Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21771/19.5T8LSB-E.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Decorre n.º 4º da Lei.º 34/2004, de 29 de Julho, que incumbe ao requerente do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, e parte interessada na interrupção do prazo que estava a correr, juntar cópia do respectivo pedido ao processo para o qual requereu aquele benefício.

2.O Tribunal Constitucional tem vindo a entender (Acórdãos n.ºs 585/2016.º, 350/2016, 117/2010, 57/2006, 285/2005 e 98/2004) que esta interpretação daquele normativo se mostra conforme à Constituição.

3.A conduta activa que a lei postula ao requerente do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, ao exigir que documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, não é mais exigente do que a conduta activa que previamente tem de assumir para requerer a concessão daquele benefício junto dos serviços da Segurança Social, não sendo, pois, mais gravosa para aquele.

4.A razão de ser da normado art. 24º, n.º 4, não é apenas a de evitar anulações de actos processuais posteriormente praticados no desconhecimento da apresentação tempestiva do requerimento do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, mas, fundamentalmente, o interesse do estabelecimento de prazos peremptórios disciplinadores do processo.

5.Não se encontrando em curso, na data em que o tribunal tomou conhecimento da formulação daquele pedido de apoio judiciário, o prazo de apresentação de oposição nos autos de insolvência, assim como o prazo de recurso da sentença declaratória da insolvência, não poderia o tribunal a quo declarar o mesmo interrompido, por se ter esgotado, não se verificando o fundamento de revisão desta sentença, transitada em julgado, plasmado no art. 696º, n.º 1, al. e) iii) do CPC.

6.A condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Por apenso aos autos de insolvência, veio AA…, insolvente, interpor Recurso de Revisão, com fundamento na impossibilidade de apresentar contestação ao pedido de insolvência por motivo de força maior, bem como de recorrer da sentença que decretou a sua insolvência, já transitada em julgado, ao abrigo do disposto no artigo 696º alínea e), iii), do C.P.C. e seguintes

Alegou para tanto que:
i.- Foi citada para deduzir oposição ao pedido de insolvência em 20.10.2020, nos termos do artigo 231º e 233º do C.P.C;
ii.- Em 21.12.2020 foi publicado o edital a dar conta do decretamento da insolvência da recorrente, fixando o prazo de 15 dias para recorrer da decisão.
iii.- A recorrente foi notificada da sentença de insolvência em 28.12.2020, conforme deu conta ao tribunal, o que a levou a juntar aos autos cópia do formulário de pedido de apoio judiciário, incluindo a modalidade de nomeação de patrono, remetido à Segurança Social em 29.12.2020, tudo conforme consta das comunicações electrónicas enviadas em 28.1.2021, 31.3.2021 e 1.4.2021.
iv.- A sentença que decretou a insolvência da recorrente transitou em julgado em 12.01.2021.
v.- Em 7.5.2021 a Segurança Social informou o tribunal, por correio electrónico, que nenhum requerimento de protecção jurídica submetido pela insolvente, referente aos presentes autos, tinha dado entrada no seu registo informativo, solicitando cópia integral do referido requerimento, com carimbo de entrada aposto ou que fosse indicada a data em que se efectuou tal pedido. – Ver referência nº29179042.
vi.- Em 6.7.2021 a Segurança Social voltou a informar o tribunal de que não tinha dado entrada pedido de protecção jurídica para os presentes autos - ver referência nº29732961.
vii.- Em 11.1.2022 foi nomeada à recorrente novo patrono oficioso, na pessoa da Sra. Dra. BB…, bem como foi nomeado o actual patrono oficioso em 24.1.2022, o que levou a que só em 23.3.2022 a Ordem dos Advogados se pronunciasse sobre qual dos advogados tinha de assegurar o patrocínio oficioso.
viii.- Os presentes autos obrigam à constituição obrigatória de advogado, nos termos do artigo 40º do C.P.C.
ix.- A recorrente, como resulta dos autos, é completamente alheia ao facto de Segurança Social não ter registado o seu pedido de apoio judiciário apresentado em 29.12.2020, bem como não contribuiu, por sua vontade, para que só em Dezembro de 2021 a Ordem dos Advogados lhe tivesse atribuído um patrono oficioso para assegurar os seus direitos.
x.- À data que foi atribuído patrocínio oficioso, já os presentes autos tinham a sentença de insolvência transitada em julgado e a liquidação estava em curso.
xi. É aplicável subsidiariamente ao CIRE o Código de Processo Civil – artigo 17º do CIRE.
xii.- Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º
xiii.- Da conjugação do número 2 do artigo 29º com o número 5 do artigo 30, ambos do CIRE, a confissão dos factos alegados na petição inicial depende da prolação de despacho a dispensar a ausência do devedor, nos termos do artigo 12º do CIRE, e da falta de oposição do devedor.
xiv.- No caso dos presentes autos, na sentença de insolvência não consta a decisão sobre a dispensa da ausência do devedor, mas tão só que não houve oposição à petição inicial, o que impedia que o tribunal recorrido pudesse dar por confessados os factos alegados pelo requerente da insolvência, o que constitui uma nulidade – artigos 195 do C.P.C. (susceptível de invocação em sede de recurso de apelação se a recorrente tivesse a possibilidade de recorrer, o que não fez por falta de nomeação de patrono oficioso)
xv.- Verificando-se revelia absoluta, por aplicação subsidiária do Processo Civil, para além de dar por confessados os factos alegados na petição de insolvência, tinha o tribunal de dar cumprimento ao número 2 do artigo 567º do C.P.C., o qual estabelece que: “É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.”
xvi.- Dos autos não resulta ter sido dado cumprimento àquele normativo.
xvii.- A falta de cumprimento do número 2 do artigo 567º do C.P.C. pôs em causa o direito ao contraditório da recorrente, e por isso é uma nulidade processual, nos termos do artigo 195º do C.P.C. (susceptível de invocação em sede de recurso de apelação se a recorrente tivesse a possibilidade de recorrer, o que não fez por falta de nomeação de patrono oficioso).
xviii.- A falta de registo informático do pedido de apoio judiciário e a falta de emissão de recibo da sua apresentação não são imputáveis à recorrente, pelo que as mesmas cabem no conceito de motivo de força maior ou caso de força maior.
xix.- Por falta de atribuição de advogado oficioso, que lhe não é imputável, a recorrente, em situação de revelia absoluta, não pôde apresentar contestação oposição ao pedido de insolvência, ou recorrer da decisão, por o seu primitivo pedido de apoio judiciário não ter ficado registado informaticamente na Segurança Social, desconhecendo-se as razões da falta do referido registo informático e da falta de emissão de recibo do seu registo (motivo de força maior), pelo que estão preenchidos os factos índices para instruir e fundamentar o presente recurso de revisão, com vista à revogação da sentença que declarou a insolvência da recorrente.
Terminou pedindo seja admitido o recurso de revisão, ordenando-se a notificação dos demais sujeitos processuais, requerente e credores reclamantes para responderem no prazo de 20 dias, devendo a final ser revogada a sentença que decretou a insolvência, anulando-se os termos do processo posteriores à citação da requerida, seguindo os autos os seus termos.
Admitido o recurso de revisão, foi determinada a notificação da requerida, da massa insolvente e de todos os credores, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 699.º do CPC.
O M.P. veio então responder dizendo, em síntese, que não assiste razão à recorrente, uma vez que, tal como vertido no despacho judicial, proferido em 22.11.2021, entendemos que, apenas após o trânsito em julgado da sentença que a declarou insolvente, veio aquela informar que tinha requerido apoio judiciário junto da Segurança Social, conforme requerimento junto aos autos a 29-01-2021.

Terminou concluindo que:
1º-Não foi violada qualquer disposição legal.
2º-Inexiste qualquer motivo para ser concedida razão à recorrente, pelo que deve a douta decisão recorrida ser mantida, negando-se provimento ao recurso.

Por sentença proferida dia 25-08-2022 decidiu-se:
AA…, insolvente nos autos em que é requerente CC…", veio interpor Recurso de Revisão alegando fazê-lo ao abrigo do artigo 696.º, alínea e), iii), do CPC.
Dispõe este preceito legal que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando, tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita.
Ora, no caso dos presentes autos, não ocorreu qualquer falta absoluta de intervenção da ré, nem falta ou nulidade de citação. A citação da requerida, ora recorrente, mostra-se documentada no expediente junto aos autos principais de insolvência a 23-10-2020, tendo-se concretizado a 20-10-2020 - citação com dia e hora certa (cfr. artigo 232.º do CPC), tendo sido julgada corretamente efetuada por decisão de 19-11- 2020 e, posteriormente, após remessa a este tribunal, por decisão de 21-12-2020 que julgou procedente a ação e declarou a requerida insolvente.
A sua prolação não depende do cumprimento do artigo 567º do CPC, conforme pretende a mesma no presente recurso de revisão, tendo sido observado estritamente o regime legal especial previsto no nº 5 do artigo 30º do CIRE.
Esta sentença foi notificada à insolvente a 23-12-2020. A mesmo dirigiu depois disso comunicações ao tribunal, designadamente a 29-01-2021, informando ter solicitado pedido de proteção jurídica e aguardar nomeação de patrono.
Sucede que, nessa data, já a sentença que declarou a sua insolvência tinha transitado em julgado, sendo que apenas a junção aos autos de comprovativo de pedido de apoio judiciário que contemple a modalidade de nomeação de patrono tem a virtualidade de suspender os prazos em curso - cfr. artigo 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29/7 -, o que não sucedeu.
Termos em que julgo improcedente o recurso de revisão interposto pela insolvente.
Custas pela recorrente, em face do seu decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.”

Inconformada, a insolvente apresentou recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões:

A)– Deve o despacho em crise de ser declarado nulo, nos termos do artigo 615, alínea d), do C.P.C., por o Juiz “a quo” não se ter pronunciado sobre:
1)-O facto de Segurança Social não ter registado o seu pedido de apoio judiciário apresentado em 29.12.2020, bem como não contribuiu, por sua vontade, para que só em Dezembro de 2021 a Ordem dos Advogados lhe tivesse atribuído um patrono oficioso para assegurar os seus direitos para um processo de constituição obrigatória de advogado;
2)-Na sentença de insolvência não constar a decisão sobre a dispensa da ausência do devedor, como resulta da conjugação do número 2 do artigo 29º com o número 5 do artigo 30, ambos do CIRE, mas tão só que não houve oposição à petição inicial, o que impedia que o tribunal recorrido pudesse dar por confessados os factos alegados pelo requerente da insolvência, o que constitui uma nulidade nos termos do artigo 195 do C.P.C.;
3)-O patrocínio obrigatário da recorrente por advogado;
4)-A verificação de situação de revelia absoluta por falta de cumprimento do número 2 do artigo 567º do C.P.C., o que pôs em causa o direito ao contraditório da recorrente, e por isso é uma nulidade processual, nos termos do artigo 195º do C.P.C.;
5)-A falta de registo informático do pedido de apoio judiciário e a falta de emissão de recibo da sua apresentação não são imputáveis à recorrente, pelo que as mesmas cabem no conceito de motivo de força maior ou caso de força maior.

B)– Caso assim não se entenda, deve o Tribunal “ad quem” dar por provado que:
1.-Insolvente foi citada para deduzir oposição em 20.10.2020, nos termos do artigo 231º e 233º do C.P.C.;
2.-Em 21.12.2020 foi publicado o edital a dar conta do decretamento da insolvência da recorrente, fixando o prazo de 15 dias para recorrer da decisão;
3.-A recorrente foi notificada da sentença de insolvência em 28.12.2020;
4.-O que a levou a juntar aos autos cópia do formulário de pedido de apoio judiciário, incluindo a modalidade de nomeação de patrono, remetido à Segurança Social em 29.12.2020, tudo conforme consta das comunicações electrónicas enviadas em 28.1.2021, 31.3.2021 e 1.4.2021;
5.-A sentença que decretou a insolvência da recorrente transitou em julgado em 12.01.2021;
6.-Por despacho de 30.4.2021 o juiz “a quo” determinou a sustação da liquidação até ao esclarecimento do pedido de apoio judiciária invocado pela recorrente;
7.-Em 7.5.2021 a Segurança Social informou o tribunal, por correio electrónico, que nenhum requerimento de protecção jurídica submetido pela insolvente tinha dado entrada no seu registo informativo, solicitando cópia integral do referido requerimento, com carimbo de entrada aposto ou que fosse indicada a data em que se efectuou tal pedido;
8.-Em 6.7.2021 a Segurança Social voltou a informar o tribunal de que não tinha dado entrada pedido de protecção jurídica para os presentes autos;
9.-Em 13.07.2021 o tribunal ordenou a notificação da insolvente do expediente remetido pela Segurança Social para, querendo, exercer o contraditório em dez dias;
10.-O que a recorrente fez, por correio electrónico de 3.8.2021, conforme resulta do documento com a referência nº29956973;

11.-Em 22/11/2021, com a referência nº 410474180, foi proferido o seguinte despacho:
“AA… foi declarada insolvente por sentença datada de 21-12-2020 e transitada em julgado a 12-01-2021.
Já após o trânsito em julgado desta sentença veio a insolvente informar que tinha requerido apoio judiciário junto da Segurança Social, conforme requerimento junto aos autos a 29-01-2021.
Apenas a 01-04-2021, a insolvente junta captura de tela/ecrã para demonstração do envio de requerimento de apoio judiciário ao Instituto de Segurança Social, I.P., nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono.
Apenas os prazos que a esta data se encontrassem em curso poderiam ficar interrompidos, o que não sucede com o prazo para recorrer da sentença que declarou a insolvência a qual já se mostrava transitada em julgado (nem com o prazo para se pronunciar quanto ao teor do relatório junto pela Sra. Administradora de Insolvência a 23-02-2021, nos termos do artigo 155.º do CIRE) – cfr. n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
Acresce que, de acordo com informação junta aos autos pelo Instituto de Segurança Social, I.P., não deu entrada nos seus serviços qualquer pedido de apoio judiciário formulado pela insolvente.
Assim sendo devem os autos prosseguir com a liquidação do ativo, conforme fora determinado a 27-03-2021, mais se notificando a insolvente nos termos determinados nesse despacho para dar cumprimento à alínea f) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRE.
Sem embargo, a fim de assegurar a representação da insolvente, determino se oficie ao Instituto de Segurança Social, I.P., com cópia dos requerimentos juntos a estes autos pela insolvente a 01-04-2021 e 03-08-2021 para que preste informação em conformidade com o requerido pela Sra. Administradora de Insolvência a 17-11-2021...”

12.-Notificada do despacho supra, a recorrente através dos emails de 13/12/2021, com a referência nº3109396 e de 10/12/2021, com a referência nº31082263, declarou que pretende apresentar a sua defesa e fez prova de ter pedido de apoio judiciário;
13.-Em 22.12.2021 foi nomeada à recorrente um patrono oficioso, o Sr. Dr. DD…, o qual pediu escusa em 23.12.2021;
14.-Em 11.1.2022 foi nomeada à recorrente novo patrono oficioso, na pessoa da Sra. Dra. BB…, bem como foi nomeado o actual patrono oficioso em 24.1.2022, o que levou a que só em 23.3.2022 a Ordem dos Advogados se pronunciasse sobre qual dos advogados tinha de assegurar o patrocínio oficioso;
15.-Os presentes autos obrigam à constituição obrigatória de advogado, nos termos do artigo 40º do C.P.C.;
16.-A recorrente é completamente alheia ao facto de Segurança Social não ter registado o seu pedido de apoio judiciário apresentado em 29.12.2020, bem como não contribuiu, por sua vontade, para que só em Dezembro de 2021 a Ordem dos Advogados lhe tivesse atribuído um patrono oficioso para assegurar os seus direitos;
17.- À data que foi atribuído patrocínio oficioso, já os presentes autos tinham a sentença de insolvência transitada em julgado e a liquidação estava em curso.

C)Da conjugação do nº2 do artigo 29º com o nº5 do artigo 30º, ambos do C.I.R.E., a confissão dos factos alegados na petição inicial dependia da prolação de despacho a dispensar a ausência do devedor, nos termos do artigo 12º do CIRE, e da falta de oposição do devedor;

D)Na sentença de insolvência não consta a decisão sobre a dispensa da ausência do devedor, pelo que não podia o tribunal recorrida dar por confessados os factos alegados no requerimento de pedido de insolvência;

E)A sentença de insolvência é nula por violação do disposto no artigo 195º do C.P.C.;

F)Ao processo de insolvência é aplicável subsidiariamente o regime da revelia absoluta previsto nos artigos 566º e 567º do C.P.C.;

G)A intervenção que a recorrente teve nos autos, através de emails, em nada afectou os seus direitos constitucionalmente consagrados e o Princípio do Contraditório;

H)Em sede de procedimento falimentar é obrigatória a constituição de advogado;

I)A recorrente estava obrigada a ter advogado constituído ou oficioso para exercer o contraditório;

J)Verificando-se revelia absoluta da insolvente, o Juiz “a quo”, para além de dar por confessados os factos alegados na petição de insolvência, tinha de dar cumprimento ao nº 2 do artigo 567º do C.P.C.;

K)A partir de 24.3.2022, data em que a recorrente passou a ter patrono oficioso, devia ter sido dado cumprimento ao nº2 do artigo 567º do C.P.C.;

L)A sentença de insolvência está ferida de nulidade por violação do disposto no nº2 do artigo 567º do C.P.C.;

M)Em Dezembro de 2021 já tinha decorrido todos os prazos para recorrente deduzir oposição ou recorrer da sentença de insolvência;

N)A recorrente não contribuiu para o facto de o seu primeiro pedido de apoio judiciário não ter sido registado informaticamente pela Segurança Social e não ter sido emitida prova da respectiva entrega;

O)A recorrente desconhece as razões pelas quais o seu primitivo pedido de apoio judiciário não foi registado informativamente pela Segurança Social e não recebeu a prova da sua entrega da responsabilidade daquela entidade pública;

P)A falta de registo informático do pedido de apoio judiciário e a falta de emissão de recibo da sua apresentação não são imputáveis à recorrente, pelo que as mesmas cabem no conceito de motivo de força maior ou caso de força maior;

Q)Por falta de atribuição de advogado oficioso a insolvente ficou em situação de revelia absoluta e não pôde apresentar oposição ao pedido de insolvência., ou recorrer da decisão que a decretou;

R)O despacho em crise fez uma errada avaliação da factualidade trazida aos autos pela recorrente e, por isso, fez uma errada aplicação do direito.

S)A decisão em crise violou o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 17, º 29º e 30º do CIRE, os artigos 40º, 566º e 567º do C.P.C. e os artigos 1º e 22º da Lei nº34/2004 de 29.7, com a redacção em vigor dada pela Lei n.º 2/2020, de 31/03;

T)Deve, por isso, a sentença em crise ser revogado e, em sua substituição, ser proferido acórdão a julgar procedente o recurso de revisão interposto, com as legais consequências.

O requerente dos autos de insolvência, “CC…”, apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões e requereu a condenação da Insolvente como Litigante de Má Fé:
I.-O Recurso interposto não tem fundamento fáctico ou jurídico que possa levar à sua procedência.
II.-Não pode ser valorada qualquer razão à Apelante, ora porque carece a sua tese de fundamento, ora porque de facto, a Douta Decisão deve ser mantida na integra.
III.- É evidente que o Tribunal ad quo se pronunciou devidamente quanto ao que seria expectável fazê-lo, não lhe sendo exigido mais o que que que fosse.
IV.-Pelo que, facilmente se compreende que o Douto Despacho não se encontra ferido de qualquer Nulidade como pretendido pela Insolvente, improcedendo desta feita os fundamentos invocados pela mesma.
V.-No que diz respeito à tese de que despacho deve ser (pelo que se compreende) Revogado por outro que julgue procedente o recurso de revisão, dever-se á dizer que não assiste, igualmente razão à Apelante em tal matéria encontrando-se tal motivação (seja ela qual for) prejudicada pela improcedência do Recurso pelos motivos exarados no despacho, pelo que Não deve, nessa medida ser o Despacho ora proferido ser Revogado por tal motivo.
VI.-É entendimento do aqui Apelado que deve o mesmo ser igualmente rejeitado pelo meio processual utilizado para a impugnação não ser, salvo melhor entendimento, o apropriado.
VII.-Com efeito, o artigo 641.º n.º 6 do Código de Processo Civil, prevê expressamente que, sic: A decisão que não admita o recurso ou retenha a sua subida apenas pode ser impugnada através da reclamação prevista no artigo 643.º.
VIII.-Sendo o Recurso interposto pela insolvente não mais que uma impugnação da decisão que não admitiu o recurso e reteve a sua subida, parece que o meio processual a utilizar devia ter sido a Reclamação e não Recurso de interpelação.
IX.-Face ao exposto, deve, sem mais o recurso ser improcedente, por o meio processual utilizado não ser o legalmente admissível para o efeito.
X.-Entende o aqui Apelado que não pode este Tribunal deixar passar em claro a conduta processual da Insolvente levada a cabo nos presentes autos.
XI.-A Insolvente, usa dos meios processuais, sem qualquer fundamento valido para o efeito, o que não devia ignorar – Reja Recurso de Revisão, seja o Presente Recurso de Apelação.
XII.-A Insolvente encontra-se a fazer há mais de três anos! Do presente processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, entorpecendo a justiça e sem qualquer fundamento, pretendendo infindar o presente processo de insolvência, que iniciou já no ano de 2019!!
XIII.-Nos termos do artigo 542.º, n.º 2 do C.P.C., litiga de má fé a parte que, com dolo ou negligência grave, além do mais, tiver deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ou tiver feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal.
XIV.-Não podendo esquecer-se que a má fé se traduz na violação do dever de probidade que o artigo 5º do C. P. Civ., impõe às partes – dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias - Ac. STJ de 29/10/98, no Proc. 782/98 da 2ª secção.
XV.-No caso em apreço não restam dúvidas de que a postura processual da Insolvente, nomeadamente interpondo sempre obstáculos tendentes ao atraso dos autos de insolvência, ofendendo os valores públicos da celeridade e eficácia da administração da Justiça.
XVI.- A Insolvente alega sem qualquer fundamento legal ou de facto, utilizando descaradamente motivos que sabem não serem verdadeiros.
XVII.-A Insolvente deduziu pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, alterando a verdade dos factos, o que constitui expediente processualmente ilícito.
XVIII.-A Insolvente, pretende, com o atraso evidente do processo prejudicar os Credores da presente insolvência, nomeadamente a Apelante que se depara mensalmente com uma divida de quotas de condomínio sempre a aumentar.
XIX.-Dúvidas não subsistem de que a presente demanda causou transtornos ao Apelado e o fez incorrer em despesas, custas judiciais e honorários de Advogados.
XX.-Assim, face à conduta processual da Insolvente, outra não pode ser a conclusão senão a de que a mesma litiga nos presentes autos com evidente e manifesta má-fé!
XXI.- Face ao exposto, vem o aqui Apelado nesta sede requerer a condenação da Insolvente como litigante de má-fé no pagamento de uma multa e, bem assim, a pagar ao Apelado montantes despendidos por esta última a título de despesas com o processo e honorários com mandatário, tudo nos termos dos artigos 542.º n.º 1 e 2 alíneas a), b) c) e d) e 543.º n.º 1 alínea a) ambos do Código de Processo Civil valor esse que se estima em cerca de € 2.000,00 (dois mil euros)
Normas Violadas: O Despacho recorrido não viola nenhuma disposição nem normativo legal.
Termina pedindo seja mantida a decisão recorrida e condenada a insolvente como litigante de má fé.

Por despacho posteriormente proferido decidiu-se, além do mais, o seguinte:
Por ter legitimidade, ser legal e tempestivo, admito o recurso interposto por AA…, que recai sobre a decisão que julgou improcedente o Recurso de Revisão, para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual é de apelação, sobe de imediato, nos próprios autos de Recurso de Revisão e em separado dos autos principais de insolvência, e com efeito suspensivo [cfr. artigo 14.º, n.º5 e n.º 6, alínea b), do CIRE e artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 630.º, 631.º, 637.º, 638.º, 644.º, n.º 2, alínea g), e 647º, nº 3, alínea c), considerando a estrutura do presente apenso semelhante a de um "incidente processado por apenso", do Código de Processo Civil]”.
“Entende-se que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade, nada havendo, portanto, a suprir (artigo 617º nº 1 do Código de Processo Civil), tendo o tribunal emitido pronúncia quanto às questões que lhe permitiram a decisão tomada, mostrando-se as demais prejudicadas pelo decidido”.

Por decisão de relator foi alterado o efeito do recurso (de suspensivo para devolutivo).

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*

II.Da factualidade relevante a considerar, que se mostra provada por documento, para a apreciação dos recursos da decisão:
1º-Por requerimento apresentado dia 21/10/2019, CC…, peticionou a declaração da insolvência de AA….
2.º-Esta foi citada com hora certa para deduzir oposição em 20.10.2020.
3.º-E no dia 22/10/2020 foi enviada carta à citanda, nos termos do art. 233º do CPC.
4.º-Por sentença proferida dia 21/12/2020 foi decretada a insolvência de AA….
5.º-Esta foi notificada da aludida sentença por carta registada, conforme certificação Citius de 23/12/2020.
6.º-Na mesma data foram elaborados o edital e o anúncio a que se reporta o art. 37º, n.ºs 7 e 8 do CIRE.
7.º-Nesse dia foi afixado à porta do Tribunal um edital com o aludido teor.
8.º-Por e-mail datado de 28/01/2021 remetido ao Tribunal, a requerida AA… informou que efectuou “através de Requerimento, ao Instituto da Segurança Social, I.P. Lisboa, o pedido de Protecção Jurídica, com a referência a aguardar número de processo e a aguardar que me seja designado defensor no processo acima identificado”.
9.º-No dia 16/02/2021 foi afixado aporta da residência da requerida um edital com o teor referido no ponto 6.º
10.º A sentença de declaração da insolvência transitou em julgado dia 12/01/2021.
11.º-A 01-04-2021, a insolvente juntou captura de tela/ecrã para demonstração do envio no dia 29/12/2020, pelas 23h e 47m de requerimento de apoio judiciário ao Instituto de Segurança Social, I.P., nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono. Juntou ainda o referido requerimento, o qual se encontra datado de 29/12/2020

12º-Por despacho proferido dia 30/04/2021 o tribunal a quo determinou:
- que a Sra. Administradora de Insolvência suste até à clarificação da questão as diligências tendentes à liquidação;
- que se oficie à Segurança Social solicitando informação muito urgente relativa à data em que a devedora efetuou o pedido de apoio judiciário, quais as modalidades abrangidas e decisão tomada.
13.º-A 7/05/2021 a Segurança Social informou não constar do registo informático nenhum requerimento de protecção jurídica submetido pela ora requerida referente aos presentes autos de insolvência e solicitou que, caso o requerimento tenha sido anexado aos autos, que fosse enviada cópia do mesmo.
14º-Remetida cópia do requerimento referido em 11º, a Segurança Social informou que: “A entrega a estes destinatários ou grupos está concluída, mas não foi enviada nenhuma notificação de entrega pelo servidor de destino”.
15.º-E a 6/07/2021 reiterou não constar do registo informático nenhum requerimento de protecção jurídica referente aos presentes autos.

Refere ainda que:
Consultada a aplicação Ajudic verificamos que a requerente apresentou em 2021, quatro (4) pedidos de protecção jurídica, nenhum para Insolvência da Pessoa Singular, no âmbito do Proc. 21771/19.5T8LSB como mostra o quadro infra:

Num
Ano
Data

Nome
Data Estado
Estado
Modalidades Concedidas
Técnico
Nº Proc Tribunal
AA…APViviana
2021-
2021-
(AudiênciaGomes
52839
2021
03-18
05-24413/20.1T8ABT
Prévia) -Ribeiro
00:00
11:32
Decisão #Cortesão
AA…APViviana
2020-
2021-(AudiênciaGomesacção contra
10290
2021
12-30
05-24
Prévia) -RibeiroCGD
00:00
11:32
Decisão #Cortesão
AA….APViviana
2020-
2021-(AudiênciaGomesacção contra
10276
2021
12-30
05-24
Prévia) -RibeiroESTADO
00:00
11:33
Decisão #Cortesão
AA…
2020-
10275
2021
12-30
00:00
1
Processos do Distrito 4
16.º-Por requerimento de 3/08/2021, remetido por e-mail, a requerida refere que, como já comprovou nos autos, formulou pedido de apoio judiciário junto dos serviços da Segurança Social nos dias 29/12/2020 e 30/12/2020.
17.º-Por decisão de 22/11/2021 determinou-se o prosseguimento dos autos com a liquidação do activo e que se oficiasse de novo à Segurança Social, enviando cópia dos requerimentos da insolvente de 1/04/2021 e 3/08/20121.
18.º-No dia 22 de Dezembro de 2021 foi junto aos autos documento comprovativo da nomeação como patrono da requerida o Dr. DD…., no âmbito do proc. n.º 2021160140 do C.D. de Segurança Social de Lisboa.
19.º-Por requerimento de 4/01/2022 este veio dizer ter apresentado pedido de escusa do patrocínio.
20.º- E no dia 11 de Janeiro de 2022 foi junto aos autos documento comprovativo da nomeação como patrono da requerida a Dra. BB…., no âmbito do proc. n.º 2021160140 do C.D. de Segurança Social de Lisboa.
21.º- E no dia 24 de Janeiro de 2022 foi junto aos autos documento comprovativo da nomeação como patrono da requerida o Dr. EE…, no âmbito do proc. n.º 20221169 do C.D. de Segurança Social de Lisboa.
22.º- Por requerimento de 23/02/2022 o Dr. EE… veio dizer e requerer que se notificasse aOrdem dos Advogados para esclarecer quem efectivamente exerce o patrocínio judiciário em representação da insolvente, nos autos principais e apensos, se o signatário ou se a Colega Dra Cristina Mascarenhas”.
22.º Por decisão de 22/03/2022 o Conselho Regional da Ordem dos Advogados concedeu a escusa requerida pela Dra. BB…., mantendo-se como patrono da requerida o Dr. EE….
*

IIIAs questões a decidir consistem em saber:
- se a sentença enferma de nulidade;
- se é caso de julgar procedente o recurso de revisão e revogar a decisão recorrida, por esta enfermar de erro de direito, nomeadamente por a recorrente não ter podido apresentar contestação na acção de insolvência por motivo de força maior (art. 696º, n.º 1, al. e) iii) do CPC).
*

IV. Do mérito do recurso:

Quanto às arguidas nulidades:

Diz a recorrente que:
A)Deve o despacho em crise de ser declarado nulo, nos termos do artigo 615, alínea d), do C.P.C., por o Juiz “a quo” não se ter pronunciado sobre:
1)-O facto de Segurança Social não ter registado o seu pedido de apoio judiciário apresentado em 29.12.2020, bem como não contribuiu, por sua vontade, para que só em Dezembro de 2021 a Ordem dos Advogados lhe tivesse atribuído um patrono oficioso para assegurar os seus direitos para um processo de constituição obrigatória de advogado;
2)-Na sentença de insolvência não constar a decisão sobre a dispensa da ausência do devedor, como resulta da conjugação do número 2 do artigo 29º com o número 5 do artigo 30, ambos do CIRE, mas tão só que não houve oposição à petição inicial, o que impedia que o tribunal recorrido pudesse dar por confessados os factos alegados pelo requerente da insolvência, o que constitui uma nulidade nos termos do artigo 195 do C.P.C.;
3)-O patrocínio obrigatário da recorrente por advogado;
4)-A verificação de situação de revelia absoluta por falta de cumprimento do número 2 do artigo 567º do C.P.C., o que pôs em causa o direito ao contraditório da recorrente, e por isso é uma nulidade processual, nos termos do artigo 195º do C.P.C.;
5)- A falta de registo informático do pedido de apoio judiciário e a falta de emissão de recibo da sua apresentação não são imputáveis à recorrente, pelo que as mesmas cabem no conceito de motivo de força maior ou caso de força maior.

Da putativa omissão de pronúncia:
Dispõe o art. 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte, que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões de que devesse apreciar.
Preceitua o art. 608º, nº2, do CPC que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Por conseguinte, a nulidade em causa, representado a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não, como é pacífico, os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes – cfr. Ac. STJ de 10.12.2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (relatora), acessível em ww.dgsi.pt.

Ora, como bem evidencia a sentença recorrida, todas estas questões foram apreciadas, concluindo-se na mesma que “no caso dos presentes autos, não ocorreu qualquer falta absoluta de intervenção da ré, nem falta ou nulidade de citação”, que a “citação da requerida, ora recorrente, mostra-se documentada no expediente junto aos autos principais de insolvência a 23-10-2020, tendo-se concretizado a 20-10-2020 - citação com dia e hora certa (cfr. artigo 232.º do CPC), tendo sido julgada corretamente efetuada por decisão de 19-11- 2020 e, posteriormente, após remessa a este tribunal, por decisão de 21-12-2020 que julgou procedente a ação e declarou a requerida insolvente”; que a sua prolação não depende do cumprimento do artigo 567º do CPC, conforme pretende a mesma no presente recurso de revisão, tendo sido observado estritamente o regime legal especial previsto no nº 5 do artigo 30º do CIRE”; e que quando a insolvente informou ter solicitado pedido de proteção jurídica e aguardar nomeação de patrono “já a sentença que declarou a sua insolvência tinha transitado em julgado, sendo que apenas a junção aos autos de comprovativo de pedido de apoio judiciário que contemple a modalidade de nomeação de patrono tem a virtualidade de suspender os prazos em curso - cfr. artigo 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29/7 -, o que não sucedeu”.

E a final julgou-se improcedente o recurso de revisão.

Nesta conformidade, desatende-se a arguição de nulidade da sentença.

Da invocada nulidade processual:
Situa a recorrente esse vício na circunstância do tribunal não poder na sentença em que veio a declarar a insolvência da ora recorrente considerar confessados os factos alegados na p.i. pelo facto de não sido deduzida oposição, sem previamente dar cumprimento ao disposto no art. 567º, n.º 2, do CPC, o que, segundo esta, põe em causa o direito ao contraditório.
A invocada nulidade é assim apontada não à decisão que julgou improcedente o recurso de revisão, mas à decisão, transitada em julgado, cuja revisão se peticiona.
Ora, nos presentes autos de recurso de revisão apenas se pode apreciar se se verifica algum ou alguns dos fundamentos de revisão enunciados no art. 696º do CPC, não podendo ser apreciada existência de qualquer (eventual) outro vício ou erro de julgamento de que eventualmente enferme a decisão a rever.
Não integrando o vício apontado à sentença que decretou a insolvência qualquer um daqueles fundamentos, não pode o mesmo alicerçar o pedido de revisão.
Significa isto que a questão suscitada sobre o cumprimento do art. 567º, n.º 2, do CPC apenas poderia ser apreciada em sede de recurso ordinário da sentença declaratória da insolvência, o qual, como vimos, não foi interposto.

Ainda que assim se não entendesse, sempre soçobraria a pretensão da recorrente.
Efectivamente, a confissão dos factos constitui a consequência da falta de contestação pelo devedor, citado pessoalmente, do pedido de insolvência, como, com clareza, decorre do art. 30º, n.º 5, do CIRE.

Por outro lado, dispõe o art. 567º do CPC:
1- Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
2- É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.

Ora, como a própria recorrente reconhece, a mesma foi no dia 20/10/2020 citada para deduzir oposição ao pedido de insolvência.
Tinha por isso o prazo de 10 dias para deduzir oposição (art. 30º, n.º 1, do CIRE), acrescido da dilação de 5 dias (arts. 232º, n.º 4, 2 245º, n.º 1, do CPC), sob pena de se considerarem confessados os factos alegados na p.i., como consta, de resto, da certidão de citação.
Findo esse prazo, determina a lei que a insolvência seja decretada no dia útil seguinte, naturalmente, desde que se verifiquem os pressupostos legais – n.º 5, do citado artigo.
Face ao regime assim consagrado no CIRE, nos casos de revelia não é convocável a norma do art. 567º, n.º 2, do CPC, o que se compreende face ao carácter urgente do processo de insolvência (art. 9º, n.º 1, do CIRE).
Ademais, a recorrente não se encontrava no final do prazo de oposição ao pedido de insolvência representada por advogado ou por patrono oficioso, razão pela qual não poderia, quanto a si, ser cumprido o disposto neste normativo.
Pelas razões que se deixam apontadas, desatende-se a arguida nulidade processual.

Do putativo erro de julgamento:
Na p.i. e nas conclusões de recurso a autora/recorrente alega, em suma, que não pôde apresentar oposição ao pedido de insolvência, ou recorrer da decisão que decretou a insolvência, por falta de registo informático na Segurança Social do seu pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, e por falta de emissão de recibo da apresentação desse pedido, o que determinou que a aludida nomeação não tivesse sido realizada em tempo oportuno; e que essa faltas não lhe são imputáveis, mas sim à Segurança Social, pelo que as mesmas cabem no conceito de motivo de força maior ou caso de força maior.
Do assim alegado decorre que o fundamento do recurso de revisão invocado pela ora apelante é o plasmado no art. 696º, n.º 1, al. e) do CPC.

Estabelece esse normativo que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando tendo corrido o processo à revelia, por absoluta falta de intervenção do réu, se mostre que:
i)-Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii)-O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii)-O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;

Porém, o fundamento assim invocado para a interposição do recurso de revisão não se verifica.
Na verdade, como a própria recorrente reconhece, a mesma foi no dia 20/10/2020 citada para deduzir oposição ao pedido de insolvência.
E a sentença foi proferida dia 21/12/2020, ou seja, já após o termo do prazo da oposição.
Por outro lado, essa sentença foi notificada à ora recorrente, conforme certificação Citius de 23/12/2020.
Esta considera-se notificada dia 28/12/2020.
Consequentemente, no dia 29/12/2020 iniciou-se o prazo de recurso de 15 dias – arts. 42º, n.º 2, do CIRE e 638º, n.º 1, do CPC.
Esse prazo terminou dia 12/01/2021.
Pretendendo interpor recurso dessa decisão, a ora recorrente tinha o aludido prazo para constituir advogado e apresentar alegações de recurso ou requerer o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, demonstrando tal nos autos.

Com efeito, estabelece o art. 24º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, que:
4- Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5- O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a)-A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b)-A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.

Acontece que a insolvente apenas informou o tribunal dia 28/01/2021 da formulação junto do Instituto da Segurança Social, I.P. Lisboa de pedido de protecção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono.
E só no dia 1/04/2021 juntou aos autos o comprovativo (captura de tela/ecrã) de ter deduzido por via informática no dia 29/12/2020 o apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, se bem que o servidor da Segurança Social não tenha enviado notificação de entrega.
Seja como for, quando a ora apelante demonstrou ter formulado tal pedido já tinha transitado em julgado a sentença que decretou a sua insolvência.
Assim, não se encontrando em curso o prazo de recurso dessa sentença, não poderia o tribunal a quo declarar o mesmo interrompido, dado se ter esgotado.
Efectivamente, nos termos do art. 24º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, a interrupção do prazo que estiver em curso, só ocorre com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação nos serviços de segurança social do requerimento com o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, incumbindo ao requerente do apoio judiciário a documentação no processo da apresentação daquele pedido.
Esta interpretação do citado normativo não envolve inconstitucionalidade, por não comprometer desproporcionadamente o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados.

Como exarámos no Acórdão desta Relação de 11/12/2018 (Proc. n.º 851/17.7T8SNT.L1-1), acessível em www.dgsi.pt:
“(…) o Tribunal Constitucional tem vindo a entender (Acórdãos n.ºs 585/2016.º, 350/2016, 117/2010, 57/2006, 285/2005 e 98/2004, acessíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc) que a obrigação de comprovar no processo o pedido de apoio não constitui um ónus desproporcionado, considerando-se conforme à Constituição a imposição do referido ónus, face ao interesse do estabelecimento de prazos peremptórios disciplinadores do processo.

Como se assinala no Ac. TC n.º 350/2016:
“Importa, pois, que a lei estabeleça medidas que também no plano processual permitam acautelar a defesa dos direitos do requerente do benefício do apoio judiciário. Em particular, se o pedido de apoio judiciário é formulado já na pendência de uma acção judicial há que conciliar o respeito pelos prazos previstos na respetiva tramitação com a possibilidade do seu cumprimento.
Quando o pedido de apoio tem por objecto a nomeação de patrono, as especificidades exigíveis para promover aquela conciliação adensam-se, uma vez que não é possível contar ainda com a representação daquela parte processual por mandatário forense. Dado que o procedimento de concessão do apoio judiciário não constitui incidente do processo judicial a que se destina - nem sequer corre no tribunal -, torna-se necessário exigir a documentação daquele pedido na ação judicial de forma a garantir a segurança jurídica na definição do decurso dos prazos processuais tendo em conta o seu efeito interruptivo.
8.- É neste ponto de confluência de interesses potencialmente conflituantes que o artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004 encontra a sua razão de ser ao determinar a interrupção dos prazos em curso com a junção aos autos do documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário naquela modalidade nos casos de pedido de nomeação de patrono, na pendência de ação judicial.

Como referido no Acórdão n.º 467/2004 (n.º 10):
«Os prazos processuais são interregnos de tempo que são conferidos aos interessados para tomarem posição no processo na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, maxime, para virem ao processo expor os factos e as razões de direito de que estes decorrem, a decisão. Uma tal decisão poderá envolver a utilização de conhecimentos técnicos especializados da área do direito, sendo que a capacidade para a sua prática apenas é reconhecida às pessoas que estão legalmente habilitadas a exercer o patrocínio judiciário, em regra, os advogados. Ora, estando pendente de apreciação o pedido de concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono que há-de tomar aquela posição do interessado, apreciação essa levada a cabo, no domínio do Lei n.º 30-E/2000, pelas autoridades administrativas da Segurança Social (no sistema anterior essa tarefa era levada a cabo pelo próprio tribunal), se o prazo em curso não se interrompesse com a apresentação do pedido de apoio à autoridade administrativa competente e a prova dessa apresentação perante a autoridade judiciária perante quem corre a acção, correr-se-ia o risco de o interessado não poder defender de forma efectiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo entretanto se poderia ter esgotado, quer porque disporia sempre de um prazo inferior ao estabelecido na lei para a prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado. A não acontecer essa interrupção, o interessado ficaria sempre em uma posição juridicamente desigual quanto à possibilidade do uso dos meios processuais a praticar dentro do prazo em relação aos demais interessados que não carecessem economicamente de socorrer-se do apoio judiciário por poderem contratar um patrono para defender as suas posições na acção».

9.- Importa, por isso, atender ao Acórdão n.º 98/2004 (n.º 3) para aferir se a sua decisão de não inconstitucionalidade pode ser replicada no caso sob juízo. Este aresto baseou-se essencialmente na seguinte fundamentação:
«(…) a questão de constitucionalidade está em saber se pôr a cargo do requerente da nomeação de patrono o ato de dar a conhecer e documentar no processo a apresentação do pedido, para efeitos de interrupção do prazo em curso, constitui um ónus que compromete (ou compromete desproporcionadamente) o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados.
Sem dúvida que se poderia congeminar outro sistema, fazendo, p. ex.., recair sobre os serviços de segurança social o dever de darem a conhecer, de imediato, nos pertinentes processos judiciais os pedidos de nomeação de patrono. Mas, independentemente da praticabilidade dessa ou de outras alternativas, a questão - repete-se - é a de saber se o regime, tal como o acórdão recorrido o interpretou, ofende a Constituição.
Ora, não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa.
Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.
Note-se, aliás, - o que não é despiciendo - que, no modelo de impresso aprovado, em que o requerente inscreve o seu pedido, consta uma declaração, a subscrever pelo interessado, no sentido de que tomou conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que foi fixado na citação/notificação. Com o que nem sequer pode legitimamente invocar o desconhecimento daquela obrigação.
A protecção constitucionalmente garantida pelo artigo 20.º, n.º 1, da CRP aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos não é, pois, afectada pela norma contida no artigo 24.º, n.º 5, da Lei n.º 30-E/2000, na interpretação dada pelo acórdão recorrido».

Como se assinalou ainda naquele acórdão, e foi também reiterado no Acórdão n.º 285/2005 (n.º 2):
«Não se trata de apurar (…) se a solução legislativa em causa (mantida, aliás, no n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que substituiu a Lei n.º 3º-E/2000) é a mais adequada, designadamente face à possibilidade de se instituir a obrigação de comunicação oficiosa por parte dos serviços de Segurança Social ao tribunal identificado como aquele onde pende a causa para que se solicita a nomeação de patrono da apresentação do requerimento de concessão de apoio judiciário (recorde-se que os artigos 26.º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000 e 25.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004 impõem aos serviços da Segurança Social o envio mensal de relação dos pedidos de protecção jurídica tacitamente deferidos a diversas entidades, entre elas, “se o pedido envolver a nomeação de patrono e se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, ao tribunal em que esta se encontra pendente”), assim obviando ao inconveniente de manter durante um período indefinido de tempo o tribunal da causa no desconhecimento da apresentação do pedido de nomeação de patrono, com todos os riscos de insegurança jurídica e de desenvolvimento de actividade judicial inútil que daí derivam».
Atente-se que no caso que deu origem ao presente recurso os serviços da Segurança Social chegaram a comunicar ao tribunal que o pedido de apoio judiciário fora formulado e concedido. Simplesmente - refere-se na decisão do tribunal a quo - nessa data já tinha decorrido o prazo para o réus apresentarem a contestação, não podendo interromper-se um prazo já esgotado.
Independentemente, pois, de serem configuráveis outras alternativas de solução legal para o problema, a dimensão normativa em apreço concilia adequadamente o interesse na sujeição da tramitação processual da acção judicial a prazos certos e definidos com a garantia do acesso ao direito, acautelando a necessidade de comunicação entre procedimentos processados diante de entidades diferenciadas, sem fazer impender sobre o beneficiário um ónus excessivo.
Não se verificando, pois, especificidades que determinem uma apreciação distinta da já anteriormente efectuada na jurisprudência citada, deve igualmente concluir-se pela não inconstitucionalidade da norma em apreço”.
Não se ignora que o acórdão TC n.º 585/2016 obteve um voto de vencido subscrito pelos Conselheiros João Pedro Caupers e Claudio Monteiro).

Consta desse voto de vencido que:
“(…) o problema não está na exigência da junção aos autos de tal documento, em si mesma: reside ele em que tal interpretação, imposta sempre e em qualquer caso, por um lado, exige, na prática, que tal junção seja feita pelo interessado, nessa altura então ainda desprovido de acompanhamento por advogado; por outro lado, revela-se indiferente à circunstância de o juiz, no momento em que recebe o processo, ter neste o referido documento, entretanto entregue – fora de prazo, na interpretação normativa em causa – pelo mandatário judicial juntamente com a contestação.
Desta interpretação resulta uma consequência que tenho por intolerável: o interessado, que precisa e obtém apoio judiciário, muitas vezes uma pessoa com menor instrução ou discernimento, vê-se irremediavelmente lesado nos seus direitos pela imposição de um ónus, porventura justificado, mas cujo incumprimento gera consequências absolutamente desproporcionadas (cfr. Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, pp. 839-840 e 842-843).
Acresce, muito embora se admita não se recortar aí uma questão de constitucionalidade, que considero abusiva e inaceitável, num Estado de direito respeitador dos cidadãos, a imposição a estes da obrigação de recolherem a prova de uma situação certificada por um serviço público e procederem à sua entrega noutro serviço público.
Este dever de “intermediação” é de todo injustificado: ou alguém conhece razão bastante para que sobre a segurança social não recaia o dever de remeter diretamente o documento em questão para o tribunal onde o processo corre os seus termos? Ou o Estado não é o mesmo?”

Não obstante a argumentação expendida no voto de vencido, a interpretação do nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004, no sentido de que impende sobre o requerente do apoio judiciário o ónus de fazer juntar aos autos documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário para efeitos de beneficiar da interrupção do prazo que estiver em curso, não afecta a protecção constitucionalmente garantida pelo artigo 20º n.º 1 da CRP aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos.
Com efeito, a conduta activa que a lei postula ao requerente do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, ao exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, não é mais exigente do que a conduta activa que previamente tem de assumir para requerer a concessão daquele benefício junto dos serviços da Segurança Social, não sendo, pois, mais gravosa para aquele.

Como se assinala no Ac. TC n.º 98/2004:
Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica”.

Também o não carecido de apoio judiciário tem de assumir uma conduta activa diligenciando pela sua representação processual através de mandatário forense, contratualizando os serviços deste.

Não ocorre, por isso, uma situação de desigualdade relativamente aos demais interessados que não carecem economicamente de socorrer-se do apoio judiciário por poderem contratar um advogado.

E a consequência plasmada na lei para a inércia ou displicência do requerente desse apoio não é desproporcionada, antes se assemelha a outras situações legalmente previstas em que o notificado não carecido de meios bastante para contratualizar um advogado, não contesta o alegado pela contraparte: a admissão dos factos por acordo ( arts. 574º e 587º do CPC).

E, “(…) independentemente dos conhecimentos jurídicos de que disponha, qualquer cidadão tem a percepção de que correndo um processo contra si e tendo-lhe sido assinado um prazo para a apresentação da sua defesa, bem como da obrigatoriedade de constituição de mandatário judicial, tem de dar conhecimento aos autos das diligências que encetou para neles se defender e de que esse efeito tem prazos a observar” – cfr. Ac. R.P. de 06 de Março de 2017, relatado pelo Des. Carlos Gil, acessível em www.dgsi.pt.
(…)
Registe-se ainda que a razão de ser da normado art. 24º, n.º 4, não é apenas a de evitar anulações de actos processuais posteriormente praticados no desconhecimento da apresentação tempestiva do requerimento do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, mas, e fundamentalmente, o interesse do estabelecimento de prazos peremptórios disciplinadores do processo, sendo sabido, que as partes ao longo do processo estão sujeitas ao cumprimento de diversos ónus, sob pena de verem precludidas as suas pretensões, o que resulta dos princípios fundamentais do nosso processo civil, concretamente, os princípios da auto responsabilidade das partes e da preclusão.

As partes têm, pois, o ónus de praticar os actos que devam ter lugar em prazo peremptório, sob pena de preclusão (art. 139º, n.º 3, do CPC), salvo no caso de justo impedimento (n.º 4) ou nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo (n.º 5).”

Do que se deixa dito deriva que a revelia da insolvente e o decurso do prazo de recurso não se ficaram a dever à falta de registo do pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, por parte da Segurança Social ou ao atraso desta entidade na prolação da decisão, mas sim à formulação de tal pedido já após o decurso do prazo para a dedução de oposição ao pedido de insolvência e ao não cumprimento atempado do ónus de informar o tribunal da dedução desse pedido para efeito de interrupção do prazo de recurso da sentença de declaração da insolvência.

Como se frisou, e bem, na decisão recorrida, tal é apenas, e exclusivamente, imputável à ora insolvente e não a motivo de força maior.

Não foi, pois, violado o princípio do contraditório ou o acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da Constituição).

Por último, refira-se que ainda que se devesse interpretar a lei no sentido de, no caso, o prazo de recurso da sentença declaratória da insolvência se ter reiniciado com a notificação da decisão da nomeação de patrono, ainda assim deveria a ora apelante ter interposto recurso da mesma, o que, manifestamente, não fez.

Não se verificam, pois, os requisitos legais de que depende a procedência do recurso de revisão da sentença que decretou a insolvência da ora apelante.

Improcede, por isso, a apelação.

Da questão da litigância de má fé:
Nas suas contra-alegações a apelada peticionou a condenação da recorrente como litigante de má fé.

Alegou para tanto que:
-A Insolvente, usa dos meios processuais, sem qualquer fundamento válido para o efeito, o que não devia ignorar – seja Recurso de Revisão, seja o presente Recurso de Apelação.
-A Insolvente deduziu pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, alterando a verdade dos factos, o que constitui expediente processualmente ilícito.
-Não podendo esquecer-se que a má fé se traduz na violação do dever de probidade que o artigo 5º do C. P. Civ., impõe às partes – dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias - Ac. STJ de 29/10/98, no Proc. 782/98 da 2ª secção.
-A Insolvente pretende, com o atraso evidente do processo, prejudicar os credores da presente insolvência, nomeadamente a Apelante que se depara mensalmente com uma divida de quotas de condomínio sempre a aumentar.
-Dúvidas não subsistem de que a presente demanda causou transtornos ao Apelado e o fez incorrer em despesas, custas judiciais e honorários de Advogados.
Termina pedindo a condenação da Insolvente como litigante de má-fé no pagamento de uma multa e, bem assim, a pagar ao Apelado montantes despendidos por esta última a título de despesas com o processo e honorários com mandatário, tudo nos termos dos artigos 542.º n.º 1 e 2 alíneas a), b) c) e d) e 543.º n.º 1 alínea a) ambos do Código de Processo Civil valor esse que se estima em cerca de € 2.000,00 (dois mil euros).

Vejamos.

A condenação do pleiteante como litigante de má fé tem um forte cariz punitivo do seu comportamento processual, por ter como requisito um comportamento eivado de dolo ou de negligência grave, ficando tal actuação incursa na previsão do art. 542º do Código de Processo Civil.

Este normativo estatui nos n.ºs 1 e 2:
1–Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2–Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a)-Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b)-Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c)-Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d)-Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Na apelação está apenas em causa o comportamento processual da recorrente ao interpor o presente recurso, posto que a conduta processual da mesma no decurso da acção não foi alvo de qualquer decisão em 1ª instância, não tendo aí sido suscitada a questão da litigância de má fé, não podendo esta Relação dela conhecer.

A questão reconduz-se, pois, a saber se o comportamento da apelante, ao interpor recurso, deve ser considerado doloso ou, pelo menos, gravemente negligente, por estar ciente da sua falta de razão ou por não dever razoavelmente ignorar tal.

Dos elementos constantes dos autos não se infere ter a recorrente agido com dolo e com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão recorrida.

No que toca à negligência grave, resulta dos autos que a apelante interpôs recurso, sem impugnar, na sua essencialidade, a fundamentação vertida na decisão recorrida no que toca à inexistência de uma situação de falta de citação e ao decurso do prazo de interposição de recurso, visto que, quando informou nos autos ter peticionado o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, já se encontrava esgotado o prazo de recurso. E, não obstante ter apresentado o referido pedido de apoio judiciário já depois do decurso do prazo de oposição (este terminou dia 4/11/2020), reitera no recurso que não apresentou contestação por motivo de força maior.

Esta actuação da recorrente quase raia a má-fé processual.

Todavia, na apelação a mesma arguiu também a nulidade da sentença recorrida e uma nulidade processual, por alegada violação do princípio do contraditório. Invocou ainda que a interpretação das normas legais efectuada na sentença recorrida viola o princípio constitucional do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva, vertido no art. 20º da Constituição.

E a circunstância desta Relação ter desatendido tal, apenas significa que aquela não tinha razão.

A improcedência da apelação não é, porém, sinónimo de culpa grave da recorrente, não se podendo deduzir dos factos disponíveis que a apelante não podia razoavelmente desconhecer a falta de fundamento do recurso e que agiu sem qualquer ponderação.

E, como vem constituindo entendimento prevalecente na jurisprudência, a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito em que vivemos, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artº. 542º do CPC), havendo sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, e daí que se recomende uma certa prudência e razoabilidade, na formulação do juízo sobre essa má fé. Daí que a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave - vide, entre outros, os Acs. do STJ de 26/01/2017, proc. nº. 402/10.4TTLSB.L1.S1; de 02/06/2016, proc. nº. 1116/11.3TBVVD.G2.S1; de 21/04/2016, proc. nº. 497/12.6TTMR.E1.S1, de 11/9/2012, proc. nº. 2326/11.09TBLLE.E1.S1; Ac. da RC de 16/12/2015, proc. 298/14.7TBCNT-A.C1, e Ac. da RE de 26/02/2014, todos publicados in www.dgsi.pt).

Assim sendo, desatende-se, o pedido formulado pela apelada de condenação da apelante como litigante de má fé, em multa e em indemnização.

As custas do recurso ficam a cargo da apelante, nos termos do art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

As custas do incidente de litigância de má fé ficam a cargo da apelada, enquanto parte vencida, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC, nos termos do art. 7º, n.º 4 do RCP

Sumário:
1.-Decorre n.º 4º da Lei.º 34/2004, de 29 de Julho, que incumbe ao requerente do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, e parte interessada na interrupção do prazo que estava a correr, juntar cópia do respectivo pedido ao processo para o qual requereu aquele benefício.
2.-O Tribunal Constitucional tem vindo a entender (Acórdãos n.ºs 585/2016.º, 350/2016, 117/2010, 57/2006, 285/2005 e 98/2004) que esta interpretação daquele normativo se mostra conforme à Constituição.
3.-A conduta activa que a lei postula ao requerente do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, ao exigir que documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, não é mais exigente do que a conduta activa que previamente tem de assumir para requerer a concessão daquele benefício junto dos serviços da Segurança Social, não sendo, pois, mais gravosa para aquele.
4.-A razão de ser da normado art. 24º, n.º 4, não é apenas a de evitar anulações de actos processuais posteriormente praticados no desconhecimento da apresentação tempestiva do requerimento do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, mas, fundamentalmente, o interesse do estabelecimento de prazos peremptórios disciplinadores do processo.
5.-Não se encontrando em curso, na data em que o tribunal tomou conhecimento da formulação daquele pedido de apoio judiciário, o prazo de apresentação de oposição nos autos de insolvência, assim como o prazo de recurso da sentença declaratória da insolvência, não poderia o tribunal a quo declarar o mesmo interrompido, por se ter esgotado, não se verificando o fundamento de revisão desta sentença, transitada em julgado, plasmado no art. 696º, n.º 1, al. e) iii) do CPC.
6.-A condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave.
***

V.– Decisão:

Pelo acima exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida;
Julgar improcedente o pedido, formulado pela apelada, de condenação da apelante como litigante de má fé em multa e indemnização, absolvendo-se esta do pedido;
Custas do recurso pela apelante;
Custas do incidente de litigância de má fé pela apelada, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC;
Notifique.


21 de Março de 2023


(Manuel Marques- Relator)
(Pedro Brighton- 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques- 2ª Adjunta)