Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
400/18.0T8LRS.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO E FRUIÇÃO DO BEM
EQUIDADE
VALOR LOCATIVO
LUCRO CESSANTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 4.1. - É actualmente dominante , na doutrina e jurisprudência, que o dano decorrente da privação do Bem constitui dano patrimonial autónomo, máxime quando o proprietário v.g. de imóvel se viu dele privado apesar de fazer parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, nos termos consagrados no art.º 1305º do Código Civil, com violação do respectivo direito de propriedade;
4.2. – Para efeitos de ressarcimento do dano identificado em 4.1., e não sendo por regra possível lançar mão do critério legal plasmado no artº 566º,nº 2, do CC [ medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos ], há-de o julgador lançar mão da equidade;
4.3.No seguimento do referido em 4.2. in fine, e em sede de ressarcimento do dano pela privação do uso e fruição de fracção -  em termos de responsabilidade civil extracontratual -, mostra-se adequado que seja o seu montante indemnizatório aferido pelo valor que os Autores/lesados poderiam receber se, sem tal ocupação, pudessem ter dado de arrendamento o espaço ilicitamente ocupado;
4.4.O valor locativo indicado em 4.3. não é o seu valor bruto, - porque a este sempre obrigado está o senhorio a descontar o valor dos encargos tributários que sejam devidos - mas o valor líquido, sendo este último o montante efectivamente deixado de auferir a título de lucro cessante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
                                           
1.- Relatório
A [ José .....], residente em Sacavém, intentou  acção comum contra B [ Carlos ....], também residente em Sacavém, pedindo que:
A) seja o réu condenado a reconhecer a propriedade do autor sobre os lugares de estacionamento 70/71 da fracção autónoma designada pela letra “F” que corresponde a cave no Piso-1 ( Zona Técnica com 9 Estacionamentos) do prédio urbano sito na Rua do Forte do Monte de Cintra nº .. Blocos 1, 2, 3 e Est., 2685-141 Sacavém; e, consequentemente,
B) seja o réu condenado a restituí-los ao autor, livres e devolutos,  e ainda a pagar, por cada mês de ocupação ilegítima, a quantia de 260,00 €, o que, perfaz já, desde Julho de 2017, o montante total de 1.820,00 € .
1.1.- Para o efeito, alegou o autor, em síntese, que :
- Em 30 de Janeiro de 2017, e no âmbito de uma venda executiva, adquiriu 1/3 da fracção autónoma designada pela letra “F”, que corresponde a cave no Piso -1 (Zona Técnica com 9 estacionamentos), do prédio urbano sito na Rua do Forte do Monte de Cintra nº 1 Blocos 1, 2, 3 e Est., 2685-141 Sacavém, composto por uma divisão ampla, destinada a estacionamento coberto e fechado, inscrito na matriz predial urbana com o artigo matricial 2314º da União das freguesias de Sacavém e Prior Velho e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº 2391/20030507, cujo registo a seu favor veio a operar pela Ap. 132 de 2017.02.10;
- Na sequência da referida aquisição ficou assim com o direito a ocupar, entre outros, os lugares de estacionamento com os nºs 70/71;
- Porém, estado os lugares de estacionamento 70/71 ocupados por veículos do Réu, o autor interpelou-o no sentido da sua desocupação, nomeadamente por carta datada de 17.07.2017, mas, até ao presente, não o fez, invocando para tanto a existência de um contrato de promessa de compra daquele estacionamento, cuja cópia forneceu;
- Não conferindo o aludido contrato de promessa  qualquer direito ao réu  e, porque na zona onde se situa o prédio em causa, tanto na rua como nos edifícios, existe muita falta de estacionamentos, inevitável é a condenação do réu  a restituir ao autor, livres e devolutos, os lugares de estacionamento que lhe pertencem;
- Mais deve o réu [ porque o lugar ocupado pelo réu tem capacidade para estacionar dois veículos automóveis, sendo que o valor mensal de arrendamento do mesmo não é inferior a 260,00 € ] ser condenado a  pagar, por cada mês de ocupação ilegítima, a quantia de 260,00 €, o que perfaz desde Julho de 2017, o montante total de 1.820,00 €.
1.2. - Regularmente citado, contestou o Réu, deduzindo no essencial defesa por impugnação motivada [ aduzindo que os lugares de garagem que ocupa não são exactamente os adquiridos pelo autor ] e por excepção [ aduzindo ser titular de contrato promessa que lhe confere , como promitente comprador, o direito à outorga de contrato definitivo com referência aos lugares de estacionamento pelo autor reivindicados, tendo de resto já pago a totalidade do preço devido ] e, outrossim, deduzindo pedido RECONVENCIONAL no sentido de ser o Autor condenado a reconhecer que o Réu tem direito de retenção ( porque lhe assiste o direito a uma indemnização – já reclamada em acção judicial - no valor de € 16.880,00 e pelo incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo promitente vendedor ) sobre os lugares de estacionamento reivindicados pelo autor.
1.3. – Após Resposta do autor, foi determinada – por despacho de 23/5/2018 - a suspensão da instância  com fundamento no disposto no art. 272.º, n.º 1, do CPC,  e ,junta aos autos certidão da sentença que pôr termo à acção prejudicial , veio o tribunal por despacho de 29/4/2020 a informar as partes que se encontrava já em condições de proferir de imediato decisão sobre o mérito da causa no despacho saneador,  razão porque foram ambas notificadas para, querendo, produzirem alegações de facto e de direito, o que fizeram.
1.4. – Por fim, após conclusão dos autos para o efeito, foi de seguida proferido o competente SANEADOR-SENTENÇA, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“(…)
VI – Decisão
Em face do exposto:
a) julgo procedente, por provada, a presente acção que o autor A intentou contra o réu B e, consequentemente:
i) reconheço e condeno o réu a reconhecer o autor como proprietário de 1/3 da fracção autónoma designada pela letra “F”, que corresponde a cave no Piso -1( Zona Técnica com 9 estacionamentos, onde se inclui o estacionamento 70/71 ),do prédio urbano sito na Rua do Forte do Monte de Cintra nº .. Blocos 1, 2, 3 e Est., 2685-141 Sacavém, composto por uma divisão ampla, destinada a estacionamento coberto e fechado, inscrito na matriz predial urbana com o artigo matricial 2314º da União das freguesias de Sacavém e Prior Velho e descrito na 2ªConservatória do Registo Predial de Loures sob o nº 2391/20030507;
ii) condeno o réu a restituir ao autor o estacionamento 70/71, livre e devoluto;
iii) condeno o réu a pagar ao autor a quantia de 260,00 € mensais desde Julho de 2017 e até à efectiva restituição do referido estacionamento.
b) Julgo improcedente, por não provada, a reconvenção deduzida pelo réu contra o autor, indo da mesma absolvido.
Custas pelo réu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sendo o valor da causa fixado em 7.820,00 €, conforme artigos 296º, nº 1, 297º, nº 1, 299º, nºs 1 e 2, 302º, nº 2, 305º, 306º e530º, nº 3, do mesmo Código.
Registe e notifique.
Lisboa, 25.09.2020
1.5.- Porque do Saneador/Sentença identificado em 1.4. discorda o Réu B, do mesmo e de imediato interpôs o competente recurso de apelação, que admitido foi, aduzindo nele o recorrente as seguintes conclusões :
1. Entende o Recorrente que o Tribunal “a quo” errou na apreciação da matéria de facto e de direito, nomeadamente quando condena o aqui Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de €260,00 mensais desde Julho de 2017 e até à efectiva restituição do referido estacionamento.
De facto,
2. Não existe nos autos qualquer elemento que permitia ao Tribunal “a quo” a quo dar como provado que “ 11. Na zona onde se situa o prédio referido em 1., tanto na rua como nos edifícios, há muita falta de estacionamentos.” e que “13. O valor mensal de arrendamento daquele lugar de estacionamento nunca será inferior a 260,00 €”.
3. Ambos estes factos configuram considerações genéricas, não tendo o Autor, ora Recorrido, concretizado quaisquer factos sobre o prejuízo efectivamente sofrido por si nem produzido qualquer prova nesse sentido.
4. O aqui Réu sempre agiu de boa-fé desde que foi passou a ocupar os referidos lugares de estacionamento, agindo e cumprindo com as obrigações inerentes àquela ocupação, nomeadamente por que era titular de uma contrato-promessa onde lhe foi conferido o direito de ocupar aqueles lugares de estacionamento pelo anterior proprietário e ter pago a totalidade do preço estabelecido, com o conhecimento do Autor,
5. tendo desocupado os referidos lugares de estacionamento, assim que não lhe foi reconhecido direito de retenção sobre os mesmos, após trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do Processo n.º 12953/17.5T8LRS, no Juízo Local Cível de Loures – Juiz 1.
6. No caso vertente, a mera circunstância de o Recorrido referir que ficou impossibilitado de usar os referidos lugares de estacionamento, mesmo considerando que existe falta de estacionamento e que o valor mensal de arrendamento daquele lugar de estacionamento nunca será inferior a 260,00 €, não revela o consequente dano ou prejuízo reparável na esfera jurídica do Recorrido.
7. O Tribunal desvalorizou a falta de concretização da intenção e do prejuízo sofrido, porque adoptou o entendimento de alguma doutrina e jurisprudência no sentido de que o direito de indemnização se basta com a privação do uso ou do gozo das coisas, condenando o Recorrente no pagamento de uma indemnização pela privação do uso.
Ora,
8. O instituto da responsabilidade civil, para o caso de afectação de bens materiais, visa a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento causador do prejuízo, ou seja, indemnizar os prejuízos sofridos por uma pessoa(artigo 562º do Código Civil).
9. Se é certo, por um lado, gozar o proprietário de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (artigo 1305º do Código Civil), e, por outro, dever o agente que, ilícita e culposamente violar aquele direito, indemnizar o referido proprietário dos danos que lhe causar(artigos 483º e 499º a 510º do Código Civil).
10. Todavia a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da existência de danos e pressupõe a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu (artigos 563º do Código Civil).
11. Também é certo dever o tribunal julgar equitativamente, dentro dos limites que tiver por provado se não puder averiguar o valor exacto dos danos (artigo 566º,nº 3, do Código Civil).
12. Mas tal significa que os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado de facto ilícito lato sensu,porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respectivo valorem dinheiro.
13. Ademais, prescreve a lei que, em regra, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).
14. Assim, face ao referido normativo, a indemnização pecuniária deve corresponder à diferença entre a situação patrimonial efectiva do lesado aquando da decisão da matéria de facto e a sua situação provável nessa altura se a causa do dano não tivesse ocorrido.
15. A referida regra de cálculo da indemnização em dinheiro, inspirada pelo princípio da diferença patrimonial, não dispensa, como é natural, o apuramento de factos que revelem a existência de dano ou prejuízo na esfera patrimonial da pessoa afectada.
16. Não tendo sido provada (nem alegada) a natureza e a ordem dos prejuízos sofridos, não dispõe o Tribunal dos elementos necessários para a condenação na sua reparação, pois só pode condenar em caso de existência de danos reparáveis que carecem de ser demonstrados, o que, desde logo, pressupõe a identificação dos mesmos.
17. O Tribunal a quo violou, assim as disposições legais constantes dos artigos 342.º,483.º nº 1, 562.º e 563.º, todos do Código Civil.
Pelo que,
18. Revogando-se a decisão proferida na parte em que condena o Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de €260,00 mensais desde Julho de 2017 e até à efectiva restituição do referido estacionamento, substituindo-se por outra que absolva desse pedido
Se fará a acostumada JUSTIÇA!
1.6.- O apelado A, tendo apresentado contra-alegações, veio impetrar a confirmação do julgado, para tanto considerando que a douta decisão do meritíssimo Juiz a quo, não violando qualquer dos normativos citados pelo réu, recorrente, não merece qualquer reparo.
*
Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir  no presente Ac. resume-se à seguinte  :
A) Aferir se a sentença apelada se impõe ser revogada, sendo o Réu/apelante absolvido do pedido.
*
2. - Motivação de Facto
Pelo tribunal a quo foi fixada [ tendo o primeiro Grau “explicado” que a convicção subjacente mostra-se “fundada no acordo das partes resultante do teor dos articulados, bem como dos documentos carreados pelas partes para os autos(notificação do Serviço de Finanças de Loures 1 dirigida ao autor, no âmbito de venda executiva e respectivo edital, agendada para 17.01.2017, a fls. 8/9; auto de abertura e aceitação de propostas, a fls.10; aceitação de proposta, a fls. 11; título de adjudicação de bens imóveis datado de 30.01.2017, a fls.12; certidão do registo predial quanto à fracção “F”, descrito na Conservatória Registo Predial de Loures sob o nº 2391, a fls. 13/15, 54/55-verso e 62-verso/67); certidão matricial quanto à mesma fracção, a fls. 16/18; comunicação do autor ao réu em 17.07.2017, a fls. 21/22; “contrato promessa de compra e venda” entre “Credifilis” e o réu, assim como respectivo “aditamento”, a fls. 36-verso/41; e escritura de “compra e venda” entre “Credifilis” e Jaime .........), que não foram objecto de impugnação ]  a seguinte factualidade :
A) PROVADA
2.1 – Em processo de execução fiscal nº 1520200201068474, instaurado contra .....-Construções e Empreendimentos Imobiliários S.A., junto do Serviço de Finanças de Loures 1, mediante venda por propostas em carta fechada, o autor adquiriu pelo preço de 18.001,00€, 1/3 da fracção autónoma designada pela letra “F”, que corresponde a cave no Piso -1 (Zona Técnica com 9 estacionamentos), do prédio urbano sito na Rua do Forte do Monte de Cintra nº .. Blocos 1, 2, 3 e Est., 2685-141 Sacavém, composto por uma divisão ampla, destinada a estacionamento coberto e fechado, inscrito na matriz predial urbana com o artigo matricial 2314º da União das freguesias de Sacavém e Prior Velho e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº 2391/20030507.
2.2.- Foi emitido a favor do autor o correspondente título de adjudicação, datado de 30.01.2017.
2.3. - E levado ao registo predial essa aquisição pela Ap. 132, de 10.02.2017.
2.4. - Mostram-se, ainda, registadas as seguintes aquisições quanto à mesma fracção: - pela Ap. 20 de 13.06.2005, por compra, de quota de 1/9, por LEONOR ...........;
- pela Ap. 2839 de 20.01.2011, por partilha subsequente a divórcio, de quota de 1/9, por A ;
- pela Ap. 737 de 24.01.2011, por compra, de quota de 2/9, por JOÃO ..... e MARIA ..........;
- pela Ap. 3048 de 06.05.2011, por compra, de quota de 1/9, por JOSÉ ...... e OLIMPIA .......... ;  e ,
- pela Ap. 3417 de 29.03.2018, por compra, da quota de 1/9, por JAIME ........   .
2.5. - Dos estacionamentos que constituem 1/3 da fracção referida em 1. fazem parte, entre outros, o estacionamento com os números 70/71.
2.6.-  Por carta registada datada de 17.07.2017, arrogando-se dono do espaço e exibindo registo a seu favor, o autor interpelou o réu para desocupar o estacionamento com os números70/71.
2.7. - O réu recusou desocupar o estacionamento com os números 70/71 invocando a existência de contrato de promessa de compra e venda do mesmo, celebrado com a sociedade ....-Construções e Empreendimentos Imobiliários S.A.
2.8. - Em acção judicial instaurada pelo aqui réu contra a sociedade .......– Construções e Empreendimentos Imobiliários S.A. e que correu termos sob o nº 12953/17.5T8LRS, Juiz 1, do Juízo Local Cível de Loures, foi peticionado que fosse proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial faltosa da promitente vendedora e se declare que lhe é vendido 1/9 da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente aos estacionamentos 70/71, no Piso -1 do prédio urbano sito na Rua Álvaro Pedro Gomes, 10 e 12 e Rua Forte de Cima, 1, da freguesia de Sacavém, concelho de Loures, descrito na Conservatória Registo Predial de Loures sob o n.º 2391 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 2314 da União de Freguesia de Sacavém e Prior Velho ou, em alternativa, se declare o contrato-promessa e respectivo aditamento definitivamente incumpridos e condenada a pagar o valor das quantias entregues em dobro, assim como reconhecer que tem direito de retenção sobre 1/9 da aludida fracção autónoma.
2.9.- Tal acção foi inscrita no registo predial pela Ap. 3553 de 2017.12.15.
2.10.- Por decisão transitada em julgado em 16.09.2019, proferida no processo nº 12953/17.5T8LRS, Juiz 1, do Juízo Local Cível de Loures, foi a acção julgada parcialmente procedente, sendo a sociedade ...... – Construções e Empreendimentos Imobiliários,S.A. condenada a pagar ao aqui réu a quantia de 16.880,00 €, improcedendo no demais.
2.11.- Na zona onde se situa o prédio referido em 1., tanto na rua como nos edifícios, há muita falta de estacionamentos.
2.12. - O estacionamento 70/71 tem capacidade para estacionar dois veículos automóveis.
2.13. - O valor mensal de arrendamento daquele lugar de estacionamento nunca será inferior a 260,00 €.
*
3.- Fundamentação de Direito
3.1. - Se a sentença apelada se impõe ser revogada, sendo o Réu/apelante absolvido do pedido.
Como decorre do relatório do presente acórdão, o objecto da apelação pelo réu interposta tem apenas por desiderato a revogação de parte do sentenciado pelo tribunal a quo, máxime no tocante à sua condenação a pagar ao autor a quantia de 260,00 € mensais desde Julho de 2017 e até à efectiva restituição do referido estacionamento.
No essencial, diz o apelante que dependendo a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil da existência de danos e da verificação de um nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu , e mostrando-se o cálculo da indemnização em dinheiro inspirado no princípio da diferença patrimonial, certo é que a fixação daquela – indemnização - não dispensa o apuramento da subjacente factualidade que demonstre/comprove os aludidos pressupostos.
Ademais, reforça o apelante, se é verdade que pode/deve o tribunal julgar equitativamente, dentro dos limites que tiver por provado se não puder averiguar o valor exacto dos danos (artigo 566º,nº 3, do Código Civil), tal significa todavia que os juízos de equidade suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado de facto ilícito lato sensu,porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respectivo valorem dinheiro.
Em suma, conclui o apelante que , não tendo in casu sido provada (nem alegada) a natureza e a ordem dos prejuízos sofridos, não dispõe de todo o Tribunal dos elementos necessários para a condenação do apelante, logo, a sua absolvição impunha-se .
Entendidas as razões da discordância do apelante e justificativas da impetrada alteração do julgado, certo é que, a justificar a condenação do apelante, discorreu a primeira instância - em sede de sentença – nos seguintes termos :
“(…)
Por fim, peticiona o autor que seja o réu condenado a pagar, por cada mês de ocupação, a quantia de 260,00 €.
A este propósito parece pacífico que, para além do reconhecimento da titularidade do direito e da restituição da coisa reivindicada, o autor possa ainda pedir a condenação do réu em indemnização pela privação do uso, desde logo, quando, na esteira do que dispõe o artigo 1305º, do Código Civil, dentro da função social da propriedade, o proprietário goza de modo pleno dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
Com efeito, temos como assente nos autos que o autor, arrogando-se dono do espaço, interpelou o réu para desocupar o estacionamento com os números 70/71, o que fez desde logo por carta registada datada de 17.07.2017, mas que este recusou fazer, invocando a existência de contrato de promessa de compra e venda desse mesmo espaço, celebrado com a sociedade ........ – Construções e Empreendimentos Imobiliários S.A.
A questão da ressarcibilidade dos danos pela simples privação do uso de uma coisa, seja um veículo automóvel ou um imóvel, tem-se revelado controvertida na nossa jurisprudência que, no entanto, maioritariamente a tem vindo a admitir – vd. a título de exemplo e entre outros Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2005 no proc. 03B2246, de 12.01.2010 no proc. 314/06.6TBCSC.S1, de 28/09/2011 no proc. 2511/07.8TACSC.L2.S1 e 08.05.2013 no proc. 3036/04.9TBVLG.P1.S1 todos in www.dgsi.pt.
Nesse sentido, a indemnização pela privação do uso de um bem, não exige a concretização e a prova dos danos directamente decorrentes da impossibilidade da sua utilização, designadamente em termos de repercussão negativa efectiva no património do lesado.
Entende-se assim que o mero facto do lesado estar privado de usar o bem constitui por si só um dano indemnizável por representar uma limitação ao seu direito de propriedade.
Neste conspecto, resultou demonstrado que na zona onde se situa o prédio dos autos, tanto na rua como nos edifícios, há muita falta de estacionamentos, que o estacionamento 70/71 tem capacidade para estacionar dois veículos automóveis e que o valor mensal de arrendamento daquele lugar de estacionamento nunca será inferior a 260,00 €.
Desta forma, o autor tem direito a perceber uma contrapartida correspondente ao tempo em que o estacionamento 70/71 está na posse do réu, mais a mais quando é legítimo configurar que, como qualquer proprietário de espaços de estacionamento, num local onde são escassos, pretendesse, por si, ou através de terceiros, retirar daí as inerentes utilidades e que só não logrou fazer por impedimento do réu, que não pode pretender repercutir sobre o autor nem a conduta da sociedade ........ – Construções e Empreendimentos Imobiliários S.A. nem a circunstância de ter pretendido lançar contra a mesma acção judicial de modo a fazer valer direitos que pudesse ver reconhecidos e usar aqui contra o autor (direito de propriedade ou de retenção), mas que assim não sucedeu.”
Ora Bem.
Com pertinência para a questão recursória ora em análise, importa atentar que se mostra PROVADO [ factualidade que não foi objecto de impugnação pelo recorrente, nos termos do artº 640º, do CPC ] que;
(…)
2.5. - Dos estacionamentos que constituem 1/3 da fracção referida em 1. fazem parte, entre outros, o estacionamento com os números 70/71.
2.6.-  Por carta registada datada de 17.07.2017, arrogando-se dono do espaço e exibindo registo a seu favor, o autor interpelou o réu para desocupar o estacionamento com os números 70/71.
2.7. - O réu recusou desocupar o estacionamento com os números 70/71 invocando a existência de contrato de promessa de compra e venda do mesmo, celebrado com a sociedade ......-Construções e Empreendimentos Imobiliários S.A.
(…)
2.11.   - Na zona onde se situa o prédio referido em 2.1., tanto na rua como nos edifícios, há muita falta de estacionamentos.
2.12. - O estacionamento 70/71 tem capacidade para estacionar dois veículos automóveis.
2.13. - O valor mensal de arrendamento daquele lugar de estacionamento nunca será inferior a 260,00 €.
Perante a factualidade acabada de transcrever, e desde logo, forçoso é concluir que sofreu efectivamente o Autor/apelado um dano, sendo ele decorrente da privação do uso de uma coisa, direito que de todo lhe assistia nos termos do artº 1305º, do CC [ dispositivo legal do CC que, no âmbito do conteúdo do direito de propriedade, estabelece que o dono da coisa goza do direito de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem ] , pois que, pretendendo fazer uso do estacionamento com os números 70/71, certo é que pelo réu foi impedido.
Já não nos revela porém a mesma factualidade provada, é verdade, se por causa do comportamento do Réu, deixou v.g. o autor de rentabilizar o aludido estacionamento, arrendando-o ( lucro cessante), ou foi obrigado a socorrer-se do arrendamento de um outro espaço ( suportando pagamento de uma renda – dano emergente ),ou em última instância se viu obrigado a deixar ao relento os seus veículos automóveis ( o que v.g. os sujeitou a uma mais rápida degradação e acrescida desvalorização -  dano emergente ).
Perante o acabado de expor, será que permite ainda assim  a factualidade provada a atribuição de um montante indemnizatório ao autor e a suportar pelo réu, em sede de ressarcimento da privação do uso de uma coisa que lhe pertence ?
Ora, a propósito da presente questão [ ressarcimento de dano decorrente da privação do uso de coisa ]  e como é reconhecido pelo STJ no seu Acórdão de 6/12/2018 (1), certo é que “ Não é unívoca, nem na doutrina nem na jurisprudência, a resposta à questão da ressarcibilidade da privação do uso como dano autónomo ou, antes, condicionada pela demonstração da ocorrência de danos concretos na esfera do lesado. A matéria tem sido abordada em múltiplos arestos dos tribunais, com especial realce para os deste Supremo Tribunal, tal como tem sido objecto de estudos ou monografias, aqui incluindo a do ora relator intitulada precisamente “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, em “Temas da Responsabilidade Civil”, vol. I.”.
Seja como for, clarifica-se no aludido Acórdão, certo é que, pelo menos no Supremo Tribunal de Justiça, tem vindo a ganhar posição o entendimento que reconhece estar-se na presença de um dano autónomo, estando porém a respectiva reparação “dependente da demonstração de um uso efectivo do bem cuja indisponibilidade tenha sido causalmente provocada por um evento ilícito integrante da responsabilidade civil”.
O mesmo e ilustre Relator, mas agora no seu estudoIndemnização do Dano da Privação do Uso (2), clarifica que, em rigor e para negar a indemnização, “em casos em que se apura simplesmente a privação do uso de um bem, invoca-se a falta de prova de uma diferença patrimonial entre a situação constatada no momento da decisão e a que existiria se não ocorresse o evento.
Inversamente, e ainda segundo ABRANTES GERALDES, “a solução afirmativa funda-se na constatação naturalística de que a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda que deve ser considerada, tudo se resumindo à detecção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória “.
Enveredando pelo segundo entendimento, conclui assim ABRANTES GERALDES (3) que “provado que a indisponibilidade do bem foi causa directa da redução ou perda de receitas ou da perda de oportunidade de negócios, não se questiona o direito de indemnização atinente aos lucros cessantes”. Mas, mesmo que nada se apure a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, os  argumentos anteriormente aduzidos a respeito da indemnização pela privação do uso de veículos automóveis justificam, “mutatis mutandis”, a atribuição de uma compensação monetária ao lesado pelo período correspondente ao impedimento ou á redução dos seus poderes de fruição ou de disposição”.
 Já MARIA DA GRAÇA TRIGO (4), identifica na jurisprudência posterior a 2007 pelo menos duas posições distintas no que à reparabilidade do dano de privação de uso enquanto tal concerne, sendo ambas as duas já acima referidas [ uma exigindo a prova de danos concretos e, uma outra, que  não os exige ] e, também uma terceira, de alguma forma intermédia em relação às duas já referidas. Esta última, segundo GRAÇA TRIGO, parte da exclusão da reparação do dano em abstracto mas, num segundo nível admite como suficiente a prova da ocorrência de danos concretos com base numa presunção .
Acabando por perfilhar a tese intermédia, para tanto justifica GRAÇA TRIGO que “a certeza e segurança do direito são adequadamente alcançadas através da via intermédia …: presunção da existência de danos concretos a partir da prova do uso regular da viatura”.
Mostrando-se também a doutrina dividida [ v.g., se MENEZES LEITÃO (5) alinha pelo entendimento menos exigente, já MOTA PINTO (6) entende que se é verdade que a afectação de uso e fruição, integrantes do direito de propriedade, constitui um acto ilícito, uma vez que ilicitude e dano não se confundem, a verificação daquela não gera automaticamente obrigação de indemnizar ] nesta matéria, porque para nós a existência do DANO do PROPRIETÁRIO do bem basta-se com a perturbação da faculdade de uso e fruição que integra o direito de propriedade [ o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem ….” – artº 1305º, do CC ], não hesitamos em perfilhar o entendimento que foi já subscrito pelo STJ no seu Acórdão de 8/11/2018 (7) e que, a propósito da privação de uso de veículo, concluiu que “o dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, nos termos consagrados no art.º 1305º do Código Civil, com violação do respectivo direito de propriedade”. (8)
Ou seja, ainda que não permita em rigor a factualidade provada concluir pela efectiva verificação de uma diferença patrimonial entre a situação constatada no momento da decisão e a que existiria se não ocorresse o evento que deu causa à supressão da faculdade/prerrogativa do uso da coisa pelo seu proprietário, não deve excluir-se liminarmente a atribuição de uma indemnização ao lesado pelo período correspondente ao impedimento ou à redução dos seus poderes de fruição.
Ora, porque manifesto é, in casu e em face da factualidade provada, que, em face da acentuada falta de estacionamentos na zona do prédio dos autos, e dispondo o estacionamento 70/71 da capacidade para estacionar dois veículos automóveis, tinha o autor à sua inteira disposição um estacionamento fácil, ou ,não pretendendo utilizá-lo, sempre poderia rentabilizá-lo, certo é que, em consequência de acto ilícito do réu, vedado foi ao autor fazer , e querendo, uma coisa ou outra.
Com segurança e manifestamente, foi assim o autor de um dano patrimonial autónomo, enquanto  proprietário de fracção de um imóvel, porque pelo réu foi impedido de a usar, deixando de dela poder dispor e gozar livremente, nos termos consagrados no art.º 1305º do Código Civil, ou seja, com violação do respectivo direito de propriedade.
Destarte, pela referida privação, importa reconhecer que ao autor assiste o direito a ser ressarcido/indemnizado, nos termos dos artºs 562º e 566º, nºs  1 e 2, ambos do CC.
Logo, não é a sentença recorrida merecedora de qualquer reparo na parte em que reconhece que “o autor tem direito a perceber uma contrapartida correspondente ao tempo em que o estacionamento 70/71 está na posse do réu”.
Incidindo de seguida a nossa atenção sobre a obrigação indemnizatória fixada, e discordando também o réu apelante do seu conteúdo, recorda-se que foi o réu condenado a pagar ao autor a quantia de 260,00 € mensais desde Julho de 2017 e até à efectiva restituição do referido estacionamento, e isto porque, recorda-se, considerou o primeiro Grau como estando provado que [ item 2.13. ] “O valor mensal de arrendamento daquele lugar de estacionamento nunca será inferior a 260,00 € “ .
Prima facie, e embora não o tenha dito afirmado expressis verbis , tudo aponta para que o primeiro Grau se tenha socorrido em sede de quantificação da indemnização fixada ao disposto no artº 566º, nº 3, do CC, o qual reza que  “ Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, e ,em última análise, acabou por fixar um montante que acaba por corresponder a um valor que ao apelado seria devido em sede de ressarcimento de um  lucro cessante ( valor que teia auferido caso tivesse arrendado o espaço de estacionamento) .
Será que, ao fazê-lo, “pecou” o tribunal a quo por excesso ?
Vejamos.
Em primeiro lugar, pacifico é que “lícito“ era ao primeiro Grau socorrer-se da equidade, quer porque a indemnização só poderia ser fixada em dinheiro, não sendo de todo possível a reconstituição natural, como, ademais, in casu prejudicado se mostrava o recurso à teoria da diferença , nos termos do nº2, do artº 566º, do CC [ “ …a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos “ ].
Em segundo lugar, pacífico é também que ao atender fundamentalmente ao dano correspondente ao lucro cessante, quedou-se o primeiro Grau dentro de concreta categoria de dano cuja relevância e pertinente ressarcimento é admitido e reconhecido pelo legislador e outrossim pela doutrina [ “ O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – cfr artº 564º,nº1, do CC ]. (9)
Em terceiro lugar, é para nós igualmente claro que, em sede de avaliação dos danos correspondentes ao lucro cessante, socorreu-se a primeira instância de pertinente/adequado critério [ v.g o valor de mercado do espaço em caso de arrendamento ], porque não apenas é aquele que se mostra adoptado pelo legislador v.g. no artigo 1045.º,nº 1, do  Código Civil, como é também ele que vem sendo considerado pela jurisprudência v.g. em sede de ressarcimento do dano pela privação do uso e fruição de fracção, e em termos de responsabilidade civil extracontratual ( cfr. artigo 483º do Código Civil ), isto é, pode o seu montante ser aferido pelo valor que os Autores poderiam receber se, sem tal ocupação, pudessem ter dado de arrendamento essa fracção .
É assim que, também ABRANTES GERALDES (11), no caso v.g. de continuação de ocupação pelo arrendatário do locado, não obstante a cessação do subjacente contrato, passando a partir de então o mesmo a ocupar ou a reter o imóvel ilegitimamente, não tem dúvidas em “alinhar” pela responsabilização daquele “pela privação do uso, cuja medida da indemnização será determinada pelos lucros cessantes imputáveis ao evento ( v.g. decorrentes da impossibilidade de colocação do bem no mercado da locação ) ou, ao menos pelo valor locativo do bem fruído”,  em suma, subscreve sem hesitações o entendimento perfilhado pelo STJ no seu Acórdão de 1/6/1999, no sentido de que “o critério mais directo ou rigoroso de fixação a indemnização por privação de uma coisa é o seu valor locativo ou valor de uso “. (12)
Por último, e tal como se chama à atenção no Acórdão do STJ de 24/10/2019 (13) [ que vimos seguindo de perto nesta parte ], importando também em sede de sindicância do adequado uso pelo Julgador da EQUIDADE, ou seja, se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram observados os limites que, de acordo com a lei e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados, importando aferir se o juízo equitativo se mostra conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, tendo conduzido a uma decisão razoável, não hesitamos em responder afirmativamente, existindo apenas um senão.
E qual é ele ?
É que, porque pacífico é que o valor que consta do item de facto nº 2.13. [ O valor mensal de arrendamento daquele lugar de estacionamento nunca será inferior a 260,00 € ], não corresponde de todo ao valor líquido do lucro cessante do autor na qualidade de potencial senhorio, pois que, àquele importa descontar o montante dos encargos tributários que correspondem inelutavelmente à pretendida utilização do prédio, então , porque não proporcional e adequado às concretas circunstâncias do caso, vedado está enveredar pela quantificação do dano sofrido através de uma operação equivalente à mera soma aritmética do valor das rendas correspondentes a um valor locativo médio do prédio/fracção ocupada.
Neste conspecto, sufragamos assim, porque judiciosas, as doutas considerações plasmadas no douto Acórdão do STJ e de 14/7/2016 (14) , no sentido de que ;
“ (…) sempre haveria que descontar ao valor bruto da renda provavelmente auferida o valor dos encargos tributários que, em termos de imposto sobre rendimentos prediais, necessariamente lhe correspondessem e tivessem imperativamente de ser saldados pelo senhorio.
Ou seja, explica-se no referido Acórdão de 14/7/2016, que como bem se nota “ por exemplo, no Ac. de 8/10/2015 [ também aplicável, mutatis mutandis, nos nossos autos (15) ] …Só existe dano do lesado na medida em que este tenha ficado efectivamente privado, no seu património, dos valores remuneratórios normalmente auferíveis com o capital financeiro que esteve impossibilitada de dispor durante o período temporal da ocupação – não traduzindo lucro cessante os valores pecuniários que, a ter ocorrido a referida rentabilização na banca, devessem necessariamente reverter (nomeadamente através dos mecanismos de retenção na fonte) para a administração tributária, a título de imposto devido pelos rendimentos de certo capital financeiro”.
Isto dito, porque como decorre da INFORMAÇÃO ( vinculativa e de 18 de Março de 2011 ) nº 1749 do SDG dos Impostos, substituto legal do Director-Geral da DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS, e estando “ em causa a locação de lugares de estacionamento em imóveis, efectuada por um sujeito passivo do imposto, dos mencionados no art.º 2º, n.º 1 al. a) do CIVA, e , desde que essa locação não esteja ligada a uma locação isenta, a referida operação considera-se abrangida pela excepção à isenção consubstanciada na alínea b) do nº 29 do art.º 9º do CIVA, sujeita a imposto e tributada à taxa normal em vigor, conforme dispõe a alínea c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA”, isto é, em causa está uma actividade sujeita a uma taxa de 23 % [ Redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 ], então importa [ porque  proporcional e adequado , em suma, mais de acordo com a equidade ] reduzir para o montante de € 200,00 mensais o valor a que se refere o comando decisório da sentença apelada na sua alínea a), iii).
Em conclusão, estando embora reunidos in casu os pressupostos/requisitos para a fixação equitativa da indemnização, os seus limites mostram-se porém ultrapassados, importando assim circunscrever o montante indemnizatório ao valor JUSTO de €200,00 mensais, porque o proporcional e adequado às concretas circunstâncias do caso .
Destarte, a apelação procede parcialmente, impondo-se a alteração  da sentença recorrida.
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4 -  Sumariando ( cfr. nº 7, do artº 663, do CPC) acima transcrito
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5. – Decisão
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa , em ,  concedendo parcial provimento à apelação interposta pelo Réu  B ;
5.1. Reduz-se para o montante de € 200,00 mensais o valor a que se refere o comando decisório da sentença apelada na sua alínea a), iii), passando a mesma a dispor que “ iii) condeno o réu a pagar ao autor a quantia de 200,00€ mensais desde Julho de 2017 e até à efectiva restituição do referido estacionamento”;
5.2. - Confirmar e Manter em todo o mais o sentenciado pelo tribunal a quo, sem prejuízo da correcção a efectuar em sede de custas  ;
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As custas na primeira instância e na apelação são a suportar pelo Autor/apelante e Réu/apelado e na proporção, respectivamente, de 23% e 77%.
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(1) Proferido no Processo n.º 9773/09.4TBCSC.L2.S1, sendo Relator  António Santos Abrantes Geraldes e disponível em www.dgsi.pt.
(2) Em Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, 3ª Edição, Almedina, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, 3ª edição, pág. 59.
(3)  Ibidem, pág. 92/93.
(4) Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça , no seu Livro  RESPONSABILIDADE CIVIL,TEMAS ESPECIAIS, UCP, pág. 59.
(5) Em  DIREITO DAS OBRIGAÇÕES,VOL. I, 11ª ed. pág. 301, apud GRAÇA TRIGO, ob.cit.
(6) Em Interesse Contratual Negativo e interesse Contratual Positivo, Vol. I,págs. 568/596. apud GRAÇA TRIGO, ob.cit. .
(7) Proferido no Processo n.º 1069/16.1T8PVZ.P1.S1, sendo Relator  OLIVEIRA ABREU e disponível em www.dgsi.pt
(8) No mesmo sentido se pronunciou o mesmo STJ, e de entre vários outros, nos seus Acórdãos de 9/7/2015 [ Proferido no Processo n.º 13804/12.2T2SNT.L1.S1,sendo Relatora FERNANDA ISABEL PEREIRA ], de 14/12/2016 [ Proferido no Processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1, sendo Relatora FERNANDA ISABEL PEREIRA ], e de 13/7/2017 [ Proferido no Processo n.º 188/14.3T8PBL.C1.S1, sendo Relatora MARIA DA GRAÇA TRIGO ], todos eles disponíveis in www.dgsi.pt.
(9) Cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, em Direito das Obrigações, 3ª Edição, Coimbra Editora, págs. 329 e segs..
(10) Proferido no Processo n.º 04A2105, sendo Relator  MOREIRA CAMILO e disponível in www.dgsi.pt.
(11) Em Temas da Responsabilidade Civil, I volume, 3ª edição, págs. 91 e segs., máxime nota 87, página 93.
(12) Cfr. Conclusão inserta em Acórdão Proferido no Processo  nº 99A379, sendo Relator MARTINS DA COSTA e disponível in www.dgsi.pt.
(13) Proferido no Processo n.º 246/15.7T8PVZ.P1.S1, sendo Relator  NUNO PINTO OLIVEIRA e disponível in www.dgsi.pt.
(14) Proferido no Processo n.º 3102/12.7TBVCT.G1.S1, sendo Relator  LOPES DO REGO e disponível in www.dgsi.pt.
(15) Proferido no Processo n.º 21127-A/1980.L1.S1, sendo Relator  LOPES DO REGO e disponível in www.dgsi.pt.
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LISBOA, 25/2/2021
António Manuel Fernandes dos Santos 
(x)     Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva

(x)     Declaração de voto
Vencida quanto à ponderação da indemnização com base em tributação, por entender que não estão definidos neste sede os parâmetros dessa tributação ou da que possa incidir sobre o rendimento que a indemnização constitui (pelo que confirmaria a decisão de primeira instância, também quanto ao montante), e com a declaração de voto de que entendo que a privação do uso de coisa própria é mera presunção de dano a ilidir pelo Réu, o que, no caso, tem resultado idêntico ao da tese que fez vencimento.
                                                     Ana de Azeredo Coelho