Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1960/19.3T8VFX-B.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE SOUSA
Descritores: ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Sumário: da responsabilidade do relator:
I. Entre os argumentos que favorecem a instituição da residência alternada avultam os seguintes: satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores; permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da identidade pessoal do menor; diminui o conflito parental e previne a violência na família; potencia a qualidade da relação progenitor/criança; reduz o risco e a incidência da “alienação parental”; mantém relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da família intacta; os conflitos de lealdade que os jovens mostram tendem a desaparecer com a organização dos tempos em família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos; fortalece a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e reforça, por esta via, o papel parental; a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias; melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais.
II. O argumento assente na instabilidade que a mudança de residência pode provocar deve ser relativizado porquanto: a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que começa com a separação, a qual implica que as crianças terão que se integrar sempre em duas residências; trata-se de mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas; a continuidade e estreitamento da implicação materna e paterna, da cooperação parental, e dos benefícios daí resultantes para o menor sobrelevam face a tal inconveniente.
III. Justifica-se a fixação de um regime com residência alternada num contexto em que: a criança tem uma relação securizante, gratificante e igualmente vinculativa quer com o pai quer com a mãe; o pai e a mãe são presentes, empenhados, e priorizam o interesse da criança na organização do seu tempo; existe um apoio e relação de proximidade por parte das família alargadas, quer do pai quer da mãe; os progenitores residem a 21 km de distância; os progenitores já instituíram mesmo uma residência alternada.
IV. «Os pais podem contribuir para uma boa adaptação dos filhos à nova realidade familiar que é criada depois da separação. É preciso que as duas figuras parentais mantenham boas e continuadas relações com eles, pois isto incide em grande medida na sua estabilidade, assim como não perder a função parental, correspondendo às suas necessidades sempre que estes o requeiram. / Transmitir respeito e aceitação em relação ao outro progenitor, que a criança sinta que pode falar com liberdade de um com o outro e com o resto da família. Mostrar habilidade para negociar e resolver com êxito os problemas relacionados com os filhos. / Manter os filhos à margem dos processos legais
V. «(…) quando os pais não sabem estabelecer limites para os filhos, as crianças acabam por pensar que eles não se preocupam com elas. Apesar de nunca o manifestarem, as crianças necessitam que os adultos estabeleçam limites e linhas de orientação.»
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
 AB veio requerer contra CD,  na qualidade de progenitores de EF, a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança, solicitando que, pela sua procedência fosse, em síntese, determinado que a criança passe a residir alternadamente com ambos os progenitores, com frequência semanal.
Para tal, alega, em síntese, que o regime fixado, por si cumprido escrupulosamente, já não se adequa às necessidades da menor, sendo que pretende fazer parte mais assídua da vida da mesma.
Citada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 42, n.º3 do RGPTC, a requerida opôs-se à pretensão do requerido, alegando que o regime pretendido poria em causa o equilíbrio da menor, sendo que tem melhores condições logísticas para estar com a menor, uma vez que vive e reside perto do estabelecimento de ensino que a mesma frequenta.
Foi realizada a conferência de pais a que alude o artigo 35º do RGPTC,  não tendo sido possível a obtenção de acordo.
Foi determinada a realização de mediação familiar, nos termos do disposto no artigo 38º, al. a) do RGPTC, durante a qual não foi possível obter consenso.
Realizada a continuação da conferência de pais e na ausência de consenso, foram as partes notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39º, n.º4 do RGPTC, tendo o requerente alegado e apresentado testemunhas.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Em face de todo o exposto, e nos termos conjugados dos artigos 1905.º e 1906.º do Código Civil e 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, decide-se alterar o regime anteriormente estabelecido e regular o exercício das responsabilidades parentais relativo à menor EF da forma seguinte:
1.º - A menor ficará a residir com a mãe CD, zelando esta pela sua saúde, segurança, alimentação e educação;
2.º - O exercício das responsabilidades parentais da menor é exercido conjuntamente por ambos os progenitores (artigo 1906.º, n.º 1 do Código Civil), sendo as questões a decidir por ambos os progenitores as fixadas supra.
3.º - O regime de contactos/vistas da menor com a progenitora será feito da forma regulada supra, dando-se aqui o regime por reproduzido.
4.º - O pai da menor entregará à mãe, a título de alimentos devidos, a importância mensal de cento e cinquenta euros, até ao dia oito de cada mês, por transferência bancária, para o Iban que está indicado nos autos.
Pagará, ainda, metade das despesas de saúde, na parte não comparticipada, bem como as despesas escolares (livros e material) de início de ano.
As demais despesas serão repartidas da forma estabelecida supra.
5.º - A pensão de alimentos fixa será actualizada na proporção do índice de preços no consumidor (total geral) do ano anterior, ocorrendo a primeira actualização com a pensão que for devida em Janeiro de 2026 de e as seguintes no mês de Janeiro de cada ano.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o progenitor formulando, no final das suas alegações, as seguintes
CONCLUSÕES:
A) O Recorrente instaurou a presente ação pedindo a alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais relativa à sua filha, EF, de forma que a menor passe a residir, em alternância semanal, com o pai e com a mãe, devendo ambos assumir, em partes iguais, todas as despesas necessárias ao seu sustento e educação.
B) Para tanto, alegou, em suma, que à data da regulação que fixou a residência da EF junto da mãe e os contactos quinzenais, de quinta a domingo, com o pai, com jantar e pernoita à terça-feira e à quinta-feira, a menor tinha apenas 1 ano e 3 meses de idade e que, em face da idade atual da menor ( 6 anos), não obstante o regime de visitas formalmente em vigor ser alargado, é, ainda assim, redutor, não defendendo o superior interesse da menor, dada a proximidade e relação que pai e filha estabeleceram ao longo do tempo, sendo do senso comum que, para um crescimento saudável da criança, é essencial que esta possa ter uma relação o mais equitativa possível com ambos os progenitores.
C) Pelo que, um regime de residência alternada semanal entre o pai e a mãe, com a consequente repartição igualitária dos contactos, das responsabilidades e das despesas, serve melhor o superior interesse da EF, já que diminui a distância entre os progenitores, que passarão, assim, a ser ambos centrais na vida da filha, sendo esta a solução preconizada pelo legislador e acolhida pela grande maioria da doutrina e da jurisprudência.
D) A Recorrida opôs-se à pretensão do Recorrente, com a alegação de que a residência alternada poria em causa o equilíbrio da menor e que a mesma oferece melhores condições para ter a filha, uma vez que reside perto do estabelecimento de ensino que a menor frequenta.
E) Não foi possível alcançar o acordo entre os progenitores, quer na conferência de pais, quer na mediação familiar, pelo que o processo seguiu para julgamento, no âmbito do qual foram realizados exames periciais para avaliação das competências parentais, tendo o Senhor perito concluído que ambos os progenitores se mostram competentes.
 F) Ao longo da audiência de julgamento ambos os progenitores manifestaram vontade em alterar o regime em vigor, para um regime de residência alternada semanal, por considerarem mais estável para a menor, não obstante estarem em desacordo quanto à localização da escola a frequentar pela mesma.
G) O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida nos autos, que decidiu alterar o regime formalmente em vigor, mantendo a residência da menor junto da mãe, com visitas ao pai, de sexta-feira a segunda-feira, nos termos acima melhor indicados.
H) O Recorrente entende, salvo melhor opinião, que a Douta Sentença recorrida não traduz a prova produzida nos autos, nem respeita a legislação em vigor, designadamente, o que dispõem os artigos 1906.º, n.ºs 5 e 7 do CPC e artigo 40.º do RGPTC.
De facto,
I) O Tribunal “a quo” deu como provados, os seguintes factos (o negrito e o sublinhado são nossos):
(…)
J) Ora, basta atentar na matéria de facto dada por demonstrada, para se alcançar a conclusão de que, no presente caso, se encontram reunidas todas as condições para se determinar a residência alternada, ainda que por períodos diferentes dos que os progenitores têm vindo a praticar, de resto, com sucesso, desde 2022, não obstante as dificuldades de diálogo e as diferenças de modelos educativos, sendo este o regime que melhor defende o superior interesse da EF e ao qual a menor está perfeitamente adaptada.
Com efeito,
K) Diante da prova que foi produzida, resulta que os pais da EF se separaram quando a mesma tinha pouco mais de 1 ano de idade e que a menor ficou a viver com a mãe, mantendo um regime de contactos alargado com o pai, de quinta a domingo, de 15 em 15 dias, e, ainda, jantar e pernoita às terças e quintas na semana em que não estava com o pai ao fim de semana.
L) Resulta igualmente provado, que na pendência dos presentes autos a menor passou, por acordo, a residir com a mãe e com o pai, alternadamente, de dois em dois dias, isto é, em moldes pouco comuns, mas que estes estariam dispostos a alterar para um período semanal, sendo certo que a EF se mostra adaptada a esta rotina, e que os pais são ambos colaborantes e participativos na vida da filha.
M) Também é certo que ambos os progenitores reúnem todas as condições para cuidar da filha e garantir a satisfação das suas necessidades, e que contam com a estreita colaboração da família alargada.
N) Neste contexto, da prova que foi produzida resulta claro que a EF beneficia de uma prestação adequada de cuidados, quer por parte do pai, quer por parte da mãe, que a criança está perfeitamente adaptada às suas rotinas familiares, que mantém com todos os familiares próximos uma relação de grande proximidade efetiva, que está feliz com a mãe e com o pai.
O) Donde, só a partilha de tempo, quer com o pai, quer com a mãe, por períodos semanais, permite manter, o que já vem acontecendo, um equilíbrio de contactos, vivências e afetos, o qual se mostra consistente e que é vivido pela EF de forma tranquila e natural.
P) E o facto de os pais manterem uma relação de pouco diálogo entre si e de desacordo quanto a alguns aspetos da vida da menor e a modelos educativos a seguir, não obstaculiza a residência alternada, tanto mais que, os progenitores têm conseguido ultrapassar as divergências, mantendo desde há dois anos um regime de residência alternada, ainda que por período pouco aconselhável, o qual estão dispostos a alterar.
Q) No que respeita às diferenças educativas de ambos os pais, estas não deixarão de se verificar se a EF viver maioritariamente com um dos pais, já que sempre conviverá e estará com o outro, ainda que por períodos mais curtos.
R) Neste sentido, somos de parecer que, no caso concreto, a decisão recorrida deveria ter privilegiado uma solução de continuidade, uma vez que ficou demonstrado que a EF se sente feliz e confortável ao residir, alternadamente, com cada um dos progenitores, com os quais mantém um forte vínculo afetivo.
S) Resulta, assim, de tudo quanto vem sendo exposto, que a matéria dada por provada nos autos impunha uma decisão diversa daquela que veio a ser proferida, isto é, impunha que o regime inicialmente fixado, de residência com a mãe, fosse alterado para um regime de residência alternada – cf. o que dispõem os artigos 1906.º, n.ºs 5 e 7 do CC e artigo 40.º do RGPTC.
Ora,
T) Ocorre nulidade da sentença, quando os fundamentos de facto estão em contradição com a decisão – cf. artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.
U) Neste sentido, pelo que acima se aludiu, a sentença ora em causa é nula, por contradição entre a fundamentação de facto e de direito, conforme dispõe o artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, nulidade que ora se invoca, para os devidos e legais efeitos.
Sem prescindir, mas por cautela,
V) O Recorrente considera incorretamente julgados os seguintes factos:
(...)
16 – “Os progenitores da EF mantêm um relacionamento conflituoso, sendo que, dificilmente concordam quanto aos aspetos relevantes como o ensino, as consultas médicas de pediatria”.
(...)
26 – No entendimento do perito que procedeu à avaliação das competências parentais dos progenitores, não obstante nenhum deles apresente características ou patologias que ponham em causa o exercício das responsabilidades parentais, não é aconselhável o regime de residência partilhada, dadas as divergências quanto à forma de educar e estar dos progenitores”.
(...)
Já que,
W) Não resulta da prova produzida nos autos que os progenitores mantenham um relacionamento conflituoso, antes, discordante, o que decorre de conceções diferentes que têm quanto à educação (por exemplo, localização da escola), alimentação e saúde, pese embora estas divergências não sejam em si mesmas graves, a ponto de colocar em causa o bem-estar e a tranquilidade da EF, como se verifica e nada foi demonstrado em contrário.
X) Assim, ao julgar provado o facto constante do ponto n.º 16 nos moldes em que o fez, o Tribunal fez uma incorreta apreciação da prova, devendo a decisão da matéria de facto ser alterada em conformidade com o disposto no artigo 640.º e 662.º, n.º 2, do CPC. e, em consequência, dar-se como provado que “Os progenitores da EF têm dificuldades de comunicação, não estando de acordo quanto a alguns aspetos da vida da menor, tal como a localização da escola, a alimentação e as consultas médicas de pediatria.”
Por outro lado,
 Y) O Tribunal incorreu, também, em erro de julgamento, ao dar como provado o facto constante do ponto n.º 26 da matéria de facto provada, nos moldes em que o faz, já que, o que decorre do texto do relatório pericial é que o Senhor perito coloca algumas “reservas”, isto é, hesitações, quanto ao regime da guarda partilhada/residência alternada, em face das dificuldades de comunicação existente entre ambos os pais; no entanto, não a desaconselha, contraindica ou desaprova.
Z)         Assim, deve a decisão da matéria de facto ser alterada em conformidade com o disposto no artigo 640.º e 662.º, n.º 2, do CPC. e, em consequência, dar-se como provado que “No entendimento do perito ... colocam-se algumas reservas ao regime da residência partilhada, dadas as dificuldades de comunicação entre ambos os pais”.
DA RESIDÊNCIA ALTERNADA:
AA) O objeto dos presentes autos consiste na alteração da regulação das responsabilidades parentais da menor EF.
BB) Aquando da entrada da presente ação, os pais não estavam de acordo quanto ao regime a adotar para a filha, o que veio a alterar-se na pendência do processo, tendo a menor passado a residir, alternadamente, com cada um dos progenitores, por acordo, sendo que, foi a escolha e localização do estabelecimento de ensino que, efetivamente, impeliu a realização do julgamento, por se entender que se trata de uma questão de especial importância (o que o Tribunal não concorda)
CC) Produzida a prova, o Tribunal optou pelo regime de residência única, com a mãe, tendo restringido de forma substancial os contactos da menor com o pai (visitas e contactos, de 15 em 15 dias), o que significa, em face da prova, um autêntico retrocesso na vida da EF, com efeitos nefastos na menor, embora o Tribunal considere que tal regime é o que melhor salvaguarda o superior interesse da EF.
 DD) O regime de guarda partilhada/residência alternada é cada vez mais uma tendência, apoiada pelos Tribunais, pela doutrina e pela jurisprudência, uma vez que proporciona uma participação igualitária de ambos os progenitores na vida dos filhos, e uma maior responsabilização de ambos na educação e desenvolvimento dos mesmos.
EE) O Tribunal deve decidir de acordo com o interesse do menor” incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando  acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com  ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
FF) Este é um regime cuja aplicação depende da verificação de várias condições, razão pela qual deve ter-se em devida consideração o caso em concreto.
GG) No caso dos presentes autos, verifica-se que estão reunidas condições, tal como se aludiu supra, que permitem e aconselham, a aplicação de um regime de residência alternada, tendo em consideração os vários aspetos supra enunciados:
HH) A menor tem 6 anos de idade e a sua ligação a ambos os progenitores, e à família destes, é bastante profunda, sendo que, na pendência dos presentes autos passou, por acordo dos pais, a residir com ambos, alternadamente, estando perfeitamente adaptada a esta rotina e está feliz, tanto com o pai, como com a mãe, sendo ambos colaborantes e participativos na vida da filha, a quem garantem a satisfação de todas as necessidades, não obstante manterem uma relação de pouco diálogo entre si e de desacordo quanto a alguns aspetos da vida da menor.
II) Há, ainda, a considerar o fator da distância que medeia a casa da mãe, da casa do pai – cerca de 22/25 Km – a qual nos parece, ao contrário daquele que é o entendimento do Tribunal, bastante próxima, circunstância que facilita, no caso dos autos, a concretização da residência alternada.
JJ) Desconsiderando tais aspetos, não só o Tribunal decidiu contrariamente aos factos provados, como, também, contra o superior interesse da EF, violando o que dispõem os artigos 1906.º, n.ºs 5 e 7 do CC e artigo 40.º, do RGPTC.
KK) Assim, entende o Recorrente que, em face da situação existente e à prova produzida nos autos, o superior interesse da EF aconselha um regime de continuidade, isto é, que seja fixada a residência alternada, por períodos semanais, em termos semelhantes aos modestamente sugeridos supra, no ponto V.21.
LL) O que se requer seja determinado por este Venerando Tribunal.
Nestes termos e nos mais de Direito que serão doutamente supridos, deverão V. Exas. julgar o presente recurso integralmente procedente, por provado, e, em consequência, declarar a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos e com os fundamentos supra alegados;
Caso assim não se entenda, deverá determinar-se a revogação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, e a sua substituição por outra que decida fixar a residência da menor EF com a mãe e com o pai, em semanas alternadas, tudo no superior interesse da criança.
Assim se fazendo a v/ costumada JUSTIÇA! »
*
Não se mostram juntas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidade da sentença;
ii. Impugnação da decisão da matéria de facto;
iii. Se deve ser alterado o regime das responsabilidades parentais nos termos propugnados pelo apelante.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
A jurisprudência citada neste acórdão sem menção da origem encontra-se publicada em www.dgsi.pt.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1- EF nasceu no dia 14 de Junho de 2018 e é filha de requerente e requerida.
2- Após o nascimento da EF, os progenitores viveram algum tempo como se marido e mulher se tratassem, em Benavente, mas, devido a desentendimentos, separaram-se, passando a mãe a residir em (...)ra.
3- Os pais da EF separaram-se antes de a mesma perfazer um ano de idade.
4- Por acordo, datado de 23 de Setembro de 2019, homologado por sentença, no âmbito dos autos principais, foi fixada a residência da EF com a mãe, cabendo a gestão dos atos da vida corrente da menor à mãe com quem residia ou ao pai, quando com ele se encontrasse no regime de contactos.
5- Acordaram os progenitores em estabelecer como questões de particular importância, a carecerem do entendimento de ambos os progenitores: a alteração da residência da menor para o estrangeiro e a realização de intervenções médicas ou medicamentosas programáveis que pudessem por em causa a vida ou a integridade física da menor.
6- Mais estabeleceram quanto aos contactos com o progenitor, fins de semana quinzenais, com pernoita de quinta a domingo, e pernoitas à terça e quinta feira na semana em que a menor não passasse o respetivo fim de semana com o mesmo.
7- Atualmente, a menor tem estado a residir no regime de dois dias com cada progenitor.
8- A menor apresenta sentimentos de solidão, necessitando que brinquem mais com ela.
9- A menor gosta de estar com ambos os progenitores, não manifestando qualquer preferência pela vida que vive com um ou com outro.
10- Atualmente, a menor frequenta o ensino básico, mostrando ser uma criança alegre, embora, por vezes, tímida.
11- Quando a menor está com o pai, está com este e com a sua atual companheira, a testemunha SF.
12- Em casa do pai a EF tem um quarto só para si.
13- A EF mantem um relacionamento afetuoso como a companheira do pai, interpelando-a para participar nas suas atividades.
14- Com o progenitor, a menor mantém um relacionamento de cumplicidade e afeto.
15- A família alargada paterna também tem uma relação próxima com a menor.
16- Os progenitores da EF mantêm um relacionamento conflituoso, sendo que, dificilmente, concordam quanto a aspetos relevantes como o ensino, as consultas médicas de pediatria.
17- A EF apresenta-se na escola sempre bem cuidada.
18- Em contexto escolar não demonstra qualquer preferência por estar com um progenitor ou com outro, indo e vindo bem com ambos.
19- Ambos os progenitores são figuras presentes e participativas com a escola.
20- Em casa da mãe, a EF habita com a mãe, a avó materna e o irmão mais velho, com quem mantém uma boa relação.
21- Tem um quarto só para si.
22- O requerente é fisioterapeuta, trabalha em vários sítios, em vários horários, sendo que em alguns deles tem que passar na Auto Estrada junto a (...)ra.
23- Aufere mensalmente quantia não concretamente apurada.
24- A progenitora trabalha na (...), por turnos que variam entre as 8 h /16 h e 15h e 30 m/23 horas e 30 minutos.
25- Quando o horário laboral não permite à progenitora assegurar a ida ou a vinda da escola, a sua progenitora (avó materna da EF) assegura-o.
26- No entendimento do perito que procedeu à avaliação das competências parentais dos progenitores, não obstante nenhum deles apresente características ou patologias que ponham em causa o exercício das responsabilidades parentais, não é aconselhável o regime da residência partilhada, dadas a divergências quanto à forma de educar e estar dos progenitores.
27- Ambos os progenitores contam com o apoio logístico da família alargada.
28- A EF começou a apresentar um comportamento agressivo, por volta dos três anos, sendo que, após um período de acalmia, tal comportamento retornou.
29- Este comportamento caracteriza-se essencialmente por não aceitar o “Não”, invocando que em casa do outro progenitor as coisas são feitas de forma diferente.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nulidade da sentença
O apelante sustenta que a sentença é nula, nos termos do Artigo 615º, nº1, al. c), porquanto existe contradição entre os fundamentos de facto e a decisão.
A propósito da nulidade prevista na primeira parte da al. c), refere-se em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, pp. 793-794:
«A nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente (STJ 8-9-21, 1592/19, STJ 3-3-21, 3157/17, STJ 29-10-20, 1872/18). » No mesmo sentido, cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.1.2024, Nuno Gonçalves, 21/21.
«Não há nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão ou ininteligibilidade quando, na decisão em crise, se explica claramente o percurso trilhado para chegar à decisão, retirando-se das premissas as devidas consequências e não se registando quebras no raciocínio lógico» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.1.2025, Catarina Serra, 57/16).
No caso em apreço, não ocorre tal nulidade porque existe conformidade entre a fundamentação de direito adotada na sentença e o subsequente dispositivo. O que o apelante pretende arguir é erro de julgamento, no sentido de que o juiz decidiu à revelia dos factos provados e em desarmonia com estes, sendo que o erro de julgamento constitui realidade diversa de nulidade da sentença.
Impugnação da decisão da matéria de facto
O apelante pretende que se proceda à alteração da matéria de facto provada nos seguintes termos:

FACTO CONSIDERADO PROVADO PELO TRIBUNAL A QUO:NOVA REDAÇÃO IMPETRADA PELO APELANTE:
16- Os progenitores da EF mantêm um relacionamento conflituoso, sendo que, dificilmente concordam quanto aos aspetos relevantes como o ensino, as consultas médicas de pediatria.16- Os progenitores da EF têm dificuldades de comunicação, não estando de acordo quanto a alguns aspetos da vida da menor, tal como a localização da escola, a alimentação e as consultas médicas de pediatria.
26- No entendimento do perito que procedeu à avaliação das competências parentais dos progenitores, não obstante nenhum deles apresente características ou patologias que ponham em causa o exercício das responsabilidades parentais, não é aconselhável o regime de residência partilhada, dadas as divergências quanto à forma de educar e estar dos progenitores.26- No entendimento do perito que procedeu à avaliação das competências parentais dos progenitores, não obstante nenhum deles apresente características ou patologias que ponham em causa o exercício das responsabilidades parentais,  colocam-se algumas reservas ao regime da residência partilhada, dadas as dificuldades de comunicação entre ambos os pais.

Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil).
O recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que reputa incorretamente julgados bem como a decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos prestados com afloramentos de resultados probatórios que entendem ter sido logrados na produção da prova.[3][4]  Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado na al. c), do nº 1, do art. 640º, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.[5] 
O apelante não cumpriu, quanto ao facto 16, o ónus processual decorrente do Artigo 640º, nº1, al. b) e nº2, als. a) e b), porquanto não precisou as passagens das gravações dos depoimentos em que se baseiam nem procedeu sequer à transcrição de tais passagens dos depoimentos.
A este propósito, é pertinente a seguinte jurisprudência:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.1.2025, Emídio Santos, 624/20:
I – Quando o meio de prova que o recorrente diz ter sido incorretamente apreciado for uma prova gravada, não basta ao recorrente, para cumprir o ónus previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC, alegar que esse meio de prova não tem o sentido e o alcance probatório que lhe foi dado pelo julgador.
II - Cabe-lhe indicar as passagens em que se funda o seu recurso ou transcrever os excertos que considere relevantes.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.1.2023, Vieira e Cunha, 2387/20:
I – A natureza da exigência legal prevista na al. b) do n.º1 do art.º 640.º do CPCiv, também em conjugação com a norma da al. a) do n.º2 do mesmo artigo, impõe a indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretendida modificação dos factos concretamente impugnados e a especificação, no recurso, das concretas razões trazidas à análise probatória por esses referidos meios de prova.
II - Impondo-se a análise do recorrido à luz de princípios de proporcionalidade ou adequação, será apenas de evitar o acolhimento da pretensão recursória que se traduza numa total reapreciação da prova pela 2.ª instância ou (o seu equivalente) que se traduza em recurso genérico, em matéria de indicação das passagens da gravação, no caso de provas gravadas.
III – Se a indicação das passagens da gravação relevantes não é precisa (indica-se apenas a totalidade do depoimento), mas a imprecisão é compensada de duas formas: pelo destaque, a negrito, dos pontos que se entendem salientar e pela transcrição mais abreviada, constante das conclusões, e se, observados os requisitos legais, não apenas os Recorrentes indicaram as passagens da gravação relevantes, como também procederam à transcrição das partes importantes do depoimento, que tinham antes destacado no corpo das alegações, cumprirá fazer baixar o processo à Relação, para que seja julgado o recurso em matéria de facto.
Assim sendo, rejeita-se a impugnação da decisão de facto quanto ao facto 16.
Já quanto ao facto 26, o mesmo decorre apenas do teor do relatório pericial efetuado aos progenitores. Nos termos desses relatórios periciais ao pai e à mãe, o Sr. Perito formulou a seguinte conclusão nos dois relatórios: «7.6.2. Apesar da aparente abertura, manifestada por ambos os progenitores para um formato de guarda partilhada/residência alternada, a qual parece também ter recetividade pela criança, colocam-se algumas reservas à funcionalidade desta medida dadas as dificuldades de comunicação entre ambos os pais.»
Não tendo o Sr. Perito sido ouvido em julgamento, o que o tribunal a quo deveria ter atendido era ao teor textual do relatório apenas. Assim sendo, procede a impugnação da matéria de facto quanto a este facto 26, passando a redação do mesmo a ser a seguinte:
26-  No entendimento do perito que procedeu à avaliação das competências parentais dos progenitores, não obstante nenhum deles apresente características ou patologias que ponham em causa o exercício das responsabilidades parentais,  colocam-se algumas reservas ao regime da residência partilhada, dadas as dificuldades de comunicação entre ambos os pais.
Se deve ser alterado o regime das responsabilidades parentais nos termos propugnados pelo apelante
O tribunal a quo não atendeu à pretensão do requerente/apelante de fixação de um regime de residência alternada, essencialmente com esta fundamentação:
«A primeira questão a decidir reside em saber se a residência da menor deve ficar estabelecida com a mãe ou com o pai, ou com os dois alternadamente, e, consequentemente, se o exercício das responsabilidades parentais deve ser exercido em conjunto ou se, tendo em conta o interesse da menor, deve ser atribuído em exclusivo a um dos progenitores (artigo 1906.º, n.os 1 e 2 do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro).
Com vista a dar cumprimento aos poderes-deveres funcionais que incumbem aos progenitores, o exercício das responsabilidades parentais é um instituto desenvolvido em benefício da criança, onde os progenitores são colocados perante o filho como vinculados por deveres que os responsabilizam face a ele e, também, diante da sociedade, não sendo, pois, meros titulares de poderes a exercer discricionariamente.
O regime de residência alternada é naturalmente o mais adequado em casos de separação dos progenitores e em que ambos reúnem competências parentais, habitando ambos próximos, o que não é o caso nos presentes autos, uma vez que residem a mais de 30 km de distância.
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 16 de Março de 2017, in www.pgdl.pt 1 - O superior interesse do menor é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar-se interesse do menor. O fim do casamento ou outra relação não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais. Relativamente à residência alternada, haverá que ter em conta o princípio de que será sempre o interesse do menor a nortear a decisão (n°s 5 e 7 do artigo 1906°). Assim, não obstante a boa relação que a menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação de ambos, a residência alternada só poderá ser uma opção se for do interesse da menor. Numa idade em que a criança  ainda não tem autonomia nas suas decisões mais correntes da vida é do seu  interesse um regime que privilegie a estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida, o que não se mostra viável quando os progenitores  mantêm uma relação conflituosa.
Ora, apesar de resultar que ambos os progenitores revelam competências para o exercício das responsabilidades parentais, se bem com estilos diferentes, o que é certo é que os mesmos mantêm, desde a separação, uma relação de cariz conflituoso (se bem que com períodos de maior agudização), sendo que não se entendem em questões de saúde, ensino e alimentação.
Considerando que, de acordo com o regime estabelecido legalmente, a residência da EF ficou estabelecida com a progenitora, sendo que apenas após a mediação familiar foi estabelecido um verdadeiro regime de residência alternada (se bem que sui generis); considerando que a menor mantem uma boa relação com a progenitora, sendo que frequenta estabelecimento de ensino junto da residência desta e que o progenitor não se mostrou aberto a trazer e levar a menor para o estabelecimento de ensino que a menor frequenta; considerando que, juntamente com a progenitora vive um irmão uterino da EF, com quem esta mantém uma sã relação de irmãos, entendemos que a residência da menor deve ser fixada com a mãe.
A gestão do dia a dia da menor (alimentação, higiene, vestuário, horas de brincadeira e de descanso) caberá à mãe diariamente e ao progenitor quando estiver com esta no regime de visitas.»
Não acompanhamos o raciocínio expendido pelo tribunal a quo, sendo nosso entendimento que deverá ser instituído um regime de residência alternada, consoante se passa a explicitar.
Nos termos do Artigo 1906º do Código Civil:
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou a progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente poder exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 — Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circuns­tâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8 - O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9 — O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
A questão da residência alternada tem vindo a ser objeto de larga análise na doutrina e na jurisprudência, havendo argumentos a favor deste regime e argumentos que o questionam.
A favor da instituição de regime com residência alternada do menor são aduzidos os seguintes argumentos.
Jorge Duarte Pinheiro, Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora, 2015, pp. 338-339, defende que a regra deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência, com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho, indicando as seguintes quatro fortes razões em abono do exercício alternado das responsabilidades parentais: 1. É um modo de tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de um meio; 2. É uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades entre os pais; 3. É a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos Artigos 36º, nº5 e 13º da CRP e pelo Artigo 18º da Convenção Sobre os direitos da Criança; 4. É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (Artigo 36º, nº6, da CRP).
«A residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis materno e paterno é fundamental para o saudável crescimento dos filhos pois permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal» - Ana Vasconcelos, “Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo I, julho 2014, Ebook CEJ, p. 10.
Segundo um estudo de Edwark Kurk, “Arguments for na Equal Parental Responsibility Presumption In Contested Child Custody”, in The American Journal of Family Therapy, Volume 40, 2012, pp. 33-55, constituem argumentos que legitimam a imposição da residência alternada:
1. Preserva a relação da criança com ambos os pais.
2. Preserva a relação dos pais com a criança.
3. Diminui o conflito parental e previne a violência na família.
4.Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse.
5. Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança.
6. Reflete o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio;
7. Potencia a qualidade da relação progenitor/criança;
8. Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a litigância;
9. Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais;
10. Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão judicial;
11. Reduz o risco e a incidência da “alienação parental”,
12. Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais.
13. Considera os imperativos de justiça social relativos aos direitos da criança;
14. Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia, à igualdade, direitos e responsabilidades;
15. O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem suporte empírico;
16. A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades parentais rem suporte empírico.
Analisando quarenta estudos realizados a nível internacional, Linda Nielsen, “Custódia física partilhada. 40 estudos sobre os seus efeitos nas crianças”, in Sofia Marinho e Sónia Vladimira Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017, p. 67, afirma:
«De modo geral, os 40 estudos chegaram a várias conclusões semelhantes. Em primeiro lugar, a custódia física partilhada está associada a melhores resultados de crianças de todas as idades ao longo de um amplo espetro de indicadores de desempenho e bem-estar emocional, comportamental e de saúde física. Em segundo lugar, não foram encontradas evidências de que as dormidas na casa do pai e custódia física partilhada estejam associadas a desempenhos negativos dos bebés e das crianças pequenas. Em terceiro lugar, quando as crianças têm um mau relacionamento com o pai os resultados não são tão positivos. Em quarto lugar, mesmo que tendencialmente os progenitores com custódia física partilhada tendam a ter rendimentos mais elevados e a manterem relações com menor conflito, estes dois fatores isolados não explicam os melhores desempenhos das crianças. E, por fim, ainda que a maioria das crianças em custódia física partilhada admita que viver em duas casas pode ser, por vezes, complicado, muitas sentem que os benefícios superam de longe os possíveis inconvenientes.»
Daniel Sampaio, Dá-me a Tua Mão e Leva-me, Como Evoluiu a Relação Pai-Filho, Caminho, 2ª ed., 2020, pp. 146-147, analisa a questão nestes termos:
«Conhecem-se hoje diversas vantagens no modelo de residência partilhada. A principal é a de que, deste modo, mantemos as relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da família intacta. Este esquema leva a um diálogo entre os progenitores, embora em muitos casos seja difícil e feito apenas por e-mail (muitas vezes para “fazer processo” e mais tarde apresentar em tribunal), porque é necessário fazer acordos e negociar diversos aspetos da vida dos filhos. Os conflitos de lealdade que muitos jovens mostram (devo estar mais com a minha mãe ou o meu pai vai ficar aborrecido?) tendem a desaparecer com a organização dos tempos em família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos. Finalmente, a residência partilhada permite algum espaço individual a cada um dos pais, nos tempos em que estão sozinhos, o qual pode ser importante sobretudo quando aparecem novas relações afetivas.
Quem não concorda com a residência partilhada argumenta que este regime só pode ser decretado nos casos em que o conflito entre os progenitores se reduziu ao mínimo, porque a manter-se a zanga ela seria ativada nas inevitáveis combinações do quotidiano. Não é essa a minha experiência, antes pelo contrário: nos casos em que tenho tido intervenção terapêutica, este regime atenua o conflito, pela razão simples de que “ninguém ganha” e a criança se “divide” entres os pais.
(…)
Na residência partilhada a criança convive com ambos os pais e essa constância de relacionamento permite um conhecimento mais direto e íntimo de cada um, o que torna a eventual influência negativa [reportando-se às práticas alienantes familiares] menos intensa.»
Neste âmbito, merecem destaque as ponderosas e exaustivas considerações tecidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.4.2018, Ondina Alves, 670/16:
«As vantagens são inequívocas, porquanto além de eliminarem os conflitos, reduzem os efeitos do impacto da separação dos pais nas relações parentais, e nas que se estabelecem entre os progenitores e os respetivos filhos, com a envolvência direta e conjunta de ambos os pais, fortalecendo assim a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e reforçando, por esta via, o papel parental – cf. neste sentido Ac. TRL de 28.06.2012 (Pº 33/12.4TBBRR.L1-8), citando Waldir Grisard Filho,  “Novo Modelo de Responsabilidade Parental” São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000. e ainda MARIA ALICE ZARATIN LOTUFO, A guarda e o exercício do direito de visita, Revista do Advogado, São Paulo, n. 91, maio, 2007, 93-102, acessível em https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/servicos/revista_advogado/paginaveis/91/index.asp#/93/zoomed.
 A residência alternada pode, portanto, ser mais benéfica para o menor que a residência exclusiva com um dos progenitores, porquanto aquela será a que está mais próxima da que existia quando os pais viviam na mesma casa, já que a criança continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes, com ambos estabelecendo relações de maior intimidade.
Com efeito, a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e não se sentirá uma “visita” quando está com o outro progenitor e restantes pessoas do seu agregado familiar, mantendo em ambos os lares um «espaço» próprio para a criança e não um espaço sentido por ela sentido como «provisório» ou considerado como tal pelos outros elementos do agregado familiar.
Acresce que a igualização dos direitos e responsabilidades dos pais diminui a conflitualidade e encoraja a cooperação entre estes, uma vez deixa de haver um perdedor e um vencedor, o que reduz a tentativa de denegrir a imagem um do outro através de acusações mútuas. Por outro lado, mesmo que num período inicial subsista alguma conflitualidade entre os pais estes tendem, com a passagem do tempo, a ultrapassarem os seus conflitos, adaptando-se à nova situação e relacionando-se de uma forma pragmática.   
(…)
Conclui-se, portanto, que o regime de residência singular impede que o exercício das responsabilidades parentais, após a separação, possa ser o mais possível próximo de quando vigorava a união do casal, tanto mais que a permanência continuada da criança com apenas um dos progenitores implica, geralmente, que a separação dos pais tenha como consequência também a separação dos filhos daquele progenitor com quem apenas está durante o período estabelecido para as respetivas visitas.
Pelo contrário, na residência alternada estabelece-se uma relação próxima da criança com ambos os progenitores, sendo unanimemente aceite que a vinculação afetiva se constrói no dia-a-dia. Entre os pais e a criança tem de existir uma proximidade física que possibilite uma interligação afetiva real e consistente, sob pena de os laços já existentes se desvanecerem e os ainda inexistentes nunca chegarem a acontecer.
A residência alternada e a proximidade dos pais com os filhos, após a separação, é mais suscetível de minimizar os efeitos negativos da separação e pode constituir um fator inibidor de que o progenitor não residente se acomode e delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto. E, através da diminuição do sentimento de perda na sequência dessa separação pode, com grande probabilidade, levar a uma diminuição da conflitualidade entre os progenitores.             
 Este regime tem, pois, como vantagens a maior proximidade entre a criança e cada um dos pais e o facto de a criança não ter de escolher um pai em detrimento do outro, para além de que os pais também não se sentem privados dos seus direitos, permitindo a continuação das responsabilidades de ambos, suscetível de criar um forte vínculo emocional de pais e filhos e o bom desenvolvimento da criança, já que a segurança nas crianças está ligada à resposta imediata em situações de stress, com carinho e envolvimento, pelo que a capacidade de manter padrões de comportamento faz crescer nas crianças sentimentos de respeito, maturidade e autoestima positiva.»
Ainda na jurisprudência, é enfatizado que a residência alternada permite equilibrar o princípio da igualdade dos progenitores e o superior interesse da criança (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.6.2019, Ana Rodrigues da Silva, 29241/16), sendo o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.1.2017, Rosa Coelho, 954-15).
A doutrina e jurisprudência, que se pronunciam contra a residência alternada dos menores em caso de divórcio, invocam a seguinte ordem de argumentos: possibilidade de causar instabilidade à criança; constitui uma fonte de insegurança e de problemas de adaptabilidade; compromete a continuidade e unicidade da educação; é uma situação muito difícil e exigente para a criança; promove a hostilidade entre os progenitores (cf. Joana Salazar Gomes, O Superior Interesse da Criança e as Novas Formas de Guarda, UCP, 2017, pp. 75-80, 85-88; Pedro Raposo de Figueiredo, “A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades parentais- A questão (pendente) do acordo dos progenitores”, in Julgar, nº 33, pp. 96-98; Maria Perquilhas, “O exercício das responsabilidades parentais: a residência partilhada (alternada): consensos e controvérsias”, in Divórcio e Parentalidade: Diferentes Olhares: do Direito à Psicologia, 2018, p. 69).
Obtemperando à objeção da instabilidade, acompanhamos o raciocínio do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2.11.2017, Eugénia Cunha, 996/16, quando aí se afirma que: «Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas.» Conforme refere Maria Teresa Bigote Chorão, O Superior Interesse da Criança e a Fixação da Residência Alternada em Caso de Divórcio, 2019, p. 35, «(…)  note-se que qualquer que seja o regime, parece-nos inevitável que se crie esta instabilidade na vida da criança com o divórcio, dado que sempre implica uma alteração radical nos seus moldes de vida Refere ainda que: «[o] habitual discurso sobre as desvantagens e os malefícios para a criança do “andar para lá e para cá” deve ser ponderado face aos objetivos de assegurar a continuidade da implicação materna e paterna e da cooperação parental» (p. 33).
Também não acompanhamos a argumentação no sentido de que este regime promove a hostilidade entre os progenitores. Além do que já foi mencionado supra (nomeadamente o texto de Daniel Sampaio), acompanhamos o Acórdão do Tribunal da Relação de  Lisboa de 6.2.2020, Pedro Martins, 6334/16, quando aí se afirma que: «Cremos ainda não poder dizer-se, sem mais, que a guarda/residência alternada fomenta o conflito entre os progenitores; ao invés, cremos que pode até concorrer para desvanecer os conflitos eventualmente existentes, pois que, com ela, nenhum deles se sentirá excluído ou preterido no seu direito de se relacionar com o filho e de participar ativamente, em termos práticos e psicológicos, no seu desenvolvimento como ser humano, sendo sabido que o progenitor “preterido”, movido pelo sentimento de exclusão que a maioria das vezes o assola, é levado a deixar de cumprir as suas obrigações parentais.»
 Acresce que, conforme referem Sofia Marinho e Sónia Vladimira Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017, p. 257, «Ao invés da residência única, a residência alternada fomenta equilíbrios no desenvolvimento dos dois progenitores na parentalidade, pois permite não só que ambos tenham influência e responsabilidades sobre os cuidados e a educação de filhos e filhas no quotidiano, como também que ambos sejam autónomos e independentes no exercício da parentalidade. Nesta medida, esta é também um instrumento apaziguador de disputas sobre qual o progenitor que melhor serve o bem-estar da criança. (…) quando se favorece o envolvimento parental dos dois progenitores não é necessária uma relação de amizade para que ambos exerçam plenamente a sua parentalidade, pois ao contrário do que acontece na residência única não se atribui a um dos progenitores o poder de incluir ou excluir o outro da vida das crianças. Neste quadro, a concertação de atividades e de decisões entre progenitores ocorre em maior ou menor grau tanto numa relação em que o consenso é fácil como numa relação em que é difícil
Quanto ao estado da doutrina nacional, anterior à alteração advinda da Lei nº 65/2020, Marianna Chaves, “Responsabilidades parentais e guarda física – Uma distinção necessária”, in Lex Familiae, Ano 16, nº 31-32 (2019), p. 114, resume que:
«Mais cautelosa, a doutrina portuguesa considera que, um eventual acordo de exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada, somente poderá ser considerado diante de alguns pressupostos, que constituem critérios exemplificativos e orientadores, a serem ponderados pelos juízes e tribunais, tais como: a) capacidade de cooperação entre os progenitores; b) manifesta relação afetiva entre o filho e os pais; c) capacidade dos progenitores em colocar de lado as diferenças pessoais; d) capacidade de dar prioridade às necessidades dos filhos; e) idade e maturidade do filho; f) vontade manifestada pelo filho; g) identidade de estilos de vida e valores; h) capacidade de acordo sobre questões relativas a saúde, educação, religião (questões de particular importância); i) vontade de cooperar aliada a respeito e confiança mútuos; j) proximidade entre as residências dos pais e a escola da criança; k) flexibilidade de horários dos pais; l) ambiente laboral amigo da família
A recente alteração ao Artigo 1906º do Código Civil, efetuada pela Lei nº 65/2020, de 4.11, sana divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à admissibilidade da residência alternada e regime desta, clarificando que a imposição de tal regime prescinde do acordo dos pais, mas não da competência e aptidão dos mesmos na medida em que o fundamento da imposição da residência alternada é sempre a salvaguarda do superior interesse da criança. Cremos, também, que esta redação não sana a discussão sobre a pertinência da residência alternada para crianças de tenra idade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.6.2020, Jorge Leal, 2973/18, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.5.2019, Rodrigues Pires, 1655/18, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.12.2018, Alberto Ruço, 2311/18).
No que tange à primazia do interesse da criança, «(…) o interesse da criança é o núcleo duro que o legislador estabelece como o denominador intransponível nas decisões relativas à vida de uma criança sendo o pressuposto de qualquer decisão, e integrar tendo em conta a sua vida, os seus in­teresses e as consequências das opções e decisões, tendo em conta o seu desenvolvimento, identidade e dignidade» (Marisa Almeida Araújo, “A pluriparentalidade - O direito à convivência”, in Lex Familiae, Ano 16, N.º 31-32 (2019), p. 131). Segundo o Comentário geral n.º 14 (2013) do Comité dos Direitos da Criança sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido primacialmente em consideração, p. 17, «O conceito do interesse superior da criança é, portanto, flexível e adaptável. Deverá ser ajustado e definido numa base individual, em conformidade com a situação específica da criança ou das crianças envolvidas, tendo em conta o seu contexto, situação e necessidades pessoais. Nas decisões individuais, o interesse superior da criança deve ser avaliado e determinado à luz das circunstâncias específicas da criança em particular. Nas decisões coletivas – tais como as que emanam do legislador – o interesse superior das crianças em geral deve ser avaliado e determinado à luz das circunstâncias do grupo específico e/ou das crianças em geral.» O superior interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso concreto «no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direito, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.1.2017, Madeira Pinto, 2055/16).
Postas estas considerações de enquadramento, há que reverter ao caso concreto.
No caso em apreço, entendemos que estão reunidas condições suficientes para que seja instituído o regime da residência alternada. Recapitulemos os factos estruturantes e decisivos a este propósito:
7- Atualmente, a menor tem estado a residir no regime de dois dias com cada progenitor.
9- A menor gosta de estar com ambos os progenitores, não manifestando qualquer preferência pela vida que vive com um ou com outro.
10- Atualmente, a menor frequenta o ensino básico, mostrando ser uma criança alegre, embora, por vezes, tímida.
11- Quando a menor está com o pai, está com este e com a sua atual companheira, a testemunha SF.
12- Em casa do pai a EF tem um quarto só para si.
13- A EF mantem um relacionamento afetuoso como a companheira do pai, interpelando-a para participar nas suas atividades.
14- Com o progenitor, a menor mantém um relacionamento de cumplicidade e afeto.
15- A família alargada paterna também tem uma relação próxima com a menor.
17- A EF apresenta-se na escola sempre bem cuidada.
18- Em contexto escolar não demonstra qualquer preferência por estar com um progenitor ou com outro, indo e vindo bem com ambos.
19- Ambos os progenitores são figuras presentes e participativas com a escola.
20- Em casa da mãe, a EF habita com a mãe, a avó materna e o irmão mais velho, com quem mantém uma boa relação.
21- Tem um quarto só para si.
22- O requerente é fisioterapeuta, trabalha em vários sítios, em vários horários, sendo que em alguns deles tem que passar na Auto Estrada junto a (...)ra.
24- A progenitora trabalha na (...), por turnos que variam entre as 8 h /16 h e 15h e 30 m/23 horas e 30 minutos.
25- Quando o horário laboral não permite à progenitora assegurar a ida ou a vinda da escola, a sua progenitora (avó materna da EF) assegura-o.
27- Ambos os progenitores contam com o apoio logístico da família alargada.
Resulta deste acervo fáctico que a criança tem uma relação securizante, gratificante e igualmente vinculativa quer com o pai quer  com a mãe. O pai e a mãe são presentes, empenhados, e priorizam o interesse da criança na organização do seu tempo. Além do mais, existe um apoio  e relação de proximidade por parte das família alargadas, quer do pai quer da mãe.
O tribunal a quo entendeu que a distância entre a residência dos progenitores é de mais de 30 km, sendo adversa à fixação da residência alternada. Tal raciocínio não está correto. Com recurso à conhecida ferramenta www.viamichelin.pt , verifica-se que o percurso mais rápido entre as residências dos progenitores é de 18 minutos para 24 km e que o percurso mais económico é de 24 minutos para 21 km. Assim, a distância entre as residências dos progenitores é perfeitamente compatível com a fixação de um regime de residência alternada.
Os progenitores instituíram mesmo já o regime de residência alternada, num regime de dois dias (facto 7). Este facto revela que os progenitores estão, no fundo, de acordo quanto à residência alternada, o que ficou também patente nas declarações da mãe no âmbito do relatório pericial. Todavia, este regime de residência alternada de dois dias não é de aceitar, atenta a idade da criança. Experimentem os pais a mudar de residência de dois em dois dias e verão se este é aconselhável…
Em desabono da residência alternada, podem invocar-se os seguintes factos provados:
16- Os progenitores da EF mantêm um relacionamento conflituoso, sendo que, dificilmente, concordam quanto a aspetos relevantes como o ensino, as consultas médicas de pediatria.
26-  No entendimento do perito que procedeu à avaliação das competências parentais dos progenitores, não obstante nenhum deles apresente características ou patologias que ponham em causa o exercício das responsabilidades parentais,  colocam-se algumas reservas ao regime da residência partilhada, dadas as dificuldades de comunicação entre ambos os pais.
28- A EF começou a apresentar um comportamento agressivo, por volta dos três anos, sendo que, após um período de acalmia, tal comportamento retornou.
29- Este comportamento caracteriza-se essencialmente por não aceitar o “Não”, invocando que em casa do outro progenitor as coisas são feitas de forma diferente.
Estes factos não assumem uma gravidade e relevância suscetíveis de infirmar a pertinência da residência alternada como a melhor solução para o caso.
Em primeiro lugar, conforme já se viu supra, o estabelecimento de uma residência alternada tem, em regra, um efeito moderador da conflituosidade entre os progenitores, chamados que são ao desempenho de um papel equivalente e à articulação frequente quanto à organização da vida da criança. Em segundo lugar, o relacionamento conflituoso apurado está longe de situações – que aparecem nos tribunais – de antagonismo primário entre os progenitores, ao ponto de discutirem na presença da criança e de não perderem uma oportunidade de hostilizar a pessoa ou denegrir a competência do outro progenitor. Os progenitores demonstraram até aqui capacidade de cooperação e de diálogo que poderão e deverão aperfeiçoar, sendo suficientes para fundar um juízo de prognose favorável a tal frutificação.
A construção da parentalidade é um permanente desafio (mesmo para os progenitores que coabitam), que deve ser assumido e trabalhado em prol dos filhos. São pertinentes a este propósito as seguintes considerações:
«A parentalidade tende a ser concomitante com a vivência da vida em casal; todavia, enquanto esta última pode acabar, a parentalidade é para a vida. Assim, o mesmo par parental mantém as suas tarefas, funções, papeis e estatutos específicos, apesar de terminar a sua relação de casal. Manter uma relação como pais entre duas pessoas que decidiram acabar a relação enquanto companheiros, é um desafio. Algumas pessoas conseguem fazer o luto do casal e renegociar e reajustar o exercício da parentalidade com o outro membro do subsistema parental, de acordo com as novas condições. No entanto, em muitas famílias, o fim oficial da relação do casal não traduz o termo do conflito e as divergências, disputas e agressões que conduziram ao fim do casamento, são transportadas para o exercício das responsabilidades parentais, alastrando para os filhos as questões que deviam ficar limitadas à relação de intimidade entre os adultos (…)» – Isabel Marques Alberto, Mónica Fonseca e EF Baptista, “Alegações de violência/abuso e negligência em contexto de regulação do exercício das responsabilidades parentais”, in Alexandra Anciães (Coord.), Divórcio e Parentalidade, 2ª ed., p. 154.
Javier Urra, O Pequeno Ditador, Da Criança Mimada ao Adolescente Agressivo, Esfera dos Livros, pp. 81-83, escreve pertinentemente:
«[Os pais] Devem explicar-lhe que os dois vão continuar a gostar dele, que não vai perder nenhum deles, e devem dar-lhe confiança no futuro. Devem erradicar qualquer utilização da criança como emissário de mensagens hostis. Devem ser realmente pais, o que é muito diferente de ter apenas filhos. Têm de superar as tempestades emocionais ou impedir que choquem contra a débil e inocente estrutura das crianças. Os pais, unidos ou separados, continuam a sê-lo e são obrigados a manter relações cordiais entre eles e afetuosas com os filhos.
(…)
A criança precisa – requer – de tempo para aceitar mudanças que ela não provocou.
É significativo que os pais não entendam a reação dos filhos: se estes são muito pequenos sentem-se culpados da crise, se são um pouco mais crescidos mostram-se muitos zangados com os pais, por não os terem tido em conta, e consigo mesmos. Quando se trata de adolescentes, o posicionamento negativo perante a decisão da separação dos adultos, que tanto surpreende os pais, é também absolutamente lógico, pois é nessa idade que mais precisam de segurança e equilíbrio.
Os pais podem contribuir para uma boa adaptação dos filhos à nova realidade familiar que é criada depois da separação. É preciso que as duas figuras parentais mantenham boas e continuadas relações com eles, pois isto incide em grande medida na sua estabilidade, assim como não perder a função parental, correspondendo às suas necessidades sempre que estes o requeiram.
Transmitir respeito e aceitação em relação ao outro progenitor, que a criança sinta que pode falar com liberdade de um com o outro e com o resto da família. Mostrar habilidade para negociar e resolver com êxito os problemas relacionados com os filhos.
Manter os filhos à margem dos processos legais.
Perante situações de maus tratos físicos ou emocionais, adotar posturas tanto a nível pessoal como legal que transmitam segurança e proteção ao filho.
(…)
A separação, o divórcio, é uma decisão de adultos, que nenhum deles esqueça ou impeça que a criança continue a ser criança
Cremos que os progenitores da EF já demonstraram que têm capacidade para trilhar um caminho fecundo, dentro destas pertinentes indicações.
Para que o desafio da parentalidade seja cumprido e superado é essencial que os pais tenham a capacidade de comunicar entre si e de fazer um esforço de convergência para a educação dos filhos.
«O problema surge quando os pais não comunicam bem entre si. Nessa altura, o que acontece é que cada um dos progenitores se torna mais extremista na sua forma de educar e tenta compensar o estilo (leia-se o “erro”) do outro. Quando um dos pais é visto como muito duro, o outro torna-se mais brando. A partir daí, sendo um dos progenitores visto como demasiado brando, o outro torna-se automaticamente mais duro. O ciclo prolonga-se então, e os pais afastam-se cada vez mais e tornam-se tão radicais, a tal ponto que nenhum deles sente que está a educar os filhos da maneira que queria» - Maurice Elias, Brian Friedlander e Steven Tobias, Os Pais e a Educação Emocional, Pergaminho, pp. 271-272.
Os progenitores da EF terão de confluir e dialogar quanto aos aspetos atinentes à educação e alimentação da mesma, centrando a sua análise no interesse da EF e não na sua conveniência pessoal. Por exemplo, é natural que o progenitor- tendo diabetes (cf. relatório pericial) – tenha particular atenção sobre a alimentação da filha, mas não há que complicar em demasia. Quanto ao que seja uma alimentação saudável para uma criança, prolifera informação de entidades credenciadas  e oficiais,  v.g.,  https://alimentacaosaudavel.dgs.pt/alimentacao-e-saude/ , https://www.sns24.gov.pt/guia/alimentacao-saudavel/ , bem como o Guia da Alimentação Infantil (até aos 18 anos) , acessível em https://insp.gov.cv/wp-content/uploads/2024/02/Guia-de-Alimentacao-Infantil-Web.pdf .
Quanto à apurada renitência da EF em ouvir um Não, há fases do desenvolvimento em que ocorre tal fenómeno, sendo que os progenitores não devem abdicar das suas responsabilidades de educar a filha para a realidade.
Conforme refere a este propósito Javier Urra, O Pequeno Ditador, Da Criança Mimada ao Adolescente Agressivo, A Esfera dos Livros, pp. 123-124:
«Há que ensinar os filhos a aceitar as situações que os incomodam e desagradam, a conviver com alguns fracassos.
O êxito é efémero, a felicidade completa não pode ser garantida. Mostremos aos nossos descendentes como crescer pessoalmente a partir do que nos quebra e põe em dúvida a nossa segurança e equilíbrio. Aceitar e enfrentar frustrações forja uma personalidade mais sã, equilibrada e madura.
“Deverão os pais satisfazer todos os pedidos das crianças e aceitar todos os seus protestos? Não. Satisfazer todos os pedidos das crianças torna-as insaciáveis; conter os seus protestos, torna-as negociáveis. Ao manifestarem todos os seus desejos junto dos seu pais, dão-lhes a entender que não fazem cerimónia com eles. Ao terem um desejo ilimitado, não poupam os pais da sua função de arrumarem os desejos das crianças, criando-lhes regras que os pais sintam ter a ver com aquilo que é razoável para o desenvolvimento delas. É, então, saudável que os pais digam “com todas as letras”, “não” às crianças? É. Porque se estivermos atentos, facilmente reparamos que, quando as crianças sentem convicção no “não” dos pais, não exageram demais e tentam chegar a um acordo.” (Sá 2000)
Em sentido confluente, Maurice J. Elias, Brian S. Friedlander e Seven E. Tobias, Os Pais e a Educação Emocional, Pergaminho, p. 55 afirmam:
«Como é que demonstramos aos nossos filhos que nos preocupamos? Paradoxalmente, não é dando-lhes tudo o que eles querem, ou com desvios constantes no nosso caminho para fazermos coisas para os meninos. Na verdade, quando os pais não sabem estabelecer limites para os filhos, as crianças acabam por pensar que eles não se preocupam com elas. Apesar de nunca o manifestarem, as crianças necessitam que os adultos estabeleçam limites e linhas de orientação. Precisam que os adultos sejam adultos, e isso implica que assumamos a responsabilidade pelo bem-estar dos nossos filhos, que tomemos decisões e façamos opções com base na nossa sabedoria, na nossa experiência e nos nossos valores. Todos os pais têm de ter alguns pontos que não são negociáveis, especialmente quando os filhos entram na fase adolescente e têm de enfrentar decisões que podem consequências graves
Em síntese, flui de todo o exposto que se justifica alterar o regime das responsabilidades parentais para uma residência alternada, situação a que a criança já está habituada, não causando qualquer apreensão à mesma, tendo os progenitores demonstrado já um nível de colaboração satisfatório bem como qualidades e vontade suficientes para limar as arestas que o futuro lhes trará.
Aqui chegados, haverá que alterar o regime das responsabilidades parentais em função da instituição de uma residência alternada, sendo certo que os progenitores têm uma situação profissional regular e rendimentos suficientes para suprir as necessidades da criança quanto estiver com os mesmos.
A proposta apresentada pelo apelante é, em grande parte, adequada e exequível, havendo que simplificá-la e torná-la mais clara e sindicável, sem introduzir complexidades desnecessárias, como por exemplo, os aniversários dos avós.
Pelo que, partindo da mesma e fazendo os ajustamentos pertinentes, entendemos que o regime deverá ser o seguinte:
1. A EF fica a residir junto do pai e da mãe, passando uma semana com um e uma semana com o outro, alternadamente, cumprindo ao progenitor que se encontrar com a EF leva-a à escola, à sexta-feira,  no início das respetivas atividades e o outro recolhê-la no mesmo local, no final de tais atividades.
2. As responsabilidades parentais, quanto às questões de particular importância para a vida da EF, incluindo designadamente a escolha da escola a frequentar, a sujeição a intervenções cirúrgicas, a saída para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo,  serão exercidas em comum  por ambos os progenitores.
3. O pai e a mãe exercerão as funções de encarregado de educação em anos alternados, sem prejuízo da obrigação de se informarem reciprocamente de todas as questões escolares relevantes, designadamente, datas de reuniões de pais e encarregados de educação ou de eventos a realizar no meio escolar e nos quais possam participar, bem como das informações quanto à avaliação.
4. No ano letivo 2024/2025, as funções de encarregada de educação serão exercidas pela mãe.
5.  A EF  passará a véspera de Natal com um e o dia de Natal com o outro progenitor, o mesmo sucedendo com a véspera e dia de Ano Novo, alternando sucessivamente nos anos seguintes.
6.         A EF passará com cada um dos pais os dias ou parte dos dias (caso se encontre em período letivo) dos respetivos aniversários.
7. Nos dias de aniversário dos pais, a EF poderá pernoitar com o respetivo aniversariante, ainda que nessa semana esteja com o outro.
8. A EF passará com o pai o Dia do Pai ou parte dele (caso se encontre em período letivo) e com a mãe o Dia da Mãe.
9. Nesses dias, a EF poderá pernoitar com o pai ou com a mãe, ainda que nessa semana esteja com o outro.
10.       No dia do seu aniversário, sempre que tal seja compatível com as suas obrigações escolares e com os horários de trabalho dos pais, a EF tomará uma das refeições principais com cada um dos pais.
11.  As férias escolares de Natal, Páscoa e Verão da EF serão passadas com ambos os progenitores na proporção de metade, acordando estes com cerca de, pelo menos, sessenta dias de antecedência a parte que caberá a cada um, regime este que afasta o referido em 1.
12. A EF poderá contactar diariamente com o progenitor com o qual não se encontra, por telefone ou outro meio de comunicação à distância, em horário que não prejudique o seu repouso e as atividades escolares ou extraescolares, não podendo ser além das 21 horas.
13. Os pais suportarão em partes iguais as despesas médicas e medicamentosas e as efetuadas com livros, material escolar e visitas de estudo da filha, mediante a entrega de cópia dos respetivos comprovativos por parte daquele que efetuar a despesa até ao final do mês em que tenha sido realizada e devendo o outro entregar-lhe a sua comparticipação até ao final do mês seguinte, por transferência bancária.
14. Os pais suportarão em partes iguais as despesas relacionadas com a frequência de atividades extracurriculares da filha, desde que ambos estejam de acordo com a mesma, nestas se incluindo, não só as respetivas mensalidades, como outras absolutamente necessárias à sua realização.
15. A comparticipação de tais despesas deverá ser efetuada nos termos referidos em 13.
Custas
A apelante deve ser julgada procedente, sendo certo que a apelada não contra-alegou.
Suscita-se, assim, a questão de saber como imputar as custas da apelação.
Ensina a este propósito Salvador da Costa, “Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido”, 18.6.2020, publicado no blog do IPPC:
«Na base da referida responsabilidade pelo pagamento das custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos está um de dois princípios, ou seja, o da causalidade e o do proveito, este a título meramente subsidiário, no caso de o primeiro se não conformar com a natureza das coisas.3
Grosso modo, a causalidade consubstancia-se na relação entre um acontecimento (causa) e um posterior acontecimento (efeito), em termos de este ser uma consequência daquele.
Considerando o disposto na primeira parte do n.º 1 deste artigo, o primeiro evento é determinado comportamento processual da parte e o último a sua responsabilização pelo pagamento das custas.
Nesta perspetiva, do referido princípio da causalidade emerge a solução legal de dever pagar as custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos a parte a cujo comportamento lato sensu o ajuizamento do litígio seja objetivamente imputável.
A dúvida revelada pela doutrina e pela jurisprudência ao longo do tempo sobre quem devia ser responsabilizado pelo pagamento das custas processuais com base no princípio da causalidade levou o legislador a intervir por via da inserção do normativo que atualmente consta do n.º 2 do artigo, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, de que se entende sempre dar causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
Consequentemente, o referido nexo de causalidade tem como primeiro evento o decaimento nas ações, nos incidentes e nos recursos, e o último na responsabilização pelo pagamento das custas de quem decaiu, conforme o respetivo grau.
Assim, a parte vencida nas ações, nos incidentes e nos recursos é responsável pelo pagamento das custas, ainda que em relação a eles não tenha exercido o direito de contraditório, o que se conforme com o velho princípio que envolve esta matéria, ou seja, o da justiça gratuita para o vencedor.»
Reiterando tal entendimento, cf. artigo do mesmo autor, “Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final”, publicando no mesmo blog em 31.10.2020.
Dentro desta mesma linha de raciocínio, é clarificadora a análise feita no AUJ nº 10/2015 nestes termos:
« (…) a sucumbência, como prejuízo causado pela decisão no processo ou recurso é independente e abstrai da posição (ativa ou passiva) da parte que o sofra e da respetiva atitude (intervindo ou não) no processo: o réu que não contesta e o recorrido que não contra-alega, se perderem ou forem condenados, também sucumbem…
E porque a sucumbência abstrai da posição (ativa ou passiva) da parte no processo ou recurso, é que ela deve ser perspetivada objetivamente como dano, prejuízo, perda ou resultado final desfavorável da decisão; sucumbe a parte cujos interesses sofram dano ou prejuízo por serem afetados desfavoravelmente pela decisão (seja porque lhe nega aquilo a que se arroga com direito, seja porque lhe impõe obrigações a que sustenta não estar vinculado).
A sucumbência afere -se, por conseguinte, pelo contraste entre, por um lado, o conteúdo da decisão e, por outro, os interesses da parte, ou seja, pelo reflexo negativo daquela nestes
«No âmbito de vigência do RCP deixou de ser fator de isenção subjetivo de custas do recurso o facto do apelado não ter contra-alegado» ( Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.1.2024, Moreira Dias, 2440/21).
Assim sendo, apesar de não ter contra-alegado, as custas devem ser imputadas à apelada, considerando que o sentido da decisão implica uma sucumbência para a apelada.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência:
I. Revoga-se a decisão proferida pelo tribunal a quo;
II. Altera-se a regulação das responsabilidades parentais nestes termos:
1. A EF fica a residir junto do pai e da mãe, passando uma semana com um e uma semana com o outro, alternadamente, cumprindo ao progenitor que se encontrar com a EF leva-a à escola, à sexta-feira,  no início das respetivas atividades e o outro recolhê-la no mesmo local, no final de tais atividades.
2. As responsabilidades parentais, quanto às questões de particular importância para a vida da EF, incluindo designadamente a escolha da escola a frequentar, a sujeição a intervenções cirúrgicas, a saída para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo,  serão exercidas em comum  por ambos os progenitores.
3. O pai e a mãe exercerão as funções de encarregado de educação em anos alternados, sem prejuízo da obrigação de se informarem reciprocamente de todas as questões escolares relevantes, designadamente, datas de reuniões de pais e encarregados de educação ou de eventos a realizar no meio escolar e nos quais possam participar, bem como das informações quanto à avaliação.
4. No ano letivo 2024/2025, as funções de encarregada de educação serão exercidas pela mãe.
5.  A EF  passará a véspera de Natal com um e o dia de Natal com o outro progenitor, o mesmo sucedendo com a véspera e dia de Ano Novo, alternando sucessivamente nos anos seguintes.
6. A EF passará com cada um dos pais os dias ou parte dos dias (caso se encontre em período letivo) dos respetivos aniversários.
7. Nos dias de aniversário dos pais, a EF poderá pernoitar com o respetivo aniversariante, ainda que nessa semana esteja com o outro.
8. A EF passará com o pai o Dia do Pai ou parte dele (caso se encontre em período letivo) e com a mãe o Dia da Mãe.
9. Nesses dias, a EF poderá pernoitar com o pai ou com a mãe, ainda que nessa semana esteja com o outro.
10. No dia do seu aniversário, sempre que tal seja compatível com as suas obrigações escolares e com os horários de trabalho dos pais, a EF tomará uma das refeições principais com cada um dos pais.
11.  As férias escolares de Natal, Páscoa e Verão da EF serão passadas com ambos os progenitores na proporção de metade, acordando estes com cerca de, pelo menos, sessenta dias de antecedência a parte que caberá a cada um, regime este que afasta o referido em 1.
12. A EF poderá contactar diariamente com o progenitor com o qual não se encontra, por telefone ou outro meio de comunicação à distância, em horário que não prejudique o seu repouso e as atividades escolares ou extraescolares, não podendo ser além das 21 horas.
13. Os pais suportarão em partes iguais as despesas médicas e medicamentosas e as efetuadas com livros, material escolar e visitas de estudo da filha, mediante a entrega de cópia dos respetivos comprovativos por parte daquele que efetuar a despesa até ao final do mês em que tenha sido realizada e devendo o outro entregar-lhe a sua comparticipação até ao final do mês seguinte, por transferência bancária.
14. Os pais suportarão em partes iguais as despesas relacionadas com a frequência de atividades extracurriculares da filha, desde que ambos estejam de acordo com a mesma, nestas se incluindo, não só as respetivas mensalidades, como outras absolutamente necessárias à sua realização.
15. A comparticipação de tais despesas deverá ser efetuada nos termos referidos em 13.
Custas pela apelada na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 29.4.2025
Luís Filipe Sousa
Micaela Sousa
Rute Sabino Lopes
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21, de 11.6.2024, Leonel Serôdio, 7778/21, de 29.10.2024, Pinto Oliveira, 5295/22, de 13.2.2025, Luís Mendonça, 2620/23. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2015, Tomé Gomes, 212/06.
[4] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2015, Abrantes Geraldes, 961/10. «Não cumpre o disposto no artigo 640.º n.º 1 do CPC o recurso elaborado de modo tão genérico, que não é possível chegar com certeza a uma conclusão sobre qual é, afinal, a decisão que o Recorrente defende que deveria ter sido tomada sobre a matéria de facto impugnada» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.9.2018, Júlio Gomes, 141/17).
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.3.2021, Bernardo Domingos, 1595/15.