Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21053/19.2T8LSB-A.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
NECESSIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE A APELAÇÃO DEDUZIDA PELA REQUERENTE, PROCEDENTE A APELAÇÃO DEDUZIDA PELA REQUERIDA
Sumário: I. O procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória previsto no n.º 1 do art.º 388.º do CPC tem os seguintes pressupostos:
a) Que esteja indiciada a existência da obrigação de indemnizar por parte do requerido, emergente de morte ou lesão corporal;
b) Que o requerente se encontre em situação de necessidade;
c) Que exista um nexo de causalidade entre os danos respeitantes à obrigação de indemnizar e a situação de necessidade.
II. A necessidade que aqui se tem em vista é uma situação de carência económica, isto é, de incapacidade de o lesado fazer face às suas despesas e às daqueles que dele dependem.
III. Não se mostra verificado o requisito referido em II quando se fixou o seguinte quadro fáctico:
- Antes do acidente a requerente geria (“tomava conta”) o café-restaurante dos pais, aí efetuando diariamente o trabalho de cozinha, limpeza e atendimento aos clientes;
- Em virtude do acidente a requerente sofreu traumatismo na coluna cervical e lombar, tendo ficado impossibilitada de realizar trabalhos que impliquem esforços físicos;
- Tal determinou a diminuição significativa das suas tarefas no estabelecimento;
- Foi contratada uma pessoa para auxiliar no café-restaurante e na casa da requerente;
- Não ficou demonstrado que o café-restaurante sofreu uma quebra de atividade e de rendimento;
- Não ficou demonstrado que “a ausência dos rendimentos que recebia na exploração do restaurante não permite à Requerente fazer face às despesas que tem de suportar”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 15.4.2020 Maria (…) instaurou procedimento cautelar de reparação provisória contra A – Companhia de Seguros, S.A..
A requerente alegou, em síntese, ter sido vítima de um acidente de viação, cuja responsabilidade é exclusivamente imputável ao condutor de um veículo seguro na requerida. Em consequência do acidente a requerente sofreu traumatismo cervical e lombar e perturbações psicológicas, que a impedem de trabalhar no restaurante dos pais, onde a requerente trabalhava todos os dias, auferindo uma média de € 1 000,00 por mês. A requerente suporta despesas mensais na ordem dos € 780,00 e ainda auxilia a filha maior e a neta, com cerca de € 400,00 mensais. A requerente contratou uma empregada para fazer limpezas e engomar a roupa em casa, à qual paga € 125,00 por semana. A requerente tem a cargo os seus pais, octogenários. A requerente carece, assim, de uma reparação provisória, no valor de € 1 000,00 por mês.
A requerente terminou pedindo que a requerida fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 1 000,00, a título de reparação provisória, sob a forma de renda mensal, até à data da liquidação definitiva dos danos.
A requerida deduziu oposição, na qual, embora aceitando a responsabilidade pelo sinistro, impugnou os danos invocados e a necessidade de reparação provisória solicitada, concluindo pela improcedência da pretensão.
Realizou-se audiência final e em 05.6.2020 foi proferida sentença, na qual se julgou parcialmente procedente, por parcialmente provada, a providência cautelar, e consequentemente se arbitrou a reparação provisória à requerente de € 500,00 mensais, devida desde o 1.º dia do mês subsequente à data da instauração do procedimento cautelar até à liquidação definitiva dos danos.
A requerente apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
a) A obrigação de indemnizar, no âmbito do acidente de viação que à Requerente danos patrimoniais e não patrimoniais, físicos e psicológicos, foi assumida pela Requerida.
b) A Requerente tem 64 anos, pais octogenários, uma filha e uma neta a quem presta auxílio (monetária, alimentar, etc.), está separada de facto do marido e não tem rendimentos fixos, nem aufere qualquer pensão ou subsídio.
c) Antes do acidente, a Requerente era uma pessoa activa e saudável, tomando conta de um estabelecimento de restauração que pertence aos seus pais e que lhes assegurava – a todos - a subsistência e onde realizava trabalhos de cozinha, limpeza e atendimento aos clientes.
d) Não há, face aos factos provados, hesitação possível: a capacidade de ganho, ficou reduzida, na sequência de um «traumatismo da coluna cervical e lombar», que impediu e impede a Requerente de «realizar trabalhos (…) de natureza física, o que provocou uma diminuição significativa das suas tarefas no estabelecimento», causando-lhe distúrbios de sono e necessitando «de mais tempo para realizar a recuperação psicológica».
e) As despesas, aumentaram, sendo a Requerente forçada a contratar uma pessoa para a ajudar no restaurante e em casa, nas tarefas domésticas;
f) Esta situação agrava-se se considerarmos que a Requerente não tem rendimentos fixos, um elemento que não pode, na apreciação do caso concreto, ser olvidado.
g) Perante esta realidade, o Tribunal a quo arbitrou uma pensão provisória de €500,00 (quinhentos euros) correspondente à despesa que a Requerente se viu a realizar com a contratação de uma pessoa para a auxiliar, desconsiderando, totalmente, a manifesta perda de capacidade de ganho da requerente.
h) A atribuição de uma renda mensal de €500,00 (quinhentos euros) não constitui minimamente reparação provisória do dano, pois não configura a salvaguarda dos direitos e da dignidade pessoal do sinistrado, obliterando-se com a atribuição de uma renda mensal inferior ao ordenado mínimo nacional a uma pessoa que sofreu os danos que a Requerente sofreu e que não tem um ganho fixo e garantido, o escopo de satisfazer as necessidades cautelares que motivaram a presente providência.
i) Não pode o Tribunal olvidar que alguém que gere de facto um estabelecimento comercial de restauração, realizando tarefas de cozinha, limpeza e serviço à mesa, após sofrer um traumatismo da coluna cervical e lombar, num acidente que lhe deixou sequelas psicológicas relevantes, impedindo-a, até, de realizar esforços nas tarefas domésticas, perdeu capacidade de trabalho e em termos relevantes, capacidade de ganho.
j) Se é certo que o caso concreto nem sempre obedece à tecnicidade das previsões legislativas se adaptam a ela, é essa porém, a mais complexa tarefa mas também a mais dignificante missão do Juiz: subsumir os factos da vida ao abstracto da norma jurídica, “ouvindo” as regras práticas que a vivência jurídica e não só, lhe propiciam.
k) No que concerne à fixação do montante da pensão provisória, a lei manda fixá-la com base em critérios de equidade (n.º 3 do artigo 388.º do CPC), que “é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente dos critérios normativos fixados na lei” devendo o julgador “ter em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”.[Ac. STJ, de 10.02.1998, CJ/STJ, I, p. 67].
l) Limitar, como se fez na sentença recorrida, a indemnização a (uma parte) do valor suportado pela Requerente com o pagamento a uma pessoa que contratou para a auxíliar nessas lides, afigura-se, salvo o devido respeito, insuficiente do ponto de vista daquilo que dita o princípio da equidade.
m) Essencialmente, o que está em causa é o prudente arbítrio do tribunal, tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, ou seja, aquilo a que a melhor jurisprudência se refere como «regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» nos juízos de equidade avançados. Sem conceder,
n) No caso concreto, a prova da quebra de rendimentos que se verificou no restaurante, cuja actividade dependia, quase exclusivamente, de um esforço que a Requerente deixou de ser capaz de fazer, não é uma prova “fácil”, consubstanciando-se tais factos numa realidade de dificil prova, porque difusam mas cuja apreensão, é perfeitamente alcançável. Porém,
o) A prova dos factos, identificados nas alíneas a), b), c) e i), que a sentença recorrida considerou não provados é uma prova que os demais, provados, impõe, por mero raciocínio dedutivo, ou seja, por presunção judicial, nos termos do art.º 349º do Cód. Civil.
p) Difícil, salvo o devido respeito, é julgar não provada a ocorrência de uma quebra de rendimentos no restaurante, após de dar como provado que a Requerente, que o geria de facto, que ali cozinhava, o limpava e servia às mesas, sofreu uma quebra na sua capacidade de trabalho em consequência de ter sofrido um traumatismo da coluna lombar e cervical, que a afectou fisicamente, deixando-lhe também sequelas psicológicas relevantes.
A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e substituída por outra que condenasse a requerida ao pagamento de uma renda mensal de € 1 000,00 a título de reparação provisória.
A requerida apelou subordinadamente, tendo rematado com as seguintes conclusões:
1. A Recorrente considera que a Sentença em crise merece alguns reparos.
2. A verdade é que a Sentença em apreço não ponderou corretamente a prova produzida junto dos presentes Autos, o que levou a uma incorreta valoração dos meios probatórios e, por consequência, a uma decisão que a Recorrente não pode deixar de considerar incompreensível.
3. Não entende a Recorrente como pode o Tribunal de 1.ª instância ter fixado o valor de 500,00 € a título de renda mensal quando dos Autos não se descortinam quaisquer meios de prova, sejam eles documentais ou testemunhais, que justifiquem tal valor.
4. Uma análise atenta, quer da prova documental junta aos autos, quer da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, permite perceber que seria impossível ao Tribunal determinar quais os efetivos rendimentos que auferia a Recorrida antes do acidente e quais os que deixou de auferir.
5. A verdade é que nem a própria Recorrida, em sede de declarações de parte, conseguiu explicar/demonstrar ao Tribunal quais os rendimentos que obtinha (a suposta média mensal de 1.000,00 €) e de que forma os obtinha.
6. O próprio tribunal considerou que a prova produzida nos presentes autos é insuficiente. Tanto que o referiu em sede de audiência de julgamento, como se pode conferir pelas transcrições presentes nas presentes alegações de recurso.
7. À escassa prova documental e testemunhal quanto a estes rendimentos, acresce que a relação laboral da Recorrida não se deverá ter como uma relação laboral normal.
8. A Recorrida sempre terá trabalhado no restaurante dos seus pais, recebendo destes, alegadamente, ao fim de cada ano, parte dos lucros obtidos no referido estabelecimento.
9. Mesmo que se admita, embora sem conceder, que a Recorrida tenha perdido capacidade de trabalho, torna-se evidente que esta não perdeu a sua capacidade de ganho, na medida em que a Recorrida sempre poderia continuar a beneficiar dos lucros do restaurante dos seus pais.
10. Acresce que do depoimento da Recorrida resulta que a sua mãe lhe continua a dar dinheiro para as despesas correntes, quantias essas, provenientes da atividade exercida no estabelecimento.
11. Assim, da prova produzida, não só resulta impossível aferir em que termos e condições a Recorrida aufere os seus rendimentos, como totalmente insustentável a pretensão da mesma de que o Tribunal, através de um exercício de mera presunção, conclua pela quebra de rendimentos do estabelecimento dos seus pais.
12. A este propósito é de salientar o Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 14.05.2009, processo 345/08.1TBSRQ.L1-6 2 , que em suma refere que a situação de necessidade da Recorrida não se pode preencher com a mera alegação de que os seus rendimentos diminuíram.
13. Acresce que a Recorrida pretende justificar a sua pretensão de fixação de uma renda mensal superior com o facto de esta dever ser decretada com base em juízos de equidade.
14. Embora tal seja o que a Lei prescreve, sempre é importante ter em conta que o Juiz só poderá fazê-lo caso se consiga basear em rendimentos ou despesas que se depreendam, ainda que minimamente, da prova produzida.
15. O que não é possível nos presentes autos, dada a escassez da prova produzida, que cabe, obviamente à Recorrida.
16. No entender da Recorrente, no âmbito dos factos dados como provados andou mal o tribunal da 1.ª instância.
17. A Recorrente considera não existirem elementos de prova suficientes junto do processo, que permitissem dar ao tribunal a quo dar os factos que deu como provados, em especial, o ponto 11 da matéria factual dada como provada da Sentença em crise.
18. A verdade é que não existem quaisquer documentos que atestem que a Recorrida proceda, com regularidade, ao pagamento de serviços prestados por terceira pessoa.
19. E, mesmo concebendo que a Recorrida recebe ajuda de terceira pessoa, a verdade é que a prova produzida no sentido de se aferir, mesmo que indiciariamente, as despesas a este título, são tão escassas quanto aquelas que a Recorrida apresenta para justificar os rendimentos que alegadamente auferia antes do sinistro.
20. Por sua vez o Julgador não pode concluir, pelo simples facto de a Recorrida conseguir enunciar, minimamente, os valores que despendia a título - ajuda prestada por terceiro - que essa despesa existe.
21. A posição do Tribunal da 1.ª instância é ilógica, já que, se, por um lado, considera não ter prova suficiente para considerar como provados os rendimentos que a Recorrida alega que auferia antes do sinistro, sabendo-se que o único meio probatório produzido nessa sede foi o testemunho daquela, por outro, no tocante às despesas com ajuda de terceiro e, não obstante só ter também em seu poder, nessa sede, o testemunho da Recorrida, considera estas como provadas.
22. Deste modo, outra não pode ser a posição da Recorrente senão a de considerar que a Recorrida não logrou, mais uma vez, preencher a prova necessária para que se possa dar como provado que aquela tem, de facto, despesas com a ajuda de uma terceira pessoa.
23. A prova apresentada e produzida pela Recorrida – e em especial quanto aos factos sobre os quais a Recorrente se debruçou mais aprofundadamente nas presentes alegações – é manifestamente escassa para efeitos de fixação, pelo Tribunal, de qualquer montante a título de renda mensal.
24. Assim não se compreende como pode o tribunal a quo ter decretado a fixação de uma renda mensal no valor de 500,00 €, quando o único facto que o fundamenta são as alegadas despesas com a ajuda de terceira pessoa que em face do exposto não foram dadas como provadas.
A apelante terminou concluindo pela improcedência total do recurso apresentado pela requerente e pela total procedência da apelação deduzida pela requerida, devendo ser revogada a sentença e substituída por outra que considere que não é devida qualquer renda mensal pela ora recorrente à recorrida.
Não houve contra-alegações à apelação subordinada.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
Estão em causa duas apelações. Na apelação da requerente esta insurge-se contra a decisão de facto e contra o valor da reparação provisória arbitrada pelo tribunal a quo, pugnando pelo seu aumento. Na apelação da requerida esta impugna a decisão de facto e o arbitramento de uma reparação provisória.
Atendendo a que a fixação da matéria de facto antecede a fixação de uma eventual reparação, começaremos por apreciar as impugnações da decisão de facto. Seguidamente haverá que apurar da verificação dos pressupostos do arbitramento de reparação provisória e, se for o caso, qual o seu valor.
Primeira questão (impugnação da decisão de facto)
O tribunal a quo deu como indiciariamente provada a seguinte
Matéria de facto
1. Em 22.04.2019, o veículo automóvel marca Honda Civic, matrícula …IX, circulava na Estrada Nacional 118, km, 172,00, sentido Arês-Gavião, concelho de Nisa, sendo conduzido pelo Autor na acção principal, Fernando (…), aí seguindo a ora Requerente, ao lado do condutor.
2. No dia e local referidos em 1., o veículo IX foi envolvido num acidente de viação, cuja responsabilidade foi assumida pela Requerida, no âmbito da apólice de seguro automóvel n.º (…) sobre o veículo automóvel …NT.
3. Em consequência do acidente, a Requerente sofreu traumatismo na coluna cervical e lombar, para cujo tratamento tem feito medicação e efectuado consultas médicas.
4. Também em consequência do acidente, a Requerente ficou afectada psicologicamente, sofrendo perturbações do sono e fobia relacionada com a circulação em automóveis.
5. Antes do acidente, a Requerente era uma pessoa saudável.
6. A Requerente sempre trabalhou no café-restaurante “T”, em (…), Nisa, propriedade de seus pais.
7. Antes do acidente, a Requerente “tomava conta” do estabelecimento, aí efectuando diariamente o trabalho de cozinha, limpeza e atendimento aos clientes.
8. Após o acidente, a Requerente deixou de realizar trabalhos envolvendo o levantamento de objectos pesados ou outros de natureza física, o que provocou a diminuição significativa das suas tarefas no estabelecimento.
9. A Ré tem uma filha maior e uma neta de 10 anos de idade, a quem auxilia, quer financeiramente, quer com bens alimentares e outros.
10. Os pais da Requerente têm mais de 80 anos.
11. A Requerente contratou uma empregada para ajudar no restaurante dos pais, nos trabalhos mais pesados, e ainda para passar a ferro em sua casa, a quem pagou 6€ à hora, prestando aquela, em média, 4 horas de trabalho por dia.
12. A Requerente ficou impossibilitada de realizar trabalhos que impliquem esforços físicos.
13. Face às limitações físicas que o acidente lhe causou, a Requerente necessita de mais tempo para a recuperação psicológica.
Na sentença o tribunal enunciou os seguintes
Factos não provados
a) Que, devido às lesões sofridas pela Requerente, o estabelecimento tenha sofrido uma diminuição significativa da actividade e consequentemente o valor da facturação (art. 35º do r.i.);
b) Que, devido às lesões sofridas pela Requerente, se tenha verificado uma quebra significativa da clientela, assim colocando em risco a rentabilidade do estabelecimento (art. 36º do r.i.);
c) Que, antes do acidente, a Requerente obtivesse um rendimento médio mensal na ordem dos mil euros, proveniente da exploração do estabelecimento (art. 37º do r.i.);
d) Que, por ter deixado de trabalhar no restaurante, a Requerente tenha deixado de auferir quaisquer rendimentos (art. 39º do r.i.);
e) Que a Requerente tenha, como despesas médias mensais, os valores enunciados no artigo 41º do r.i., cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido;
f) Que a Requerente tem a seu cargo os pais, dos quais cuida e aos quais presta auxílio (art. 45º do r.i.);
g) Que os pais da Requerente sofrem de diversos problemas de saúde, associados à idade, pelo que necessitam de acompanhamento médico permanente (art. 46º do r.i);
h) Que a Requerente auxilia os pais no pagamento das despesas médicas e medicamentosas (art. 47º do r.i.);
i) Que a ausência dos rendimentos que recebia na exploração do restaurante não permite à Requerente fazer face às despesas que tem de suportar (art. 49º do r.i.).
O Direito
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
In casu, a apelante/requerente entende que deve dar-se como provado o que consta nas alíneas a), b), c) e i) dos factos dados como não provados. Para tal, convoca os factos dados como provados e a presunção judicial deles resultante.
Vejamos.
Os factos dados como não provados ora impugnados pela apelante/requerente são os seguintes:
a) Que, devido às lesões sofridas pela Requerente, o estabelecimento tenha sofrido uma diminuição significativa da actividade e consequentemente o valor da facturação (art. 35º do r.i.);
b) Que, devido às lesões sofridas pela Requerente, se tenha verificado uma quebra significativa da clientela, assim colocando em risco a rentabilidade do estabelecimento (art. 36º do r.i.);
c) Que, antes do acidente, a Requerente obtivesse um rendimento médio mensal na ordem dos mil euros, proveniente da exploração do estabelecimento (art. 37º do r.i.);
i) Que a ausência dos rendimentos que recebia na exploração do restaurante não permite à Requerente fazer face às despesas que tem de suportar (art. 49º do r.i.).
A apelante/requerente entende que estes factos devem ser dados como provados, com base na experiência normal das coisas, por inferência dos factos dados como provados (artigos 349.º do CC, 607.º, n.º 4, in fine, do CPC).
Provou-se que:
6. “A Requerente sempre trabalhou no café-restaurante “T…”, em …, Nisa, propriedade de seus pais”.
7. “Antes do acidente, a Requerente “tomava conta” do estabelecimento, aí efectuando diariamente o trabalho de cozinha, limpeza e atendimento aos clientes.”
3. “Em consequência do acidente, a Requerente sofreu traumatismo na coluna cervical e lombar, para cujo tratamento tem feito medicação e efectuado consultas médicas.
4. “Também em consequência do acidente, a Requerente ficou afectada psicologicamente, sofrendo perturbações do sono e fobia relacionada com a circulação em automóveis.”
8. “Após o acidente, a Requerente deixou de realizar trabalhos envolvendo o levantamento de objectos pesados ou outros de natureza física, o que provocou a diminuição significativa das suas tarefas no estabelecimento.”
12. “A Requerente ficou impossibilitada de realizar trabalhos que impliquem esforços físicos.”
13. “Face às limitações físicas que o acidente lhe causou, a Requerente necessita de mais tempo para a recuperação psicológica.”
Não se vislumbra que a partir dos factos provado seja possível inferir que a requerente, antes do acidente, auferia em média um rendimento mensal de mil euros, proveniente da exploração do restaurante (al. c) dos factos não provados). Também não decorre necessariamente da experiência normal das coisas que o facto de a requerente ter deixado de poder realizar trabalhos envolvendo o levantamento de objetos pesados ou outros de natureza física (n.º 8 dos factos provados) implique, sem mais prova, a demonstração de que o estabelecimento em causa sofreu uma diminuição significativa de atividade e da clientela, com a consequente redução do valor da faturação e da rentabilidade do estabelecimento (alíneas a) e b) dos factos não provados) e que a requerente deixou de auferir os rendimentos que recebia na exploração do restaurante e de poder fazer face às despesas que tem de suportar (alínea i) dos factos não provados). Note-se, desde logo, que se provou que “A Requerente contratou uma empregada para ajudar no restaurante dos pais, nos trabalhos mais pesados, e ainda para passar a ferro em sua casa, a quem pagou 6€ à hora, prestando aquela, em média, 4 horas de trabalho por dia” (n.º 11 dos factos provados).
Pensamos, pois, que o mero apelo à presunção judicial não chega para alterar o juízo negativo vertido pelo tribunal a quo na enunciação do factualismo dado como não provado.
A apelação da requerente improcede, pois, quanto à impugnação da decisão de facto.
Quanto à apelação da requerida, entende esta que não foi feita prova do facto dado como provado sob o n.º 11:
A Requerente contratou uma empregada para ajudar no restaurante dos pais, nos trabalhos mais pesados, e ainda para passar a ferro em sua casa, a quem pagou 6€ à hora, prestando aquela, em média, 4 horas de trabalho por dia.”
A apelante entende que o depoimento da requerente, único meio de prova em que esse facto se sustentou, não basta para o dar como provado.
No que concerne aos rendimentos e despesas da requerente, o tribunal a quo fundamentou a decisão de facto pela seguinte forma:
No que concerne à demais factualidade, o Tribunal formou a sua convicção na (ténue) prova testemunhal produzida, compaginada com as declarações de parte produzidas pela própria Requerente.
Desta prova – melhor, das limitações desta prova – emergiu, também, a convicção quanto à extensa factualidade que não ficou demonstrada, ainda que indiciariamente, dado que sobre a mesma não foi possível recolher qualquer elemento credível.
Veja-se, designadamente, que nenhuma das testemunhas soube descrever, com o mínimo rigor e objectividade, que concreto rendimento a Requerente lograva obter do estabelecimento de café-restaurante propriedade de seus pais, apesar de ter ficado segura a ideia de que ali esta desenvolvia a sua actividade profissional normal, antes e depois do acidente, embora nesta fase posterior com limitações físicas. Aliás, mesmo quanto a estas limitações, posto que a Requerente continuou a “gerir” o estabelecimento e logrou obter ajuda (ainda que, em parte pelo menos, remunerada, de terceiras pessoas), ficou por apurar se e em que medida essas limitações se repercutiram, quer no rendimento gerado pelo próprio café-restaurante, quer no rendimento que advém para a própria Requerente. Na verdade, percebeu-se apenas que, devido às limitações físicas, houve necessidade de contratar uma empregada para ajudar nas limpezas e trabalhos mais pesados (a mesma que se deslocava a casa da Requerente, durante período não apurado, para efectuar algum serviço doméstico), a que se juntou a ajuda de um familiar; mas nenhuma prova se efectuou quanto a uma eventual diminuição da laboração do restaurante e/ou se essa diminuição se ficou a dever a impossibilidade física ou psicológica da Requerente. Desta falta de prova ficou por apurar, também, se e em que medida a Requerente viu o seu rendimento diminuído – tanto mais que foi notória a falta de prova, sequer, de qual o rendimento que esta retirava da laboração no estabelecimento familiar.
Da prova por declarações parte, pese embora a limitação necessariamente associada a este expediente probatório, foi possível apurar, com credibilidade, qual a ajuda prestada pela empregada contratada pela Requerente para prestar serviço, quer no café-restaurante, quer na sua própria casa; segundo esta, essa empregada tem trabalhado durante cerca de 4 horas por dia, sendo remunerada a € 6 à hora – o que, de acordo com as regras da experiência comum, não parece ser um valor descabido ou irreal, sendo esse tempo de trabalho também razoável para a natureza das tarefas a executar, entre o estabelecimento e o domicílio da Requerente.
Ouvida a totalidade da prova pessoal, constata-se, acerca da contratação de pessoal, que a testemunha José (…), cunhado da requerente (pois esta é casada com um irmão da testemunha) afirmou que “os pais [da requerente] tiveram de arranjar uma empregada de limpeza nova”. Também a testemunha Joaquim (…), irmão da requerente, afirmou que a requerente “agora tem uma empregada em casa”. As testemunhas Maria (…) (mulher da testemunha Joaquim) e Andreia (filha da requerente) nada disseram acerca de uma eventual empregada. Quanto à requerente, prestou declarações de parte, em que referiu que uma senhora chamada Patrocínia ia ajudar no restaurante e na casa da requerente, ganhando € 6,00 à hora. “Esta senhora está lá há um ano e meio. Vai lá à hora do almoço, faz duas, três, quatro horas. E quando a gente quer que ela faça assim uma limpeza geral, é o dia inteiro. Uma vez por semana. E vai outra à minha casa, que limpa e passa a ferro a minha roupa.”
Não nos esquecendo que em sede de providência cautelar a fixação dos factos se basta com um juízo probatório meramente indiciário, isto é, assente em atividade instrutória relativamente singela (a summaria cognitio a que se refere o art.º 365.º n.º 1 do CPC), admite-se que se possa dar como provado que uma senhora foi contratada para prestar auxílio no restaurante dos pais da requerente e também presta alguns serviços domésticos em casa da requerente. Mas não entendemos que a prova produzida permita ir mais além, nomeadamente quanto às horas de trabalho prestadas e o seu custo, assim como sobre quem é que suporta efetivamente o pagamento dessas horas.
Assim, nesta parte entendemos que a apelante/requerida tem parcial razão.
Em suma, na sequência da apelação da requerida, altera-se a redação do n.º 11 dos factos indiciados, a qual passa a ser a seguinte:
Foi contratada uma empregada para ajudar no restaurante dos pais da requerente, nos trabalhos mais pesados, e ainda para passar a ferro na casa da requerente.
Segunda questão (pressupostos do arbitramento de reparação provisória)
A providência cautelar peticionada pela requerente rege-se pelo disposto no art.º 388.º do CPC, que tem o seguinte teor:
Fundamento
1 - Como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.
2 - O juiz defere a providência requerida desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.
3 - A liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal.
4 - O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado.”
Trata-se de providência cautelar antecipatória, que visa a obtenção acelerada da tutela do direito invocado na ação principal, em ordem a evitar que a delonga na tramitação da ação principal inutilize, total ou parcialmente, a decisão definitiva.
O direito que aqui se pretende acautelar é o da reparação dos danos emergentes de responsabilidade civil, isto é, o efeito inerente à atribuição de uma prestação indemnizatória. A concessão do recurso a um procedimento cautelar justificar-se-á para a garantia de bens particularmente ponderosos, como o são o sustento ou a habitação do lesado (n.º 4 do art.º 388.º), ou para acorrer a lesões particularmente significativas, ou seja, a morte ou lesão corporal, quando destas resulte a colocação do lesado numa situação de necessidade (n.ºs 1 e 2 do art.º 388.º).
A necessidade que aqui se tem em vista é uma situação de carência económica, isto é, de incapacidade para o lesado fazer face às suas despesas e às daqueles que dele dependem. Daí que a providência a atribuir consistirá numa renda mensal (n.º 1 do art.º 388.º), que deverá ser prestada ao requerente pelo requerido, na medida em que esteja indiciada a existência da obrigação de indemnizar e que a aludida necessidade seja causada pelos danos sofridos pelo lesado (n.º 2 do art.º 388.º).
Na busca da concretização deste conceito (“necessidade”), que a lei não define, na doutrina tem-se ponderado o seguinte:
Na integração do conceito não deve usar-se um critério tão restritivo que limite a atribuição da prestação antecipatória a situações de indigência. Mas, igualmente, não será qualquer redução na capacidade de ganho que poderá motivar a concessão da providência.
Visaram-se com o preceito legal aquelas situações em que a morte ou lesão corporal é acompanhada de uma redução dos ganhos que afecte seriamente a satisfação das necessidades básicas do lesado e dos que dele directamente dependem” (Abrantes Geraldes, Temas da reforma do processo civil, IV volume, 2001, Almedina, p. 135).
Por contraposição com o n.º 4, o conceito de “necessidade” a que se reporta o n.º 2 é mais amplo e pode envolver, de acordo com o normal padrão de vida do lesado, componentes ligadas à diminuição do bem-estar, da educação ou do vestuário, que não apenas os atinentes à capacidade de almejar o seu próprio sustento ou de prover à sua habitação. Do mesmo modo, não serão apenas as despesas do próprio lesado que devem ser antecipadamente asseguradas, não existindo razões para excluir as correspondentes aos familiares dele dependentes” (Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 136).
Embora este requisito esteja formulado em termos genéricos, sem se precisar em que situação de necessidade o lesado precisa de se encontrar para se considerar verificado o requisito, há que utilizar um critério razoável na apreciação deste requisito. Nesta medida, não se deve limitar a atribuição da providência a situações clamorosas de necessidade, muito próximas da indigência, tal como não se deve considerar que existe uma situação de necessidade pelo simples facto de o lesado ver afectado o seu património, pelo acréscimo de despesas que passou a efectuar em consequência dos danos sofridos, desde que essas despesas não influenciem sobremaneira a sua situação económico-financeira.
A situação de necessidade deve traduzir-se numa efectiva redução dos ganhos do lesado, que afecte seriamente e de forma definitiva a possibilidade de este satisfazer as suas necessidades básicas, bem como daqueles que directamente de si dependem. Pelo que deve considerar-se que não são objeto de tutela todas aquelas situações em que o lesado, apesar de sofrer danos de natureza patrimonial que afectam o seu património, continua a ter plena capacidade de subsistência própria e de todos aqueles que estão dependentes do seu património.
(…) Neste contexto, o legislador apenas pretendeu tutelar as situações [de] necessidade económica mais graves e clamorosas em que o lesado se encontra, e que o impossibilitam de seguir a sua vida normal, uma vez que lhe é difícil, em consequência dos danos sofridos, prover à sua subsistência e à dos seus” (Célia Sousa Pereira, Arbitramento de reparação provisória, Almedina, 2003, pp. 126 e 127).
A situação de necessidade como requisito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória caracteriza-se por uma insuficiência actual e manifesta de rendimentos para fazer face às despesas inerentes à vivência do lesado e seus dependentes, de acordo com um padrão de vida digno, definido pelos valores vigentes. Não se exige a verificação de um estado de indigência ou de risco de sobrevivência física, mas a insuficiência de rendimentos deve ser suficientemente séria, não bastando uma qualquer dificuldade na gestão orçamental da vida económica do lesado. A desproporção entre o montante global dos rendimentos obtidos e o das despesas consideradas imprescindíveis deve ser manifesta. Apenas se justifica uma intervenção heterotutelar urgente, se a situação de necessidade assumir um grau de gravidade relevante, num juízo de razoabilidade. Além de evidente, o estado de necessidade deve ser actual, reportando-se às condições de vida do lesado existentes no momento em que recorre à providência de arbitramento da reparação provisória, repercutindo-se nesta todas as alterações que venham a ocorrer nessas condições” (João Cura Mariano, A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, 2003, Almedina, p. 80).
Tão-pouco neste caso se estabelecem limites em função do tipo de situação de necessidade económica em que se encontre o requerente. Se o lesado ficar impossibilitado, pela lesão corporal, de continuar a auferir o rendimento do seu trabalho, qualquer sua necessidade, tido em conta o seu estilo de vida, há de poder ser coberta pela reparação provisória, desde que outro meio não tenha de a satisfazer” (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º 3.ª edição, 2017, Almedina, p. 135).
Na mesma linha, Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 4.ª edição, Almedina, 2019, pp. 320 e 321.
A jurisprudência tem afinado as suas decisões nesta matéria de acordo com os critérios supra referidos (vide, v.g., Rel. do Porto, 16.01.2006, processo 0555805; Rel. do Porto, 21.6.2010, processo 133/10.5TBSTS-B.P1; Rel. de Lisboa, 27.10.2015, processo 30142/12.3T2SNT-B.L1-7; Rel. de Évora, 02.6.2016, processo 953/15.4T8EVR.E2; Rel. de Évora, de 26.10.2017, processo 369/17.8STB.E1, todos consultáveis em www.dgsi.pt).
O presente procedimento cautelar inscreve-se na modalidade prevista no n.º 1 do art.º 388.º.
A providência requerida tem, pois, os seguintes pressupostos:
a) Que esteja indiciada a existência da obrigação de indemnizar por parte do requerido, emergente de morte ou lesão corporal;
b) Que o requerente se encontre em situação de necessidade;
c) Que exista um nexo de causalidade entre os danos respeitantes à obrigação de indemnizar e a situação de necessidade.
In casu, não existem dúvidas quanto à verificação do primeiro pressuposto. Com efeito, a requerida assumiu a responsabilidade pelas consequências do acidente de viação de que a requerente foi vítima (n.º 2 da matéria de facto).
No que concerne à situação de necessidade, o tribunal a quo considerou que a mesma se verificava, com base na seguinte argumentação:
Na situação dos autos, ficou suficientemente demonstrada a prova, ainda que ao nível indiciário, de que a Requerente era quem geria de facto o estabelecimento comercial de seus pais, ambos já de idade avançada, sendo elemento chave nessa actividade, também ao nível da execução de tarefas do dia a dia. Ficou também segura a ideia de que a mesma Requerente viu o seu modus vivendi substancialmente alterado devido às lesões físicas que a incapacitam, na sequência do acidente de viação sofrido – quer diminuindo a actividade do estabelecimento, quer tendo necessidade de contratar uma terceira pessoa, remunerada, para aí exercer tarefas anteriormente por si asseguradas, quer tendo a necessidade de actuar da mesma forma nas tarefas domésticas”.
A apelante requerida insurge-se contra este juízo, considerando que a requerente não logrou comprovar uma redução nos seus rendimentos, tendo ficado por demonstrar a alegada incapacidade para fazer face às respetivas despesas.
Vejamos.
A este respeito provou-se o seguinte:
3. Em consequência do acidente, a Requerente sofreu traumatismo na coluna cervical e lombar, para cujo tratamento tem feito medicação e efectuado consultas médicas.
4. Também em consequência do acidente, a Requerente ficou afectada psicologicamente, sofrendo perturbações do sono e fobia relacionada com a circulação em automóveis.
5. Antes do acidente, a Requerente era uma pessoa saudável.
6. A Requerente sempre trabalhou no café-restaurante “Túlio”, em Arneiro, Nisa, propriedade de seus pais.
7. Antes do acidente, a Requerente “tomava conta” do estabelecimento, aí efectuando diariamente o trabalho de cozinha, limpeza e atendimento aos clientes.
8. Após o acidente, a Requerente deixou de realizar trabalhos envolvendo o levantamento de objectos pesados ou outros de natureza física, o que provocou a diminuição significativa das suas tarefas no estabelecimento.
9. A Ré tem uma filha maior e uma neta de 10 anos de idade, a quem auxilia, quer financeiramente, quer com bens alimentares e outros.
10. Os pais da Requerente têm mais de 80 anos.
11. Foi contratada uma empregada para ajudar no restaurante dos pais da requerente, nos trabalhos mais pesados, e ainda para passar a ferro na casa da requerente (a redação deste ponto da matéria de facto é a resultante da procedência parcial da impugnação da decisão de facto apresentada pela requerida).
12. A Requerente ficou impossibilitada de realizar trabalhos que impliquem esforços físicos.
13. Face às limitações físicas que o acidente lhe causou, a Requerente necessita de mais tempo para a recuperação psicológica.
Resulta dos factos provados que antes do acidente a requerente geria (“tomava conta”) o café-restaurante dos pais, aí efetuando diariamente o trabalho de cozinha, limpeza e atendimento aos clientes. Em virtude do acidente a requerente sofreu traumatismo na coluna cervical e lombar, tendo ficado impossibilitada de realizar trabalhos que impliquem esforços físicos. Tal determinou a diminuição significativa das suas tarefas no estabelecimento.
Contudo, não se provou:
a) Que, devido às lesões sofridas pela Requerente, o estabelecimento tenha sofrido uma diminuição significativa da actividade e consequentemente o valor da facturação (art. 35º do r.i.);
b) Que, devido às lesões sofridas pela Requerente, se tenha verificado uma quebra significativa da clientela, assim colocando em risco a rentabilidade do estabelecimento (art. 36º do r.i.);
c) Que, antes do acidente, a Requerente obtivesse um rendimento médio mensal na ordem dos mil euros, proveniente da exploração do estabelecimento (art. 37º do r.i.);
d) Que, por ter deixado de trabalhar no restaurante, a Requerente tenha deixado de auferir quaisquer rendimentos (art. 39º do r.i.);
e) Que a Requerente tenha, como despesas médias mensais, os valores enunciados no artigo 41º do r.i., cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido;
f) Que a Requerente tem a seu cargo os pais, dos quais cuida e aos quais presta auxílio (art. 45º do r.i.);
g) Que os pais da Requerente sofrem de diversos problemas de saúde, associados à idade, pelo que necessitam de acompanhamento médico permanente (art. 46º do r.i);
h) Que a Requerente auxilia os pais no pagamento das despesas médicas e medicamentosas (art. 47º do r.i.);
i) Que a ausência dos rendimentos que recebia na exploração do restaurante não permite à Requerente fazer face às despesas que tem de suportar (art. 49º do r.i.).
Isto é, não se provou, sequer indiciariamente, que em virtude das lesões sofridas a requerente ficou impossibilitada de fazer face às suas despesas e encargos. Sendo a atividade do restaurante a origem dos seus proventos, não ficou demonstrado que este sofreu uma quebra de atividade e de rendimento. Se é certo que a requerente deixou de aí poder desempenhar tarefas que exijam esforço físico, não ficou impossibilitada de se deslocar ao estabelecimento e de aí realizar outras tarefas, nomeadamente de atendimento e de orientação, sendo certo que foi contratada uma pessoa para auxiliar no estabelecimento e em trabalhos domésticos. Não se provou que a requerente sofreu uma quebra de rendimentos que a impossibilitou de arcar com as suas despesas.
Consequentemente, embora se indicie que a requerente sofreu danos patrimoniais (e não patrimoniais) que deverão ser ressarcidos pela requerida, não está demonstrado que esses danos colocaram a requerente numa situação de necessidade, ou seja, de impossibilidade de fazer face às suas despesas e às de quem dela dependa, justificando-se uma antecipação na realização da prestação indemnizatória que vier a ser devida pela requerida.
Pelo exposto, consideramos que a apelação deduzida pela requerida deve proceder e a apelação deduzida pela requerente deve improceder.
DECISÃO
Pelo exposto:
1.º - Julga-se improcedente a apelação deduzida pela requerente;
2 – Julga-se procedente a apelação deduzida pela requerida e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e, em sua substituição, julga-se improcedente o procedimento de arbitramento de reparação provisória e dele se absolve a requerida.
As custas na primeira instância e nesta apelação são a cargo da requerente, face ao seu decaimento (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 08.10.2020
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins