Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14/16.9SVLSB-A.L1-5
Relator: MARIA JOSÉ MACHADO
Descritores: EXAMES
PAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - Por força do disposto no art.º 2.º, n.ºs 3 e 4 da Portaria n.º175/2011, de 28/04 que “aprovou a tabela de preços a cobrar pela Direcção Geral de Reinserção Social, pelo Instituo Nacional de Medicina Legal e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas”, o custo de exame toxicológico, realizado pelo Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária, é considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo, sendo pois um encargo, e o seu pagamento deveria ser feito directamente pelo Ministério Público que foi quem, no caso, requereu a realização do exame em causa ao LPC, no âmbito do inquérito, e não o Tribunal.

- Porém, uma vez que o Ministério Público está isento de custas nos termos do art.º 4.º n.º1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais, esse pagamento deveria ter sido adiantado, de acordo com as disposições legais supra indicadas, pelo IGF-IP, sem prejuízo de o seu reembolso entrar na conta de custas como um encargo.

- Por isso, o recibo do custo do exame em causa, junto a fls. 19, foi passado pela Polícia Judiciária ao IGFEJ-IP e por esta entidade deveria ter sido pago, só entrando em regra da conta de custas como um reembolso, devido àquele.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No âmbito do processo supra identificado, já após o trânsito em julgado da decisão, foi proferido pelo Sr. Juiz, o seguinte despacho:
« Fls. 218 ss:
Vinha-se seguindo a posição expressa na antecedente promoção, por se considerar que a realização dos exames toxicológicos se enquadra na prossecução das atribuições que são cometidas, v.g., à Polícia Judiciária, à DGRSP e ao INMLCF, enquanto coadjuvantes das autoridades judiciárias (artigos 2.°, 3.° e 47.° da Lei n.°37/2008, de 6 de agosto), solução que é também preconizada, segundo parece, pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa em comunicação veiculada através do SIMP.
Todavia, a Jurisprudência - tanto quanto se sabe, sem dissonâncias - vem-se inclinando em sentido oposto, i.e., decidindo que é devido pagamento pelas perícias ou outras diligências realizadas por aquelas instituições. Aduz-se:
Ora, em face do disposto - quer no preâmbulo da Portaria n.°175/11, de 28 de abril, quanto às razões subjacentes à publicação da mencionada portaria, quer nos artigos 1 e 2 da portaria - não se veem quaisquer razões para não ordenar o pagamento das despesas solicitadas.
Por um lado, porque - di-lo a portaria (artigos 2 n.°s 3 e 4) - tais exames e perícias são "pagos diretamente a essas entidades pelos tribunais" (ou "pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram"), por outro, o custo de tais perícias e exames "são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo", o que equivale a dizer que eles entrarão, a final, na regra de custas.
Compreende-se que este regime pode causar algum constrangimento processual - e não terá sido isso que se pretendeu, atenta a crise financeira em que vivemos - como resulta, aliás, das reações à publicação da mencionada portaria por parle do Ministério Público (veja-se a notícia publicada no "Público" e no "Diário de Notícias" de 21.04.2012) e da posição assumida pela Senhora Ministra da Justiça na sequência dessas reações (de que se dá conta na motivação do recurso), no sentido que não seria isso que se pretendia com a publicação da dita portaria, que "não pode existir qualquer cobrança de custos de exames ou de perícias realizadas pela Polícia Judiciária no âmbito da investigação criminal ao Ministério Público, já que esses custos são considerados no orçamento de Estado nas verbas diretamente atribuídas à Polícia Judiciária a título de financiamento das suas despesas de funcionamento".
Esta posição colide com o teor da portaria, pelo que não se pode dizer que foi intenção do legislador - ao aprovar tal portaria - dizer, simultaneamente, uma coisa e o seu contrário (e não deve o intérprete, ao fixar o sentido e alcance da lei, presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, face ao disposto no artigo 9.°, n.°3 do Código Civil?), por outro lado, mal se compreenderia que esta - a resultante das declarações da Senhora Ministra - fosse a intenção do legislador e, decorrido este tempo, não tenha ainda alterado ou revogado tal portaria, que prevê exatamente o contrário do que se infere de tais declarações.
Não deixará se dizer, como nota final, que isto em nada colide com as competências e atribuições da Polícia Judiciária, pois que a sua própria Lei Orgânica prevê, no que respeita a receitas, que esta dispõe de receitas resultantes da sua atividade, ou seja, as cobradas por atividades ou serviços prestados, designadamente, realização de perícias e exames, que serão pagas de acordo com a tabela aprovada por portaria do pelo membro do Governo responsável pela área da Justiça (artigo 46 n.°s 3, alínea b,) e 4 da Lei 37/2008, de 6 de agosto) - Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 20-10-2015, processos n.°s 43/13.4GAMTL-A.E1 e 31/11.5TAMTL-A.E 1, ambos consultados em www.dgsi.pt.
Nesta conformidade, persistindo em vigor e intocada (sem qualquer modificação) a Portaria n.° 175/11, de 28 de abril, tem de acolher-se o bem fundado da posição jurisprudencial.
Assim, proceda-se ao pagamento (encargo processual a entrar em regra de custas, porventura com elaboração de liquidação adicional ou reformulação da primitiva liquidação).»

2. O Ministério Público interpôs recurso desse despacho extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
1) A Policia Judiciária veio solicitar o pagamento de despesas tidas no inquérito com exame decorrente da investigação e teve lugar na sequência da missão de coadjuvação do Ministério Público.
2) Este valor que a PJ veio cobrar não tem cabimento legal pois tal exame público, foi realizado no âmbito deste processo enquanto na fase de inquérito, no qual se investigava crime que é da competência da Polícia Judiciária nos termos do art. 7o n.°3 al. h) da Lei 49/2008, de 27.08. ATRC de 22-05-2017 (http://wwiv.dgsi.pt/itrc.nsf/8feOe6O6d8f56b22802576c00O5637dc/o59b952c2b83173d80258130 0032b5eb?OpenDocument.)
3) Sendo certo que se essas perícias tivessem sido requisitadas por entidade externa aí sim deveriam ser pagas a entrar a final em regra de custas.
4) A Polícia Judiciária - Laboratório de Polícia Científica, invocando na Portaria n.°175/2011, de 28 de abril, solicitou este pagamento correspondente ao custo do exame que efetuou, por determinação do Ministério Público, no âmbito do processo em referência, ainda em fase de inquérito.
5) Parece liminarmente de rejeitar a mera hipótese de um serviço do Estado, com a centralidade e importância do Polícia Judiciária - LPC, especificamente vocacionada para a elaboração de certas perícias ou outros exames que mais nenhum outro serviço tem a incumbência de fazer, cobrar uma "taxa" por cada ato que execute para cumprir as suas missões e atribuições legalmente atribuídas.
6) Mas se dúvidas ainda subsistissem sobre a questão em apreço, os art.°s 2, 3 e 47 da Lei n.° 37/2008, de 06 de agosto, dissipam-nas definitivamente, preceituando que "constituem despesas da PJ as que resultem de encargos decorrentes da prossecução das atribuições que lhe são cometidas", enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias Entendimento coincidente com o acabado de expor foi firmado na Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PSDL): "...05 disposições da Portaria [n.° 175/2011] não são aplicáveis a atos que se enquadrem na missão de coadjuvação das autoridades judiciárias, legalmente cometida à Polícia Judiciária' (cfr. SIAAP/Atualidades/19-12-2011).
7) Deste modo, o despacho recorrido violou o disposto nos art.s 2o, 3o e 47° da Lei n° 37/2008, de 06 de Agosto, a Portaria n° 175/2011, de 28 de Abril e o art. 55° do Cód. Proc. Penal, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que indefira o requerido pagamento da perícia.

3. Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a defender a posição do Ministério Publico junto da 1ª instância e a consequente procedência do recurso.
5. Colhidos os vistos legais cumpre, agora, em conferência, decidir:
II – Fundamentação
Em causa está a questão do pagamento do custo do exame toxicológico realizado pelo Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária, no âmbito do inquérito que teve lugar nos presentes autos, por crime de tráfico de estupefacientes.
A posição assumida pelo tribunal recorrido – de que a quantia cobrada pelo LPC na realização do exame toxicológico dever ser liquidada pelo Tribunal e entrar em regra de custas é defendida nos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 20/10/2015, nos processos n.ºs 31/11.5TAMTL-A.E1 e 43/13.4GAMTL-A.E1, citados no despacho, e no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/03/2017, no processo nº411/14.4PFVNG-B.P1 (acessíveis em www.dgsi.pt).
Posição divergente é a do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/05/2017, citado pelo recorrente, que decidiu: “Não são pagas as perícias ou exames feitos pela Polícia judiciária no âmbito da prossecução das suas atribuições legais”.
Através da Portaria n.º175/2011, de 28/04 foi “aprovada a tabela de preços a cobrar pela Direcção Geral de Reinserção Social, pelo Instituo Nacional de Medicina Legal e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas”.
De acordo com o estabelecido no art.º 2.º, n.º3 dessa Portaria “o custo das perícias e exames bem como dos instrumentos técnicos elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo” e, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, “ as perícias e os exames realizados pela Direcção Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., ou pela Polícia Judiciária são pagos directamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria”.
Estando previsto o pagamento das perícias e exames realizados por aquelas entidades, não compete ao tribunal interpretar a Lei Orgânica de cada uma delas para aferir se tais perícias e exames cabem ou não, no âmbito das suas atribuições e se o seu custo é uma despesa que resulte do encargo da prossecução dessas atribuições ou, ao invés, se é uma receita própria de cada uma dessas entidades.
O que interessa é saber quem, no âmbito de um processo judicial, procede ao pagamento dessas perícias ou exames, quando requerida a sua realização a uma daquelas entidades, e a forma como tal pagamento é feito, para o que, além do estabelecido naquela Portaria, importa atender às disposições legais previstas em sede de custas, designadamente no Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL 34/2008 de 26/02.
Nos termos do art.º 3.º, n.º1 desse Regulamento, “as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte”.
O art.º 16.º, nº1, do mesmo diploma, estabelece como tipo de encargos, na sua alínea a) “os reembolsos ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça –I.P., e na sua alínea b) “de todas as despesas por este pagas adiantadamente”.
Por sua vez o art.º 19.º, n.º1, sob a epígrafe “Adiantamento de Encargos” estabelece:
“ Quando a parte beneficia da isenção de custas ou de apoio judiciário, os encargos são sempre adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça - I.P., sem prejuízo do seu reembolso”.
E o art.º 20º n.º2, sob a epígrafe “Encargos” dispõe:
“ Quando a parte requerente ou interessada beneficie de isenção de custas ou de apoio judiciário, as despesas para com terceiros são adiantadas pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça - I.P.”
Quem no caso requereu a realização do exame em causa ao LPC, foi o Ministério Público no âmbito do inquérito e não o Tribunal.
Assim, por força do disposto no art.º 2.º, n.ºs 3 e 4 da referida Portaria, o custo desse exame é considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo, sendo pois um encargo, e o seu pagamento deveria ser feito directamente pelo Ministério Público.
Porém, uma vez que o Ministério Público está isento de custas nos termos do art.º 4.º n.º1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais, então o pagamento deveria ter sido adiantado, de acordo com as disposições legais supra indicadas, pelo IGF-IP, sem prejuízo de o seu reembolso entrar na conta de custas como um encargo.
Por isso o recibo do custo do exame em causa, junto a fls. 19, foi passado pela Polícia Judiciária ao IGFEJ-IP e por esta entidade deveria ter sido pago, só entrando em regra da conta de custas como um reembolso, devido àquele.
Esse facto - de tal despesa poder entrar na conta de custas como um reembolso - não significa, porém, que a responsabilidade pelo seu pagamento seja do Tribunal e, nessa medida, não pode deixar de se revogar o despacho recorrido.
A despesa em causa deverá ser paga pelo IGFEJ-IP e uma vez comprovado nos autos tal pagamento deverá, então, ser reformulada a conta de custas por forma a incluir na mesma, como encargo, o reembolso dessa quantia.
Termos em que, embora com outro fundamento, o recurso deva ser provido.
III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes na 5ª Secção deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Publico, embora com outro fundamento legal e, em consequência, revogar o despacho recorrido.
Sem custas.

Lisboa, 22 de Maio de 2018
(processado e revisto pela relatora)

Maria José Costa Machado

Carlos Manuel Espírito Santo