Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1665/13.9TXLSB-O.L1-5
Relator: LUIS GOMINHO
Descritores: LEIS COVID 19
PERDÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – A Lei 9/2020, de 10.4 estabelece um regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19 a qual entrou em vigor em 11/04/2020 (art.º 11.º da mesma) e que ainda se encontra em vigor, estabelecendo excepcionalmente” um perdão parcial de penas de prisão, um regime especial de indulto das penas, um regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos condenados e a antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional.

– O perdão a que se referem os n.ºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei e sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce a pena perdoada.

– As circunstâncias extintivas ou flexibilizadoras do cumprimento da pena de prisão previstas na Lei n.º 9/2020 só são aplicáveis a condenados que se encontrem a cumprir pena de prisão no momento da sua entrada em vigor (11.04.2020). Com efeito, além de exigirem o trânsito em julgado da sentença condenatória em pena de prisão, tais medidas pressupõem ainda que a execução dessa pena se encontre já em curso, não se aplicando a situações de prisão preventiva.

–Não existe neste domínio qualquer sucessão temporal de leis penais que importe resolver nos termos do art. 2.º do Cód. Penal, não se estando perante situação de descriminalização ou despenalização.

–Cabe na discricionariedade normativa do legislador ordinário eleger, quer a medida do perdão de penas - o quantum do perdão - , quer, em princípio, as espécies de crimes ou infracções a que diga respeito a pena aplicada e perdoada, quer a sujeição ou não a condições, desde que o faça de forma geral e abstracta, para todas as pessoas e situações nela enquadráveis, sem que tal escolha implique qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição, uma vez que o princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções, proibindo, isso sim, o arbítrio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:


I–Relatório:


I1.)-Inconformado com o despacho aqui melhor constante a fls. 84 e verso, em que a Mm.ª Juíza do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa (Juiz 6), decidiu pela não aplicabilidade à situação do arguido RL, do perdão de penas concedido pela Lei n.º 9/2020, de 14/04, recorreu este último para a presente Relação, que para o efeito apresentou as seguintes conclusões:

1.ª-O presente recurso vem interposto do despacho judicial proferido pela Mm.ª Juiz a quo, do Juízo de Execução das Penas de Lisboa - Juiz 6, pertencente ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que decidiu não conceder ao Recorrente o perdão do remanescente de pena que lhe cabe cumprir.

2.ª-Com efeito, entendeu o Tribunal recorrido que, no caso dos autos, o Recorrente não pode beneficiar do perdão parcial da pena, porquanto a Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, tendo entrado em vigor no dia 11/04/2020, exige alegadamente que o trânsito em julgado do acórdão condenatório já tivesse ocorrido à data da sua entrada em vigor e não após o início da sua vigência, o que, salvo o devido respeito, não pode merecer qualquer aplauso por parte do Recorrente.

3.ª-Efectivamente, a questão que nos ocupa é a de saber se o regime jurídico da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, exige ou não que o trânsito em julgado da decisão condenatória aplicada ao Arguido já tenha ocorrido à data da sua entrada em vigor, ou seja, a 11/04/2020.

4.ª- Por conseguinte, saliente-se ainda que é pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que as medidas de graça, como providência de excepção, constam de normas que devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas.

5.ª-Nesta medida, reportando-se à amnistia, veja-se o colendo entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão datado de 07/12/1997, in "Boletim do Ministério da Justiça", n.º 272, pág. 111, com os seguintes moldes:
"(...) a amnistia, na medida em que constitui providência de excepção, não pode deixar de ser interpretada e aplicada nos estritos limites do diploma que a concede, não comportando restrições ou ampliações que nele não venham consignadas."

6.ª-Contudo, é de sublinhar que do exame literal do texto do n.º 1, do artigo 2.º, do diploma legal em análise, não resulta a solução dos problemas de interpretação, desde logo porque o elemento literal, ainda que claro quanto à palavra recluso, não delimita no tempo tal realidade.

7.ª-Assim sendo, o recurso aos demais elementos de interpretação contemplados no artigo 9.º, do C.C. apresentam-se como determinantes, havendo, assim, que considerar a interpretação lógico-sistemática, assim como a situação que se verificava anteriormente à Lei e toda a evolução histórica, bem como a história da génese do preceito e a interpretação teleológica.

8.ª-Na realidade, é neste contexto que deve ser interpretado o artigo 2.º da referida Lei, sendo indiscutível que toda a norma jurídica carece de ser interpretada, mesmo nos casos em parece evidente um claro teor literal.

9.ª-Nesta conformidade, interpretando a normal legal em apreço e começando pela sua letra, é de salientar que, segundo a letra da lei, são perdoadas as penas de prisão de reclusos, significando recluso aquele que está preso ou encarcerado.

10.ª-De facto, na situação sub judice o Arguido está em situação de reclusão desde o dia 13/12/2018, permanecendo ininterruptamente no E.P. de Lisboa desde tal data até ao presente.

11.ª-Nesta medida, ainda que sujeito nessa altura a prisão preventiva, certo é que o Arguido ingressou o E.P. de Lisboa desde tal data para iniciar a execução da pena de prisão que lhe foi posteriormente aplicada, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses.

12.ª-Por seu turno, de conformidade com o espírito da lei e o pensamento legislativo, pretende-se com a Lei em apreço minimizar-se o risco de contágio da doença Covid 19, decorrente da concentração de pessoas no interior dos estabelecimentos prisionais, sendo o seu objectivo retirar daí alguns reclusos de forma a assegurar o afastamento social.

13.ª-Destarte, quer pelo espírito da lei, quer pela sua letra, conclui-se que o perdão parcial da pena deve ser aplicado aos reclusos, sendo estes os que cumprem pena de prisão em estabelecimentos prisionais.

14.ª-De igual modo, em termos de interpretação lógico-sistemática, merece especial ponderação a circunstância da Lei em apreço ter surgido inserida numa legislação abundante e diversificada, que visou responder a uma situação de emergência, na tentativa de obstar à expansão de determinada doença nos estabelecimentos prisionais durante um determinado período, no âmbito de uma pandemia, cujo termo ainda se afigura hoje incerto.

15.ª- Em bom rigor, frise-se ainda que a redação que foi atribuída ao artigo 10.º, da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, em termos sistemáticos, reforçou ainda mais a ideia de que a Lei em apreço não visou apenas ser dirigida para o imediato, a quem já era recluso à data do início da sua vigência, como pretendeu ainda contemplar situações de futuros reclusos, uma vez que consagra que a vigência da "presente lei" só cessará quando acabar a situação excepcional de "... prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19."

16.ª-Assim, o legislador, em 29/05/2020, veio afirmar que a Lei n.º 9/2020 ainda se mantinha em vigor e reiterou a ideia de que os reclusos que se encontrarem nas circunstâncias nelas previstas devem beneficiar de perdão, o que só pode querer significar que a Lei não só se aplica a quem era recluso à data da entrada em vigor da mencionada Lei n.º 9/2020.

17.ª-Não se podendo olvidar assim que enquanto a Lei n.º 9/2020 estiver em vigor, será aplicado o perdão a todos os condenados/reclusos que preencham os requisitos para o efeito nela previstos, como é o caso do Arguido.

18.ª-Em tal caso, se um condenado em pena de prisão se encontrar em liberdade não lhe será aplicado o perdão, mas se esse mesmo condenado passar à situação de reclusão, em virtude de mandado já emitido ou até por apresentação pelo próprio para cumprimento da pena, pode sempre o mesmo ver a sua pena perdoada se preencher os necessário pressupostos para o efeito.

19.ª-Com efeito, há que atender às circunstâncias em que a Lei em apreço foi elaborada e às condições específicas do tempo que nos encontramos a viver, sem paralelo com outros momentos em que foram publicadas leis de amnistia, já que nas últimas décadas nunca a sociedade se deparou com uma situação como aquela que surgiu na sequência da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.

20.ª-Nesta senda, procurando evitar a disseminação da doença nos estabelecimentos prisionais, é bem claro que a quase totalidade dos governos mundiais visa apenas que os mesmos se destinem a uma criminalidade mais grave, deixando de fora reclusos condenados que tenham cometidos crimes considerados menos graves, quando estejam em causa penas de prisão mais curtas, tendo presentes critérios de manutenção de saúde pública, enquanto se mantiver a pandemia.

21.ª-Neste sentido, saliente-se a posição do Sr. Juiz Desembargador José Quaresma, in E-book, intitulado "Estado de Emergência - Covid 19 - Implicações na Justiça", 2.ª edição, pág. 571, publicado pelo C.E.J.:
"(...) O perdão beneficiará o recluso que, na data em que a lei entrou em vigor ou em qualquer um dos dias em que vigorar, vier a preencher a totalidade dos pressupostos, substanciais e temporais, de concessão do perdão, desde que com base em condenação transitada em julgado anteriormente e nunca para além do fim da sai vigência, nesta data ainda indeterminado. (...)".

22.ª-De igual jeito, frise-se ainda a este respeito o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30/09/2020, referente ao Proc. n.° 744/13.7TXCBR.P.C1, relatado pelo Juiz Desembargador José Eduardo Martins, onde se salienta no respectivo sumário (disponível em www.dgsi.pt):
"O perdão previsto no artigo 2.° da Lei n.° 9/2020, de 10 de Abril, verificados que sejam os demais requisitos legais, pode ser aplicado tanto a condenados que sejam reclusos à data da entrada em vigor daquele diploma (11-04-2020), como a condenados que, no decurso da vigência da mesma Lei, venham a estar na situação de reclusão." (Sublinhado nosso).

23.ª-Deste modo, ainda que o trânsito em julgado do acórdão condenatório tenha transitado em julgado a 20/04/2020, ou seja, 9 dias após a entrada em vigor da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, nada impede que o Arguido viesse a ingressar na vigência da Lei e reunir todos os pressupostos para beneficiar do perdão parcial da pena posteriormente ao trânsito de tal decisão condenatória.

24.ª-Salvo o respeito por opinião contrária, o entendimento adoptado pelo Tribunal a quo no sentido de que a Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril exige que a decisão condenatória se encontre transitada no início da vigência da Lei em apreço não tem qualquer correspondência, quer com a letra da lei, quer com o seu espírito.

25.ª-Tanto mais que se fosse essa a intenção do legislador tal solução teria resultado do texto da lei, o que não aconteceu, como também não tem acolhimento no seu espírito, face à intencionalidade do legislador e ao período de vigência da lei.

26.ª-Nesta conformidade, não tendo o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo qualquer acolhimento nos elementos de interpretação da lei, o mesmo violou de forma clara o n.º 1, do artigo 2.º, da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, de conformidade com a última redação que lhe foi atribuída.

27.ª-Desta feita, mantendo-se ainda em vigor a Lei n.º 9/2020 e o termo da pena em que o Arguido foi condenado ocorrer em 13/06/2022, conjugado com o facto de os crimes cometidos pelo Recorrente não se enquadrarem no catálogo de crimes previstos no n.º 6, do artigo 2.º, nem daqueles a que se refere o n.º 2, do artigo 1.º, verificando-se ainda o pressuposto a que alude o n.º 2, do artigo 2.º, por se mostrarem integralmente os requisitos legais para a sua concessão, deverá ser concedido ao Recorrente o perdão do remanescente da pena que se encontra a cumprir, ordenando-se a emissão imediata do respectivo mandado de libertação.

28.ª-Em bom rigor, a condição de reclusão do Recorrente já se encontrava verificada à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, concretamente, desde o momento em que o mesmo foi detido e lhe foi aplicada a medida mais gravosa de prisão preventiva, ou seja, desde 13/12/2018.

29.ª-Por outra banda, diga-se ainda que a solução ou o entendimento de restringir a aplicação do perdão previsto na Lei n.º 9/2020 aos reclusos cuja condenação já se encontre transitada em julgado à data de início da sua vigência, excluindo da sua aplicação os reclusos cuja sentença condenatória venha a transitar posteriormente à data de início da sua vigência, não constitucionalmente correcta.

30.ª-De facto, tal entendimento potencia diferenças de tratamento entre pessoas situadas em posições materialmente idênticas, lesando drasticamente o princípio constitucional da igualdade, decorrente do artigo 13.º, da Lei Fundamental.

31.ª-Bastando pensar na diferença de tratamento que ocorrerá entre um recluso cuja sentença condenatória transite no dia 10/04/2020 (ou seja, antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2020) e que poderá beneficiar do perdão parcial da pena, confrontada com a situação de outro recluso cuja sentença condenatória transite em julgado no dia 11/04/2020, o qual não poderá beneficiar do perdão parcial da pena.

32.ª-Ou seja, tal entendimento poderá potenciar uma diferença de tratamento enorme entre reclusos, bastando para tal que decorra apenas um dia, ou seja, bastando apenas que o trânsito em julgado da sentença condenatória ocorra já no período de vigência da Lei n.º 9/2020, para que o recluso não possa beneficiar das medidas de flexibilização nela previstas.

33.ª-Nesta medida, a interpretação do n.º 1, do artigo 2.º levada a cabo pelo Tribunal a quo,segundo a qual os arguidos que se encontrem já em reclusão, mas a respectiva sentença ou acórdão condenatórios ainda não se encontrem transitados em julgado à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, não possam beneficiar do perdão de pena por não se encontrarem abrangidos pelo âmbito de aplicação daquela norma, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente no artigo 13.º, da C.R.P.

34.ª-Além de a solução ser indefensável de um ponto de vista material e constitucional, faria ainda gorar a intenção do legislador de criar condições de salubridade no meio prisional, dado que impediria a criação do espaço suficiente para permitir uma gestão sanitariamente adequada da prisão.

35.ª-Com efeito, a delicada situação de saúde do país e o condicionalismo específico dos estabelecimentos prisionais continuarão a justificar a adopção de cautelas especiais, mantendo-se a necessidade de se observar prudência nos contactos e cautelas com a segurança de todos, desaconselhando a normal densidade de ocupação dos estabelecimentos prisionais.

36.ª-No mesmo sentido, não se pode descurar ainda que abona em favor do Arguido o princípio da aplicação da lei mais favorável, com consagração expressa no n.º 4, do artigo 2.º, do C.P.

37.º-Em tal caso, tendo sucedido no tempo a Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, enquanto lei penal mais favorável, aplicável à mesma pessoa ou ao mesmo facto, é esta Lei que prevalece enquanto regime de conteúdo mais benévolo para o Arguido e a que menos restringe os seus direitos, liberdades e garantias.

38.ª-Posto isto, ainda que a decisão condenatória tenha transitado 9 dias após o início de vigência da Lei n.º 9/2020, de 11 de Abril, encontrando-se o Recorrente em reclusão desde 13/12/2018 e tal como o Ministério Público entendeu na sua promoção de 14/09/2020, encontrando-se integralmente preenchidos os pressupostos legais para o Arguido beneficiar do perdão parcial da pena, restava apenas ao Tribunal a quoconceder-lhe o perdão do remanescente de pena que tem para cumprir.

39.ª-Destarte, uma vez preenchidos todos os requisitos legais, cumpre ser concedido ao Arguido o perdão parcial da pena de prisão e ordenar-se a emissão de mandado da sua libertação com carácter de urgência.

40.ª-Em face do que vem exposto, em virtude da interpretação adoptada pelo Tribunal recorrido não ter acolhimento nos elementos que norteiam a interpretação das leis, a que alude o artigo 9.º, do C.C., a douta decisão judicial viola o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do supra citado diploma legal, bem como o princípio constitucional da igualdade e o princípio do tratamento mais favorável ao arguido.

41.ª-Cumprindo, assim, ser substituída por outra que conceda ao Recorrente o perdão parcial da pena única em que foi condenado e determine a emissão do respectivo mandado de libertação.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o douto despacho recorrido, nos termos supra expostos, sendo substituído por outro que conceda o perdão parcial da pena única ao Recorrente, por se encontrarem integralmente preenchidos os respectivos requisitos legais, assim, e como sempre, se fazendo, a necessária e inteira JUSTIÇA!

I2.)-Respondendo ao recurso interposto, a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Execução de Penas concluiu por seu turno:

1.º-O recorrente cumpre uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 do C.P., e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º1, al d), da Lei 5/2006, de 23.2.;

2.º-De acordo com a liquidação da pena, o recorrente foi detido em 13.12.2018, tendo-lhe sido aplicada a medida de prisão preventiva no dia seguinte, pelo que, atingiu:
O 1/2 da pena em - 13.09.2020;
Os 2/3 da pena em - 13.04.2021; e
O termo da pena em - 13.06.2022.

3.º-Nos termos do n.º 7 do art. 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10.4, o perdão a que se referem os n.ºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei e sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce a pena perdoada.

4.º-Em primeiro lugar, o recurso não pode proceder uma vez que a Lei 9/2020, definiu expressamente como requisito para a sua aplicação que a sentença condenatória tenha transitado em julgado antes da sua entrada em vigor, sendo que a lei entrou em vigor em 11.4.2020, por força do seu art. 11.º.

5.º-O único elemento interpretativo que pode ser chamado à colação é o elemento literal, na medida em que não há qualquer dúvida interpretativa, em face da total clareza da lei, pelo que, e uma vez que a sentença condenatória transitou em julgado após a entrada em vigor da Lei 9/2020, de 10.4, não pode o recluso beneficiar do perdão.

6.º-Em segundo lugar, porque o facto de o recorrente estar em situação de reclusão à data da entrada em vigor da Lei 9/2020, não pode relevar para efeitos do perdão de pena, já que nessa data se encontrava sujeito à medida de coação de prisão preventiva, não sendo sequer possível determinar se iria ou não ser condenado, e em caso de condenação por que crime ou crimes e em que pena.

7.º-É certo que a Lei 16/2020, de 29.5, determina que o artigo 10.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, passou a ter a seguinte redação:
«A presente lei cessa a sua vigência na data a fixar em lei que declare o final do regime excecional de medidas de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça no âmbito da prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19

8.º-Mas este alargamento do prazo de vigência da Lei 9/2020, de 10.4, visa contemplar situações em que os demais pressupostos legais previstos no seu art. 2.º venham o ocorrer após a entrada em vigor da Lei, mas sempre respeitando e em articulação com o pressuposto legal referido no n.º 7 do mesmo art. 2.º, precisamente por o legislador ter entendido que a situação sanitária no âmbito de Pandemia Covid 19, o justificava no que respeita à população prisional.

9.ª-Em terceiro lugar, não se pode interpretar a lei no sentido de que a mesma potencia diferenças de tratamento entre pessoas situadas em posições materialmente idênticas, em violação do princípio constitucional da igualdade, decorrente do artigo 13.º, da Lei Fundamental, na medida em que a situação do recorrente é igual a todas as demais em que o trânsito em julgado das sentenças condenatórias ocorreu após a entrada em vigor da Lei 9/2020, de 10.4., independentemente da medida de coação a que estava sujeito antes do trânsito em julgado da sentença.

10.º-O seu tratamento diverso com aplicação de perdão, isso sim, seria estar a violar não só a referida Lei 9/2020 (n.º 7 do art. 2.º), como tratar de forma privilegiada uma situação que está em pé de igualdade com tantas outras.

11.º-Com efeito, ao ser estabelecido o referido requisito legal, não contemplando situações em que, pese embora os cidadãos estivessem recluídos e sujeitos a medida de coação de prisão preventiva à data da entrada em vigor da Lei, a situação do recorrente não pode ser abrangida pelo perdão de penas, uma vez que esta foi uma opção legislativa.

12.º-Em quarto lugar, e salvo o devido respeito, também não se pode fazer apelo ao princípio da aplicação da lei mais favorável consagrado no n.º 4, do artigo 2.º, do C.P. , já que não ocorreu qualquer alteração da lei penal incriminadora, ou uma qualquer situação de descriminalização ou despenalização.

13.º-Ou seja, não é que estejamos perante duas leis em sucessão no tempo, que implique a opção por aquela que em concreto se mostre mais favorável, estamos, sim e apenas, perante o surgimento de uma Lei especial, que consagra um perdão de penas, num circunstancialismo específico, ou seja, no âmbito de uma pandemia a nível mundial e motivada por razões sanitárias e humanitárias.

14.º-Como tal, apenas há que respeitar e verificar se, no caso concreto, estão reunidos todos os requisitos legais previstos nessa lei especial, que permitam a aplicação do perdão, ou seja, todos aqueles requisitos que estão previstos no art. 2.º da Lei 9/2020, de 10.4.

15.º-E esses, tal como bem consta da decisão recorrida, e tal como o promovido nos autos em 15.9.2020, não estão todos verificados, uma vez que o trânsito em julgado da sentença condenatória ocorreu após a entrada em vigor da Lei 9/2020, sendo irrelevante que tal trânsito tenha ocorrido 9 dias após, já que esta foi a opção da legislador.

16.º-Por tudo isto, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.

IISubidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer por via do qual propugnou igual sentido decisório.

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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o Recorrente juntou ainda o articulado melhor constante de fls. 116 a 119 verso, que aqui se dá por reproduzido, em que basicamente reitera os argumentos e pedido formulado no seu recurso.

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Seguiram-se os vistos legais.

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Tendo os autos sido submetidos à apreciação da conferência.

III1.)-De harmonia com as “conclusões” apresentadas, consabidamente definidoras do respectivo objecto, a questão essencial colocada pelo recurso interposto pelo Arguido RL converge na indagação de se o regime jurídico da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, exige, ou não, que o trânsito em julgado da decisão condenatória aplicada já tenha ocorrido à data da sua entrada em vigor, ou seja, 11/04/2020, que mais aponta à solução preconizada pelo Tribunal a quo, uma eventual violação dos princípios constitucionais da igualdade e do tratamento mais favorável ao arguido.

III2.)-Confiramos primeiro o teor do despacho de que se discorda:

Concordando com os pressupostos de facto e de direto da douta promoção que antecede o trânsito em julgado da decisão condenatória ocorreu em 20.4.2020, ou seja, após a entrada em vigor da Lei 9/2020, de 10.4., que estabelece um regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19 a qual entrou em vigor em 11/04/2020 (art.º 11.º da mesma) e que ainda se encontra em vigor.

Com efeito, entrou em vigor a Lei 16/2020, de 29.5, a qual no seu artigo 3.º define:
Alteração à Lei n.° 9/2020, de 10 de abril

O artigo 10.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 10.º
[...]
A presente lei cessa a sua vigência na data a fixar em lei que declare o final do regime excecional de medidas de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça no âmbito da prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.»

Tendo entrado esta Lei em vigor em 11.4.2020, não pode o arguido beneficiar do perdão de penas referenciado em tal Lei na qual se exige que o trânsito em julgado da sentença condenatória já tenha ocorrido à data da entrada em vigor da mesma, pelo que, se determina o prosseguimento dos autos para oportuna apreciação da liberdade condicional.
Notifique e comunique, nos termos habituais.

III–3.1.)-Passando de imediato à apreciação da questão acima deixada sumariada, qual seja, a de saber se o perdão previsto no art. 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, exige ou não que o trânsito em julgado da decisão condenatória aplicada já tenha ocorrido à data da sua entrada em vigor (11/04/2020), haverá que na antecipação da respectiva solução fazer consignar, que do nosso ponto de vista, a resposta a conferir à mesma deverá ser indubitavelmente positiva.

Já sabemos que o Diploma em causa, tal como se explicita no recente acórdão da 3.ª Secção desta Relação de 16/09/2020, no processo n.º 1896/10.3TXCBR-AB-3 (que como os demais, de outra forma não indicados, podem ser consultados nos respectivos sítios da DGSI), em função do quadro epidemiológico iniciado no nosso país desde Março do ano passado, assumiu como propósito claro: o de evitar a propagação do contágio por Covid 19, através da libertação de reclusos que, em atenção ao tempo de prisão já cumprido e/ou remanescente por cumprir e à natureza do crime ou crimes por que hajam sido condenados, suscitem menores preocupações ao nível das razões de prevenção geral e especial positiva e negativa”.

Nessa conformidade e no âmbito da emergência de saúde pública ocasionada por tal doença, estabeleceu “excepcionalmente” um perdão parcial de penas de prisão, um regime especial de indulto das penas, um regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos condenados e a antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional.

Para os presentes autos interessa-nos apenas o primeiro, a propósito do qual o respectivo art. 2.º estatui, entre o mais, que:

1-São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos.
2-São também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração superior à referida no número anterior, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena.
3-O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única.
4-Em caso de condenação do mesmo recluso em penas sucessivas sem que haja cúmulo jurídico, o perdão incide apenas sobre o remanescente do somatório dessas penas, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos.
5-Relativamente a condenações em penas de substituição, o perdão a que se refere este artigo só deve ser aplicado se houver lugar à revogação ou suspensão.

Para a questão ora em apreço releva ainda, de sobremaneira, o preceituado no n.º 7, deste artigo:

7-O perdão a que se referem os n.ºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei e sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce a pena perdoada.

III3.2.)-Não sendo situação que caiba no n.º 2 do art. 1.º (crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários e guardas dos serviços prisionais, no exercício das respetivas funções), que precludem todos aqueles benefícios, ou em que tenha sido praticado um dos crimes elencados no n.º 6.º do referido artigo 2.º (hipótese em que ficará excluído o perdão), como bem o refere o Recorrente, sendo aquela uma norma excepcional, a sua interpretação e aplicação deve operar-se nos seus precisos termos.

Com efeito, traduz asserção não discrepante em todas as decisões que conhecemos sobre esta matéria [por todos, o acórdão desta Secção de 08/09/2020 no processo n.º 1955/13.0TXLSB-ML1-5], a afirmação de que «as medidas de graça, como providências de excepção, constam de normas que devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas» [Maia Gonçalves, «As medidas de graça no Código Penal e no projecto de revisão», RPCC, 1994, Fasc 1, p. 10; no mesmo sentido, ac. do STJ (fixação de jurisprudência) de 24 de outubro de 1996 (processo n.º 048105)], sendo excepcionais as normas que estabelecem perdões, não comportando, por isso mesmo, aplicação analógica (artigo 11.º do Código Civil), nem admitem interpretação extensiva ou restritiva, devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas, impondo-se, assim, uma interpretação declarativa, em que “não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo”. No mesmo sentido [ac. do STJ (fixação de jurisprudência) de 25 de Outubro de 2001 (processo n.º 00P3209), que cita jurisprudência anterior; no mesmo sentido, para um caso de perdão, cfr. o ac. do mesmo tribunal, de 13 de Outubro de 1999 (processo n.º 99P984). Estes elementos são citados no Parecer do Conselho Consultivo da PGR, n.º10/20, relativo à matéria da suspensão dos prazos e perdão de penas no contexto do estado de emergência]».

Donde, por aqui se infere, que de harmonia com aquele n.º 7.º, a aplicação do perdão ora impetrado assume uma condicionante temporal clara, ainda que numa formulação algo distinta das “antigas” Leis de perdão - o da condenação ter transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei, - e uma condição resolutiva, esta sim, já mais conhecida - a do beneficiário não praticar infracção dolosa - num período subsequente.

Nas Leis de perdão dos anos 80 e 90, haverá que recordá-lo, aquela primeira limitação operava-se, de ordinário, em função do momento da prática dos factos.
Por exemplo: Desde que praticadas até 16 de Março de 1994… – Lei n.º 15/94, de 11/05. Nas infracções praticadas até 25 de Março de 1999…”- Lei n.º 29/99, de 12 de Maio.

Até porque algumas delas se associavam mesmo a eventos comemorativos especiais, v. g. visitas papais.

A novação operada na definição daquele limite de abrangência, do nosso ponto de vista, tem uma explicação que se confunde com a própria teleologia da Lei.

Ou seja, “minimizar o risco decorrente da concentração de pessoas no interior dos equipamentos prisionais”, em função da situação pandémica já apontada, libertando os reclusos “… que, em atenção ao tempo de prisão já cumprido e/ou remanescente por cumprir e à natureza do crime ou crimes por que hajam sido condenados, suscitem menores preocupações ao nível das razões de prevenção geral e especial positiva e negativa”.

E é nesse sentido que deve ser compreendida.

III3.3.)-Pessoalmente não conhecemos qualquer decisão que defenda a derrogação daquela exigência da condenação se mostrar transitada antes da entrada em vigor da Lei - 11 de Abril de 2020.

Mesmo por relação à decisão do Exm.º Sr. Desembargador José Eduardo Martins, referida na conclusão 22.ª, veja-se o que consigna o sumário do acórdão de 28/10/2020, do mesmo Relator, no processo n.º 404/18.2TXCBR-B.C1:
O perdão de penas consagrado no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só é concedido a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor daquele diploma legal, ficando, consequentemente, excluídos da medida de graça referida os condenados que não tenham ingressado em estabelecimento prisional (sublinhado nosso).

A questão conexa com a expressão “recluso” (cfr. n.ºs 1 e 7 da Lei em causa), a alteração do respectivo art. 10.º, por parte da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, bem como sentido da tal decisão de 30/09/2020, no processo n.º 744/13.7TXCBR.P.C1, proferida por aquele Distinto Colega, ressalvado o devido respeito, reporta-se a um contexto de discussão distinto daquele que no recurso se expõe.

Está perfeitamente identificado no acórdão da Relação do Porto de 25/11/2020, no processo n.º 311/15.0GAARC.P2, a propósito da qual se indica existirem três posições:

“Por um lado, uma visão mais restrita da lei, espelhada na decisão recorrida, segundo a qual só quem tiver a condição de recluso à data da entrada em vigor da lei poderá beneficiar do perdão; por outro, uma leitura mais complacente que admite que a condição de recluso possa vir a ser adquirida no decurso da vigência da lei e enquanto esta se mantiver em vigor; e, por fim, uma terceira abordagem, defendida pelo recorrente, de acordo com a qual não é necessário que o condenado ingresse no estabelecimento prisional a fim de adquirir a posição de recluso para beneficiar do perdão, bastando que esteja em condições de beneficiar do mesmo por ter sido condenado por decisão transitada em julgado à data da entrada em vigor da Lei 9/2020, de 10-04 (aqui se pressupondo que não ocorrem impedimentos por via da natureza do crime ou do período de pena fixado).

- A primeira posição tem sido assumida pelo Ministério Público como fundamento de alguns recursos (veja-se a título exemplificativo o recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 178/20.7TXCBR-B.C1, onde veio a seu proferida decisão em 09-09-2020, relatada por Rosa Pinto, ou o recurso interposto para o mesmo Tribunal, Proc. n.º 47/20.0TXCBR-B.C1, com decisão de 30-09-2020, relatada por Maria José Nogueira, ou ainda o recurso também interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 719/16.4TXPRT-F.C1, com decisão de 07-10-2020, relatada por Luís Teixeira), e mostra-se conforme à posição do Procurador-Geral Adjunto Vítor Pereira Pinto em estudo datado de 13-04-2020 e publicado no SIMP[2], no qual defende que «parece claro dever interpretar-se o art.º 2.º, n.ºs 1, 2, 4 e 7 da Lei aqui em causa como aplicável apenas a “reclusos”, ou seja, a condenados por decisão transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor desta lei (n.º 7 do art.º 2.º e art.º 11.º - até 10/04/2020, portanto) que se encontrem em cumprimento da pena de prisão à data da sua entrada em vigor (11/04/2020).
Tal significa que não beneficiam do perdão total ou parcial da pena de prisão concedido por este diploma os já condenados por decisão transitada em julgado que ainda não se encontrem em cumprimento de pena à data da entrada em vigor desta lei.

Este é igualmente o entendimento de Nuno Brandão, expresso no artigo A libertação de reclusos em tempos de COVID-19. Um primeiro olhar sobre a Lei n.º 9/2020, de 10/4[3], segundo o qual:
«3.1-As circunstâncias extintivas ou flexibilizadoras do cumprimento da pena de prisão previstas na Lei n.º 9/2020 só são aplicáveis a condenados que se encontrem a cumprir pena de prisão no momento da sua entrada em vigor (11.04.2020). Com efeito, além de exigirem o trânsito em julgado da sentença condenatória em pena de prisão, tais medidas pressupõem ainda que a execução dessa pena se encontre já em curso.

As razões excepcionais que determinaram a aprovação da presente Lei só valem em relação aos condenados que se encontrem privados da liberdade no momento da sua entrada em vigor. Nessa medida, e para que fique claro que só esses condenados são destinatários deste regime excepcional, nos artigos 2.º/1, 3.º/1 e 4.º/1 faz-se menção expressa aos reclusos – sc., os condenados privados da liberdade – como destinatários deste regime excepcional»”.

Mas por aqui logo se vê, que as eventuais situações de prisão preventiva, como o Recorrente vem agora alegar, não relevam para a aplicação do perdão em causa, pois que embora também estejam reclusos, como a simples hermenêutica do preceito deixa esclarecido, a Lei teve a necessidade de explicitar que tal benefício só pode decorrer da existência de trânsito em julgado de uma decisão penal condenatória – o que aquele medida de coacção obviamente não assegura.

“No extremo oposto, perfilhando o entendimento de que o perdão pode ser aplicado a quem tenha sido condenado, por decisão transitada em julgado antes da entrada em vigor da Lei 9/2020, de 10-04, em pena de prisão igual ou inferior a dois anos, estando ou não recluído (no pressuposto da verificação dos demais condicionalismos, naturalmente), pretensão reclamada pelo recorrente, encontramos o estudo de José Quaresma [6], onde se defende a aplicação do perdão a quem tenha ou venha a adquirir a condição de recluso enquanto vigorar a Lei 9/2020, de 10-04, mas também a quem ainda não ingressou no estabelecimento prisional mas está em condições de ver a respectiva pena extinta por via da aplicação do perdão, argumentando que:
«Manda ainda a prudência, atentas as finalidades sanitárias subjacentes ao perdão, que, na iminência do ingresso de condenado cuja pena será extinta por via do perdão, ainda que não seja “recluso” para efeitos do artigo 2.º, n.ºs 1 e 2, que este não venha efetivamente a ingressar – e a correr os riscos sanitários associados à propagação da COVID-19, desde que, claro está, a condenação determinante do ingresso tenha transitado anteriormente ao início da vigência da lei. Neste caso, os mandados, se emitidos, deverão ser inclusivamente sustados»”.

Trata-se do Autor e do estudo referidos na conclusão 21.ª. Mas como por aqui também fica evidenciado, também para aquele, é necessário que haja condenação por decisão transitada em julgado antes da entrada em vigor da Lei 9/2020, de 10/04.

Remanesce a posição identificada como “intermediária”, a defendida no acórdão a que vimos fazendo referência: Devem beneficiar do perdão a que alude o artigo 2º da Lei nº 9/2020, de 10/04, apenas aqueles que se encontrem na situação de reclusos. No entanto, esta condição de recluso não se restringe aos que a tenham à data da entrada em vigor daquela lei, devendo abranger também os que a venham a adquirir durante a vigência da mesma, sendo esta a solução para a qual a jurisprudência de forma consistente se tem inclinado.

No fundo o que se vem dizer, é que para além das pessoas que já ingressaram em estabelecimento prisional antes de 11 de Abril, em função de sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2020, se cumprirem este requisito, a tal redacção dada ao art. 10.º deste Diploma pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, faz inculcar, em termos sistemáticos, que a primeira “não visou apenas ser dirigida para o imediato, a quem já era recluso, mas pretendeu contemplar situações de futuros reclusos, pois consagra que a vigência da presente lei só cessará quando acabar a situação excecional deprevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.”

Fazendo assim beneficiar de tal perdão pessoas que, por motivos diversos (por exemplo, suspensão dos prazos processuais nesse período), ainda não estavam presos àquela data.
Não dispensar o mencionado limite de aplicação.

Ora uma vez que a condenação sofrida pelo Arguido transitou em julgado 20/04/2020, e tendo a Lei em causa entrado em vigor a 11 de Abril, é então manifesto que o Recorrente não poderá beneficiar do perdão em causa.

Sendo que neste particular, a afirmação em como o entendimento adoptado pelo Tribunal a quo não tem qualquer correspondência com a letra da Lei, não pode ser aceite.

III3.4.)-Por aqui logo se conclui, que ao contrário do que o mesmo invoca, não existe neste domínio qualquer sucessão temporal de leis penais que importe resolver nos termos do art. 2.º do Cód. Penal.

Claramente não estamos perante hipótese de alteração da lei incriminadora, situação de descriminalização ou despenalização, como o anota a Digna magistrada do Ministério Público, em 1.ª Instância, na sua resposta.

Mas mais: Em relação ao apontado requisito de funcionamento temporal do perdão - pois que é disso que concretamente se trata – não há qualquer alteração legislativa.

III3.5.)-Violação do princípio da igualdade também não vemos que se patenteie.

Em bom rigor a questão não é sequer substancialmente diferente da colocada pelas antigas Leis de perdão: porquê limitar aquela medida de graça aos crimes cometidos até aquele dia e não no até ao dia seguinte?

Tal como se refere no acórdão da Rel. de Coimbra de 07/10/2020, no processo n.º 719/16.4TXPRT-F.C1:

O princípio da igualdade não proíbe (…) que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes” - Ac. do Tribunal Constitucional n.º 149/93, de 28/01/1993.
“A igualdade em sentido material (e é esta a igualdade que o artigo 13º. expressa), pressupõe tratamento igual do que é igual e tratamento diferente do que é diferente, de acordo com a medida da diferença. Daí que, seguindo uma linha jurisprudencial constante que já remonta à Comissão Constitucional, este Tribunal afirme (…) que uma diferenciação de tratamento fundada em motivações objectivas, razoáveis e justificadas, não é atentatória do princípio da igualdade. Por outras palavras, utilizando uma formulação do Tribunal Constitucional Federal Alemão (BVerf GE 1,14 (52), citada por Alexy, Theorie der Grundrecht, Suhrkamp-Verlag, 1986, pág. 370) tratamentos legais diferentes, traduzem uma diferenciação arbitrária quando (...) não é possível encontrar um motivo razoável decorrente da natureza das coisas, ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível, para essa diferenciação” - Ac. do Tribunal Constitucional n.º 152/95, de 15/03/1995.
“O princípio da igualdade, enquanto parâmetro constitucional capaz de limitar as ações do legislador, comporta reconhecidamente várias dimensões: proibição do arbítrio legislativo; proibição de discriminações negativas, não fundadas, entre os sujeitos; assim como eventual imposição de discriminações positivas, com projeções distintas tendo em conta as especificidades do âmbito material em causa. Da extensa jurisprudência constitucional sobre a temática resulta que o princípio não proíbe em absoluto toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações (e a sua medida) materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional” – Ac. do Tribunal Constitucional n.º 273/2016, de 4/05/2016.
Ou, como se decide no também recente ac. deste Tribunal da Relação de Coimbra de 30-09-2020, proferido no proc. n.º 47/20.0TXCBR-B.C1 (relatora Maria José Nogueira) “De resto, tal como vem concebida, uma suposta violação do princípio da igualdade dificilmente conviveria com qualquer “marco temporal” invariavelmente presente nas sucessivas leis de amnistia, o qual sempre permitiria questionar a justeza de tão díspares soluções, em substância equivalentes, apenas separadas por escassas horas”.

Traduz pois, uma opção do Legislador validamente tomada.

Sendo que a propósito da Lei de perdão n.º 29/99, de 12 de Maio, acima já aludida, o Tribunal Constitucional no seu acórdão de 7 de Outubro no processo n.º 488/2008, teve a oportunidade de afirmar que cabe na discricionariedade normativa do legislador ordinário eleger, quer a medida do perdão de penas - o quantum do perdão - , quer, em princípio, as espécies de crimes ou infracções a que diga respeito a pena aplicada e perdoada, quer a sujeição ou não a condições, desde que o faça de forma geral e abstracta, para todas as pessoas e situações nela enquadráveis.

Da mesma forma, veja-se o que a este propósito se alude no acórdão da Relação do Porto de 25/11/2010, aqui sobejamente glosado: “«A linha de fronteira, entre quem beneficia do perdão e quem está excluído do mesmo, passa, portanto, pela condição de recluso na sequência de uma sentença transitada em julgado à data da entrada em vigor da lei (11 de abril de 2020)», sem que tal implique qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição (Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República 10/2020, in www.ministeriopublico.pt)”.

Nesta conformidade:

IV–Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, julga-se pois improcedente o recurso apresentado pelo Arguido RL .

Pelo seu decaimento, e independentemente do benefício do apoio judiciário de que possa beneficiar, ficará condenado em 4 (quatro) UCs de taxa de justiça (art.ºs 513.º e 514.º do CPP e respectivo Regulamento das Custas Judiciárias).


Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário


Lisboa, 26.01.2021


Luís Gominho                   
José Adriano