Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5993/19.1T8LSB-A.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
TRÂNSITO EM JULGADO
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - De acordo com o art. 704º nº 1 do C.P.C., a regra é só ser exequível a sentença condenatória transitada em julgado.
2 - Esta regra conhece uma exceção: a sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo.
3 - Antes de apresentar requerimento executivo, a exequente deveria aguardar pelo termo do prazo para a interposição do recurso e, não se verificando o trânsito findo esse prazo por ter sido interposto recurso, deveria aguardar pelo despacho sobre o requerimento de interposição do recurso.
4 - É atendível a exequibilidade da sentença condenatória se, sendo posterior à apresentação do requerimento executivo, é anterior à entrega judicial.
5 - O capítulo onde se integra o art. 626º nº 3 do C.P.C. tem a epígrafe “efeitos da sentença” e, naquela disposição legal, o legislador não distingue decisão transitada em julgado de decisão não transitada em julgada, pelo que, na execução de sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, não tem a executada de ser citada antes da entrega judicial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes embargos de executado deduzidos por P… na ação executiva para entrega de coisa certa que lhe move A…, a embargante interpôs recurso do despacho que julgou improcedentes os embargos.
Na alegação de recurso, a recorrente pediu a revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que julgue procedentes as nulidades invocadas, designadamente a inexequibilidade do título à data da propositura da execução e a nulidade de todo o processado por falta de citação prévia da executada e entrega coerciva da loja sem observância das formalidades legais.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
“A - Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de apelação da sentença proferida no presente apenso de embargos de executado, com a referência 394432590, a qual julgou os embargos de executado improcedentes por entender que os mesmo não se subsumiam à previsão do artigo 729º do CPC para embargos em execução de sentença e com o que a recorrente se não pode conformar.
B - Tem a presente execução como causa de pedir a sentença produzida no processo nº 12191/18.0T8LSB do Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 14, a qual, na parte que interessa à presente execução para entrega de coisa certa, condenou a aqui recorrente a restituir à recorrida, livre e devoluta de pessoas e bens, a loja com entrada pelo nº 334 - A do prédio sito …, em Lisboa.
C - A sentença recorrida dá como provado que a sentença pretensamente dada como título executivo foi proferida a 4 de Março de 2019, e notificada às partes no dia 6 de Março de 2019, citação essa que, de acordo com o artigo 248º do CPC, considerou-se feita a 11 de Março de 2019, porquanto o dia 9 de Março de 2019 correspondeu a um sábado, sendo o primeiro dia útil seguinte, segunda-feira, dia 11, bem como também dá como provado que o requerimento executivo foi apresentado pela aqui recorrida a 14 de Março de 2019.
D - Nos termos do artigo 10º, número 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva, e segundo o artigo 703º do CPC, são títulos executivos as sentenças condenatórias, as quais, de acordo com os artigos 628º e 647º do CPC, só são títulos executivos quando não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação ou quando a apelação tinha efeito meramente devolutivo, declarado pelo tribunal no despacho de admissão de recurso, o que significa que a instância executiva se inicia pela propositura da execução e é no requerimento executivo que a parte tem que definir, quer os fundamentos da execução, quer a exequibilidade do título, elementos que são oponíveis ao exequente desde o momento da propositura da execução e muito embora os efeitos da propositura da execução só a partir da citação sejam oponíveis ao executado - artigos 259º e 260º do CPC.
E - Na presente execução o requerimento executivo, em que a exequente exigia os seus pretensos direitos, deu entrada em juízo a 14/03/2019, ou seja, meros 3 dias após a validade e eficácia da notificação da sentença de 1ª instância, do que resulta que a execução foi interposta quando:
a) Estava no início o prazo de 10 dias para a recorrente requerer qualquer rectificação de erro material, qualquer nulidade ou qualquer reforma de sentença - artigos 614º, 615º e 616 do CPC;
b) Por maioria de razão, ainda mais no início estava o prazo de 30 dias para a aqui recorrente recorrer, como recorreu, da sentença de 1ª instância, e para, no âmbito do recurso, requerer, quer a nulidade da sentença, quer a atribuição ao recurso de efeito suspensivo
F - Sucede que, 3 dias após a notificação da sentença de 1ª instância, era impossível a mesma sentença ter transitado em julgado, ou até ter sido interposto recurso ao qual fosse atribuído efeito suspensivo ou devolutivo, pelo que a execução foi interposta sem a sentença ter transitado em julgado e 27 dias antes do fim do prazo de interposição do recurso e definição do efeito do mesmo.
G - Em consequência, não era a sentença dada à execução, nos termos da instância executiva, um título exequível, uma vez que não tinha sequer transitado em julgado ou sido susceptível de interposição de qualquer recurso, tanto mais que dispõe o artigo 704º, número 1, do CPC que a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeitos meramente devolutivo e determina o artigo 729º do CPC que a oposição a execução baseada em sentença só pode ter como fundamento a inexistência ou a inexequibilidade do título executivo.
H - Foi precisamente a inexequibilidade do título no momento em que a execução foi interposta que fundamentou, e com base legal, a nulidade da execução, que a sentença recorrida, e quanto a esta nulidade em concreto, não só entende que era questão a ser invocada na acção declarativa, o que é um contra-senso porque a questão põe-se só em sede de execução, que foi interposta 3 dias após a notificação da sentença, como considera sanada a nulidade pelo decorrer da tramitação do recurso e lhe ter sido conferido efeito devolutivo, mês e meio após a dedução da execução, a qual, reafirma-se, foi interposta sem título exequível.
I - Cabe distinguir o que constitui o fundamento dos embargos de executado com referência à inexequibilidade do título, de acordo com o artigo 729º do CPC, e as nulidades específicas produzidas na instância executiva e que correspondem ao facto de, nessa instância, terem sido sucessivamente produzidos actos que a lei não admite e omitidos outos actos que a lei prescreve, sendo que, sobre a omissão de actos que a lei prescreve, conta-    -se, pela sua importância e significado, a falta expressa de citação da executada, aqui recorrente.
J - Tal como consta da própria petição inicial de oposição, a mesma não foi precedida por qualquer citação feita no processo de execução para entrega de coisa certa e no prazo consignado no artigo 859º do CPC, mas foi deduzida por mero conhecimento que a recorrente teve da pendência da execução para entrega de coisa certa, através de contacto da agente de execução, pelo que, apesar de arguida a nulidade, veio a sentença recorrida, confirmando a falta de citação antes da tomada de posse coerciva da loja, escudar-se no artigo 626º, número 3, do CPC, que diz que na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega é que o executado é notificado para deduzir oposição.
L - Esta norma está integrada no Capítulo III do Título IV sobre os efeitos da sentença transitada em julgado, querendo isto dizer que, numa sentença transitada em julgado, há primeiro a entrega e posteriormente a notificação, o que é o oposto do caso concreto, em que foi interposta execução com base em sentença ainda nem transitada, nem recorrida, havendo que atender-se ao artigo 859º do CPC, integrado no Título IV - Da Execução para Entrega de Coisa Certa, que diz que o executado é citado para, no prazo de 20 dias, fazer a entrega ou opor-se à execução, mediante embargos e daqui se retira o que está estabelecido no artigo 860º do CPC, em que o executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados no artigo 729º do mesmo Código, que foi o que este fez.
M - Não pode a sentença recorrida passar por cima das normas especiais da execução para entrega de coisa certa para validar uma sentença, como se esta tivesse transitado em julgado, porquanto é a citação um acto indispensável, atenta a natureza e objecto deste tipo de execução, e no presente processo, a executada não foi citada por completa omissão do acto de citação e em que a sentença recorrida valida os actos nulos praticados, visando a entrega da coisa antes da concretização da citação – artigos 187º e 188º do CPC.
N - Em consequência, acabou a loja objecto da presente execução por ser entregue coercivamente, em 15/11/2019, após a admissão dos embargos à presente execução, sem citação da executada, na pendência de recurso interposto da sentença dada à execução e com violação dos artigos 861º e 704º, número 3, ambos do CPC, sendo estas as nulidades da instância executiva.
O - Quanto à inexequibilidade do título executivo, mantém a recorrente que a presente execução deu entrada em juízo a 14/03/2019, como é provado na sentença recorrida, 3 meros dias após a notificação da sentença de 1ª instância e quando a sentença dada como título à execução não era exequível, como agora ainda não é, pois ainda não esta fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa o efeito final do recurso interposto, constituindo todas estas nulidades também uma efectiva violação dos artigos 20º e 62º da CRP.
P - Assim:
a) Em termos das nulidades e da inexequibilidade do título executivo, violou a sentença recorrida os artigos 10º, número 5, 248º, 259º, 260º, 614º, 615º, 616º, 626º, número 3, 628º, 647º, 703º, 729º, 859º, 860º e 861º, todos do CPC.
b) Sobre as nulidades da própria execução, violou a sentença recorrida os artigos 187º, 188º, 228º, 628º, 652º, número 1, alínea a), 704º, números 1 e 3, 859º, 860º, 861º, número 3, todos do CPC, bem como os artigos 20 e 62º da CRP.”
A recorrida respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a) Atento o disposto no art. 629.º, n.º 3, do CPC, aplicável a qualquer sentença que tenha força executiva (como aquela que serve de base à presente execução), a possibilidade que é facultada ao executado para deduzir embargos ocorre em momento coincidente com aquele em que se procede à entrega judicialmente ordenada;
b) À luz do art. 704.º, n.º 1, do CPC, tendo sido atribuído ao recurso efeito meramente devolutivo, inexiste base legal para sustar a execução ou suspender os seus termos, estando, assim, a sentença dotada de exequibilidade plena;
c) A sentença recorrida decidiu, assim, sem violar qualquer norma legal aplicável ao caso.”
São as seguintes as questões a decidir:
- da inexequibilidade da sentença que serve de base à execução; e
- da falta de citação.
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No despacho recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:
“1. Na ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, que corre termos sob o n.º 12191/18.0T8LSB no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 14, em que é autora A… (aqui exequente/ embargada) e ré P… (aqui executada/ embargante), foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência, reconheceu a autora como proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao Rés-do-chão do prédio urbano sito …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …; condenou a ré a restituir à autora, livre e devoluto de pessoas e bens, a loja com entrada pelo nº 334-A do referido prédio; condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 1.500,00 mensais, correspondente ao valor locativo da “loja”, desde a citação até à entrega efetiva do imóvel, absolvendo-a do mais peticionado.
2. A sentença referida em 1. foi proferida no dia 4 de março de 2019.
3. A sentença referida em 1. foi notificada às partes no dia 6 de março de 2019.
4. O requerimento executivo foi apresentado no processo referido em 1. no dia 14 de março de 2019, tendo o mesmo sido remetido eletronicamente a este Juízo de Execução de Lisboa, para distribuição, no dia 20 de março de 2019.
5. A ré (aqui executada/ embargante) interpôs recurso de apelação da sentença referida em 1. para o Tribunal da Relação de Lisboa no dia 12 de abril de 2019, requerendo a atribuição do efeito suspensivo ao recurso.
6. O recurso referido em 4. foi admitido por despacho de 30 de abril de 2019, com efeito meramente devolutivo.
7. Nos autos de execução a que coube o n.º 5993/19.1T8LSB, aos quais os presentes se encontram apensos, em que é exequente A… e executada P…, ora embargante, vem apresentado como título executivo, a sentença referida em 1.”
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Conforme resulta do disposto no art. 729º al. a) do C.P.C., aplicável por força do art. 860º nº 1 do C.P.C., a inexistência ou inexequibilidade do título é um dos fundamentos de oposição à execução para entrega de coisa certa baseada em sentença.
Por força do art. 703º nº 1 al. a) do C.P.C., a sentença condenatória pode servir de base à execução.
O art. 704º do C.P.C., com a epígrafe “requisitos da exequibilidade da sentença”, dispõe, no seu nº 1, o seguinte: “a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”.
A regra é só ser exequível a sentença condenatória transitada em jugado.
Esta regra conhece uma exceção: a sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo.
Nos termos do art. 628º do C.P.C., “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
Conforme resulta da matéria de facto provada, o requerimento executivo foi apresentado a 14 de março de 2019, ou seja, quando ainda estava a correr o prazo para a interposição do recurso e, portanto, quando a sentença condenatória ainda não era exequível.
A exequente deveria ter aguardado pelo termo do prazo para a interposição do recurso e, não se verificando o trânsito findo esse prazo por ter sido interposto recurso, deveria ter aguardado pelo despacho sobre o requerimento de interposição do recurso (neste mesmo sentido, www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de outubro de 2019, processo 20069/17.8T8LSB-A.L1-4).
A 30 de abril de 2019, a 1ª instância admitiu o recurso com efeito meramente devolutivo.
É certo que resulta do disposto no art. 645º nº 1 do C.P.C. que “a decisão que admita o recurso… e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior”, mas certo é também que, nos termos do art. 654º nº 3 do C.P.C., decidindo a Relação “que à apelação, recebida no efeito meramente devolutivo, deve atribuir-se efeito suspensivo é expedido ofício, se o apelante o requerer, para ser suspensa a execução”.
Assim, a sentença condenatória tornou-se exequível a 30 de abril de 2019.
Nos termos do art. 85º nº 2 do C.P.C., “quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham”.
O requerimento executivo não tem de ser apresentado com certidão judicial da sentença condenatória com nota de trânsito ou, não tendo a sentença transitada, com cópia do despacho que fixou o efeito meramente devolutivo ao recurso.
É o funcionário judicial que tem de remeter ao juízo de execução o título executivo, bastando-se a lei com o envio de cópia da sentença.
Assim, se é certo que, nos termos do art. 10º nº 5 do C.P.C., “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”, certo é também que, na execução de sentença condenatória, o juiz de execução não pode aferir, pela cópia da sentença, a exequibilidade ou não da sentença.
Os presentes embargos foram deduzidos a 24 de outubro de 2019 e, nas alegações de recurso, a embargante refere que a entrega da loja foi feita a 15 de novembro de 2019. Nestas datas, já a sentença condenatória era exequível.
Não há, pois, motivo para não atender à exequibilidade superveniente da sentença condenatória.
Nos termos do art. 859º do C.P.C., “na execução para entrega de coisa certa, o executado é citado para, no prazo de 20 dias, fazer a entrega ou opor-se à execução mediante embargos”.
Contudo, resulta do disposto no art. 626º nº 3 do C.P.C., que, “na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860º e seguintes”.
O capítulo onde se integra esta disposição legal tem a epígrafe “efeitos da sentença” e, nela, o legislador não distingue decisão transitada em julgado de decisão não transitada em julgado, pelo que não deve o intérprete distinguir.
Assim, não tinha a executada de ser citada antes da entrega da loja.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 1 de outubro de 2020
Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida