além das habituais discussões pormenorizadas sobre os futuros aumentos dos preços brutos, os Destinatários relevantes trocaram informações sobre a harmonização das tabelas de preços brutos para o EEE.
Em determinadas ocasiões, os participantes, incluindo representantes das Sedes de todos os Destinatários, discutiram também os preços líquidos para alguns países.
(…)
Além dos acordos relativos aos níveis dos aumentos dos preços, os participantes informaram-se regularmente uns aos outros sobre os aumentos planeados para os preços brutos.
(…) Além das reuniões, houve trocas regulares de informações sensíveis do ponto de vista concorrencial por telefone e correio electrónico.
(52) Os seguintes exemplos de reuniões ilustram a natureza das discussões, nomeadamente entre os Destinatários ao Nível das Sedes durante o período inicial da infracção. A 17 de janeiro de 1997, foi organizada uma reunião em Bruxelas. Participaram nesta reunião representantes das Sedes de todos os Destinatários. Os elementos de prova demonstram que foram discutidas as futuras alterações aos preços brutos de tabela. Durante uma reunião realizada a 6 de Abril de 1998 no contexto de uma reunião de uma associação industrial, na qual participaram representantes das Sedes de todos os Destinatários, os participantes coordenaram a introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma EURO 3. Concordaram não comercializar camiões em conformidade com a norma EURO 3 antes de ser obrigatório fazê-lo, e chegaram a acordo em relação a um intervalo de preço adicional para os camiões em conformidade com a norma EURO 3. Nas próximas alterações às tabelas de preços em euros, os elementos de prova demonstram também que todos os Destinatários estavam envolvidos em discussões relativas à utilização da introdução da moeda Euro para reduzir os descontos. As partes envolvidas constataram que a França tinha os preços mais baixos e concordaram que os preços praticados nesse país tinham de ser aumentados.
(54) Após a introdução da moeda Euro e com a introdução de tabelas de preços pan- europeias (EEE) para quase todos os fabricantes (ver (28)), os Destinatários começaram sistematicamente a trocar os respectivos aumentos planeados para os preços brutos através das filiais alemãs (ver, por exemplo, (59)), enquanto os contactos colusórios ao nível dos membros da direcção superior das Sedes continuaram paralelamente entre 2002 e 2004.
Por exemplo, durante uma reunião nos dias 10 e 11 de Abril de 2003, no contexto de uma reunião de uma associação industrial na qual participaram, entre outros, representantes das Sedes de todos os Destinatários, ocorreram discussões relativas, entre outros aspectos, aos preços e às modalidades de introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma Euro 4, semelhantes às discussões que tinham ocorrido previamente em relação à norma Euro 3 (ver (52)). Além disso, os representantes não-executivos das Sedes e das Filiais Alemãs organizaram ocasionalmente reuniões que incluíram pontos de ordem de trabalhos e discussões tanto comuns como individuais (ver, por exemplo, (59)).
“(…) Além destas reuniões, ocorreram trocas regulares de informações por telefone e correio electrónico
Entre os tópicos discutidos, incluíram-se tópicos técnicos e prazos de entrega, mas também os preços (normalmente preços brutos).
(…)
“(56) Nos anos posteriores, as reuniões realizadas ao Nível Alemão tornaram-se mais formalizadas e as informações sobre os aumentos dos preços brutos que não estavam disponíveis no domínio público passaram a ser registadas numa folha de cálculo dividida por modelo padrão de camião para cada produtor.
Estas trocas de informações ocorreram várias vezes por ano.
As futuras informações trocadas sobre os aumentos dos preços brutos foram referentes apenas aos modelos básicos de camiões ou aos camiões e às opções disponíveis (em muitos casos, estas informações foram indicadas separadamente nas tabelas trocadas) e normalmente não foram trocados preços líquidos nem aumentos de preços líquidos. As informações relativas aos futuros aumentos planeados para os preços brutos trocadas ao nível das Filiais Alemãs foram, em graus variáveis, encaminhadas para as respectivas Sedes.
(57) A troca de informações sobre os futuros aumentos planeados para os preços brutos e a nova tecnologia das normas de emissões continuou a verificar-se ao longo dos anos e, a partir de 2007, passou a incluir também os períodos de entrega dos produtores de camiões.
A partir de 2008, as trocas de informações tornaram-se mais formalizadas através do recurso a um modelo unificado concebido para a troca de informações relativas aos aumentos planeados dos preços brutos.
(58) No mínimo, estas trocas de informações colocaram os Destinatários na posição de poder considerar as informações trocadas no âmbito do seu processo de planeamento e para o planeamento de futuros aumentos dos preços brutos no ano civil seguinte.
Além disso, as informações podem ter influenciado o posicionamento de preço de alguns dos novos produtos dos Destinatários.
(59) Os seguintes exemplos ilustram a natureza das discussões nas quais participaram os representantes do Nível Alemão. No final de 2004, um funcionário da DAF Trucks Deutschland GmbH enviou uma mensagem de correio electrónico a vários destinatários entre os quais se encontram os representantes das Filiais Alemãs, pedindo-lhes que comunicassem os seus aumentos de preços brutos planeados para 2005. As informações resumidas e compiladas sobre os preços foram enviadas, alguns dias depois, a todos os participantes, incluindo todos os Destinatários, e continham informações sobre os aumentos de preços brutos planeados.
Os Destinatários participaram numa reunião que ocorreu entre 4 e 5 de julho de 2005 em Munique, na qual compareceram representantes não-executivos do Nível das Sedes e funcionários das Filiais Alemãs.
Com base nos elementos de prova, parece que foram agendadas actividades comuns e reuniões. Além disso, foram também previstas sessões especiais com a participação de representantes não-executivos das Sedes e reuniões individuais com a participação dos representantes das Filiais Alemãs.
Durante uma destas sessões individuais, os participantes, entre os quais se incluíam todos os Destinatários, trocaram informações sobre os futuros aumentos dos respectivos preços brutos em 2005 e 2006, e também sobre os custos adicionais do cumprimento das normas de emissões EURO 4.
Noutras reuniões, nas quais participaram representantes das Filiais Alemãs, foi dada continuidade às discussões sobre aumentos dos preços e os aumentos dos preços para as normas Euro 4 e Euro 5, nomeadamente as reuniões realizadas 12 de Abril de 2006 e também nos dias 12 e 13 de Março de 2008.
(60) Os elementos de prova demonstram que tinham sido obtidas, dos participantes nas trocas de informações e a partir de Novembro de 2010 e Janeiro de 2011, informações sobre os aumentos dos preços brutos de, entre outros, todos os Destinatários. O conteúdo desta lista foi reproduzido numa nota manuscrita por um funcionário da MAN que também recebeu as informações sobre os aumentos dos preços brutos relativas aos outros participantes directamente da Daimler. Estas informações foram fornecidas quando a Daimler contactou a MAN para ficar a conhecer os detalhes do próximo aumento dos preços brutos da MAN.”
18. Quanto ao “âmbito geográfico” da infração, o mesmo foi definido como tendo abrangido “todo o EEE ao longo de toda a duração da infração”;
19. No que se relaciona com a “Duração da Infracção”, a decisão fixou-a nos seguintes marcos temporais:
“(62) Conforme enunciado na Secção 4.2, todos os Destinatários iniciaram a participação na infracção a 17 de Janeiro de 1997.
(63) Considera-se que a infracção terminou no dia 18 de Janeiro de 2011, que é a data do início das inspecções. (…)
20. Em sede de “apreciação jurídica”, a Decisão consignou, nomeadamente, o seguinte:
“(…) (68) A conduta descrita na anterior Secção 4 pode caracterizar-se como uma infracção complexa do Artigo 101.º do TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE, uma vez que é composta por várias acções que podem ser classificadas como acordos ou práticas concertadas, no âmbito das quais os Destinatários substituíram conscientemente os riscos da concorrência pela colaboração prática.
“(69) Por conseguinte, esta conduta apresenta todas as características de um acordo e/ou prática concertada na acepção do n.º 1 do Artigo 101.º do TFUE e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE, uma vez que tinha por objecto a prevenção, restrição e/ou distorção da concorrência no que diz respeito a Camiões no EEE. Concretamente, os Destinatários estavam envolvidos nas actividades anti concorrenciais descritas acima em relação à venda de Camiões através de várias camadas de reuniões entre concorrentes e outros contactos, que ocorreram ao Nível das Sedes e ao Nível Alemão. (…)
(71) No presente processo, a conduta descrita na Secção 4 constitui uma infracção única e continuada do n.º 1 do Artigo 101.º do TFUE e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE no período de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011. Simultaneamente, com base nos factos descritos anteriormente, qualquer um dos aspectos da conduta, incluindo no que diz respeito a qualquer um dos produtos e em relação a qualquer um dos Estados-Membros (ou regiões mais vastas), tem por objectivo a restrição da concorrência e, por conseguinte, constitui, só por si, uma infracção do Artigo 101.º do TFUE e/ou do Artigo 53.º do Acordo EEE.
“O único objectivo económico anti concorrencial da colusão entre os Destinatários foi coordenar o comportamento mútuo ao nível da atribuição de preços brutos e a introdução de determinadas normas de emissões para eliminar a incerteza quanto ao comportamento dos respectivos Destinatários e, em última análise, a reacção dos clientes no mercado. As práticas de colusão tinham um único objectivo económico, nomeadamente a distorção da fixação independente dos preços e do movimento normal dos preços dos camiões no EEE. (…)
(74) Embora os contactos colusórios tenham ocorrido, a partir de 2004, entre as Filiais Alemãs e não entre Sedes, tais contactos tinham, ainda assim, o mesmo objectivo das reuniões anteriores realizadas entre os representantes do Nível das Sedes, nomeadamente a distorção da fixação independente de preços e do movimento normal dos preços dos Camiões no EEE. Esta situação é comprovada pelo facto de as discussões realizadas entre os representantes das Filiais Alemãs terem continuado a abordar os mesmos tópicos, e da mesma forma, que as reuniões anteriores realizadas entre os representantes das Sedes.
(75) Com a troca das tabelas de preços brutos aplicáveis em todo o EEE, os Destinatários encontravam-se em melhor posição para compreender, com base as informações sobre os aumentos dos preços que foram trocadas pelas Filiais Alemãs, a estratégia de cada um para os preços na Europa, do que se apenas pudessem contar com as informações do mercado que tinham à disposição. (…)
(81) O comportamento anti concorrencial descrito nos anteriores pontos (49) a (60) tem o objectivo de limitar a concorrência no mercado ao nível do EEE. A conduta é caracterizada pela coordenação dos preços brutos entre os Destinatários que eram concorrentes, directamente e através da troca de informações sobre os aumentos planeados dos preços brutos, da limitação e temporização da introdução da tecnologia que cumpria as novas normas de emissões e da partilha de outras informações sensíveis do ponto de vista comercial, como a recepção de encomendas e os tempos de entrega. Uma vez que os preços são um dos principais instrumentos da concorrência, os vários acordos e mecanismos adoptados pelos Destinatários tinha o objectivo principal de limitar a concorrência em termos de preços na acepção do significado do n.º 1 do Artigo 101.º e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE.
(82) É jurisprudência assente que, para os efeitos previstos no Artigo 101.º do TFUE e no Artigo 53.º do Acordo EEE, não é necessário considerar os efeitos reais de um acordo quando este tem por objectivo o impedimento, a limitação ou a distorção da concorrência no mercado interno e/ou no EEE, conforme aplicável. Por conseguinte, no presente processo, não é necessário demonstrar os efeitos anti concorrenciais reais, uma vez que o objectivo anti concorrencial da conduta em questão ficou comprovado. (…)”
21. Sob a epígrafe de “Efeitos no comércio”, a Decisão atentou para o seguinte:
“(85) (…) tendo em conta a quota de mercado e o volume de negócios dos Destinatários no EEE, pode assumir-se que os efeitos no comércio são consideráveis”;
22. Em termos de “Responsabilidade”, a par das demais Destinatárias, a Decisão considerou responsáveis pela infração do Artigo 101.º do TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE:
“(…) 6.4 Volvo/Renault
(98) As seguintes entidades jurídicas são consideradas conjunta e solidariamente responsáveis pela infracção cometida pela Volvo/Renault: (…)
(c) a Renault Trucks SAS é responsável, enquanto participante directa, pelo envolvimento na infração de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011 e, enquanto empresa-mãe, pela conduta da sua filial Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (na medida em que é a sucessora legal e económica da Renault Trucks Deutschland GmbH) de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011.
A Renault confirmou que exerceu, durante o período relevante e enquanto empresa-mãe, uma influência decisiva sobre a sua filial Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (na medida em que é a sucessora legal e económica da Renault Trucks Deutschland GmbH)
23. Na fixação das coimas, a Comissão teve em conta, entre outros aspetos, para além do modo intencional com que a infração foi cometida, o facto de os mecanismos de coordenação de preços, de entre as restrições à concorrência, assumirem os efeitos mais prejudicais; a duração da infração; a elevada quota de mercado dos destinatários no mercado europeu de camiões médios e pesados, o facto de a infração ter abrangido todo o território do EEE, aplicando o ponto 25 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.º 2, alínea a), do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, justificando que a infração cometida pelos Destinatários tinha envolvido colusão horizontal em matéria de preços na acepção do significado desse ponto 25, conforme descrito no ponto “7. MEDIDAS CORRETIVAS” da Decisão;
24. A Comissão concedeu imunidade total da coima à MAN, sendo que a VOLVO e a RENAULT beneficiaram de uma redução de 40% do montante da sua coima, a DAIMLER de uma redução de 30% e a IVECO de uma redução de 10%;
25. Por fim, termos de dispositivo da Decisão, foi consignado o seguinte:
Artigo 1.º
Por terem participado em práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e à temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6, as seguintes empresas violaram o Artigo 101.º da TFUE e o Artigo 53.º do Acordo EEE durante os períodos indicados:
(a) MAN SE, de 17 de Janeiro de 1997 a 20 de Setembro de 2010; MAN Truck & Bus AG, de 17 de Janeiro de 1997 a 20 de Setembro de 2010; MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, de 3 de Maio de 2004 a 20 de Setembro de 2010
(b) AB Volvo (publ), de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; Volvo Lastvagnar AB, de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; Volvo Group Trucks Central Europe GmbH, de 20 de Janeiro de 2004 a 18 de Janeiro de 2011; Renault Trucks SAS, de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011;
(c) Daimler AG, de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011
(d) Fiat Chrysler Automobiles N.V., de 17 de Janeiro de 1997 a 31 de Dezembro de 2010; CNH Industrial N.V., de 1 de Janeiro de 2011 a 18 de Janeiro de 2011; Iveco S.p.A., de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; Iveco Magirus AG, de 26 de Junho de 2001 a 18 de Janeiro de 2011;
(e) PACCAR Inc., de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; DAF Trucks N.V., de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; DAF Trucks Deutschland GmbH, de 20 de Janeiro de 2004 a 18 de Janeiro de 2011

Artigo 2.º
São aplicadas as seguintes coimas pela infracção referida no Artigo 1.º:
(a) EUR 0 conjunta e solidariamente à MAN SE, MAN Truck & Bus AG e à MAN Truck & Bus Deutschland GmbH
(b) EUR 670 448 000 conjunta e solidariamente à AB Volvo (publ), à Volv Lastvagnar AB e à Renault Trucks SAS, das quais a Volvo Group Trucks Central Europe GmbH é considerada conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento do montante de EUR 468.855.017.
(c) EUR 1 008 766 000 à Daimler AG.
(d) EUR 494 606 000 à Iveco S.p.A., da qual:
(1) a Fiat Chrysler Automobiles N.V. é considerada conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento do montante de EUR 156.746.105,
(2) a Fiat Chrysler Automobiles N.V. e a Iveco Magirus AG são responsáveis conjunta e solidariamente pelo pagamento do montante de EUR 336.119.346, e
(3) A CNH Industrial N.V. e a Iveco Magirus AG são responsáveis conjunta e solidariamente pelo pagamento do montante de EUR 1.740.549.
(e) EUR 752 679 000 conjunta e solidariamente à PACCAR Inc. e à DAF Trucks N.V., da qual a DAF Trucks Deutschland GmbH é conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento do montante de EUR 376 118 773. (…)

- Dos veículos abrangidos pela Decisão, que foram objeto de contratos celebrados pela Autora e consequências da conduta da Ré:
26. A Autora tem por objeto comercial o transporte rodoviário;
27. A Ré integra o Grupo Volvo no qual figura, como empresa-mãe, a firma Aktiebolaget Volvo (publ) também designada por Volvo;
28. Entre outras, a Ré e o respetivo grupo empresarial no qual se insere dedicam-se à produção e comercialização de camiões, autocarros, equipamentos de construção, sistemas de transmissão para aplicações marítimas e industriais;
29. No âmbito e para o exercício da sua atividade comercial, a Autora adquiriu e/ou locou (locação financeira) os seguintes veículos pesados novos, com mais de 6 toneladas, fabricados pela Ré:

N.º chassisMatrícula
VF624GPA000020941...-GA-...
VF617GKA000005564...-EE-...
VF617GKA000003189...-DG-..2
VF617GKA000003220...-DG-..3
VF611GTA000136600...-...-ZO
VF611GTA000118151...-..2-TX
-...-..1-TX
VF611GTA000114945...-...-TG
VF611GTA000116802...-...-TH
VF611GTA000106553...-...-QM

30. A Ré, em conluio com outros fabricantes de camiões e por força das condutas que foram consideradas provadas em sede da Decisão da Comissão, aumentou intencional, coordenada e continuadamente, com os seus concorrentes, os preços brutos dos camiões de peso superior a 6 toneladas, que fabricou e comercializou, diretamente ou através da sua rede de distribuição, no período de 17.01.1997 a 18.01.2011;
31. Tendo a Ré fixado preços brutos superiores àqueles que seriam praticados caso não tivesse adotado a conduta descrita na Decisão da Comissão, tal aumento nos preços brutos foi projetado, na mesma proporção, nos preços líquidos de venda dos veículos;
32. O aumento do preço fixou-se num mark-up[24] de preço por veículo, de valor não concretamente apurado;
33. Foi na sequência direta da conduta da Ré demonstrada na Decisão da Comissão que a Autora, por ter adquirido (quer mediante fundos próprios, quer mediante financiamentos por contratos de locação financeira), no período entre 2001 e 2008, os referidos veículos fabricados por aquela, teve de suportar um excesso de custo no preço líquido (sem IVA) de venda dos veículos, de valor não concretamente apurado, que de outra forma não teria tido.
34. Sobrecustos esses que a Autora suportou, quer por via da assunção da obrigação do pagamento de tal preço nos casos em que veio a consolidar a propriedade dos veículos na sua esfera jurídica, sem ou com financiamento, nomeadamente por via de locações financeiras;
35. Quer por via da assunção da obrigação de pagamento das rendas mensais das locações (financeiras, ALD ou outras), nos casos em que tal não sucedeu.
Assim,
Quanto ao veículo com matrícula ...-...-TH:
36. Relativamente ao veículo com matrícula ...-...-TH, a Autora celebrou, em data não concretamente apurada, mas que se situa em Abril de 2002, na qualidade de locatária, um contrato de locação financeira n.º 200204265, em que foi locadora a sociedade BCP, S.A.;
37. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Portugal, Lda., com o preço de venda de € 72.325,70 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação;
38. O referido veículo (Renault AE 489.19T 41.3) foi locado à Autora, pelo prazo de 48 meses;
39. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 14.465,14 e 47 rendas mensais de € 1.377,59, a que acrescida IVA à taxa legal;
40. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria no termo do contrato de € 1.446,51, acrescido de IVA à taxa legal;
41. A Autora liquidou todas as rendas previstas no contrato, tendo despendido globalmente a quantia de € 79.211,87 (acrescida de IVA) em rendas mensais que pagou;
42. Este valor é superior ao – e integra o – preço de venda do veículo à locadora, o qual, por sua vez, incorpora um sobrecusto de valor não concretamente apurado, já que no preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up supra referido em 32;
43. Esse sobrecusto de valor não concretamente apurado foi, por sua vez, integrado nas rendas pagas pela Autora e repercutido nesta.
Relativamente ao veículo com a matrícula ...-...-QM:
44. Relativamente ao veículo ...-...-QM, a Autora celebrou em 25.09.2001, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.º 200114690, em que foi locadora a sociedade BCP Leasing, S.A.;
45. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo novo junto do fornecedor Renault Trucks Portugal, Lda., com o preço de venda de € 67.337,72 (acrescido de IVA), coincidindo este preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação;
46. O referido veículo (AE 440.19T 41) foi locado à Autora, pelo prazo de 48 meses;
47. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 10.100,66 e 47 rendas de € 1.350,86, a que acrescia IVA à taxa legal;
48. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria no termo do contrato de € 1.346,75, acrescido de IVA à taxa legal;
49. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual, em data coincidente com 15.01.2007;
50. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data em que adquiriu a respetiva propriedade, não obstante não ter inscrito a mesma a seu favor;
51. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora;
52. No preço da compra pela locadora estava integrado um valor de mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32;
53. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou.
Relativamente ao veículo de matrícula ...-EE-...:
54. Relativamente ao veículo de matrícula ...-EE-..., a Autora celebrou, em 28.08.2007, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira mobiliária n.º 0712183, em que foi locadora a sociedade BARCLAYS BANK, PLC;
55. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Lisboa Unipessoal, Lda., com o preço de venda de € 86.203,00;
56. Por via de tal contrato, o referido veículo (MAGNUM 4X2) foi locado à Autora, pelo prazo de 60 meses, com início a 18.09.2007 e termo a 18.09.2012;
57. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 4.310,15 e 59 rendas mensais calculadas de acordo com uma Taxa de Juro Nominal convencionada entre as partes, a que acrescia IVA à taxa legal;
58. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 8.620,30, a que acrescia IVA à taxa legal;
59. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual, em 18.09.2012;
60. A propriedade do ...-EE-... foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º 00248, em 25.10.2012;
61. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor;
62. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora;
63. No preço da compra pela locadora estava integrado um valor de mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32;
64. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor de mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou.
Relativamente ao veículo com a matrícula ...-DG-..3:
65. Relativamente ao veículo ...-DG-..3, a Autora celebrou, em 13.04.2007, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira referência n.º 10016397, em que foi locadora a sociedade BANCO BPI, S.A.;
66. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Lisboa Unipessoal, Lda., com o preço de venda de € 86.203,00 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação;
67. Por via de tal contrato, o referido veículo (MAGNUM 4X2) foi locado à Autora, pelo prazo de 72 meses, com início a 25.04.2007 e termo a 25.04.2013;
68. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 15.000,00 e 71 rendas mensais de € 1.156,64, a que acrescia IVA à taxa legal;
69. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 1.724,06, a que acrescia IVA à taxa legal;
70. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual, em Abril de 2013;
71. A propriedade do ...-DG-..3 foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º 01756, em 15.01.2014;
72. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor;
73. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora;
74. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32;
75. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou.
Relativamente ao veículo de matrícula ...-DG-..2:
76. Relativamente ao veículo ...-DG-..2, a Autora celebrou, em data não concretamente apurada mas que situa em Maio de 2007, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira mobiliária n.º 329416, em que foi locadora a sociedade Caixa Leasing e Factoring Instituição Financeira de Crédito, S.A.;
77. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Lisboa Unipessoal, Lda., com o preço de venda de € 86.203,00 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação;
78. Por via de tal contrato, o referido veículo (MAGNUM 4X2) foi locado à Autora, pelo prazo de 60 meses;
79. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 15.000,00 e 59 rendas mensais de € 1.338,24, a que acrescia IVA à taxa legal;
80. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 4.310,15, a que acrescia IVA à taxa legal;
81. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual;
82. A propriedade do ...-DG-..2 foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º 00148, em 13.07.2012;
83. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor;
84. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora;
85. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32;
86. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou.
Relativamente ao veículo de matrícula ...-...-ZO:
87. Relativamente ao veículo de matrícula ...-...-ZO, a Autora celebrou, em 25.02.2005, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.º 30015293, em que foi locadora a sociedade BBVA Instituição Financeira de Crédito, S.A.;
88. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Lisboa Unipessoal, Lda., com o preço de venda de 76.000,00 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação;
89. Por via de tal contrato, o referido veículo (AE 480 19T 41.3) foi locado à Autora, pelo prazo de 60 meses, com início a 25.02.2005 e termo a 24.02.2010;
90. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de 16.524,73 e 59 rendas mensais de € 1.130,39, a que acrescia IVA à taxa legal;
91. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 1.520,00, a que acrescia IVA à taxa legal;
92. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual;
93. A propriedade do ...-...-ZO foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º 08985, em 25.06.2010;
94. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor;
95. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora;
96. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32;
97. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou.
Relativamente ao veículo de matrícula ...-..2-TX:
98. Relativamente ao veículo de matrícula ...-..2-TX, a Autora comprou à sociedade Renault Trucks Portugal, Lda., o veículo Renault, Modelo AE 480.19T 41.3, pelo preço de € 72.001,48 (acrescido de IVA), preço esse que incluía um sobrecusto de valor não concretamente apurado.
99. A propriedade do veículo foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º 00533, em 06.09.2002.
Relativamente ao veículo de matrícula ...-..1-TX:
100. Relativamente ao veículo de matrícula ...-..1-TX, a Autora comprou-o à sociedade Renault Trucks Portugal, Lda., pelo preço de € 72.001,48 (acrescido de IVA), preço esse que incluía um sobrecusto de valor não concretamente apurado.
101. A propriedade do veículo foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º 00536, em 06.09.2002.
Relativamente ao veículo de matrícula ...-...-TG:
102. Relativamente ao veículo de matrícula ...-...-TG, a Autora celebrou, em data não concretamente apurada mas que se situa em Abril de 2002, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.º 30007234, em que foi locadora a sociedade BBVA LEASING Sociedade de Locação Financeira, S.A.;
103. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks, Lda., cujo valor se computa em € 72.325,69 ([25]);
104. Por via de tal contrato o referido veículo (Modelo AE 480 19T 41.3) foi alugado à Autora, pelo prazo de 48 meses, com início a 27.03.2002 e termo a 27.03.2006;
105. Nos termos das condições do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 14.465,14 e 47 rendas mensais de € 1.318,14, a que acrescia IVA à taxa legal;
106. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 1.446,51, a que acrescia IVA à taxa legal;
107. O contrato foi integralmente cumprido até 28.02.2005, data em que o contrato cessou antecipadamente;
108. Tendo a Autora despendido globalmente, pelo menos, a quantia de € 72.325,69 (acrescida de IVA) ([26]), em valor residual e rendas mensais que liquidou, desde 27.04.2002 até 28.02.2005;
109. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32;
110. Os montantes despendidos pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através dos montantes que pagou.
Relativamente ao veículo de matrícula ...-GA-...:
111. Relativamente ao veículo de matrícula ...-GA-..., a Autora celebrou, em data não concretamente apurada mas que situa próxima de Julho de 2008, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira mobiliária processo n.º 2044305, em que foi locadora a sociedade BESLEASING E FACTORING Instituição Financeira de Crédito, S.A.
112. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor dos camiões novos da Ré em Portugal ([27]), com o preço de venda de € 80.000,00 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação;
113. Por via de tal contrato, o referido veículo (HR 450.19 T 39 c/c) foi locado à Autora, pelo prazo de 60 meses;
114. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora renda inicial de € 8.000,00 e 59 rendas mensais de € 1.273,09, a que acrescia IVA à taxa legal;
115. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 8.000,00, a que acrescia IVA à taxa legal;
116. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual;
117. A propriedade do ...-GA-... foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º 01209, em 18.12.2014;
118. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor;
119. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora;
120. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32;
121. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou.
122. A Autora, ao pagar os preços mencionados para aquisição dos veículos (quer mediante fundos próprios, quer mediante financiamentos por contratos de locação financeira), suportou sobrecustos do preço de compra de cada veículo, sobrecustos estes de valor não concretamente apurado.
- Do conhecimento da Autora acerca da infracção em causa e da identidade dos infractores:
123. No dia 18.01.2011, a Comissão Europeia tornou pública a realização de várias buscas e apreensões a vários fabricantes de camiões.
124. No dia 20.11.2014, foi divulgado um comunicado de imprensa emitido pela Comissão Europeia que tornou pública a prolação da Comunicação de Objeções e divulgou informação sobre: i) quem foram os destinatários da Comunicação de Objeções (i.e., diversos fabricantes de camiões médios e pesados, sem indicação das suas designações comerciais); ii) as práticas concertadas que envolveriam uma coordenação ao nível dos preços; iii) a área geográfica em questão (Espaço Económico Europeu); e iv) que as práticas em apreço poderiam constituir uma violação do artigo 101.º do TFUE e do artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.
125. No dia 19.07.2016, a Comissão Europeia emitiu um comunicado de imprensa sobre a sua Decisão, incluindo a seguinte informação: (i) a identidade dos alegados infratores, incluindo a Ré; (ii) a descrição da conduta em análise; (iii) o período durante o qual ocorreu a alegada violação às normas da concorrência; (iv) o montante das coimas.
126. No dia 06.04.2017, o Jornal Oficial da União Europeia publicou o Resumo da Decisão da Comissão de 19/07/2016 relativa a um processo nos termos do art.º 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do art.º 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Processo AT.39824 — Camiões.
127. Num noticiário da SIC Notícias, de 19 de Janeiro de 2011, numa reportagem da SIC Notícias intitulada "Fabricantes de camiões como Daimler, Volvo, Scania ou Man sob investigação", publicada em 19 de Janeiro de 2011 e numa notícia da Transportes & Negócios, intitulada “Volvo provisiona 400 milhões por suspeitas de cartel”, publicada em 26 de Novembro de 2014, foram noticiadas as diligências de busca e apreensão da Comissão de 18 de Janeiro de 2011.
128. No dia 09.07.2019, a Autora fez dar entrada em juízo a petição inicial que deu início à presente ação;
129. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré;
130. No dia 23 de Julho de 2019, a Ré foi citada nos presentes autos.
- Outros factos alegados pela Ré, com relevo para a boa decisão da causa:
131. No período pós-1999, as listas de preços brutos pan-europeias eram definidas centralmente, na sede da Ré;
132. Antes de qualquer alteração à lista de preços brutos ser implementada, a Renault Portugal, a empresa de mercado em Portugal, era informada dessa alteração, existindo depois uma comunicação a esta entidade dos preços brutos alterados;
133. Durante o período da conduta a que alude a Decisão, as vendas de camiões em Portugal eram negociadas pela Renault Portugal ou pelos concessionários por si integralmente detidos – a Renault Porto e a Renault Lisboa, tendo estas existido entre finais de 2003 e 2007;
134. Desde 1997 até finais de 2003, a Renault Portugal era a única que procedia à importação e comercialização de veículos da Renault no mercado português;
135. Em finais de 2003, foram criadas duas concessionárias integralmente detidas pela Renault Portugal – Renault Porto e Renault Lisboa, desenvolvendo a sua atividade no Porto e em Lisboa, respetivamente, apesar de a Renault Portugal continuar a fazer vendas diretas a clientes finais localizados fora de Lisboa e do Porto ou que tivessem atividade com dimensão nacional;
136. A partir de 2008, a Renault Portugal passou a ter de adquirir à Renault Espanha as viaturas fabricadas pela Ré.
*
Factos não provados
1. O sobrecusto na aquisição de viaturas supra referidas em 36 a 121 dos factos provados, foi de 15,4% sobre os repetivos preços;
- Relativamente ao veículo de matrícula ...-...-TG:
2. O contrato de locação financeira dado como provado foi celebrado em Março de 2002;
- Outros factos alegados pela Ré:
3. A Autora teve conhecimento da infração imputada à Ré e dos seus alegados infratores antes de qualquer um dos momentos referidos nos factos provados n.ºs 123 a 127;
4. A Autora fez refletir o sobrecusto nos preços dos veículos adquiridos junto dos seus clientes pelos serviços prestados;
5. A Autora mitigou o sobrecusto através da revenda dos veículos.
*
QUESTÕES DE DIREITO
7) Na sequência da requerida alteração de matéria de facto, o direito invocado pela Autora encontra-se prescrito, ao abrigo do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, não sendo aqui aplicável o artigo 10.º da Diretiva 2014/104 (Cf. artigos 300 a 310 das Conclusões).
Nesta sede, conforme resulta do supra exposto, não se procedeu a qualquer alteração da matéria de facto, em especial, sobre o momento em que a Recorrida efetivamente tomou conhecimento dos elementos essenciais da Decisão da Comissão (facto não provado n.º 3).
Contudo, porque a Recorrente levanta nesta sede questões de direito relevantes, desde logo, sobre a norma aplicável em sede de prescrição – se o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil ou o artigo 10.º da Diretiva 2014/104 – teceremos aqui as necessárias considerações para resolver esta questão.
A sentença recorrida fundamentou a decisão neste ponto a p. 135 a 149.
Neste âmbito, é de destacar o seguinte raciocínio do tribunal a quo (p. 138) “embora a infracção tenha cessado antes da entrada em vigor da mencionada Directiva (cessou em 18 de Janeiro de 2011) e a acção tenha sido proposta depois da entrada em vigor da lei de transposição da Directiva, caso se conclua que o prazo de prescrição que decorre das leis anteriores àquela lei de transposição, ou seja, o prazo que decorre do n.º 1 do artigo 498.º do CC, ainda não tinha terminado antes do termo do prazo da transposição da Directiva, então o prazo a aplicar é o prazo de 5 anos e não de 3 anos, conforme decorre do já mencionado acórdão do TJ de 22.07.2022, no âmbito do Processo C-267/20, «Volvo and DAF Trucks»”.
Tal raciocínio afigura-se-nos correto e em harmonia com o Ac. TJUE C-267/20 e que esclareceu esta matéria em sede de reenvio prejudicial.
Conforme recordamos supra em sede de Considerações Prévias, contrariamente ao que alega a Recorrente (artigo 1376 e ss. das alegações da apelação; artigo 308 das respetivas conclusões), as decisões do TJUE, em sede de reenvios prejudiciais, são vinculativas não só para o tribunal requerente, mas para todos os tribunais dos Estados Membros, sob pena de inviabilizar-se o primado do direito da EU e o corolário da respetiva uniformidade (sobre estes aspetos, veja-se, Fausto de Quadros, Direito da União Europeia, Almedina, 2015, 3.º ed., p. 608-611).
Sobre o ponto em questão, decidiu o Ac. TJUE caso C-267/20 que “O artigo 10.º da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.º, n.º 1, desta diretiva, e que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva, foi intentada após a entrada em vigor das disposições que a transpõem para o direito nacional, na medida em que o prazo de prescrição aplicável a essa ação ao abrigo das anteriores regras não decorreu antes da data do termo do prazo de transposição da mesma diretiva”.
Ou seja, de acordo com a jurisprudência ora descrita, apesar do prazo de prescrição previsto no artigo 10.º da Diretiva 2014/104/EU (cf. artigo 6.º, n.º 1, da Lei de Transposição – Lei n.º 23/2018, de 5 de junho) constituir uma disposição substantiva, será aplicável caso se verifiquem as seguintes condições:
a) Interposição de uma ação de indemnização que tenha subjacente uma infração que cessou antes da entrada em vigor da Diretiva;
b) A ação tenha sido intentada após a entrada em vigor da respetiva Lei de Transposição;
c) O prazo de prescrição ao abrigo das regras nacionais aplicáveis ainda não se mostre esgotado na data do termo do prazo de transposição da Diretiva.
No caso concreto, temos verificada a primeira condição, em concreto a interposição de uma ação de indemnização, cuja causa de pedir é constituída, além do mais, por uma infração que terminou no dia 18 de janeiro de 2011, sendo certo que o fim do prazo de transposição da Diretiva ocorreu no dia 27 de dezembro de 2016 (artigo 21.º, n.º 1, da Diretiva).
Porque a presente ação foi proposta no dia 9 de julho de 2019 e a Lei de Transposição (Lei n.º 23/2018) entrou em vigor no dia 5 de agosto de 2018 (Cf. artigo 25.º da Lei em referência), mostra-se verificada a segunda condição.
Passando à terceira condição que é a mais complexa.
Antes da entrada em vigor da Diretiva era aqui aplicável o disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, nos termos do qual, a prescrição ocorre no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
Conforme resulta da fundamentação do Ac. TJUE caso C-267/20, parágrafo 64 “Embora não esteja excluída a possibilidade de o lesado ter conhecimento dos elementos indispensáveis para a propositura da ação de indemnização muito antes da publicação no Jornal Oficial da União Europeia do resumo de uma decisão da Comissão, ou mesmo antes da publicação do comunicado de imprensa relativo a essa decisão, mesmo num processo de cartel, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que seja esse o caso presente.”.
Tendo em conta a improcedência da impugnação do facto não provado n.º 3, nos nossos autos também não resultou provado que a aqui Recorrida tenha tido conhecimento dos elementos essenciais da Decisão da Comissão, antes da publicação no Jornal Oficial da União Europeia do resumo da Decisão da Comissão.
Nestes casos, conforme a citada jurisprudência, o marco a partir do qual se pode razoavelmente considerar que um interessado obtém esse conhecimento, é a data da publicação do resumo da Decisão C(2016) final no Jornal Oficial da União Europeia , ou seja, em 6 de abril de 2017, data a partir do qual se deve contar o prazo de prescrição (cf. parágrafos 71 e 72).
Esta posição resulta igualmente do Ac. STJ de 07-07-2022, proc. 2/19.3YQSTR-G.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), onde se pode ler “Na perspetiva da contagem do prazo nos termos do art.º 498 nº 1 do CCivil, repetimos aqui que as autoras, como lesadas, apenas a partir da data da publicação da condenação da ré pela prática de colusão tiveram conhecimento do seu direito, só nesse momento souberam ter direito à indemnização e ficaram conhecedoras da verificação dos pressupostos que condicionavam a responsabilidade”.
Contando-se o prazo de 3 anos, previsto no artigo 498.º, n.º 1, a partir do dia 06 de abril de 2017 conclui-se que o prazo de prescrição terminaria a 06 de abril de 2020.
Assim sendo, facilmente se conclui que o prazo de prescrição ao abrigo das regras nacionais aplicáveis, não se mostrava esgotado na data do termo do prazo de transposição, ou seja, a 27 de dezembro de 2016.
Nesta sequência, devemos concluir pela aplicabilidade do prazo de cinco anos previsto no artigo 10.º, da Diretiva 2014/104/EU e artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2018.
O prazo de prescrição em causa apenas terminou, assim, em 07 de abril de 2022, tal como concluiu a sentença recorrida.
Contra este raciocínio não se pode argumentar, como faz a Recorrente (v. artigo 309 das Conclusões), que assim se viola o artigo 24.º, n.º 1, da Lei de Transposição, que proíbe a retroatividade das normas de natureza substantiva.
Tal proibição, aliás, também se encontra prevista no artigo 22.º, n.º 1, da Diretiva.
É a proibição da retroatividade de normas de direito substantivo que explica que o TJUE impusesse aqui, como condição de aplicabilidade do prazo previsto no artigo 10.º, a terceira condição supra descrita, ou seja, que o prazo de prescrição ao abrigo das regras nacionais aplicáveis ainda não se mostre esgotado na data do termo do prazo de transposição da Diretiva.
Assim se compreende o afirmado no parágrafo 74 do Ac. TJUE C-267/20 “Verifica‑se, portanto, que a situação em causa no processo principal continuava a produzir efeitos após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104 e mesmo após a data de entrada em vigor do Real Decreto‑Lei n.º 9/2017 que a transpõe”.
Transpondo este raciocínio para o nosso caso, a situação em causa no processo (a infração), continuava a produzir efeitos jurídicos após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, porquanto o prazo de prescrição, ao abrigo do disposto na lei nacional, no nosso caso, do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, ainda não se tinha esgotado em 27 de dezembro de 2016, fim do prazo de transposição da Diretiva. Nestes termos, não se pode concluir, em casos como o presente, que a aplicação do prazo de cinco anos previsto no artigo 10.º da Diretiva e na nossa Lei de Transposição, seja retroativa.
Não ocorre, portanto, a violação do princípio da não retroatividade de normas de direito substantivo (artigo 12.º, do Código Civil).
A alegação, nesta sede, terá assim que improceder.

8) Não se verificam no caso concreto os pressupostos da responsabilidade civil [extracontratual - artigo 483.º, do Código Civil], em particular a culpa, dano e nexo causal (Cf. artigos 332 a 344 das Conclusões).
A sentença recorrida, quanto à culpa, fundamenta a verificação do facto ilícito juntamente com aquela (p. 152 a 165). Ou seja, trata de 3 pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (facto, ilícito e culpa) em simultâneo, o que, em bom rigor, pode ser considerado uma metodologia menos correta, principalmente porquanto a culpa é algo bem diferente da ilicitude. Enquanto a ilicitude se refere ao desvalor objetivo da conduta (maxime, a violação de um direito ou interesse juridicamente protegido), a culpa situa-se no lado subjetivo da conduta.
Obviamente que concordamos com a Recorrente quando afirma que a culpa é pressuposto essencial da responsabilidade civil, in casu, extracontratual (artigo 483.º, do Código Civil). Para além da culpa, para a verificação da responsabilidade são ainda necessários o facto, o ilícito, o dano e o nexo causal entre este e aquele.
Como conclui a Recorrente (artigo 338 das Conclusões) “… o princípio da culpa é absolutamente basilar no direito português, traduzindo um juízo de censura da conduta do agente, quando este podia e devia ter agido de forma distinta. Se o agente não puder ser censurado pela forma como agiu no caso concreto, não há responsabilidade, salvo nas situações em que a lei admite responsabilidade independentemente de culpa – o que não é o caso”.
O juízo de censura, ou seja, o juízo de valoração negativa, subjacente à culpa incide, obviamente, sobre factos (internos). Desta conclusão retira-se que o juízo de censura, como juízo normativo que é, é algo diverso de factos.
Quanto a este último ponto, conclui a Recorrente (artigo 341) “não é possível confessar um conceito legal (tal como a intenção). Antes, é apenas possível confessar factos que demonstrem e preencham conceitos legais”.
Esta última proposição adiantada pela Recorrente não é inteiramente correta, pois se podemos concordar que não é possível a uma pessoa confessar um conceito legal, neste caso, a culpa, ou melhor, o juízo de censura em que esta se consubstancia, obviamente que se pode confessar uma intenção, no nosso caso, a intenção de acordar com outros a subida de determinados preços. A intenção de praticar determinado facto ilícito é um facto psicológico. Já o juízo e censura é uma valoração normativa.
Nesta sede, resulta desde logo do facto provado 30, que “[a] Ré, em conluio com outros fabricantes de camiões e por força das condutas que foram consideradas provadas em sede da Decisão da Comissão, aumentou intencional, coordenada e continuadamente, com os seus concorrentes, os preços brutos dos camiões de peso superior a 6 toneladas, que fabricou e comercializou, diretamente ou através da sua rede de distribuição, no período de 17.01.1997 a 18.01.2011”.
Conforme resulta do supra exposto em sede de considerações sobre os factos provados 30 e 31, esta factualidade infere-se da própria Decisão da Comissão.
Ora, se a Recorrente se coordenou com as demais empresas infratoras durante cerca de 14 anos, com vista a aumentar os preços brutos dos camiões de peso superior a 6 toneladas, de forma intencional, tanto basta para o tribunal poder formar um juízo de censura da sua conduta, neste caso por uma conduta manifestamente dolosa.
Tal juízo de censura poderia ser afastado caso a Recorrente tivesse alegado e provado, nomeadamente, que durante os 14 anos em causa, tinha agido ao abrigo de uma causa de exclusão da culpa, não lhe sendo exigível outra conduta, o que obviamente não ocorreu nestes autos.
Conclui-se, como concluiu a sentença recorrida, pela verificação da culpa no caso concreto.
Quanto ao dano e nexo causal, resulta da matéria de facto provada (em especial, factos provados n.ºs 30 a 35, 42, 43, 52, 53, 63, 64, 74, 75, 85, 86, 96, 97, 109, 110, 119, 120, 121 e 122), que a Recorrente com as demais infratoras, participou em acordos colusórios que implicaram o aumento de preços de camiões pesados, inclusive, os preços pelos quais a Recorrida adquiriu os camiões em causa nestes autos. A Recorrida adquiriu, portanto, camiões pesados a um preço mais elevado (dano), preços estes aumentados devido à infração em causa, ou seja, devido aos referidos acordos colusórios (nexo causal).
É certo, após a alteração dos factos por este tribunal, que se desconhece o exato montante do sobrecusto, ou seja, do quantum do dano, contudo, tal não impede que se possa constatar que os preços pelos quais a Recorrida adquiriu os camiões foram superiores aos que teria pago caso não existissem os referidos acordos colusórios entre empresas.
Também se verificam, portanto, o dano e respetivo nexo causal.

9) Subsidiariamente, o Tribunal deveria ter-se socorrido de um juízo de equidade [artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil], para a avaliação da medida da mitigação do sobrecusto por via da revenda dos veículos e, bem assim, da obtenção de vantagens fiscais pela Recorrida (Cf. artigos 345 a 351 das Conclusões).
Nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Por sua vez, segundo o artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018 que procedeu à transposição dos artigos 17.º, n.º 2 e 12.º, n.º 5, da Diretiva 1014/104, “Se for praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos pelo lesado ou o valor da repercussão a que se refere o artigo anterior, tendo em conta os meios de prova disponíveis, o tribunal procede a esse cálculo por recurso a uma estimativa aproximada, podendo, para o efeito, ter em conta a Comunicação da Comissão (2013/C 167/07), de 13 de junho de 2013, sobre a quantificação dos danos nas ações de indemnização que tenham por fundamento as infrações aos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.
Entendemos que este último normativo seria o aqui aplicável, pelas razões por nós já expostas em sede de Considerações Prévias. Assim sendo, esta norma, por tratar de lei especial, sempre prevaleceria sobre a norma citada e prevista no Código Civil.
De qualquer forma, conforme resulta do supra exposto em sede de considerações sobre a impugnação dos factos não provados 4 e 5, não resultou provada a alegada repercussão do sobrecusto do preço dos camiões adquiridos pela Recorrente, a jusante (passing on), ou seja, nos preços dos serviços por si cobrados aos seus clientes, em revendas dos camiões ou em vantagens fiscais.
Nestes termos, no que toca à alegada repercussão, não poderemos, com este fundamento preciso, recorrer à equidade para apurar o quantum do dano, o que não nos impedirá, como se verá já de seguida, de recorrer à estimativa judicial do quantum do dano prevista no artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva e artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018, porquanto entende este tribunal que é praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos pela lesada (Recorrida).

10) Do quantum do dano com o recurso a estimativa judicial
Conforme vimos em sede de impugnação dos factos essenciais 30 e 31, relativos ao dano e nexo causal, concluímos pela verificação de um dano no património da Recorrida, consubstanciado na aquisição de camiões por preços inflacionados por causa da infração punida pela Comissão e na qual a ora Recorrente participou.
Contudo, em sede de impugnação dos factos relativos à quantificação do dano (factos provados 32 e 33, e demais factualidade conexa), não vingou a posição defendida pela Autora, no sentido da existência de um sobrecusto de 15,4% sobre os preços de aquisição dos camiões pela Recorrida, posição esta sustentada, de forma essencial e determinante, no Relatório xxxx e depoimento do mesmo Senhor Professor Doutor.
Por seu turno, também se concluiu pela insuficiência da prova da hipótese alternativa adiantada pela Recorrente, ou seja, da completa inexistência de um sobrecusto, sustentada principalmente pelos estudos subscritos pela equipa do Professor xxxx e respetivo depoimento.
Em tal momento deste acórdão (impugnação da matéria de facto), verificou-se que as razões de tal ineficácia probatória não se prendiam tanto com a falta de esforços das partes, mas sim a dificuldades financeiras, técnicas e circunstâncias concretas da infração aqui em causa.
Com efeito, o Relatório xxxx mostrou as suas fragilidades principalmente devido à falta de divulgação completa dos dados da Eurotax usados, o que, devido a tal opacidade, não permitiu a este tribunal, e à parte contrária, exercer um escrutínio efetivo.
Conforme vimos supra, segundo o que o Professor xxxx declarou em audiência, o acesso aos dados constantes da base de dados da Eutorax foi concedido no pressuposto de que apenas poderia revelar publicamente o resultado do tratamento e não os dados em si, que deveriam permanecer, assim, confidenciais.
Mais se apurou, de acordo com Parecer Técnico junto aos autos, que o acesso irrestrito a tais dados na posse da Eurotax, implicaria um custo de 20.800,00 € sem IVA. Isto se tomarmos apenas em conta um estudo que se focasse no período em que perdurou a infração (1997-2010) e o período pós-cartel (2011-2018). Caso se realizasse um estudo que também envolvesse dados pré-cartel, tal como recomendado no Guia Prático (considerandos 42 e 44), naturalmente que tal valor seria ainda mais elevado.
Por seu turno, os dados utilizados pelo Professor xxxx no seu Relatório de Análise, também se revelaram demasiado estreitos. Com efeito, apenas englobavam cerca de metade do tempo da infração (2004-2010) e um período relativamente curto pós-infração (2011-2014). A tal acrescia que no período pós-infração, verificou-se que as variáveis da margem bruta média e os preços líquidos praticados pela Recorrente, de 2012 a 2014, sofreram variações extraordinárias devido a fenómenos internos à Recorrente e não ao mercado propriamente dito. Concluímos então que os dados pós-cartel eram manifestamente insuficientes para servirem de comparação com o período cartel estudado, já por si limitado, comprometendo desta maneira as conclusões do relatório.
De notar que os dados utilizados pela equipa do Professor xxxx foram fornecidos pela Recorrente, sem quaisquer entraves. Ou seja, mesmo que a ora Recorrida tivesse recorrido à previsão do artigo 5.º da Diretiva (artigo 12.º da Lei n.º 23/2018) e solicitasse o acesso aos dados titulados pela Recorrente, ao que tudo indica, não teria obtido dados suficientes para apurar, de forma exata, o valor do sobrecusto em causa.
Para além das condicionantes financeiras e de acesso e suficiência de dados ora referidos e melhor analisados supra em sede de questões de facto, tendo em conta as características do cartel em causa, em especial a sua longa duração e elevada quota de mercado, concluímos que o trabalho de estimação da quantidade do sobrecusto em causa apresentava acrescidas dificuldades.
Com efeito, tendo em conta a longa duração do cartel (1997-2010) e a elevada quota de mercado que era detido pelas empresas infratoras, próxima de 90%, apresentava-se como muito difícil, senão impossível, encontrar um mercado que pudesse servir efetivamente de comparação. É óbvio que os mercados americanos ou asiáticos não eram comparáveis, sendo certo que o estudo do mesmo mercado pré e pós cartel apresentava as dificuldades já aludidas. Também o uso de VLCs como grupo de produtos comparáveis não resultou convincente.
A isto tudo acresce que o mercado concreto em causa é em si mesmo muito complexo, desde logo pela diversidade nas possíveis características dos veículos. Como se constata na Decisão da Comissão (considerando 26) “All of the Addressees offer a range of trucks and hundreds of different options and variants”. Ou seja, existiam gamas de camiões com variantes e opções na casa das centenas. Também notamos que variando apenas uma das centenas de características, naturalmente que variaria o preço final do camião, sendo certo que as possíveis configurações dos veículos (e preços de cada um) seriam, assim, em número muitíssimo elevado.
Concluiu-se, pois, apesar de todo o intenso debate contraditório encetado pelas partes sobre a quantificação do dano, quer em primeira instância quer na presente instância, que estávamos perante a quase impossibilidade ou uma excessiva dificuldade na quantificação exata do dano.
Recorde-se, neste âmbito, que para além dos articulados e alegações, em termos de contraditório sobre o quantum do dano, foram produzidos nos autos, os seguintes estudos técnicos que incidiram sobre o dano e/ou respetiva quantidade:
i) Relatório xxxx, junto com a petição inicial aperfeiçoada;
ii) Errata ao Relatório xxxx, junta em 01-09-2020 (ref.ª 45311);
iii) Relatório de Refutação, da autoria principal do Professor xxxx, junto em 29-06-2020 (ref.ª 44042, doc. 3);
iv) Estudo Oxera 2019, junto em 29-06-2020 (ref.ª 44042, doc. 6)
v) Relatório de Análise, da autoria principal do Professor xxxx, junto em 13-04-2021 (ref.ª 50115);
vi) Duas respostas do Professor xxxx, juntas em 01-07-2021 (ref.ª 51912);
vii) Resposta do Professor xxxx, junta em 27-08-2021 (ref.ª 52837);
viii) Parecer técnico solicitado pelo tribunal a quo, junto em 26-09-2022 e complementado em 28-10-2022 (juntos por correio eletrónico).
A estes meios de prova escritos, acrescem os depoimentos em audiência, em especial os depoimentos dos Senhores Professores xxxx (mais de 1h30) e xxxx (quase 3h).
Acrescem ainda, o Guia Prático bastante discutido nestes autos, desde logo em sede dos relatórios da autoria dos dois mencionados professores e respetivos depoimentos, o estudo Oxera 2009 encomendado pela Comissão e o estudo Oxera 2019 encomendado pelos OEM. O estudo Oxera 2009,[28] como se sabe, é citado no Guia Prático, está bastante presente no estudo Oxera 2019 (junto com a contestação) e é repetidamente citado nas alegações do presente recurso (nomeadamente, nos artigos 197 e ss., 618 e ss., 1240 e ss., da motivação, artigos 114 e ss., 270 e ss., das conclusões do recurso).
Conforme assim se demonstra, não foi por falta de discussão contraditória das partes que se chegou a este impasse probatório no que ao quantum do dano diz respeito.
Neste contexto, não se tendo apurado o montante exato do sobrecusto apesar do esforço das partes, julga-se que há que recorrer à estimativa judicial para a determinação do quantum do dano (que, neste caso, coincide com o sobrecusto). Ou seja, devemos recorrer ao poder conferido aos tribunais pelo artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva e artigo 9.º, n.º 2 da Lei 23/2018.
A possibilidade de recurso à estimativa judicial não é afastada pelo facto de a Autora não ter recorrido ao mecanismo de apresentação de provas previsto no artigo 5.º da Diretiva e artigo 9.º da Lei de transposição, de forma a ultrapassar dificuldades inerentes a uma assimetria de informações entre si e a Ré.[29] Como deixamos supra sublinhado, mesmo que a ora Autora tivesse recorrido à previsão do artigo 5.º da Diretiva (artigo 12.º da Lei n.º 23/2018) e solicitasse o acesso aos dados titulados pela Ré, ao que tudo indica, não teria obtido dados suficientes para apurar, de forma exata, o valor do sobrecusto em causa. Resulta do supra citado Ac. TJUE C-312/21 (Tráficos Ferrer), que embora a assimetria de informação esteja na origem da adoção do artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva, não intervêm na aplicação deste (parágrafo 54), sendo antes pressuposto da sua aplicação ser praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar o dano de forma exata. Ou seja, se bem que o tribunal não deva colmatar falhas das partes, maxime do Autor (parágrafo 57 do acórdão), não é requisito essencial da aplicação da estimativa judicial, ter-se recorrido anteriormente àquele mecanismo.
Nesta conformidade e tendo sido pedida a revogação da sentença pela Recorrente, haverá efetivamente que revogar a sentença recorrida e exercer os poderes de substituição inerentes a este tribunal da relação, recorrendo-se à estimativa judicial para a quantificação do dano.
De notar, que a igual impasse quanto ao quantum do dano, chegaram outros tribunais europeus no âmbito do mesmo cartel dos camiões. Neste âmbito destacamos uma decisão proferida no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (doravante, Reino Unido) e decisões proferidas no Reino de Espanha, por exemplo o Acórdão do Tribunal Supremo de 14-06-2023, STS 2479/2023 - ECLI:ES:TS:2023:2480[30] (doravante, Ac. STS 2479/2023).
A este respeito, pode ler-se no Ac. STS 2479/2023:
“Así, la extensa duración del cártel, que se inició en el año 1997 y se prolongó durante al menos 14 años, dificulta seriamente realizar un análisis diacrónico. El ámbito geográfico del cártel, que afectó a todo el EEE, y la singularidad de los productos afectados, hacen en la práctica muy difícil realizar un análisis sincrónico de comparación con otros mercados geográficos (pues las circunstancias concurrentes en otros ámbitos geográficos son muy diferentes) o con otros productos, que no son aptos para realizar la comparación. Y esas mismas características del cártel también dificultan mucho aplicar con éxito otros métodos de cuantificación de daños, como los basados en costes y análisis financieros.
En este contexto, las propias características de este cártel contribuyen a considerar que, en este caso, la falta de idoneidad del informe presentado por el demandante para cuantificar el sobreprecio no supone una inactividad que impida la estimación judicial. Se trata de un cártel de 14 años de duración, que abarcaba todo el EEE y en el que los participantes en el cártel eran los mayores fabricantes europeos con una cuota de mercado de aproximadamente el 90%; con documentos redactados en varios idiomas distintos del propio del demandante; con una solicitud de clemencia y una transacción que obstaculizan aún más la obtención de los documentos relevantes (art. 283.bis.i. 6 LEC)” (p. 17).
Resulta, portanto, no seguimento destas passagens, que perante as características concretas da infração, que é a mesma destes autos, na vizinha Espanha, em aplicação de Direito da União que nos é comum, concluiu-se que, apesar dos esforços das partes, era praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular o dano de forma exata, devendo-se recorrer à estimativa judicial.
De notar que na vizinha Espanha, ao que tudo indica, pendem milhares de processos de private enforcement ligados com o mesmo cartel e já foram decididos inúmeros casos, inclusive, pelo respetivo Tribunal Supremo.[31]
As decisões do Tribunal Supremo em Espanha, que já envolviam 15 casos no passado mês de junho, confirmaram indemnizações fixadas, com recurso a estimativas judiciais, em 5% do preço de venda de camiões efetivamente pago pelos demandantes (a título de sobrecusto), em casos onde inexiste prova suficiente a sustentar um sobrecusto menor ou maior àquele valor. [32] 
O estudo Oxera 2019 junto a estes autos com a contestação, já revelava conhecimento sobre diversos processos na Europa, quando mencionou que “em alguns processos que correm termos nos tribunais nacionais, os demandantes basearam os custos adicionais alegados nos níveis típicos ou médios dos custos adicionais identificados nos estudos empíricos sobre cartéis anteriores. O estudo da Oxera de 2009 continha uma visão global desses estudos anteriores e sabemos que alguns demandantes se referiram a esse nosso estudo de 2009” (ponto 1.7 do estudo).
Obviamente que tais meta-estudos (estudos incidentes sobre outros estudos) sobre os efeitos de cartéis, nos quais se inclui o estudo Oxera 2009, jamais poderiam servir para fixar uma quantia precisa do dano verificado num caso concreto, leia-se, em sede de facto (neste sentido, Oxera 2019, ponto 1.8). Contudo, em sede de estimativa judicial, ou seja, em sede de direito, tais estudos foram considerados como elementos úteis e válidos pelos respetivos tribunais espanhóis, inclusive pelo Tribunal Supremo, para determinarem o quantum do dano.
A este respeito, a decisão de segunda instância proferida em 20-12-2019, pela Audiencia Provincial de Valencia (SAP V 5941/2019 - ECLI:ES:APV:2019:5941),[33] subjacente ao citado Ac. STS 2479/2023, refere “La sentencia apelada, ante la falta de prueba pericial apta para cuantificar el daño, estima en el 5% del precio de adquisición de los camiones, el daño sufrido por la demandante y asume los argumentos que resultan de la Sentencia del Juzgado Mercantil 3 de Valencia de 27 de febrero de 2019, que se sustenta en el informe Oxera, y en la que, con elección de la estimación más conservadora del muestreo estadístico, estima razonable un porcentaje de sobreprecio del 5% como media de compromiso entre los umbrales mínimos y máximos que intervienen como común denominador del 93% de los cárteles que aplican sobreprecios” (p. 19-20, com sublinhados nossos).
Tal acórdão de segunda instância acabaria também ele por fixar a indemnização em 5% do preço de venda de cada camião efetivamente pago pela respetiva demandante, tendo sido este acórdão confirmado pelo Ac. TS 14-06-2023. No entanto, o acórdão de segunda instância, ou seja, da Audiencia Provincial de Valencia, não deixa de sublinhar a necessidade de acorrer, para além de dados estatísticos, a outras circunstâncias como os elementos presentes na Decisão da Comissão, tal como a natureza do cartel, a critérios jurisprudenciais e à prova produzida nos autos.
Por sua vez, pode ler-se no Ac. STS 2479/2023 “… 5% del precio del camión, que es el porcentaje que el tribunal de segunda instancia considera como importe mínimo del daño, atendidas las referidas circunstancias del cártel y los datos estadísticos sobre los porcentajes de sobreprecio que suelen causar los cárteles, en aplicación de las facultades estimativas que el ordenamiento jurídico le atribuía antes incluso de la trasposición de la Directiva, como consecuencia directa del principio de indemnidad derivado de los arts. 1902 CC y 101 TFUE.” (p. 19).
Dada a importância que tem assumido aqui o estudo da Oxera 2009, será de recordar as principais conclusões do Oxera 2009 aqui relevantes (inclusive citadas no Guia Prático e no Oxera 2019) e que são representadas na seguinte representação visual (p. 91 do estudo Oxera 2009, p. 51 do Guia Prático):

Mais se acrescenta no Guia Prático “[d]e acordo com o referido estudo, verifica-se, portanto, um diferencial significativo a nível dos preços adicionais registados (mais de 50% no caso de alguns cartéis). Cerca de 70% dos cartéis examinados neste estudo resultaram num preço adicional compreendido entre 10% e 40%, situando-se a média em torno dos 20%” (Guia Prático, loc. cit.).
De acordo com o citado gráfico temos, portanto, enormes oscilações entre os sobrecustos verificados nos cartéis estudados (amostra de 114 casos). Os tribunais na vizinha Espanha, através de médias entre os limites mínimos e máximos dos sobrecustos, chegam a um limite mínimo de 5%. Tal montante equivale ao ponto médio entre 0% e 10%, dos efeitos dos cartéis com sobrecustos mais conservadores.
Por sua vez, curiosamente o Ac. STS 2479/2023 não deixou de fazer, a respeito do valor mínimo de 5%, a seguinte observação “No deja de ser significativo que incluso en el caso Royal Mail/British Telecom, enjuiciado por el Competition Appeal Tribunal británico [CAT, Case nº : 1290/5/7/18 (T)], en el que sí hubo un amplio acceso a los documentos de la demandada y a la información reservada del expediente de la Comisión y se aportaron detallados informes periciales elaborados por prestigiosos peritos, no ha sido posible la cuantificación exacta del daño con base en esas pruebas documentales y periciales y el tribunal ha debido recurrir a la estimación del daño, que ha fijado en un 5% del precio de los camiones” (p. 19).
Efetivamente, o Acórdão proferido pelo Tribunal de Concorrência Britânico (doravante, CAT),[34] chegou ao mesmo valor de 5%, mas por uma via diferente do que na vizinha Espanha.[35]
Cremos que é de algum interesse analisar o acórdão emitido nas terras de Sua Majestade.
Efetivamente, apesar das diferenças entre o sistema de Common Law e os sistemas, como o nosso, de Civil Law, o certo é que em matérias de Concorrência existem ainda muitas semelhanças entre o nosso sistema e o britânico.
É de reparar, neste âmbito, que mesmo após o conhecido Brexit, as decisões sancionatórias da Comissão anteriores a 20 de dezembro de 2020 (o chamado “IP completion day”) vinculam as autoridades do Reino Unido,[36] sendo certo que os direitos subjacentes a ações de follow-up, no âmbito do private enforcement, foram mantidos.[37]
Obviamente que nem os acórdãos proferidos por Tribunais do Reino de Espanha nem o citado acórdão proferido por tribunal do Reino Unido, possuem força jurídica para além-fronteiras. Assumem aqui, portanto, um valor sempre relativo. Servirão, além do mais, para revelar que perante o mesmo cartel dos camiões, no quadro do mesmo Direito da União, têm sido avançadas, no seio dos sistemas nacionais em referência, argumentações diversas, mas com resultados coincidentes.
Com estas reservas, vejamos, pois, mais de perto o acórdão britânico em referência.
No extenso acórdão com 301 páginas (processo acessível ao público por via do link supra), é desde logo notório o esforço probatório feito pelas partes, nomeadamente com vista à quantificação do sobrecusto ou “overcharge”.
Efetivamente, foram apresentados 48 relatórios periciais com milhares de páginas, visando, entre outros, a quantificação exata do sobrecusto derivado do cartel dos camiões. Os relatórios principais eram naturalmente do domínio da economia (p. 100). Grande parte do acórdão é dedicado a analisar os relatórios principais, de forma muito detalhada, quer no que concerne à existência do dano, quer, no que nos interessa aqui, no seu quantum (capítulo denominado “Overcharge” ou Sobrecusto).
Denota-se que foram essencialmente utilizados, pelos respetivos demandantes (Royal Mail Group Limited e British Telecommunications PLC), vários modelos de regressão para avaliar o sobrecusto, chegando a diferentes resultados, em concreto, um sobrecusto entre 11,3% e 11,6% usando o modelo B-D (antes e durante o período cartel) e modelo D-A (durante e pós-cartel), onde se estimou um sobrecusto entre 6,7% e 14,7% (p. 147-148).
Da parte das demandadas (entre outros a DAF/ PACCAR Inc.), foram usados modelos durante e pós-cartel (D-A) e também antes-durante-pós(cartel), nas iniciais inglesas B-D-A (before, during, after). De acordo com estes estudos as conclusões apontavam, à semelhança dos estudos aqui apresentados pelo Professor xxxx, para a inexistência de sobrecusto, ou seja, 0% (p. 150).
Para além de problemas relativos aos dados usados, foram apontados pelo tribunal Britânico 3 problemas adicionais para a quantificação em causa, uma delas específica do Reino Unido (taxas de câmbio entre Libra e Euro), uma de ordem geral, a crise económica mundial de 2008-2010 (denominado de GFC), e uma terceira relativa às especificidades do cartel em causa, os aumentos de preços (emissions premia) ligados a novas tecnologias relativas a emissões (p. 147 a 152).
Após uma análise minuciosa destes aspetos (e outros conexos), e “apesar da enorme quantidade de trabalho investido no processo pericial deste caso”,[38] o tribunal do Reino Unido concluiu que não era possível traduzir o sobrecusto numa quantidade exata, adiantando, aliás, a sua convicção que nenhum modelo de análise de regressão seria adequado para tal efeito.[39]
Mais concluiu, aplicando o princípio do direito britânico denominado de “Broad Axe Approach”[40] que, no nosso sistema pode ser comparado à figura da equidade prevista no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil ou à estimativa judicial agora prevista no artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva, fixando a indemnização nos já referidos 5% do preço de aquisição efetivamente pago para cada camião (p. 187-189). Tal valor corresponde a aproximadamente metade do que era pedido por cada demandante.
Curiosamente, o juízo final baseou-se, pelo menos em parte, nos relatórios periciais apresentados pelas partes em oposição, pois, apesar das perícias não convencerem na quantificação exata do sobrecusto, revelaram-se úteis e ajudaram na compreensão das razões por detrás dos diferentes resultados (veja-se, p. 186, parágrafo 476 e p. 187, parágrafo 479).
Conforme se infere do exposto, são diversas as abordagens do tribunal britânico e dos tribunais espanhóis.
Em Espanha a estimativa judicial baseia-se, em importante medida, em estatísticas retiradas de meta-estudos sobre cartéis, conjugadas com circunstâncias factuais retiradas da Decisão da Comissão, critérios jurisprudenciais e provas produzidas em cada caso. As decisões do Reino de Espanha não deixam também de realçar e expressar prudência quando o tribunal se substitui às partes no exercício da estimativa judicial.
No Reino Unido a solução apresenta-se como de cariz casuística, como é apanágio dos sistemas de Common Law. Não se recorreu a dados estatísticos alheios ao processo. A solução encontrada, mais do que conservadora, apresenta-se como equitativa perante o trabalho e esforços de ambas partes, em particular dos respetivos peritos, para o esclarecimento das dificuldades do processo.
Outras soluções legais existem para casos como o presente, onde o apuramento exato do dano se apresenta como praticamente impossível ou excessivamente difícil.
Por exemplo, como nos dá conta o estudo Oxera 2009, na Hungria estabelecia-se uma presunção ilidível de um sobrecusto de 10% em casos que envolviam violações ao artigo 101.º TFUE (Oxera 2009, p. 94).
O valor de 10% aplicável por defeito na Hungria, é porventura compreensível se olharmos aos dados científicos presentes no aludido estudo Oxera 2009, citado no Guia Prático. Efetivamente, conduzindo-nos pelo gráfico supra ilustrado, se excluirmos os 7% de cartéis estudados que não implicaram um sobrecusto, e os cerca de 16% que implicaram um sobrecusto até 10%, restam aproximadamente 77% que implicaram um sobrecusto de pelo menos 10%. De acordo com tal estudo, portanto, em termos de probabilidades, um cartel tem uma elevada probabilidade de implicar um sobrecusto de pelo menos 10%.
Tendo em conta tal elevada probabilidade poderíamos ser aqui tentados a seguir tal via, estabelecendo no nosso caso, por via de estimativa judicial, o valor do dano em 10%. Se olharmos, aliás, às características do cartel em causa e respetiva gravidade, do qual se salienta a sua longa duração, enorme extensão territorial, elevada quota de mercado e intensas trocas de informações sensíveis e coordenação para aumentos de preços, tal valor não se afigura, pelo menos prima facie, exagerado.
Dentro do nosso sistema, contudo, cremos que a solução final também deverá fixar o montante do sobrecusto em 5% do preço de aquisição de cada camião, efetivamente pago pela Recorrida.
Para além de circunstâncias da infração já aludidas, no nosso caso temos a aquisição pela Recorrida de 10 camiões, tendo o preço de venda mais baixo sido igual a 67.337,72 € e o mais elevado 86.203,00 €, confirmando as diferenças de preços entre camiões. Os preços de venda reportam-se a um período desde 25-09-2001 a Julho 2008. Tal período totaliza aproximadamente metade do tempo total da infração. A data da última fixação de peço de venda calha (julho 2008) já no período da crise financeira mundial.
Em sede de prova, como vimos na resposta à impugnação de factos atinentes ao quantum do dano, o Relatório xxxx revelou-se opaco no tratamento efetivamente conferido aos dados, apresentando quase exclusivamente meras médias finais de preços, relativas a longos períodos de tempo com elevadas observações.
O trabalho da equipa do Professor xxxx foi mais transparente, permitindo-nos, aliás, colocar em causa as conclusões do próprio Relatório de Análise inclusive com informação constante do mesmo, informação esta relativa a condicionantes internas da Recorrente verificadas nos anos de 2012-2014 e exteriores, portanto, aos próprios dados.
O tratamento de dados realizado por esta equipa também permitiu observar algumas das expectáveis implicações da crise financeira mundial de 2008-2010, tal como a queda abrupta de vendas de camiões e o declínio de margens brutas médias da Recorrente. Mas também este trabalho se revelou em alguns aspetos opaco, por exemplo na ausência de qualquer análise das possíveis relações entre preços brutos e líquidos, quando confessadamente tinham dados para o efeito.
Neste contexto, onde cada parte se defrontou com dificuldades próprias, o referido valor de 5% apresenta-se como prudente e razoável.
É certo que a quantia assim fixada poderá não responder ao objetivo da reparação integral do dano. Contudo, não nos parece que seja irrelevante prevenir uma indemnização excessiva e o enriquecimento sem causa inerente. Aliás, o artigo 3.º, n.º 2 e 3 da Diretiva, que reflete jurisprudência anteriormente emitida pelo TJUE, salienta os dois interesses. De qualquer forma, na realidade desconhece-se qual o efetivo quantum do dano.
Por último, justifica-se que seja adotada esta posição conservadora, porquanto, em última análise, o ónus de prova da prova da quantificação do dano pertencia à Autora, ora Recorrida.
Nesta conformidade, como afirmamos supra, haverá que revogar a sentença recorrida e exercer os poderes de substituição inerentes a este tribunal, fixando-se o dano em 5% do preço de venda de cada camião adquirido pela Recorrida.
Por uma questão de precedência lógica, faremos o cálculo dos valores efetivamente fixados a título de indemnização, após a resposta às demais questões.

11) Os juros de mora deveriam ser calculados a partir da citação, ao abrigo do artigo 805.º do Código Civil, e não partir da data da ocorrência dos danos (ao abrigo da Diretiva 2014/104 e respetiva lei de transposição) (Cf. artigos 352-353 das Conclusões). A atualização feita para valores de 2019, de acordo com o deflator do PIB (artigo 201 das Conclusões), também é incorreta.
Nesta sede, a sentença recorrida concluiu no seguinte sentido (p. 181): “… consideramos aplicável a al. b) do n.º 2 do artigo 805.º do CC, com os juros a serem calculados desde a data dos factos geradores dos danos. Entender de outro modo seria colocar em causa o princípio da efectividade e da interpretação conforme”.
Por seu turno, a Recorrente entende que “[a]fastadas que estão a Diretiva e a LPE no que (também) a esta matéria (substantiva) diz respeito, resta recorrer às disposições gerais sobre juros moratórios previstas no Código Civil, em particular o disposto no artigo 805.º do CC, nos termos do qual, tratando-se de crédito com origem em responsabilidade por facto ilícito, como é o caso ora em apreço, “o devedor constitui-se em mora desde a citação”.
Vejamos qual das posições se deve adotar.
A argumentação da sentença recorrida pode ser sintetizada da seguinte forma:
a) O acervo comunitário, inclusive resultante da jurisprudência do TJUE, sustenta que o pagamento de juros é uma componente essencial da reparação para compensar os danos sofridos, tendo em conta o decorrer do tempo, e deverá ser devido desde o momento em que ocorreu o dano até ao momento do pagamento da reparação, sem prejuízo da sua qualificação como juros compensatórios ou juros de mora no âmbito do direito nacional;
b) Esta posição, que resultava já do acervo comunitário, encontra-se agora positivada no artigo 3.º, da Diretiva, lido à luz do respetivo considerando 12;
c) Ao nível do direito interno, são aqui aplicáveis os artigos 483.º, 566.º, n.º 2, 805.º e 806.º, do Código Civil, segundo os quais, prima facie, os juros seriam computados a partir da citação, porquanto se trata de responsabilidade civil extracontratual e de um crédito ilíquido (v. artigos 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1, do Código Civil);
d) Contudo, tais normativos devem ser interpretados à luz do dito acervo comunitário, desde logo porque se os juros aplicados se reportarem apenas à data da citação da Ré, o princípio da efetividade sairia beliscado, pois não tem em conta a remuneração da oportunidade perdida para a parte lesada de dispor do capital, apurado desde a data em que ocorreu o dano, até ao momento do pagamento da reparação, não sendo o lesado compensado pela perda da oportunidade do capital à disposição.
e) Nesta senda, considera-se que os infratores das normas dos artigos 101.º e 102.º do TFUE entram em mora no pagamento dos juros, a partir do facto danoso, pois a falta de liquidez acaba por provir de culpa dos próprios, na medida em que, sabendo da infração e estando mais próximos do mercado que os lesados, têm a obrigação de saber o valor do sobrecusto dos produtos afetados pela infração.
f) Nestes termos, em harmonia com o princípio da interpretação conforme, a situação subsume-se antes à previsão do artigo 805.º, n.º 2, al. b) e n.º 3, primeira parte, do Código Civil, porquanto a iliquidez do crédito é imputável aos infratores.
A argumentação ora exposta encontra efetivo sustento no Direito da UE.
O Ac. TJUE de 2 de agosto de 1993, caso C-271/91 (M. H. Marshall, ECLI:EU:C:1993:335), esclareceu que perante uma violação do Direito da UE (em tal caso do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres), uma indemnização, devendo proceder à reparação integral do prejuízo, não poderia ignorar, em sede de juros, elementos “como o decurso do tempo, que são suscetíveis de reduzir, de facto, o seu montante” (parágrafo 35).
Os efeitos nefastos do tempo, consistem, mais concretamente, numa desvalorização monetária (cf. Ac. TJUE de 3 de Fevereiro de 1994, C-308/87 Grifoni II, ECLI:EU:C:1994:38, parágrafo 40) e na oportunidade perdida para a parte lesada de dispor desse capital (Parecer do Advogado-Geral Saggio nos processos apensos C-104/89 e C-37/90, Mulder e outros/Conselho e Comissão, Coletânea 2000, p. I-203, parágrafo 105, citado no Guia Prático, p. 13, nota 20).
Tal posição no sentido de que os juros deveriam contar-se, portanto, a partir da data da ocorrência do dano, foi ulteriormente reiterada, no âmbito do Direito da Concorrência, no Acórdão de 13 de julho de 2006, nos casos conexos C‑295/04 a C‑298/04 (Manfredi e o., EU:C:2006:461, parágrafos 95 e 97).
Neste último acórdão do TJUE, parágrafo 97, afirmou-se que “[q]uanto ao pagamento de juros, o Tribunal de Justiça lembrou no n.º 31 do acórdão de 2 de Agosto de 1993, Marshall (C-271/91, Colect., p. I-4367), que a sua atribuição, nos termos das normas nacionais aplicáveis, deve ser considerada uma componente indispensável da indemnização”.
Neste contexto, não surpreende que o considerando 12 da Diretiva ao mencionar o direito à reparação, refira que a Diretiva “reafirma o acervo comunitário”. Mais recorda aquele considerando que o “pagamento de juros é uma componente essencial da reparação para compensar os danos sofridos, tendo em conta o decorrer do tempo, e deverá ser devido desde o momento em que ocorreu o dano até ao momento do pagamento da reparação, sem prejuízo da sua qualificação como juros compensatórios ou juros de mora no âmbito do direito nacional e da questão de saber se o decorrer do tempo é tido em conta como uma categoria separada (juros) ou como uma parte constitutiva dos danos emergentes ou dos lucros cessantes. Cabe aos Estados-Membros estabelecer as regras a aplicar para o efeito”.
Ou seja, independentemente do nomen iuris que se dê aos juros e da sua qualificação como compensatórios ou moratórios (ou como um dano emergente ou lucro cessante), o que é certo é que apenas sendo devidos desde a data do facto ilícito (quando o dano coincide com este no tempo), é que se obtém a reparação efetiva do lesado e, assim, a concordância entre o direito nacional e o Direito da União.
Concluímos, pois, que quanto à data a partir do qual se devem contar os juros de mora, em concreto, a data da ocorrência do dano, o tribunal a quo fez uma correta interpretação dos normativos nacionais, lidos à luz do Direito da UE.
Contudo, já não podemos concordar com a acumulação que se realizou na sentença recorrida, entre os juros de mora e a atualização que operou, não com base na taxa de inflação como seria expectável, mas de acordo com o deflator do PIB, atualização esta em relação ao qual a Recorrente se insurgiu (artigos 1007 e ss. da motivação e artigo 201 das Conclusões).
Recorde-se, neste âmbito, que mesmo o considerando 12 da Diretiva supra citado, ressalva que “[c]abe aos Estados-Membros estabelecer as regras a aplicar para o efeito”, leia-se, para o efeito de compensar a desvalorização monetária e a perda de oportunidade para a parte lesada de dispor do capital.
Ora, como se sabe, em sede de direito nacional, é entendimento jurisprudencial dominante que os juros de mora têm tanto a função específica de indemnizar os danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação como de contrabalançar a desvalorização monetária (AUJ STJ 4/2002, in D.R. I-A de 27.06.2002, p. 5064. Este acórdão é citado na sentença recorrida a p. 179).
Se assim é a aplicação da taxa de juros legal desde o momento do dano, de uma perspetiva nacional, compensará as duas vertentes que cumpre acautelar à luz do Direito da União, pelo que não deverá ser cumulada com a atualização feita na sentença recorrida.
Neste ponto, caso haja alguma desatualização da taxa de juros, presentemente de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 08.04), face a recentes aumentos da inflação, cremos que terá de ser o Legislador português a fazer as necessárias alterações. Recorde-se que entre 1999 e 2003 a taxa de juros situava-se nos 7% (Portaria n.º 263/99, de 12.04) e entre 1995-1999 nos 10% (Portaria n.º 1171/95, de 25.09).
Improcedem, pois, as objeções da Recorrente quanto ao momento a partir do qual se contam os juros, mas alterar-se-á o decidido quanto à atualização cumulada com tais juros.
A final, após resposta às restantes questões, o tribunal fixará os juros concretamente devidos.

12) Os juros vencidos em momento anterior aos cinco anos que antecederam a citação da Recorrente mostram-se prescritos ao abrigo do artigo 310.º, alínea d) do CC (Cf. artigos 354-355 das Conclusões)
A Recorrente neste ponto defende que todos os juros vencidos em momento anterior aos cinco anos que antecederam a citação da Recorrente, ou seja, anteriores a julho de 2014, devem considerar-se prescritos ao abrigo do disposto no artigo 310.º, alínea d) do Código Civil.
Por sua vez a sentença recorrida sustenta que a tal artigo não poderá ter aplicação no vertente caso, sob o prisma do princípio da efetividade, da interpretação conforme e à luz da finalidade prosseguida pelo direito comunitário. Nas palavras da sentença recorrida (p. 182-183) “A aplicação desse artigo implicaria, salvo melhor opinião, um inadmissível golpe fatal no princípio que decorre do direito comunitário de que os lesados, por força de uma violação às normas do artigo 101.º e 102.º do TFUE, têm direito a ser ressarcidos a título de juros, juros esses que devem ser contabilizados desde a data da ocorrência dos respectivos danos e juros esses que têm em conta não apenas a desvalorização monetária, como também a compensação da oportunidade perdida para a parte lesada de dispor do capital”.
Cremos que resulta já da resposta à questão anterior que assiste razão ao tribunal a quo, pois caso se aplicasse aqui a norma invocada pela Recorrente frustrar-se-ia os objetivos do Direito da União.
É certo que no parecer jurídico junto aos autos pela Recorrente nesta fase de recurso de apelação, da autoria dos Senhores Doutores Paulo Mota Pinto e Sandra Passinhas, conclui-se que a previsão do artigo 310.º, al. d), co Código Civil, não é contrária ao direito europeu. Mais acrescentam estes autores que “Tal prazo de prescrição de cinco anos vale para a generalidade das prestações periódicas, serve o propósito de evitar a acumulação de um valor significativo de prestações pelo atraso na sua cobrança e pagamento, e o “esmagamento” final do devedor no momento da sua exigência, em casos em que o credor incorre em inércia negligente, e, em qualquer caso, não pode considerar-se inaplicável por supostamente ser contrária aos princípios da efetividade e equivalência” (p. 113).
A este propósito a sentença recorrida já tinha deixado consignado, de forma assaz pertinente, que “se é certo que a ratio da al. d) do artigo 310.º do CC é evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor – vide Manuel de Andrade, in Teoria Geral, II, 1996, pág. 452), prosseguir essa ratio nesta sede não faz qualquer sentido, pois falamos de condutas cartelizadas, normalmente com carácter secreto, em que o retardamento na propositura da acção absorve aquele carácter secreto da conduta ilícita e não é imputável aos credores, mas sim aos devedores” (p. 183).
Cremos que o presente demonstra de forma impressiva o acerto do raciocínio do tribunal a quo. A infração aqui em causa, consistiu, conforme temos vindo a analisar, na constituição de uma complexa rede de relações entre empresas de grande envergadura, envolvendo regulares e intensas trocas de informações sensíveis e acordos colusórios relativos à subida de preços dos seus produtos, cartel esse que se estendeu pela maior parte da Europa e que perdurou na penumbra do segredo por uns longos 14 anos.
É, pois, patente que o principal motivo para o acumular do valor dos juros no tempo, não deriva de qualquer inércia negligente do credor, mas da própria natureza das infrações ao Direito da Concorrência da União, invariavelmente secretas, factos estes obviamente imputáveis aos devedores (infratores).
Assim sendo, apesar da previsão do artigo 310.º do Código Civil, ter longa “tradição” entre nós, como salienta o referido parecer, o que é certo é, perante o primado do Direito da União, a sua aplicabilidade deve mostrar-se prejudicada, pelos fundamentos apontados na sentença recorrida.

13) A sentença recorrida procede a uma interpretação normativa dos artigos 3.º, n.º 1 e 9.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho, inconstitucional, por violação dos princípios constitucionalmente consagrados do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), da proporcionalidade (artigo 18.º da CRP) e do princípio da igualdade (artigo 13.º), também na vertente da igualdade de armas (artigo 20.º da CRP) (Cf. artigos 356 a 368 das Conclusões).
Não se vislumbra que a sentença recorrida (ou o presente acórdão) tenha aplicado diretamente os específicos normativos invocados pela Recorrente e muito menos que os tenha aplicado numa interpretação que deva ser considerada inconstitucional.
Mas independentemente da aplicação ou não dos normativos invocados pela Recorrente (artigos 3.º, n.º 1 e 9.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2018), o certo é que não vemos como se violou o princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, através de presunções judiciais aplicadas em sede de prova do dano e nexo causal.
No âmbito dos factos provados 30 e 31, relativos ao dano e nexo causal, não foi realizada qualquer “presunção de danos em abstrato” (artigo 1628 das alegações de recurso), atentou-se, sim, quer em primeira instância, quer nesta segunda, nas características concretas e específicas da infração em causa. Nem tal presunção judicial foi concebida como inilidível, conforme alega a Recorrente. Simplesmente, perante as características concretas e específicas do cartel em questão, no contexto das probabilidades sérias da efetiva afetação do mercado, recordando-se que, segundo estudos de reconhecida idoneidade, somente 7% dos cartéis não acarretavam subidas de preços, a prova da hipótese contrária apresentava-se como sendo complexa e difícil. Não se deixou, no entanto, de analisar em detalhe, a contraprova produzida neste âmbito (em especial o estudo Oxera 2019 e os relatórios técnicos da autoria principal do Senhor Professor Doutor xxxx), revelando-se, deste modo, de forma manifesta, que não estávamos, nem nunca poderíamos estar, perante uma presunção inilidível.
Também é manifesto que, em substância, não foram violados os princípios da proporcionalidade, da igualdade, inclusive, na vertente de igualdade de armas, pois respeitou-se, de forma rigorosa as regras de direito probatório material, inclusive, as regras relativas ao ónus da prova.
Em sede probatória é desde logo de sublinhar, que os relatórios técnicos apresentados pelas partes e depoimentos dos respetivos autores, foram analisados com igual rigor. Aliás, nesta sede de recurso, chegou-se à conclusão que quer a conclusão sobre um sobrecusto de 15,4% sustentada pelo Senhor Professor Doutor xxxx, quer a inexistência de sobrecusto sustentada pelo Senhor Doutor xxxx, não poderiam ser aceites por este tribunal.
Quanto ao princípio da proporcionalidade na sua vertente de proibição de excesso (princípio da necessidade) e o alegado “princípio da razoabilidade” (artigo 1642 e ss., das alegações de recurso), também não se vislumbra como podem ter sido violados nestes autos e muito menos em sede deste recurso de apelação. Neste âmbito, perante a quase impossibilidade ou excessiva dificuldade na quantificação precisa do dano, optou-se por realizar-se a estimativa judicial prevista no artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva e artigo 9.º, n.º 2 da Lei 23/2018, de forma a que o quantum correspondesse a um montante razoável e prudente, situando-se muito aquém dos 15,4% pedidos pela Autora.

14) Do cálculo da indemnização fixada por este tribunal e dos respetivos juros
No vertente caso, mostra-se provado, nesta segunda instância, que a Autora teve de pagar, quer mediante contratos de compra e venda dos camiões, quer mediante os contratos de locação financeira que também tiveram por objeto camiões, valores superiores aos que lhe seriam exigíveis, caso não tivesse ocorrido a infração, conforme factos provados n.º 30 e 31 (e, conexamente, factos provados 32, 33, 42, 43, 52, 63, 64, 74, 75, 85, 86, 96, 97, 98, 100, 109, 110, 119, 120, 121 e 122).
Não resultou apurado o valor concreto do sobrecusto pago pela Autora, sendo certo que o presente tribunal, ao abrigo do artigo 9.º, n.º 2, da Lei 23/2018 (que transpôs o artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva), estimou o dano em 5% do preço de venda de cada camião efetivamente adquirido pela Recorrida.
Assim sendo, em consequência da inevitável revogação da sentença recorrida, há que reformular os cálculos da indemnização devida.
Conforme resulta da precedente fundamentação, os juros de mora serão devidos a partir da verificação do dano, tal como se determinou na sentença recorrida. Contudo, o presente tribunal, diferentemente do tribunal a quo, não irá proceder à acumulação de atualização do capital com os juros devidos, devendo o pedido da Autora improceder nesta parte.
Em concordância com a sentença recorrida (p. 181-182) que nesta parte afigura-se correta, o dies a quo dos danos coincide com os seguintes dias:
- o dia da aquisição dos veículos (ou do registo da propriedade, caso apenas conste dos autos essa data), nos casos em que a Autora celebrou contratos de compra e venda – englobam-se nesta situação as viaturas com matrículas ...-..2-TX e ...-..1-TX, correspondentes ao dia 06.09.2002.
- no caso em que a Autora celebrou contratos de locação financeira, consideramos que deve ser tido em conta o momento em que a Autora pagou o valor residual a fim de lograr adquirir a propriedade dos camiões. Porém, quando não consta dos factos provados o momento em que tal sucedeu, deverá ter-se em conta as datas em que a propriedade dos camiões foi registada a favor da Autora. Quando exista aquela data, mas é a própria Autora que peticiona juros desde esta data do registo da propriedade da viatura a seu favor, será esse o momento que será considerado.
Quando não é pago o valor residual, deve ser considerada a data de pagamento da última renda.
Assim:
- veículo com a matrícula ...-EE-...: dia 25.10.2012;
- veículo com a matrícula ...-DG-..3: dia 15.01.2014;
- veículo com a matrícula ...-DG-..2: dia 13.07.2012;
- veículo de matrícula ...-...-ZO: dia 25.06.2010;
- veículo de matrícula ...-GA-...: dia 18.12.2014;
- veículo com a matrícula ...-...-QM: 15.01.2007;
- veículo de matrícula ...-...-TG: dia 28.02.2005;
- veículo com matrícula ...-...-TH: dia 30.04.2006. Neste caso não foi pago valor residual, o contrato foi celebrado em data não concretamente apurada mas em Abril de 2002, pelo que dever-se-á presumir, em benefício da Ré (o ónus de provar o dia exato competia à Autora, de acordo com o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil), que o foi em 30.04.2002 – último dia do mês de Abril – data à qual se acrescenta 48 meses, por ser essa a duração do contrato).
Os juros contabilizados desde tais datas são devidos até efetivo e integral pagamento.
A taxa (anual) dos juros legais civis é de 7%, até 30.04.2003 – vide Portaria n.º 263/99, de 12 de Abril e de 4%, após aquela data – vide Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Com estes critérios obtemos os seguintes valores

    Veículo
    Data início juros
    Preço venda (s/IVA)
    Sobrecusto 5%
    Indemnização
Juros civis até citação (23-07-2019)
…-..2-TX
    06-09-2002
72 001,48 €
75601,554
3 600,07 €
2 167,43 €
…-..1-TX
    06-09-2002
72 001,48 €
75601,554
3 600,07 €
2 167,43 €
…-…-TG
    28-02-2005
72 325,69 €
75941,9745
3 616,28 €
2 083,77 €
…-…-TH
    30-04-2006
72 325,70 €
75941,985
3 616,29 €
1 914,95 €
…-…-QM
    15-01-2007
67 337,72 €
70704,606
3 366,89 €
1 686,95 €
…-…-ZO
    25-06-2010
76 000,00 €
79800
3 800,00 €
1 380,49 €
…-DG-..2
    13-07-2012
86 203,00 €
90513,15
4 310,15 €
1 212,04 €
…-EE-…
    25-10-2012
86 203,00 €
90513,15
4 310,15 €
1 162,91 €
…-DG-..3
    15-01-2014
86 203,00
90513,15
4 310,15 €
951,78 €
-GA-…
    18-12-2014
80 000,00 €
84000
4 000,00 €
735,56 €
    Total
770 601,07
809131,1235
38 530,05
15463,31€

Em suma, a Recorrente/Ré deverá ser condenada a pagar à Recorrida/Autora, uma indemnização que totaliza 38.530,05 €, a que acrescem juros vencidos até à data da citação que ascendem a 15.463,31 € e juros vincendos até integral pagamento. O total destes dois valores é igual a 53.993,36 €.
*
V. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida e em sua substituição decide-se o seguinte:
A) Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia, a título de capital, de 38.530,05 € (trinta e oito mil quinhentos e trinta euros e cinco cêntimos) e a quantia de 15.463,31 €  (quinze mil quatrocentos e sessenta e três euros e trinta e um cêntimos), a título de juros civis vencidos até à data da citação da Ré (23.07.2019), o que perfaz a quantia global de 53.993,36 € (cinquenta e três mil novecentos e noventa e três euros e trinta e seis cêntimos), à qual acrescem juros civis à taxa legal, atualmente de 4% (quatro porcento), sobre o capital descrito, vencidos desde a data de 24.07.2019 e vincendos até efetivo e integral pagamento.
B) Absolve-se a Ré do mais peticionado nestes autos pela Autora.
Custas por ambas as partes, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em 71% da Autora e 31% da Ré (artigo 527º/1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
*
Lisboa, 06-11-2023
Alexandre Au-Yong Oliveira
Bernardino Tavares
Helena Bolieiro
_______________________________________________________
[1] Na versão inglesa da Diretiva refere-se “empowered”, na versão francesa da Diretiva refere-se “habilitées”, na versão espanhola usa-se a expressão “facultados” e na versão italiana utiliza-se o termo “potere” (Cf. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/en/TXT/?uri=CELEX%3A32014L0104).
[2] Os ditos pareceres foram elaborados para outros processos que não este, em concreto, processos do TCRS n.ºs 12/19.0YQSTR e 71/19.6YQSTR, tomando em conta, inclusive, algumas especificidades daqueles, nomeadamente, a utilização da Decisão Scania, que não são relevantes para o caso ora em apreço. Também de notar que o denominado “Parecer do Professor Paulo Mota Pinto”, contém uma adenda que, no essencial, responde a um outro parecer, elaborado pelo Professor Miguel Sousa Ferro, cujo conteúdo desconhecemos.
[3] Neste sentido, Nuno Alexandre Pires Salpico, Cálculo de Danos e Equidade, Almedina, 2023, p. 110. Diz-nos este autor que o artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva, tem dois efeitos principais: “1) permite a estimativa dos danos, privilegiando um juízo de aproximação ao valor “real” do dano, 2) autoriza o julgador a atenuar a exigência probatória relativamente à extensão do dano”. Se podemos aceitar o primeiro dos efeitos apontados, pelos motivos expostos no nosso texto, cremos ter uma interpretação diversa quanto aos poderes aqui conferidos ao julgador.
[4] Guia Prático de Quantificação dos Danos nas Ações de Indemnização com base nas infrações aos artigos 101.º e 102.º do TFUE, de 2013, pode ser descarregado em todas as línguas oficiais da UE através do seguinte link: “Practical Guide on quantifying antitrust harm in damages actions”. Pode também ser acedido na seguinte página da Comissão: https://competition-policy.ec.europa.eu/antitrust/actions-damages_en.
[5] Na jurisprudência do STJ encontramos posições diferentes sobre a natureza do juízo de equidade. Por exemplo, a posição que fez vencimento no Ac. STJ 17-12-2019, proc. 669/16.4T8BGC.S1, considera que o juízo de equidade situa-se no plano do direito. Já no voto de vencido anexo àquele acórdão e noutros acórdãos do STJ, por exemplo, o Ac. 10-12-2019, proc. 1087/14.4T8CHV.G1.S1, considera-se que o juízo de equidade não integra “em bom rigor, a resolução de uma questão de direito”. Esta segunda posição, admite, contudo, em sede de recurso de revista, o controlo do montante indemnizatório fixado com recurso a equidade, com critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, de modo a salvaguardar os valores de segurança jurídica e o princípio da igualdade, para além da proporcionalidade e razoabilidade.
[6] Acessível na página dedicada ao processo em causa (AT.39824) em https://competition-cases.ec.europa.eu/cases/AT.39824. Este hyperlink é indicado em página para o qual remete a Recorrente em nota 23 da motivação de recurso (p. 16 das Alegações). De notar que o link disponibilizado pela Recorrente é efetivamente o seguinte: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/E-9-2021-001926-ASW_EN.html#def1 (acedido em 20-10-2023), contendo o link indicado pela Recorrente um lapso de escrita.
[7] O Guia Prático de Quantificação dos Danos nas Ações de Indemnização com base nas infrações aos artigos 101.º e 102.º do TFUE, de 2013, supra nota 4.
[8] É já algo usual encontrar citações em inglês em sentenças proferidas por tribunais portugueses. Quanto à língua inglesa, veja-se, por exemplo, o Ac. TC n.º 123/2015 onde, a p. 39, se cita um texto da ONU (disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/home.html) ou o Ac. STJ de 08-03-2022, processo 6/19.6YQSTR-C.L1.S1, p. 18-19.
[9] Documento de consulta pública e carreado para os autos pelas partes, tal como mencionado na sentença recorrida (p. 115), acessível em link indicado pela Ré (artigos 171 a 182 da contestação): https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_14_2002 (seguir o hyperlink “39824”, referido no último parágrafo do texto, com vista a aceder ao Comunicado ou “Press Release”, datado de 19-07-2016).
[10] Lê-se no considerando 85 “In this case, taking into account the market share and turnover of the Addressees within the EEA, it can be presumed that the effects on trade are appreciable. Furthermore, the geographical scope of the infringement which covered several Member States and the cross-border nature of the products affected also demonstrate that the effects on trade are appreciable”. Ou seja, a Comissão afirmou, tendo em conta as características concretas das empresas infratoras e da infração, que eram de presumir efeitos consideráveis no comércio. O teor de tal considerando foi parcialmente reproduzido, na versão portuguesa dos autos, no facto provado (incontroverso) 21. A sentença recorrida referencia este considerando, designadamente a p. 83, linhas 2029-2032.
[11] Guia Prático de Quantificação dos Danos nas Ações de Indemnização com base nas infrações aos artigos 101.º e 102.º do TFUE, de 2013, supra nota 4.
[12] Sobrecusto ou preço adicional, em inglês, é designado de “overcharge”, tal como se pode verificar na versão inglesa do Guia Prático.
[13] Este gráfico é originalmente do estudo Oxera 2009, a que faremos mais alusões infra, e é também reproduzido no Guia Prático, conforme também se verá em maior detalhe infra.
[14] Onde se lê: “A clear and systematic link between gross list prices and net prices would be necessary for the information exchange to enable OEMs to coordinate on net prices”.
[15] Estas anomalias também transparecem na Figura 4.5 do estudo (p. 30).
[16] Sobre estes veja-se o Guia Prático.
[17] A procura é captada no estudo principalmente pela variável “formação bruta de capital fixo”. Veja-se a secção 4.7 do Relatório de Análise e conclusões a p. 54.
[18] Artigo acessível em: https://www.nera.com/content/dam/nera/publications/2019/PUB_Difference_in_Differences.pdf (acedido a 12-10-2023)
[19] Note-se que esta tabela é já uma errata de uma primeira tabela junta com a petição aperfeiçoada (ref.ª 45311).
[20] A média deve ser distinguida da mediana (em inglês, “median”), que nos indica o valor do meio, ou seja, o valor situado entre observações em igual número, com valores mais elevados e mais baixos.
[21] Infelizmente este relatório não contém a numeração de páginas. Na nossa contagem excluímos a capa com a expressão “Documento 1”.
[22] O deflator do PIB “é um índice de preços implícito que mede a evolução média de preços numa economia. É obtido através da divisão entre o PIB nominal (ou PIB a preços correntes) e o PIB real (ou PIB a preços constantes)”. Definição do Conselho das Finanças Públicas, acessível em: https://www.cfp.pt/pt/glossario/deflator-do-pib (acedido em 18-10-2023).
[23] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, 2.ª ed., p. 235-237 e 252-254.
[24] No presente contexto, o mark-up constitui a diferença entre o valor cobrado por um determinado produto num contexto de restrição da concorrência e o valor que deveria ser cobrado caso esse produto fosse vendido num contexto competitivo.
[25] Vide correcção do lapso constante da acta da sessão de julgamento de dia 05.05.2021, ref.ª 300513 e posterior correcção constante do requerimento entrado em juízo em 16.06.2021, ref.ª 51598.
[26] Idem.
[27] A Autora alegou que foi junto da Renault Trucks Lisboa Unipessoal, Lda.. Porém, tal como adverte a Ré, tal deverá tratar-se de lapso, porquanto, como resulta do facto provado n.º 133, esta sociedade foi encerrada em 2007, tendo o contrato de locação financeira sido celebrado em data próxima de Julho de 2008.
[28] Acessível em https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/fc667387-4658-48de-aa44-0f9b0dd3327d (acedido em 16-10-2023).
[29] Recorde-se que em sede das nossas Considerações prévias concluímos que estes preceitos legais eram aqui aplicáveis.
[30] Acessível em:
https://www.poderjudicial.es/search/AN/openDocument/3c3ae42a387129afa0a8778d75e36f0d/20230616. Acedido em 16-10-2023.
[31] Informação reportada a julho deste ano, acessível em: https://competitionlawblog.kluwercompetitionlaw.com/2023/07/06/the-spanish-supreme-court-sentences-the-trucks-cartel/ (acedido em 16-10-2023).
[32] Veja-se, https://www.poderjudicial.es/cgpj/es/Poder-Judicial/Tribunal-Supremo/Noticias-Judiciales/El-Tribunal-Supremo-dicta-sentencia-en-quince-recursos-de-casacion-sobre-acciones-de-reclamacion-de-danos-por-el--cartel-de-camiones-. Acedido em 16-10-2023.
[33]Acessível em:
https://www.poderjudicial.es/search/AN/openCDocument/3dd341d8d50ca3212b103ba5a50f757d24b4448093ad1d7f. Acedido em 16-10-2023.
[34] De notar que o CAT é um tribunal especializado, que funciona em painéis de 3 membros que, coletivamente, apresenta experiência em direito da concorrência, política legislativa e economia (Richard Whish e David Bailey, Competition Law, 10.ª ed., Oxford, 2021, p. 332).
[35] Acórdão do Competition Appeal Tribunal de 07-02-2023, casos conexos n.ºs 1284/5/7/18 (T) e 1290/5/7/18 (T), acessível em: https://www.catribunal.org.uk/cases/12845718-t-royal-mail-group-limited). Acedido em 16-10-2023.
[36] Veja-se, Whish e Bailey, supra nota 33, p. 62 e 332-333.
[37] Competition (Amendment etc.) (EU Exit) Regulations 2019 (SI 2019/93), para. 14(2) of Sch 4.
[38] Tradução da nossa responsabilidade. No original lê-se, a p. 186, “Despite the enormous amount of work that went into the expert process on this case”.
[39] Lê-se na p. 187, “Several of the imperfections in the experts’ regression models do not yield a definitive solution and we believe that no regression model could”.
[40] Sobre este princípio veja-se p. 76-77 do acórdão.