Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
925/17.4T8MTJ.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
DIREITO DE REGRESSO
PRESSUPOSTOS
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Atento o disposto no artigo 27º, n.º 1, alínea c), do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, não é exigível à seguradora a prova do nexo de causalidade entre o grau de alcoolemia do condutor seu segurado e a ocorrência do acidente.
II - À seguradora apenas será exigível, face à lei actual, alegar e provar que o acidente foi causado pelo condutor seu segurado, por qualquer causa – seja por mera imprudência ou descuido, seja por violação de alguma das normas do Código da Estrada –, e que o mesmo era portador, no momento do acidente, de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida.
III - O direito de regresso da seguradora para com o seu tomador de seguro apenas e tão só nasce com o pagamento da indemnização ao terceiro lesado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório:
1.1. A [ …. Companhia de Seguros, S.A. ], intentou acção de processo comum de declaração contra B (…), pedindo a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia de € 6.465.00 [seis mil, quatrocentos e sessenta e cinco mil euros], acrescida de juros de vencidos e vincendos calculados sobre o capital em dívida à taxa supletiva legal aplicável aos créditos das empresas comerciais, a contar desde a primeira interpelação até integral pagamento.
2. Alegou, para o efeito e em resumo: que se encontra transferida para si a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do veículo de matrícula 00-00-QJ [doravante QJ], por contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º 960239510; que no dia 14/06/2015 ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes, o aludido veículo QJ, conduzido pelo Réu, e o veículo 00-IV-00 [doravante IV]; que o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do Réu, que foi embater na traseira do veículo IV sem que nada o previsse, por não ter guardado a distância suficiente deste veículo para evitar o acidente e porque, na ocasião, era portador de uma taxa de alcoolémia de 0,54g/l, por efeito da qual se encontrava num estado de euforia e conduzia de forma desinibida, e com menor discernimento, atenção e concentração; e que em consequência do acidente, a Autora pagou, 10/12/2015, a quantia de € 265,00 aos Bombeiros Voluntários de Sacavém e indemnizou o proprietário do IV, em 17/02/2016, pagando-lhe, pela perda total deste veículo, a quantia global de € 6.200,00.
Termos em que a Autora concluiu ter direito de regresso contra o Réu, sendo este obrigado a ressarci-la do montante das despesas por si suportadas em virtude do acidente, no valor global de 6.465,00€.
1.2. Citado, o Réu apresentou contestação negando qualquer responsabilidade pela ocorrência do embate, que entende ter sido provocado por culpa exclusiva da condutora do veículo IV, que, de forma inesperada e repentina, sem tomar as devidas precauções, quando o Réu conduzia o QJ pela via central e já havia iniciado a manobra de ultrapassagem daquele veículo, que circulava na via à sua direita, se “jogou” para a via do meio, por onde seguia o QJ, colocando-se à sua frente, levando a que fosse embater na traseira do veículo IV.
1.3. Dispensada a realização da audiência prévia e efectuado o saneamento dos autos, foi proferido despacho de fixação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova [ref.ª 373233812, de 06/02/2018].
1.4. Através de requerimento apresentado em 26/02/2018, a Autora requereu a ampliação do pedido para € 6.952,12 [seis mil, novecentos e cinquenta e dois euros e doze cêntimos], acrescidos dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, de forma a incluir os custos que suportou com a assistência prestada à conduta do veículo IV e aos ocupantes pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte [ref.ª Citius 18060809].
1.5. A audiência de julgamento decorreu em duas sessões e com observância de todo o formalismo legal, conforme decorre das respectivas actas [ref.ªs 374739777 e 374790929, a fls. 77-78 e 79-80 do processo físico, respectivamente].
1.6. Na sequência, em 01/08/2018, foi proferida a sentença (ref.ª 375208592, de fls. 81 a 88 do processo físico), nos termos da qual a acção foi julgada improcedente e o Réu absolvido do pedido contra si formulado.
1.7. Inconformada com a referida decisão, a Autora interpôs recurso de apelação, rematando as respectivas alegações, com as seguintes conclusões:
«1- O presente recurso vem interposto da douta sentença que absolveu o Réu do pedido formulado pela A. ora Recorrente, porquanto considerou que não estavam preenchidos todos os pressupostos do direito de regresso da Recorrente.
2- O tribunal “ a quo” andou bem ao concluir que o acidente ocorrido entre os veículos QJ e IV se deveu a culpa exclusiva do Réu, que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.
3- Já mesmo não se pode dizer, quanto à verificação do outro pressuposto do direito de regresso, da Recorrente – “Satisfeita a indemnização”.
4- Por considerar que não foi feita demonstração dos valores em causa e o seu pagamento.
5- Contudo, jamais o tribunal “a quo” poderia ter dado como não provado que os valores peticionados foram pagos pela Recorrente, antes como factos assentes.
6- Porquanto, o Réu na Contestação que apresenta aos autos, apenas impugna a dinâmica do sinistro e a sua culpa no sinistro. Nos 28 artigos que compõem o referido articulado, em nenhum é colocado em crise os danos resultantes do sinistro e os valores pagos pela ora Recorrente e naturalmente reclamados.
7- Antes pelo contrário, o Réu aceita que os pagamentos foram efectuados pela A., quando indica no artigo 21 da Contestação, A. aqui Autora, assumiu as despesas em consequência do sinistro, verificando que o Réu, seu segurado, era portador de uma Tas de 0.54 g/l (…)” (sublinhado e negrito nosso).
8- E mais refere no seu artigo 22º do referido articulado, que “Esquecendo-se porém de ter verificado de quem era a culpa pelo sinistro.”
9- Também no Requerimento de resposta ao Requerimento de ampliação do pedido datado de 12/03/2018, o Réu apenas impugnou com fundamento na inadmissibilidade da ampliação, por entender que consubstanciava um novo pedido e não o desenvolvimento e/ou consequência do pedido primitivo. Não coloca em crise o valor aí peticionado referente às faturas hospitalares, nem por o seu pedido ser indevido ou infundado, nem mesmo os documentos aí juntos foram impugnados.
10-Isto é, para o Réu nunca esteve em causa que a Autora reclamasse quantia indevida, por não ter sido por si suportada, tão só, que não se considerava culpado do sinistro em autos, e como tal, no seu entendimento, não deveria a Recorrente, sua seguradora, ter pago.
11-Tal significa que, ao não impugnar os factos e os respectivos documentos, que os mesmos deveriam ser considerados admitidos, logo confessados.
12 - Para tanto, deveria o Tribunal “ a quo” ter dado como provados todos os factos articulados na Petição Inicial, do artigo 27º ao 36º e do artigo 4º ao 8º do Requerimento de ampliação do pedido, o que não aconteceu.
13- Deste, salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal “a quo”, ao considerar como não provados os pontos 3 a 7) dos factos não provados, porquanto a matéria aí vertida não foi, nem contestada, nem impugnada, pelo que deveria ser sido dada como assente.
14- Ao fazê-lo, o Tribunal “a quo” errou de forma ostensiva. Erro manifesto esse que urge corrigir!
15- Ainda que o Tribunal “a quo”, assim não o entendesse, o que não se concede, ainda tinha ao seu dispor a prova documental carreada nos autos e a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, se não vejamos:
16- Face à prova produzida nos autos, o Tribunal “a quo” considerou indevidamente como não provado, no ponto os pontos 3 e 4 dos factos dados como não provados, no entender da Autora, ora Recorrente, considera que não foi devidamente avaliado o documento n.º 7 de suporte à P.I., Relatório de peritagem-perda total, elaborado pela GEP- Gestão de Peritagem S.A. onde discriminadamente indica os parâmetros quantitativos e qualitativos utilizados para determinação do valor venal atribuído ao veículo VI, nem foi devidamente valorado o documento n.º 8 de suporto à P.I., que também especifica o critério utilizado para determinar o valor do salvado do veículo VI.
17- Relativamente aos referidos pontos dados como não provados, impunha igualmente decisão diversa da tomada pelo Tribunal “ a quo” o depoimento prestado pela testemunha Ilídio (…), Supervisor de peritagens, Ramo Automóvel, afeto à empresa GEP- Gestão de Peritagem S.A. (gravado no sistema habilus em 20.03.2018, com inicio às 14:33:39 e fim às 14:41:09, concretamente no trecho compreendido entre o min 01:07 e o min 07:39), elementos de prova cuja reapreciação expressamente se requer.
18-A conjugação da prova documental e prova testemunhal supra mencionada permitem assim dar com demonstrado que o valor venal do veículo VI à data do sinistro era de 6717,00€ e o valor venal era de 999€, valor que a então Autora considerou para efeitos de pagamento de indemnização ao lesado.
19-Pelo que discorda a Requerente, nesta parte da decisão de facto, quando o Tribunal “a quo” fez consignar na Douta Sentença que para o efeito “estaria à disposição da autora apresentar relatório de avaliação ou mesmo prova testemunhal verosímil que permitisse ao Tribunal apurar os valores do veículo e salvados”, e não se pronuncia sobre os referidos documentos nem mesmo sobre o depoimento da testemunha Ilídio (…), como se estes elementos não existissem.
20- Face ao acima exposto, impõe-se que os pontos 3 e 4 do segmento de factos não provados, passe a constar no segmento dos factos provados.
21-Sobre o ponto 5 dos factos dados como não provados, no entender da Autora, ora Recorrente, discorda do douto entendimento do Tribunal “a quo”, porquanto desvalorou totalmente o documento n.º 9 à P.I., “print” informático correspondente ao acidente em autos, ainda que dele constasse o detalhe do pagamento, nele incluído.
22-A demais, no referido ponto dado como não provado, para além da referida prova documental, também foi sustentado pelo depoimento prestado pela testemunha Sandrina (…), condutora do veículo IV e filha do proprietário do veículo IV (gravado no sistema habilus em 19.03.2018, com inicio às 15:12:10 e fim às 15:26:09, concretamente no trecho compreendido entre o min 07:25 e o min 08:15), elementos de prova cuja reapreciação expressamente se requer, permitem dar com demonstrado que a então Autora efectuou o pagamento da indemnização ao lesado/proprietário do veículo IV.
23-E se ainda assim, se se considerar insuficiente, que não é o entendimento da Recorrente, tenhamos em atenção o depoimento prestado pela testemunha Fernando ..., gestor de sinistro da Via Directa (gravado no sistema habilus em 20.03.2018, com inicio às 14:42:40 e fim às 14:51:01, concretamente no trecho compreendido entre o min 01:20 e o min 02:26), elementos de prova cuja reapreciação expressamente se requer.
24-Ora compulsado todo o depoimento, constata-se que a testemunha, descreveu detalhadamente o pagamento realizado pela Via Directa em consequência da regularização do sinistro em discussão nos presentes autos. Menciona a quem foi pago tal valor, em que data e a que título.
25-Em face do supra exposto, impõe-se assim, alterar a decisão de facto e consequentemente, onde se lê no ponto 5) dos factos não provados que, “A autora pagou ao proprietário do veículo IV a quantia de 6.200,00€ a título de indemnização pela sua perda total;”
26-Deverá passar a constar nos factos provados que, “A autora pagou ao proprietário do veículo IV a quantia de 6.200,00€ a título de indemnização pela sua perda total;”
27-Sobre o ponto 6 dos factos dados como não provados, no entender da Autora, ora Recorrente, considera que não foi devidamente avaliado o documento n.º 10 de suporto à P.I., Fatura n.º FAC15 5/292, emitida pela Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Sacavém em nome da ora Recorrente, onde faz constar no campo de Obs  Referente à nossa intervenção na ocorrência de dia 14-06-2015 na Ponte Vasco da Gama (Sinalização, proteção do local, limpeza de via) referente ao V/ processo 15AU351035/100 Registo interno n.º 98394 VUCI 02” e ainda,
28-Discrimina o parâmetro quantitativo, faz constar “Total a Pagar 265,00€” e a condição de pagamento, indica “Pronto Pagamento”.
29-Acresce, que a douta sentença aqui em crise, também desvalorou totalmente o documento n.º 11 à P.I., “print” informático correspondente ao acidente em autos, o que não se aceita, porquanto nela consta o detalhe do pagamento aí incluído, nomeadamente:
a) nome da entidade beneficiária,
b) data de emissão do recibo de pagamento,
c) tipo de despesa,
d) estado do pagamento,
e) valor do pagamento,
f) data da concretização do pagamento,
g) forma de pagamento;
30-E ainda que o Tribunal “quo” considerasse que a prova documental era insuficiente, que não é o entendimento da Recorrente, tenhamos em atenção o depoimento prestado pela testemunha Fernando …, gestor de sinistro da A (gravado no sistema habilus em 20.03.2018, com inicio às 14:42:40 e fim às 14:51:01, concretamente no trecho compreendido entre o min 02:27 e o min 02:58), elementos de prova cuja reapreciação expressamente se requer.
31-Por tudo o que se acaba de expor, impõe-se que seja alterada a matéria de facto dada como provada, e passe a constar aí que,
32-“Foram faturados em nome da autora os custos da intervenção dos Bombeiros com sinalização, limpeza e protecção”
E
33-“ A Autora pagou à Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Sacavém, o valor de 265€, referente à Fatura n.º FAC15 5/292, em 10-12-2016”.
34- Por fim, no que toca ao ponto 7 dos factos dados como não provados, também qui o Tribunal “a quo” andou mal, ao considerar que a A. ora Recorrente não provou que os tratamentos hospitalares que foram faturados (ponto 12 dos factos dados como provados) no valor de 487,12€, foram pagos pela A, entendimento, com o qual não se concorda, e que ora se passa a explanar:
35-Aquando do requerimento remetido aos autos pela autora em 26.02.2018 através do qual requereu a Ampliação do Pedido inicial em mais €487,12, foi o mesmo instruído com dois documentos, comprovativos da realização dos pagamentos que sustentavam a pretendida ampliação.
36-O referido Requerimento de Ampliação apresentado pela A., ora Recorrente, mereceu resposta por parte do Réu, ao apresentar o Requerimento de 12-03-2018, onde opunha à sua admissão porquanto alegou a sua ilegalidade, uma vez que segundo este, o pedido aí formulado não decorria do pedido primitivo e/ou que deveria ter sido formulado logo na petição inicial.
37-Em momento algum, o referido Requerimento apesentado pelo Réu, logrou impugnar o valor aí peticionado referente às faturas hospitalares, quer por o seu pedido ser indevido ou infundado, nem mesmo os documentos juntos (faturas hospitalares n.ºs F2018/0000003144, F2018/0000003145, F2018/0000003143, F2018/0000003142) foram impugnados. Para o Réu, apenas era extemporâneo o seu pedido, pelo que não colocou em crise que a A. tivesse pago as faturas, como pagou!
38-Deste modo, e salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal “a quo”, ao não considerar como assentes, os pagamentos no valor de 487,12€, peticionados no Requerimento de Ampliação do Pedido.
Sem prejuízo do que fica exposto, à cautela e por mero dever de patrocínio,
39-Sempre se dirá que, ainda que o Tribunal “quo” considerasse que a prova documental era insuficiente, que não é o entendimento da Recorrente, tenhamos em atenção o depoimento prestado pela testemunha Fernando …, gestor de sinistro da A (gravado no sistema habilus em 20.03.2018, com inicio às 14:42:40 e fim às 14:51:01, concretamente no trecho compreendido entre o min 03:00 e o min 05:52), elementos de prova cuja reapreciação expressamente se requer.
40-A testemunha Fernando …, gestor de sinistro da Via Directa, confirmou os valores pagos, diga-se, de modo detalhado e exaustivo, que dúvidas não podem restar, sobre os pagamentos.
41-E foi porque foi a Recorrente que pagou as faturas hospitalares, valores ora peticionados, que quando questionada a testemunha Sandrina Raquel …, condutora do veículo IV, se pagou a fatura hospitalar referente à sua assistência, a mesma afirmou categoricamente que “não pagou absolutamente nada”. (gravado no sistema habilus em 19.03.2018, com inicio às 15:12:10 e fim às 15:26:09, concretamente no trecho compreendido entre o min 08:49 e o min 09:01),
42-E mais, declarou que não sabe quem pagou. O que só torna o depoimento mais credível, porquanto, o Centro Hospitalar Lisboa Norte, tal como todos os hospitais, quando então em causa assistências a sinistrados decorrentes de acidentes automóvel, em primeiro lugar pedem o pagamento à companhia de seguros alegadamente responsável, e só e após recusa por parte da companhia de seguros é que o centro hospitalar vai sobre o próprio sinistrado.
43-Ora, a aqui Recorrente, quando interpelada pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte a pagar as supra referidas facturas, porque era seu entendimento que a culpa do sinistro era do condutor da apólice que garantia, o que vai de encontro ao entendimento do tribunal “ a quo”, fez o que se espera e pagou!
Ao pagar o que é devido ao hospital, a Recorrente não informou os sinistrados, que o tinha feito, nem tinha que o fazer.
E só por isso, quer a condutora do veículo IV, bem como os outros ocupantes que foram assistidos, não sabem quem pagou as faturas, mas sabem que não foram eles que pagaram!
44- Apesar de tudo o que acima se acabou de expor, entendeu Tribunal “a quo” não ser suficiente, que não se aceita, pelo que se impõe a alteração da decisão de facto e consequentemente, passar a constar nos factos provados que,
“Os tratamentos hospitalares foram pagos pela autora.”
45- Em face do exposto, deverá ser dado como provado que a Recorrente pagou as indemnizações devidas, e por força do seu direito de regresso, ser o Réu condenado no pagamento do valor do pedido.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituindo-a por outra que, alterando a matéria de facto nos moldes preconizados pela Recorrente, reconheça preenchidos os pressupostos do seu direito de regresso da Recorrente, e consequente condenação do Réu ao pagamento do valor do pedido. ».
1.8. O Réu apresentou contra-alegações e deduziu pedido de ampliação do âmbito do recurso, nos seguintes termos:
«Veio a A. interpor recurso de apelação da douta Sentença proferida pelo tribunal a quo, quanto à decisão da matéria de facto, em especial quanto à matéria de facto julgada não provada.
Alega a Apelante que os factos julgados não provados sob os n.ºs 3 a 7 da douta sentença posta em crise deveriam ter sido julgados provados por acordo das partes ou admissão por acordo, por falta de contestação ou por não terem sido expressamente impugnados pelo apelado, na contestação ou na resposta ao requerimento de ampliação do pedido.
Porém, do douto despacho saneador consta, de forma inequívoca, como tema da prova “2. Saber o valor dos danos sofridos pelo veículo IV, seu valor venal e valor dos respectivos salvados; 3. Saber se ocorreram danos na via pública e seu valor; 4. Saber quais os pagamentos feitos pela autora na sequência do acidente descrito.”
Em face da precisa e completa descrição dos temas da prova não podia a apelante ignorar que os pagamentos por si alegados estavam sujeitos a prova ao invés de Considerados admitidos por acordo.
Não se conformando com os temas da prova impendia sobre a apelante o dever de reclamar do aludido despacho e, não sendo atendida a reclamação, impugnar o despacho proferido sobre a reclamação no recurso interposto da decisão final [cf. artigo 596.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC].
Não obstante, a apelante não reclamou do douto despacho saneador que enunciou os temas da prova, pelo que a matéria de facto por eles abrangida estava sujeita a prova.
Prova essa cujo ónus era da Apelante por respeitar a factos constitutivos do direito a que se arrogava [cf. artigo 342.º, n.º 1 do CC]
O ónus da prova dos pagamentos realizados a terceiros, na sequência do acidente, era da apelante, ou seja, para que o apelado pudesse ser condenado a pagar qualquer quantia à apelante esta tinha de provar a que título e quais os montantes que, efectivamente, pagou.
E, nesta sede, bem andou o douto tribunal a quo ao dar como não provado o pagamento das quantias alegadas pela apelante.
O pagamento de qualquer quantia faz-se por meio de documento particular [cf. artigo 363.º, n.º 1 do CC, in casu, transferência bancária ou recibo de quitação emitido pelas pessoas singulares ou colectivas que, alegadamente, foram ressarcidas pela apelante na sequência do sinistro.
Para prova do pagamento das quantias por si alegadas, a apelante juntou aos autos, com a PI e o com o requerimento de ampliação do pedido, “prints” do seu sistema informático onde constam elementos relacionados com o sinistro em apreço nos autos e foi inquirida a testemunha Fernando …, gestor de sinistro da apelante que, no seu depoimento, confrontado com os documentos juntos disse que correspondiam ao sistema informático de gestão de pagamentos da apelante e que as quantias inscritas naqueles “prints” tinham sido pagas [cf. depoimento gravado no sistema habilus em 20.03.2018, com início às 14:42:40 e fim às 14:51:01].
Ora, como se disse, o pagamento de qualquer quantia não admite, em regra, prova testemunhal, exigindo-se prova de valor superior, nomeadamente prova documental.
Prova documental que estava ao alcance da apelante juntar aos autos pois bastar-lhe-ia juntar os documentos comprovativos das transferências bancárias correspondentes às facturas juntas aos autos ou recibo emitido por quem recebeu essas quantias; o que a apelante não fez.
Na ausência de prova documental bastante, os “prints” do sistema informático da apelante, conjugados com o depoimento da testemunha Fernando …, por si arrolada, não pode ser considerada prova suficiente de que a apelante pagou as quantias alegadas na PI.
Pelo que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida por justa e conforme ao Direito.
A título subsidiário, o apelado requer a ampliação do recurso, nos seguintes termos
A apelante veio exigir do apelado o reembolso das quantias por si, alegadamente, suportadas em consequência de um acidente de viação cuja responsabilidade imputa, em exclusivo, ao apelado pela circunstância de este conduzir sob o efeito do álcool.
Diz a apelante, no artigo 15.º da PI que “O condutor do veículo seguro, ora Réu, era portador de uma taxa de alcoolémia no sangue (TAS)de 0.54 gramas por litro.”
(itálico nosso)
E, no artigo 16.º da PI diz a apelante que “Conforme consta do Auto de Ocorrência lavrado pela GNR, foi levantado Auto de Transgressão, ao condutor do QJ, ora Réu, por apresentar uma taxa de alcoolémia no sangue (TAS) de 0.54 gramas por litro – Conf. Doc. 4.” (itálico nosso)

Ora, o art.º 170.º, n.º 1, al. b) do Código da Estrada dispõe que passa a dever constar do auto de notícia o valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição.
A apelante não alegou, nem provou, que a taxa de álcool no sangue que o apelado apresentava e que consta do documento 4 corresponde ao valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição.
E, não tendo sido alegado nem provado tal facto, pela apelante, a quem incumbia o ónus da prova por se tratar de facto constitutivo do direito que se arrogava, não podia o douto tribunal a quo decidir, como decidiu, ou seja, que foi o apelado quem deu causa ao acidente, nos termos do art. 27.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto.
Com efeito, para que o tribunal a quo pudesse julgar o apelado como responsável exclusivo do acidente por conduzir com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, necessário seria que o facto provado sob n.º 10 deveria ter redacção diversa, designadamente “O réu conduzia com uma TAS de 0.54g/l correspondente ao valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição.”
Sob pena de, em sede de processo cível, as garantias de defesa do réu serem inferiores às previstas em sede de processo-crime e, poder ser julgado responsável por conduzir com uma TAS superior à legalmente permitida quando não foi condenado nem alvo de contra-ordenação transitada em julgado por condução sob efeito do álcool.
Termos em que o facto julgado provado sob n.º 10 deve ser julgado não provado e, em consequência, ser o apelado absolvido do pedido.
Neste segmento, ao decidir como decidiu, o douto tribunal a quo violou o disposto no artigo 170.º, n.º 1, al. b) do Código da Estrada e art.º 27.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, bem como o disposto no artigo 342.º, n.º 1 e 3 do CC.
Termos em que o recurso interposto pela apelante deve ser julgado improcedente, com as legais consequências; assim não se entendendo
Deve ser admitida a ampliação do âmbito do recurso, julgando-se as alegações do apelado procedentes e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, absolvendo-se o apelado do pedido, como é de JUSTIÇA».
1.9. Em resposta ao pedido de ampliação do âmbito do recurso, a Recorrente veio pugnar pela sua inadmissibilidade, “julgando-se as alegações do recorrido improcedentes e em consequência, mantida a decisão recorrida proferida pelo Tribunal a quo, na parte da matéria de facto aqui em crise, nos moldes preconizados pela Recorrente”
1.10. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Objecto do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, nº 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s) que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente, estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[1].
Dentro destes parâmetros, as questões submetidas à nossa apreciação e decisão são as seguintes:
1.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto [recurso principal e pedido de ampliação do âmbito do recurso];
2.ª Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a acção.
III – Fundamentação:
3.1. Motivação de Facto:
A matéria de facto considerada provada e não provada pela 1.ª instância, foi a seguinte:
A) Factos provados:
«1) Através da apólice 960239510 a autora assumiu os riscos da circulação do veículo  00-00-QJ;
2) No dia 14.06.2015, pelas 3:00 horas, na Ponte Vasco da Gama ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos 00-00-QJ e 00-IV-00;
3) Nessa ocasião, o piso estava molhado;
4) O local do acidente configura uma recta, sendo a faixa de rodagem composta por três vias de trânsito;
5) A velocidade máxima permitida é de 120 Km/h;
6) O veículo QJ era conduzido pelo réu e circulava na via central no sentido Lisboa-Montijo,
7) À frente do veículo QJ seguia o veículo IV;
8) Nessa ocasião, sem que nada fizesse prever, o veículo QJ embateu na traseira do veículo IV;
9) Na sequência desse embate, a condutora do veículo IV perdeu o controlo da viatura e foi embater no rail de protecção da via;
10) O réu conduzia com uma TAS de 0.54 g/l;
11) A condutora do veículo IV e seus ocupantes foram transportados para o Hospital após o acidente;
12) Foram facturados em nome da autora os custos dos tratamentos hospitalares, no valor de 487,12€.»
B) Factos não provados:
«1) O réu circulava na faixa da direita e decidiu ultrapassar o veículo IV que circulava nessa mesma faixa;
2) Nesse momento, sem se aperceber que o veículo do réu havia encetado uma manobra de ultrapassagem, o veículo IV ocupou a faixa de rodagem do meio de forma inesperada e repentina;
3) À data do embate, o veículo IV tinha um valor venal de 6.717,00€;
4) Os salvados valiam 999,00€;
5) A autora pagou ao proprietário do veículo IV a quantia de 6.200,00€ a título de indemnização pela sua perda total;
6) Após o acidente, a via teve de ser intervencionada pelos Bombeiros, para sinalização, limpeza e protecção, tendo a autora suportado o custo de 265,00€;
7) Os tratamentos hospitalares foram pagos pela autora.»
3.2. Motivação de Direito

Primeira QuestãoDa impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
i) Alega a Recorrente que os factos julgados não provados sob os n.ºs 3 a 7 da sentença posta em crise deveriam ter sido julgados provados por acordo das partes ou admissão por acordo, por falta de contestação ou por não terem sido expressamente impugnados pelo apelado, na contestação ou na resposta ao requerimento de ampliação do pedido.
Subsidiariamente, alega que a prova documental carreada para os autos e a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento impunham decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo, isto é, que se tivessem considerado provados os pontos 3 a 7 dos factos dados como não provados.
Por sua vez, o Recorrido argumenta que a Recorrente não podia ignorar que os pagamentos por si alegados estavam sujeitos a prova ao invés de considerados admitidos por acordo, face aos temas da prova enunciados sob 2, 3 e 4 no despacho saneador e assim descritos: “2. Saber valor dos danos sofridos pelo veículo IV, seu valor venal e valor dos respectivos salvados”, “3. Saber se ocorreram danos na via pública e seu valor” e “4. Saber quais os pagamentos feitos pela autora na sequência do acidente descrito”.
Acrescenta que sobre a Recorrente impendia o dever de reclamar do aludido despacho e, não sendo atendida a reclamação, impugnar o despacho que sobre a mesma viesse a ser proferido no recurso interposto da decisão final, nos termos do artigo 596.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Ora, em primeiro lugar importa dizer que os temas da prova em causa foram identificados por referência a conceitos de direito ou conclusivos [v.g. “danos sofridos …valor venal do veículo e respectivos salvados”, “danos na via pública e seu valor” e “pagamentos efectuados….”] pelo que sempre se poderia entender que, não havendo enunciação factual concreta, a Autora, aqui Recorrente, ficou impedida de reclamar da sua inclusão nos temas da prova, ou seja, de exercer os direitos que lhe conferem os n.ºs 2 a 4 do art.º 596.º do CPC, a não ser que se entenda que essa reclamação devia ter por objecto precisamente essa falta de concretização.
Como quer que seja, adiantamos desde já que não consideramos que os factos dados como não provados sob os pontos 3 a 7 deveriam ter sido dados como assentes pelo Tribunal a quo, por terem sido admitidos por acordo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 574.º do CPC.
E certamente por também assim ter entendido é que a Autora, aqui Recorrente, não reagiu contra o despacho de enunciação dos temas da prova e, outrossim, inquiriu as testemunhas em audiência de julgamento sobre a factualidade controvertida em causa.
Com efeito os factos em questão, alegados nos artigos 11.º, 12.º e 30.º a 36.º da Petição Inicial, não só estão em oposição com a defesa considerada no seu conjunto [o Réu impugnou especificadamente qualquer responsabilidade pelo acidente], como se alcança do artigo 20.º da Contestação que o Réu apenas impugnou toda a matéria alegada pela Autora, “com excepção no alegado nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º 5.º e 6.º da Petição”.
É certo que no artigo 21.º da Contestação o Réu alegou “A aqui Autora, assumiu as despesas em consequência do sinistro, verificando que o Rèu, seu segurado, era portador de uma TAS de 0,54g/l, razão que a leva a crer exercer o seu direito de regresso, com a presente acção”.
Tal alegação, pese embora ambígua ou dubitativa, por inculcar a ideia de que o Réu poderia estar a aceitar os pagamentos que a Autora diz ter efectuado, não deve ser entendida nesse sentido, face ao sobredito artigo 20.º da Contestação e à consideração, no seu conjunto, da defesa apresentada pelo Réu.
A posição ambígua ou mesmo dubitativa do Réu só acarretaria admissão da veracidade dos factos em causa [pagamentos e indemnizações] se esses factos fossem pessoais ou se deles, a terem ocorrido, o Réu não pudesse razoavelmente alegar ignorância [RODRIGUES BASTOS, Notas CPC; 3.º - 52].
Improcedem, portanto as conclusões 1 a 14 do recurso
ii) Vejamos, então, se a prova documental carreada para os autos e a prova testemunhal produzida em audiência impunha que os factos dados como não provados sob os pontos 3 a 7 tivessem sido considerados provados.
O Tribunal a quo considerou como não provados os pontos 3 a 7 dos Factos Não Provados, com a seguinte redacção:
“3) À data do embate, o veículo IV tinha um valor venal de 6.717,00€;
4) Os salvados valiam 999,00€
5) A autora pagou ao proprietário do veículo IV a quantia de 6.200,00€ a título de indemnização pela sua perda total;
6) Após o acidente, a via teve de ser intervencionada pelos Bombeiros, para sinalização, limpeza e protecção, tendo a autora suportado o custo de 265,00€;
7) Os tratamentos hospitalares foram pagos pela autora.”

A Senhora Juíza a quo expressou a sua motivação, na parte que aqui releva, nos termos seguintes:
«No que respeita aos factos não provados, importa salientar que entendemos não ter sido produzida qualquer prova.
Em primeiro lugar, nenhuma prova foi feita acerca da versão do acidente relatada pelo réu.
Por outro lado, é entendimento do Tribunal que “prints” e comunicações efectuadas pela própria autora, quanto a matéria impugnada pela contraparte e por isso controvertida, de nada serve para convencer o tribunal acerca da sua veracidade.
Na realidade, estaria à disposição da autora apresentar relatório de avaliação ou mesmo prova testemunhal verosímil que permitisse ao Tribunal apurar os valores do veículo e salvados, sendo que, no que respeita aos respectivos pagamentos, na ausência de comprovativos tais como cópias de cheques ou transferências bancarias, serviria como prova bastante o recibo de tais pagamentos.
Saliente-se que não é o facto de a testemunha Sandrina ter relatado que o seu pai (proprietário do veículo) recebeu indemnização e que nada pagou ao Hospital que permite dar como demonstrada a realidade dos factos alegados».
Nos termos exarados no artigo 607º do CPC vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal - prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais -, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e mantidos pela reforma processual operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados
Perante o disposto no artigo 712º do CPC, a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a verificação de um erro de apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, qua tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-06-2003, acessível em www.dgsi.pt).
Não se trata de possibilitar um novo e integral julgamento, mas a atribuição de uma competência residual ao Tribunal da Relação para poder proceder a uma reapreciação da matéria de facto.
A utilização da gravação dos depoimentos em audiência não modela o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa operações de carácter racional ou psicológico que gerem a convicção do julgador, nem substituem esta convicção por uma fita gravada.
O que há que apurar é da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau de jurisdição face aos elementos agora apresentados, ou seja, a modificação da matéria de facto só se justifica quando haja um erro evidente na sua apreciação.
Porém, uma coisa é a compreensão da fundamentação e outra diferente a concordância ou não com a mesma, já que, há que fazer a destrinça entre a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, a vontade subjectiva da parte que pretende alcançar a sua própria verdade, sem uso de um espírito crítico.
A este propósito refere-se lapidarmente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.Nov.2005 (proc. 1046/02), disponível in www.dgsi.pt., que “a possibilidade de alteração da matéria de facto deverá ser usada com muita moderação e equilíbrio, ainda que toda a prova esteja gravada em áudio ou vídeo, devendo tao só o erro grosseiro ou clamoroso na apreciação da prova ser sindicado pela Relação com base na gravação dos depoimentos”.
Por erro notório deve entender-se “aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; em que o homem médio facilmente dá conta de que um facto, pela sua natureza ou pelas circunstâncias em que pode ocorrer, em determinado caso, não pode ser dado como provado ou não é dado como provado e devia sê-lo – por erro na apreciação da prova” ([2]).
Ou, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.Jul.1997 (proc. 97P612), disponível in www.dgsi.pt., “o erro notório na apreciação da prova é um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial”.
Sem embargo, como afirma Abrantes Geraldes([3]), “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão”.
Vejamos, pois, se o Tribunal a quo incorreu ou não em erro grosseiro na apreciação da prova,
                                              *
- Quanto aos pontos 3) e 4) dos factos dados como não provados:

Esta Relação procedeu à audição atenta e integral de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como das alegações orais produzidas pelos Ilustres mandatários das partes, e não apenas das declarações ou dos excertos de declarações que suportaram a convicção firmada pela Senhora Juíza a quo ou das declarações ou excertos de declarações indicados pela Recorrente e Recorrido nas respectivas alegações e contra-alegações.
E analisou toda a prova documental carreada para os autos, reapreciando, crítica e conjugadamente, ambos os meios de prova.
A conjugação do Relatório de peritagem-perda total junto a fls. 20, elaborado pela GEP- Gestão de Peritagem S.A., no qual, discriminadamente se indicam os parâmetros quantitativos e qualitativos utilizados para determinação do valor venal atribuído ao veículo VI, com o teor da missiva enviada em 5.Nov.2015 ao proprietário daquele veículo [cf. fls. 20 verso a 21 verso], documento não impugnado, e com o depoimento esclarecedor, objectivo e persuasivo prestado em audiência pela testemunha Ilídio …l …, Supervisor de Peritagens do Ramo Automóvel, afecto à empresa GEP referida, impunham, efectivamente, que se tivessem considerado provados os pontos 3 e 4 dos factos dados como não provados.
Por conseguinte, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, decide-se:
i) Eliminar os Factos Não Provados sob pontos 3 e 4;
ii) Aditar aos Factos Provados os pontos n.ºs 13) e 14, com a seguinte redacção
“13) À data do embate, o veículo IV tinha um valor venal de 6.717,00€;
14) Os salvados valiam 999,00€”.
                                          *
- Quanto ao ponto 5) dos factos dados como não provados:
O Tribunal a quo desvalorizou o documento de fls. 22 e 22 verso [cópia de “print” extraído do sistema informático da Autora, aqui Recorrente], por considerar que o mesmo não é idóneo a demonstrar o pagamento, ao proprietário do veículo IV, da quantia de €6.200,00 a título de indemnização pela sua perda total, e que essa prova devia ter sido feita pela apresentação dos respectivos comprovativos, tais como cópias de cheques ou transferências bancárias, ou mesmo dos respectivos recibos.
E concordamos que, só por si, tal documento não era idóneo a demonstrar a realidade do pagamento em causa, e que o ideal seria a Autora ter apresentado o recibo de quitação ou comprovativo de transferência bancária. Quanto a cópia de cheque sempre poderíamos contrapor que o cheque é um meio de pagamento e que, só por si, não comprova o pagamento.
Ainda assim, sempre se terá de considerar que do referido “print” informático consta o detalhe do pagamento nele incluído, onde se discrimina: a) nome da entidade beneficiária, b) identificação do IBAN da entidade beneficiária, c) data de emissão do recibo de pagamento, d) tipo de despesa, e) estado do pagamento, f) valor do pagamento, g) data da concretização do pagamento, h) forma de pagamento.
Ora, a identificação do IBAN só poderia ter sido fornecida pela entidade beneficiária: proprietário do veículo IV, José ..…, ou por seu procurador.
Acontece que foi produzida prova, que conjugada com o “print” de fls. 22 e 22 verso permitiria ao Tribunal a quo ter tomado decisão diversa e considerar provado o ponto 5 dos factos dados como não provados.
Com efeito, para além da referida prova documental - que, em regra, e ao que sabemos do funcionamento das seguradoras, não engana - poderia ter atendido ao depoimento da testemunha Sandrina Raquel …, condutora do veículo IV, e filha do respectivo proprietário, que permitia confirmar o pagamento da indemnização ao lesado, seu pai.
Além deste, também deveria ter sido valorado o depoimento prestado pela testemunha Fernando ..…, Gestor de Sinistros da Autora, que descreveu, de forma assertiva, detalhada e convincente, o pagamento realizado pela Via Directa em consequência da regularização do sinistro em causa, mencionando a quem foi pago tal valor, em que data e a que título.
Tanto mais que a prova do dito pagamento não está sujeita a regras de prova vinculada, como aquelas que impõem a apresentação de prova documental, podendo ser alcançada por outros meios de prova, como a prova testemunhal.
Deverá, assim, tal factualidade passar a constar dos factos provados.
Pelo exposto, decide-se:
i) Eliminar o Facto Não Provado sob ponto 5;
ii) Aditar aos Factos Provados o ponto n.º 15, com a seguinte redacção:
“15) A Autora pagou ao proprietário do veículo IV a quantia de € 6.200,00 a título de indemnização pela sua perda total”.
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- Quando ao ponto 6 dos factos dados como não provados:
A Autora juntou com a Petição Inicial sob documento 10, a fls. 23 [melhor visível no Citius], a Factura FAC15 5/92, no valor de €265,00 (IVA à taxa de 6% incluído) emitida 25/11/2015, pela Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Sacavém em nome da ora Recorrente.
Do referido documento, consta, no campo de OBS- “Referente à nossa intervenção na ocorrência de dia 14-06-2015 na Ponte Vasco da Gama (Sinalização, protecção do local, limpeza de via) referente ao V/processo 15AU351035/100 Registo interno n.º 98394 VUCI 02” e ainda faz constar “Total a Pagar 265,00€” e a condição de pagamento -“Pronto Pagamento”.
E juntou “print” informático [cf. fls. 23-24] do qual consta o detalhe do pagamento aí incluído, à Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Sacavém, nomeadamente: a) nome da entidade beneficiária; b) data de emissão do recibo de pagamento; c) tipo de despesa; d) estado do pagamento; e) valor do pagamento; f) data da concretização do pagamento [10/12/2015 e não 10/12/2016, como refere, por lapso, a Recorrente]; e g) forma de pagamento [através de cheque].
Ora, a conjugação destes elementos de prova com o depoimento prestado pela testemunha Fernando …, Gestor de Sinistros da Autora, que descreveu detalhadamente o pagamento realizado pela Autora em consequência da regularização do sinistro em discussão nos presentes, mencionando a quem foi pago tal valor, em que data e a que título, impunha que o Tribunal a quo tivesse considerado verificado o pagamento em causa.
Face ao exposto, impõe-se assim alterar a decisão de facto nos seguintes termos;
i) Eliminar o ponto 6 dos factos dados como não provados;
ii) Aditar aos Factos Provados, sob pontos 16) e 17), o seguinte:
“16) Foram facturados em nome da Autora os custos da intervenção dos Bombeiros Voluntários de Sacavém, com sinalização, limpeza da via e protecção do local”.
17) A Autora pagou à Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Sacavém, o valor de € 265,00, referente à Factura n.º FAC15 5/292, em 10-12-2015.
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- Quando ao ponto 7 dos factos dados como não provados:
O Tribunal a quo considerou que a ora Recorrente não logrou provar ter pago os tratamentos hospitalares prestados pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, à condutora do veículo IV, Sandrina …, e aos seus ocupantes, pagamento que alegou ter efectuado com o requerimento de ampliação do pedido e que totalizou €487,12€.
Sucede que o Réu, aqui Recorrido, não impugnou as facturas juntas com tal requerimento (n.ºs F2018/0000003144, F2018/0000003145, F2018/0000003143 e F2018/0000003142, de fls. 62 a 65), nem os “prints” juntos de fls. 66 a 69 do qual consta o detalhe do pagamento de tais facturas, nomeadamente: a) nome da entidade beneficiária; b) data de emissão do recibo de pagamento; c) tipo de despesa; d) estado do pagamento; e) valor do pagamento; f) data da concretização do pagamento, a Recorrente]; e g) forma de pagamento [através de transferência bancária para o IBAN 50078101120112001333311].
A conjugação destes documentos, segunda a lógica e as regras de experiência, com os depoimentos prestados por Fernando …, Gestor de Sinistros da Autora, que confirmou os valores pagos, de modo detalhado e em consonância com tais documentos, e por Sandrina … que asseverou que não pagou a assistência hospitalar que lhe foi prestada, impunham que se tivesse concluído pela prova da verificação do alegado pagamento da Via Directa ao Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE.
Que Sandrina … e os ocupantes do veículo IV não pagaram a assistência hospitalar que lhes foi prestada é facto que resulta, aliás, de essa assistência ter sido facturada à seguradora, Autora e Recorrente.
Que foi prestada assistência hospitalar à condutora e aos três ocupantes do IV é facto que resulta provado dos pontos 11) e 12), que não foram postos em causa pelo Recorrido.
Termos em que se julga procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto também nesta parte e, em consequência, decide-se alterá-la:
i) Eliminado o facto não provado sob o ponto 7);
ii) Aditando aos Factos Provados o ponto 18), com a seguinte redacção:
«18) Os tratamentos prestados à condutora e aos três ocupantes do veículo IV pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, a que se alude em 12), foram pagos pela Autora».
                                     *
- Do pedido de ampliação do âmbito do recurso:
Pretende o Recorrido que se dê como não provado o facto julgado provado sob ponto 10) “O réu conduzia com uma TAS de 0.54 g/l”, uma vez que a Recorrente não alegou, nem provou que a taxa de álcool no sangue e que consta do documento n.º 4 junto com a Petição Inicial [Participação de Acidente de fls. 15 verso a 17 verso] corresponde ao valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição.
Ora, em boa verdade, a propósito das formalidades a que devia obedecer a elaboração do auto de notícia e da denúncia, o artigo 170.º, n.º 1, alínea b) do Código da Estrada, na versão então em vigor [17.ª], dada pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, dispunha:
“1- Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contra-ordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:
a) Os factos que constituem a infracção, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infracção e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos;
b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.
2 - O auto de notícia é assinado pela autoridade ou agente de autoridade que o levantou ou mandou levantar e, quando for possível, pelas testemunhas.
3 - O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.
4 - O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.
5 - A autoridade ou agente de autoridade que tiver notícia, por denúncia ou conhecimento próprio, de contra-ordenação que deva conhecer levanta auto, a que é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 2, com as necessárias adaptações.”
Por sua vez, nos termos do artigo 8.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou em Anexo o Regulamento Metrológico dos Alcoolímetros “Os erros máximos admissíveis - EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado - TAE, são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante.”
Segundo o quadro anexo ao referido diploma, para TAE [taxa de álcool no ar expirado] iguais ou superiores a 0,400 e iguais ou inferiores a 2,000 o EMA é de 5%., o que significa, como bem sustenta a Recorrente na sua resposta, que a uma TAS de 0,54 g/l corresponderia uma 0,513 g/l, pelo que sempre seria superior ao legalmente permitido.
Sendo este um facto sujeito a prova vinculada, necessariamente de cariz documental [auto de notícia elaborado pela autoridade competente e/ou talão de controlo de TAE] e não tendo a participação de acidente elaborada pela GNR sido elaborada com observância das formalidades prescritas no artigo 170.º, n.º 1, alínea b) do Código da Estrada, na medida em refere “tendo o condutor … apresentado uma TAS de 0,54 g/l”, sem indicar se esta TAS corresponde ao valor registado no aparelho de controlo metrológico ou ao valor apurado após dedução do erro máximo admissível – EMA.
Nesta conformidade, face ao teor do referido Doc. 4 [participação de acidente] e ao quadro legal aplicável, entendemos ser de alterar a redacção dada ao ponto 10) dos Factos Provados, que deverá contemplar o valor mínimo de TAS de que o Réu seria portador, apurado após dedução do EMA [5%] ao valor constante do referido documento.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido de ampliação do âmbito do recurso e altera-se a redacção do ponto 10) dos Factos Provados, que passa a ser a seguinte:
i) ”10) O réu conduzia com uma TAS de, pelo menos, 0,513 g/l”.                                                         *
Segunda questão: Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a acção
Fixados os factos, apreciemos o direito, incluindo o alegado no pedido de ampliação do âmbito do recurso [sendo que a parte relativa à impugnação do ponto 10) dos Factos Provados foi decidida supra na IMF].
Vejamos,
O direito de regresso da seguradora contra o condutor surgiu com o Dec.-Lei n.º 408/79, de 25 de Setembro, que no seu artigo 19º, alínea c), estabelecia: «Satisfeita a indemnização, o segurador tem direito de regresso e/ou reembolso, conforme os casos, nos termos da lei geral e ainda:
a) . . .
b) . . .
c) Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado; (. . . )».
O referido diploma legal foi revogado pelo Dec.-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro (que abreviadamente referiremos por Lei do Seguro Obrigatório – LSO) que continuou a prever o direito de regresso do segurador contra o condutor igualmente no art.º 19º em que se estatui: «Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso:
a) . . .      
b) . . .
c) Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado; (. . . )».
Manteve-se, pois, inalterada a redacção da transcrita alínea c).        
Por sua vez, o Dec.-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, também foi alterado pelo Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que revogou aquele diploma e aprovou o novo regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (que abreviadamente referiremos por Lei do Seguro Obrigatório – LSO), diploma que continuou a prever o direito de regresso da empresa de seguros contra o condutor, estatuindo no artigo 27º:
«1 - Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:
a) . . .      
b) . . .
c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos;
(…)».
À primeira vista até parecem normas idênticas, porém, repare-se que na nova norma não consta a palavra “influência”. E isto é, de facto, decisivo. Efectivamente, a “influência” do elemento álcool no acidente (para este efeito) deixou de ser importante, a averiguação de que a pessoa causou o acidente porque se encontrava alcoolizada deixou de interessar. A seguradora, para poder exercer direito de regresso, já não tem a obrigação de demonstrar que o álcool é que levou o condutor a cometer erro na condução causando o acidente.
Exige-se, desde logo, naquela alínea que o condutor da viatura tenha sido o causador do acidente, o que nos reconduz a considerá-lo culpado (exclusivamente ou em situação concorrencial) pela ocorrência do mesmo, o que pressupõe também que a sua responsabilidade civil seja subjectiva ou fundada na culpa (não objectiva nem pelo risco). E exige-se também que o mesmo condutor conduzisse com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admitida, ou seja, neste momento, igual ou superior a 0,5 g/l (cfr. artigo 81.º, n.º 2, do Código da Estrada). A questão que se coloca então é a de saber se é (ou se continua a ser) exigível a verificação do nexo de causalidade entre a taxa de álcool no sangue do condutor e a produção do acidente. E a conclusão a que se tem chegado – de forma maioritária, cremos –, é a de que já não é exigível, face à lei actual, a prova do nexo de causalidade entre o grau de alcoolemia do condutor e a ocorrência do acidente. À seguradora apenas será exigível, face à lei actual, alegar e provar que o acidente foi causado pelo condutor seu segurado, por qualquer causa – seja por mera imprudência ou descuido, seja por violação de alguma das normas do Código da Estrada –, e que o mesmo era portador, no momento do acidente, de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admissível. Consideramos que houve, de facto, uma alteração legislativa de monta nesta matéria, com a alteração da redação da transcrita alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, a qual veio substituir a anterior alínea c) do artigo 19.º do revogado Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.
Por outras palavras, basta agora que o condutor responsável pelo acidente acuse uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida para, sem mais, ter que reembolsar a sua seguradora dos valores indemnizatórios que a mesma pagou ao lesado terceiro.
Da alteração legislativa resultou, assim, que é, na prática, como se não existisse contrato de seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida. Isto, claro está, na óptica do tomador do seguro, não da do lesado terceiro, a quem a seguradora sempre terá de indemnizar os danos sofridos independentemente da circunstância da alcoolização do condutor causador do acidente.
Aliás, em rigor o direito de regresso da seguradora para com o seu tomador de seguro apenas e tão só nasce com o pagamento da indemnização ao terceiro lesado. O mesmo é dizer que, primeiro a seguradora indemnizará o lesado terceiro (que não teve culpa no acidente), e, só depois é que exigirá ao seu tomador de seguro o reembolso do que despendeu. Exigência que o tomador de seguro terá de satisfazer por, simplesmente, ter acusado uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei.
De todo o modo, a querela que se instalou na doutrina e na jurisprudência e que acabou por ser solucionada através do Acórdão Uniformizador do S.T.J., n.º 6/02, de 28 de Maio de 2002, está hoje ultrapassada, face à LSO actualmente em vigor (Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto) uma vez que nos seus termos assiste direito de regresso à empresa de seguros nos casos em que o condutor alcoolizado deu causa ao acidente (artigo 27º, n.º 1, alínea c).
A “influência” do elemento álcool no acidente (para este efeito) deixou de ser importante, a averiguação de que a pessoa causou o acidente porque se encontrava alcoolizada deixou de interessar. A seguradora, para poder exercer direito de regresso, já não tem a obrigação de demonstrar que o álcool é que levou o condutor a cometer erro na condução causando o acidente.
Exige-se, isso sim, naquela alínea que o condutor da viatura tenha sido o causador do acidente, o que nos reconduz a considerá-lo culpado (exclusivamente ou em situação concorrencial) pela ocorrência do mesmo, o que pressupõe também que a sua responsabilidade civil seja subjectiva ou fundada na culpa (não objectiva nem pelo risco). E exige-se também que o mesmo condutor conduzisse com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admitida, ou seja, neste momento, igual ou superior a 0,5 g/l (cfr. artigo 81.º, n.º 2, do Código da Estrada). Já não se coloca a questão de saber se é (ou se continua a ser) exigível a verificação do nexo de causalidade entre a taxa de álcool no sangue do condutor e a produção do acidente.
E a conclusão a que se tem chegado – de forma maioritária, cremos –, é a de que já não é exigível, face à lei actual, a prova do nexo de causalidade entre o grau de alcoolemia do condutor e a ocorrência do acidente. À seguradora apenas será exigível, face à lei actual, alegar e provar que o acidente foi causado pelo condutor seu segurado, por qualquer causa – seja por mera imprudência ou descuido, seja por violação de alguma das normas do Código da Estrada –, e que o mesmo era portador, no momento do acidente, de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admissível [cfr. MARIA AMÁLIA SANTOS - Juíza Desembargadora, O direito de regresso da seguradora nos acidentes de viação, Revista Julgar].
Como quer que seja, não se ignora que é um dado científico e quase notório que a condução sob influência do álcool é causa de elevada sinistralidade rodoviária, por determinar a falta de sensibilidade, perturbar os reflexos e a coordenação motora e prolongar o tempo de reacção do condutor influenciado pelo álcool.
Revertendo ao caso concreto, logo se alcança que a Autora logrou fazer prova quer da existência de seguro de responsabilidade civil automóvel, quer de que o Réu conduzia o veículo QJ com uma TAS superior ao mínimo legal – pontos 1) a 10) dos Factos Provados [após o embate, o Réu foi submetido pela entidade policial ao teste quantitativo de alcoolemia, tendo acusado uma TAS de pele menos 0,513 g/l, taxa que é superior à permitida, já que, como decorre do disposto no n.º 2 do art.º 81º do Código da Estrada, considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l, sendo que a taxa de alcoolemia apresentada pelo Réu já corresponde a uma contra-ordenação].
Está provado: que o Réu, sem que nada o fizesse prever, embateu com o veículo por si conduzido, o QJ, na traseira do veículo IV, que circulava à sua frente, sendo que o local do acidente configurava uma recta e a faixa de rodagem era composta por três vias de trânsito.
É certo, portanto, que o Réu não respeitou as mais elementares regras de segurança, foi imprudente e conduzia desatento.
Ao agir da forma descrita, o Réu desrespeitou as normas que lhe impunham um determinado comportamento e omitiu os deveres de cuidado que sempre deveria ter observado como adequar a velocidade ao tráfego, etc., guardar distância adequada do veículo que o precedia, de forma a poder imobilizar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente [artigos 18.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, ambos do Código da Estrada) e, com tal comportamento, actuou culposamente – já que podia e devia ter agido de outro modo – e deu causa ao acidente, tendo ido embater no veículo IV.
Provado ficou, igualmente, que o Réu era portador de uma TAS de 0,513 g/l. Segundo dados científicos e regras de experiência comum, o consumo de álcool é causa directa e indirecta de inúmeros acidentes de viação, muitas vezes com elevados danos pessoais.
O álcool é um depressor que afecta as capacidades psicofisiológicas do condutor, mormente uma TAS de 0,513 g/l como a acusada pelo Réu. São afectadas as capacidades sensoriais, cognitivas, os tempos de reacção são mais lentos, assiste-se a descoordenação psico-motora e a redução da acuidade visual.
Assim se explica que, nas circunstâncias apuradas, o Réu tenha dado causa ao acidente dos autos. Os factos levam-nos a presumir que a sua capacidade de atenção e para avaliar distâncias estava restringida. Como bem refere a Recorrente e se infere dos factos provados relativos às circunstâncias do acidente, devido à TAS de que era portador, o Réu conduzia de forma desinibida, com menor discernimento, atenção e concentração.
É adquirido, portanto, que o Réu actuou culposamente, que o acidente se deveu a culpa exclusiva do mesmo e que na ocasião conduzia com uma TAS superior à legalmente permitida. tanto bastando para que a seguradora possa exercer o direito de regresso que lhe é facultado pelo artigo 27º, n.º 1, alínea c), do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. 
Ora, está provado [pontos 15), 16) e 17) dos Factos Provados, com as alterações introduzidas] que a Autora, aqui Recorrente, pagou o custo da assistência hospitalar prestada à sinistrada e ocupantes do veículo IV, no valor de € 487,12, que indemnizou o proprietário do veículo IV pela sua perda, em € 6.200,00, e que pagou aos Bombeiros a quantia de € 265,00 relativa a trabalhos facturados relacionados com a sinalização, limpeza da via e protecção do local.
Por conseguinte, a acção terá de proceder quanto ao pedido de pagamento global de €6.952,12 [€6.200,00+€487,12+€265,00].
A este valor acrescem juros vencidos e vincendos, contados à taxa de 4% ao ano sobre a quantia de € 6.465,00, desde a primeira interpelação para pagamento, feita ao Réu em 28 de Novembro de 2016 [Doc. 12 da PI], e sobre a quantia de €487,12, contados à mesma taxa, desde a notificação da ampliação do pedido, em 1 de Março de 2018, tudo até integral e efectivo pagamento.
A Autora pediu juros calculados à taxa supletiva aplicável aos créditos das empresas comerciais, mas não lhe assiste razão, face à natureza do crédito em causa.
Em conclusão, a apelação procede parcialmente e o pedido de ampliação do âmbito do recurso improcede totalmente.
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4. Decisão:
Por tudo o exposto, os Juízes desta Relação decidem:
i) Julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, que substituem por este acórdão que condena o Réu/Recorrido B a pagar à Autora/Recorrente, a quantia de €6.952,12 [seis mil novecentos e cinquenta e dois euros e doze cêntimos], acrescida de juros vencidos e vincendos, contados à taxa de 4% ao ano sobre a quantia de € 6.465,00, desde 28.Nov.2016, e sobre a quantia de €487,12, desde 1/03/2018, até integral e efectivo pagamento;
ii) Julgar improcedente o pedido de ampliação do âmbito do recurso.
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- As custas da apelação serão suportadas pelo Recorrido e pela Recorrente, na proporção de 9/10 e 1/10, respectivamente – artigo 527º do Cód. Proc. Civil.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 14 de Março de 2019
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques

[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.
[2] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3.Dez.1997, proc. 9710990, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Obra citada, pp. 287.288.