Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17696/21.2T8LSB.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
LEIS COVID
CESSAÇÃO DO REGIME DE SUSPENSÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.–A Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril , alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, vem determinar a Cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adoptado no âmbito da pandemia da doença COVID-19 ;

2.–Por outra banda, e ao revogar os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redacção “actual”, vem-lhe também aditar o Artigo 6.º-E, e cujo nº 7 determina a suspensão - no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório previsto no presente artigo - dos actos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada;

3.–A suspensão indicada em 2.,porém, não opera ope legis, mas apenas nos casos em que, e na sequência de pertinente alegação dos arrendatários, seja produzida prova que confirme que os actos de execução da entrega do local arrendado sejam susceptíveis de colocar os arrendatários/despejados em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa

4.–O artº Artigo 6.º-E, nº 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não foi pelo Decreto-Lei 66-A/2022,de 30 de Setembro , visado/atingido, mantendo-se em vigor, o que deverá suceder enquanto permanecer a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.


(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

                                    
1.–Relatório.

                        
No âmbito de PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO [cfr artº 15º,nº2, alínea e) e 15º-B, ambos do NRAU - Lei n.º 6/2006, de 27/2 – e destinado a efectivar o despejo da locatária e a entrega de locado por cessação do arrendamento decorrente de resolução por falta de pagamento de rendas] que A […. - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA,LDA] moveu - em 4/3/2021 - a B [MARIA …..],  foi esta última notificada pelo BNA - em 8/7/2021 - que relativamente ao procedimento supra identificado foi o Requerimento de Despejo apresentado pela senhoria convertido em Título para Desocupação do Locado.

1.1.–No seguimento de requerimentos enviados pela requerida/locatária ao BNA [v.g. um de 15/4/2021, informando nele a requerida que a casa que habita é a sua casa de morada de família e a única habitação que dispõe], e, remetidos em 13/7/2021 os autos à distribuição em Tribunal [cfr. art.º 15.º-H, n.º 4, da Lei n.º 6/2006 de 27-02 e art.º 11.º, n.º 4, da Portaria n.º 9/2013, de 10 de janeiro], foi em 20/8/2021 a requerida locatária notificada pelo tribunal [nos termos do disposto no artigo 15.º-L. n.º 3, do NRAU] para, em 10 dias, se pronunciar sobre o requerimento de autorização judicial – deduzido pelo agente de execução em 26 de julho de 2021 - para entrada imediata no domicílio.

1.2.–Respondendo à notificação identificada em 1.2., veio B, em 6/9/2021 atravessar nos autos requerimento por si subscrito, informando além do mais que “é minha vontade entregar voluntariamente o imóvel independentemente de ter o direito, como qualquer cidadão, de ser representado por um advogado, conforme consta do pedido de apoio judiciário oportunamente entregue e aqui junto cópia.

1.3.–Notificadas – em razão de despacho judicial de 23/3/2023 - as partes para, querendo, se pronunciarem acerca da aplicação aos autos do disposto no n.º 7, alíneas b), c) do artigo 6.º-E da Lei 1.º-A/2020, de 19 de Março, veio B, em requerimento de 8/4/2022 (subscrito por patrono nomeado, Drª Valentina ….) requerer a aplicação do regime excecional e transitório previsto no n.º 7 alínea c) do artigo 6º E da Lei 1-A/2020, de 19 de março [ requerendo no final se digne deferir a suspensão de entrega do imóvel dos autos por um período não inferior a 120 (cento e vinte) dias, que procurará não esgotar e durante o qual irá continuar a diligenciar arduamente a procura de nova habitação para residir”], alegando : i)-encontrar-se aposentada desde o dia 6.12.2020, tendo desde janeiro de 2021 passado a auferir uma pensão bruta de € 973,69, entretanto penhorada no processo executivo n.º 18267/21.9T8LSB, instaurado pela aqui Requerente, recebendo mensalmente, deduzido o montante da penhora, um valor equivalente ao salário mínimo nacional, que perdurará até que a sua divida resulte integralmente saldada ; ii)-residir sozinha em Lisboa, sem o apoio de quaisquer familiares ou amigos, não tendo quem a acolha ou outro local para onde possa residir ; iii)-que tem apresentado sucessivas candidaturas aos Concursos para obtenção de habitação de renda acessível promovidos pela Câmara Municipal de Lisboa, mas sem qualquer sucesso até ao presente, pese embora não desista e continue a diligenciar nesse sentido ; iv)-tem igualmente diligenciado, através da consulta de anúncios e contactos, pela procura de uma outra habitação, mas infelizmente também sem sucesso até ao presente, o que decorre das vicissitudes decorrentes do contexto pandémico em que se vive em Portugal e do facto de receber líquido o valor mensal equivalente ao salário mínimo nacional, atenta a penhora promovida pela Requerente sobre a sua pensão.

1.4.–Tendo a requerente A, pugnado pelo indeferimento do requerimento de B e identificado em 1.3, veio finalmente a ser proferida DECISÃO  a 5/7/2022 [Refª 416641521], sendo a mesma do seguinte TEOR :
“(…)
O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes, cf. artigo 15.º do NRAU.
Nos termos do disposto no artigo 6.º-E da Lei 1.º-A/2020, de 19 de Março, na redação conferida pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, Regime processual excecional e transitório:
“Artigo 6.º-E, Regime processual excecional e transitório
(…)
7- Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
a)-O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b)-Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c)-Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d)-Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e)- Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser realizadas nos termos dos n.os 2, 4 ou 8.
8- Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.”
Este procedimento especial de despejo destina-se a efetivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado, cf. artigo 15.º do NRAU.
Está em causa um procedimento com vista à concretização de diligências de entrega judicial à requerente da casa de morada de família da requerida, como resulta dos requerimentos apresentados pela requerida.
Tal como decorre da alínea b), do citado artigo, estão suspensos os atos a realizar neste procedimento especial de despejo, relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família.
Importa indeferir o requerido pelo agente de execução e pela requerente deste procedimento especial de despejo.
***
Pelo exposto, indefere-se o requerido a fls. 120 e 156.
Notifique-se.
Lisboa, ds”.

1.5.–Notificada do DESPACHO identificada em 1.4, logo em 29/4/2021 veio A do mesmo interpor a competente APELAÇÃO, apresentando na respectivas alegações as seguintes conclusões:
I-Na sequência da emissão em 8 de Julho de 2021 de título de desocupação do locado nos termos do disposto no Artigo n.º 15º-E da Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro (doravante NRAU), em 26 de julho de 2021, ao abrigo do disposto no Artigo 15º-L do NRAU, o agente de execução JB..... solicitou a autorização judicial para entrada imediata no locado, com recurso às autoridades judiciais e ao arrombamento de portas em virtude do imóvel não ter sido voluntariamente desocupado pela Inquilina.
II.-Tal requerimento assume carácter de urgência e devia ter sido decidido no prazo de 5 dias (cfr. citado artigo 15º L n.º 1 e 2 do NRAU.
III.-Em 30 de Agosto de 2021, a Senhoria insistiu pelo deferimento do pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio, e muitas mais vezes desde então.
IV.-Apenas em 5 de Julho de 2022 (um ano depois da emissão do título desocupação do locado) o Mº Juiz a quo proferiu o despacho ora recorrido, indeferindo o requerido pelo agente de execução em 26 de julho de 2021 e pela Senhoria em 30/8/2021, fundamentando a sua decisão na alínea b) do n.º 7 do Artigo 6º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, a segundo a qual estão suspensos os atos a realizar neste procedimento especial de despejo, relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa morada de família.
V.-A Inquilina deixou de pagar renda em Agosto de 2019, (há (2 anos e 10 meses), muito antes do surgimento da pandemia SARS-COVID 19 e da declaração dos sucessivos estados de emergência, calamidade e alerta,
VI.-O espírito da Lei n.º 1-A/2020, e as circunstâncias em que a lei foi elaborada”, nos termos do artigo 9º do Código Civil, que foi o de suspender os despejos, cujos inquilinos, em virtude de desemprego ou qualquer outra diminuição de rendimentos decorrente da pandemia de covid-19 e não para proteger incumprimentos muito anteriores a esta situação, como é o caso dos presentes autos.
VII.-Assim e porque a falta de pagamento de rendas pela Inquilina é muito anterior à situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, determinar-se a suspensão de entrega do locado à Senhoria com fundamento na aplicação da Lei n.º 1-A/2020 constitui um verdadeiro abuso do direito na medida em que violaria o fim social e económico do direito à suspensão do despejo que é o de proteger as pessoas que, em virtude da pandemia, deixaram de pagar as rendas, o que não sucede no presente caso porquanto o não pagamento das rendas vem ocorrendo desde 2019 (vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em 11 de janeiro de 2022 proferido no processo 16182/20.2T8SNT-A.L1-7)
VIII.-Pelo que, determinar-se a suspensão dos atos a realizar nos presentes autos de procedimento especial de despejo com base na aplicação da Lei n.º 1-A/2020é ilegal por violar o disposto no artigo 15º-L do NRAU e bem assim do artigo 6º-E n.º 7 da Lei n.º 1-A/2020.
IX.-Resulta do regime processual excecional e transitório instituído pelo n n.º 7 do Artigo 6º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março que, no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, se suspendem os atos relacionados com a concretização de diligência de entrega judicial da casa de morada de família, mas apenas em sede de processo executivo ou de insolvência.
X.-Nos presentes autos, está em causa a entrega de locado em sede de procedimento especial de despejo e não de processo executivo ou insolvência.
XI.-Estando em causa atos de execução da entrega do local arrendado a lei exige que o arrendatário demonstre que possa ser colocado em situação de fragilidade por falta habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
XII.-A lei não determina pois, como o fez o despacho recorrido, a suspensão automática dos atos a realizar em sede de procedimento especial de despejo relacionados com a entrega judicial da casa de morada de família.
XIII.-O locado dado de arrendamento à Inquilina não constitui ou alguma vez constituiu a sede do centro da vida familiar da Inquilina ou a residência principal do seu agregado familiar, mas apenas o local onde a mesma reside, pelo que não pode beneficiar da proteção especial que a lei atribui à casa morada de família.
XIV.-O despacho ora recorrido é assim ilegal ao indeferir o pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio com fundamento na alínea b) do artigo 6.º-E da Lei 1.º-A/2020.
XV.-Nos presentes autos foi o tribunal que tomou a iniciativa de propor a aplicação do regime processual excecional e transitório emergente do citado artigo 6º-Eda Lei n.º 1-A/2020 de 19/03 sem estar munido de quaisquer factos ou pedido da Inquilina que fundamentasse a sua aplicação.
XVI.-Na Lei n.º 1-A/2020 de 19/03, considerando nela quer a sua versão inicial quer as decorrentes de alterações a ela feitas (pela Lei n.º 4-A/2020 de 06/04, pela Lei n.º 16/2020 de 29/05, Lei 4-B/2021 de 01/02 e Lei n.º 13-B/2021 de 04/05), não há qualquer preceito que determine só por si, autonomamente, a suspensão do andamento do procedimento especial de despejo, pois, como se vê das sucessivas previsões (artigo 7º n.º 10 na sua redação inicial; 7º n.º 11 na sua redação decorrente das alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2020; artigo 6º-A/6º-B, na sequência das alterações introduzidas pela Lei 16/2020, Lei 4- B/2021 de 01/02 e artigo 6º-E, na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 13-B/2021 de 04/05), a suspensão do andamento do processo está dependente da verificação do circunstancialismo ali exigido: que o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria (versão inicial da Lei) ou possa ainda ser colocado naquela situação de fragilidade por outra razão social imperiosa.
XVII.-O tribunal só deverá apreciar a questão da suspensão se a mesma for suscitada pela parte que nela tem interesse, com indicação dos factos que a fundamentam.
XVIII.-A inquilina, expressamente notificada para se pronunciar sobre a aplicação aos autos das alíneas c) e C) do n.º 7 do artigo 6º-E não requereu a aplicação da alínea b) do artigo 6º-E, mas apenas a suspensão da entrega do locado, por um período limitado no tempo, por razões humanitárias, por auferir uma pensão bruta de 973,69€, a qual se encontra reduzida ao valor do salário mínimo em virtude de penhora.
XIX.-Não se verificam quaisquer razões humanitárias suscetíveis de deferir ainda mais a entrega do locado pela inquilina, já que a mesma aufere rendimento disponível que lhe permite custear outra habitação.
XX.-A Inquilina não alegou nem apresentou quaisquer provas de que teve uma quebra de rendimentos e/ou que poderá ficar em situação de fragilidade decorrente do despejo.
XXI.-Qualquer que seja a situação económico-social da Inquilina, tal não lhe confere um direito, quase absoluto, de continuar a protelar a entrega do locado em causa, sem pagar qualquer renda há quase três anos.
XXII.-Ao não ter deferido o pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio, suspendendo os atos a realizar no procedimento especial de despejo, o Tribunal a quo violou, por errada aplicação e interpretação, o disposto no art.º 6.º-E, n.º 7, alíneas b) e c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.
XXIII.-E como tal deve ser revogado, e substituído por douta decisão que defira o pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio formulado em 26 de julho de 2021.
E só dessa forma se fará a elementar e esperada JUSTIÇA!

1.6.– A  Requerente, relativamente à apelação identificada em 1.5., não apresentou contra-alegações.
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Thema decidenduum
2.–Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de  Processo Civil, aprovado  pela Lei  nº 41/2013, de 26 de Junho), e  sem  prejuízo  das  questões  de  que  o  tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a  decidir  são as seguintes  :
A)–Aferir se o DESPACHO recorrido [que declarou suspensos os atos a realizar neste procedimento especial de despejo, relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família] porque “ilegal”,  deve ser  revogado, sendo substituído por outro que não admita a suspensão dos autos, antes determine o seu prosseguimento.
***

2.–Motivação de Facto.
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da  apelação pela executada interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete.
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3.–Motivação de Direito

3.1.–Se a decisão identificada em 1.4. se impõe ser revogada.
Emerge a instância recursória de Procedimento especial de despejo desencadeado junto do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), nos termos dos artºs 15º e 15-B, ambos da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro [NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (NRAU)].

Notificada a Requerida B, para, em 15 dias, desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar à requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada, deduzir oposição à pretensão e ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto nos artigos 15.º-N e 15.º-O  [nos termos do artº 15º-D, do NRAU], não veio in casu a ser apresentada competente OPOSIÇÃO [nos termos do artº 15º-F do NRAU] razão porque O BNA converteu o requerimento de despejo em título para desocupação do locado disponibilizando o requerimento de despejo no qual foi colocada a fórmula de título para desocupação do locado ao requerente e ao agente de execução [nos termos do artº 15º-E ,nº 1 e 3, do NRAU].
Porém, no seguimento de requerimentos dirigidos pela requerida/locatária ao BNA [v.g. um de 15/4/2021, informando nele a requerida que a casa que habita é a sua casa de morada de família e a única habitação que dispõe], foram os autos remetidos em 13/7/2021 à distribuição em Tribunal [cfr. art.º 15.º-H, n.º 4, da Lei n.º 6/2006 de 27-02 e art.º 11.º, n.º 4, da Portaria n.º 9/2013, de 10 de janeiro], vindo em a 5/7/2022 a ser proferida a DECISÃO recorrida, a qual declarou  suspensos os atos a realizar neste procedimento especial de despejo, relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família, prima facie com fundamento no disposto no nº 7º, alínea b), do  artº 6.º-E da Lei 1.º-A/2020, de 19 de Março  [o qual reza que Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo “Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família].

QUID JURIS ?

Será que, como o entende a apelante, não dispunha o tribunal a quo de fundamento legal para decidir como decidiu , impondo-se a revogação da decisão recorrida ?

Vejamos.
A Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril (1), como é consabido, vem determinar a Cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adoptado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, tendo entrado em vigor no dia 6 de Abril de 2021 (Artigo 7.º), sendo que, ao mesmo tempo em que revoga os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redacção “actual”, vem designadamente e também aditar à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, o artigo 6.º-E, com a seguinte redacção:

Artigo 6.º-E
Regime processual excepcional e transitório
1– No decurso da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excepcional e transitório previsto no presente artigo.
2–As audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem inquirição de testemunhas, realizam-se:
(...)
7–Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório previsto no presente artigo:
a)- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março;
b)- Os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c)- Os actos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
(...)
8–Nos casos em que os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam susceptíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.
(...)”.
Cotejando a Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril com a Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, vemos que, apesar de revogar a primeira o Artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março - com a redacção introduzida pela Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro -, vem porém e no essencial manter [agora no artº Artigo 6.º-E, nº 7, alíneas b) e c)] a SUSPENSÃO já anteriormente decretada pelo nº 11 do Artº 6-B,  da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março - com a redacção introduzida pela Lei n.º 4-B/2021,de 1 de Fevereiro -, pois que revelava ele que :
São igualmente suspensos os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais actos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.”

Tendo presente o conteúdo dos dois normativos acabados de transcrever [o 6-E,  nº 7, alínea c), e o revogado nº 11 do Artº 6-B,  da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março], temos assim que o nó górdio da questão da presente apelação tem a ver com a pertinência de a suspensão dos autos pelo tribunal a quo decretada se ter baseado , como tudo indica, na alínea b), do artº 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março , mais exactamente no respectivo nº 7º, alínea b) [artº último este que foi aditado pelo seguinte diploma: Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril].

O acabado de referir, decorre ,igualmente, do facto de na alínea b), do referido nº 7, do artº 6-E, se aludir – e para justificar a suspensão ope legis de actos a praticar - à entrega judicial da “casa de morada de família, dispensando-se prima facie qualquer indagação pelo Juiz da possibilidade de o arrendatário vir a ser colocado – com a execução de acto de entrega do local arrendado - em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa [como já o exige a alínea c), do nº 7, do artº 6-E , da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

Ora, antes de mais, importa afastar qualquer interpretação conjugada e literal [porque a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico – cfr. artº 9º, do CC] de ambas as normas supra descritas (as alíneas b) e c) nº 7, do artº 6-E), ou seja, considerar que o legislador quis determinar uma suspensão automática das diligências executórias relacionadas com a entrega judicial de imóveis sempre que estes constituam a casa de morada de família, mas, estando em causa diligências executórias relacionadas com a entrega judicial de imóveis que não sejam a casa de morada de família, já a suspensão de atos de execução exigem a prova de poder colocar-se o obrigado à entrega” em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.

Ao invés, em ambas as alíneas b) e c) , do nº 7, do artº 6-E , há-de estar-se na presença de actos de execução que incidem  sobre imóveis que constituem a casa de morada de família do obrigado , pois que, a alusão – na alínea c) - à "falta de habitação própria" só pode significar que aqui se inclui, necessariamente, a "casa de morada de família".(2)

Depois, pacífico é que o que diferencia o campo de aplicação de ambas as alíneas b) e c), do nº 7, do artº 6-E é que, a primeira, tem por objecto os atos a realizar em sede de processo executivo (…) relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família" e, a segunda, incide já sobre actos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada.

Por outra banda, e ao contrário do que sucede com os atos a realizar em sede de processo executivo relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família, cuja suspensão opera ope legis, já a suspensão de actos de execução da entrega do local arrendado, v.g. no âmbito dos procedimentos especiais de despejo, apenas opera ope judicis, ou seja quando se revele que os referidos actos podem colocar oobrigadoem situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.

Para o referido efeito , ou seja, para que haja lugar à suspensão de actos de execução da entrega do local arrendado a ter lugar no âmbito dos procedimentos especiais de despejo, e ainda que em causa esteja a "casa de morada de família", cabe ao arrendatário o ónus de a requerer e de alegar e provar factos concretos e objetivos de onde resulte que, a concretizar-se a entrega do arrendado, ele ficará numa "situação de fragilidade por falta de habitação própria" ou que há uma "outra razão social imperiosa" que também justifica que a entrega não tenha lugar. (3)

Ou seja, as acções de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, não se suspendem ope judicis,antes podem vir a ser suspensas caso seja proferida decisão que o determine [correndo termos até que seja a mesma proferida], o que só deverá ocorrerá [na linha do que decorre de resto do artº 15º-N,nº2, do NRAU, propósito do Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação ] quando comprovado o necessário fundamento legal, maxime não dispor o arrendatário de outra habitação podendo assim ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.

O aludido regime, de resto, não diverge de todo do introduzido logo pela Lei nº 4/2020, de 6.04, diploma que, republicando em anexo a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, passou esta última a dispor no respectivo artº 7º, nº 11, que “Durante a situação excepcional referida no n.º 1, são suspensas as acções de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.

Ora, perante o acabado de expor, e integrando os nossos autos claramente a previsão da alínea c), do nº 7, do artº 6º-E ,da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, inevitável é concluir que a decisão recorrida assenta em pressuposto legal desadequado e, o correcto, não opera ope legis, antes só poderá efectivar-se se verificados os pressupostos na lei expressos/fixados.

O entendimento acabado de explanar, de resto, é aquele tem vindo a merecer a adesão praticamente unânime da nossa jurisprudência, o que se comprova através de diversos Acórdãos da segunda instância (4), chamando-se à colação vg o proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa e de 25/2/2021 (5), no qual se concluiu que As acções de despejo não ficam suspensas por força da legislação Covid-19; para que ocorra a suspensão, tem de houver um despacho judicial que declare verificados os pressupostos da previsão da suspensão do artigo 6-A/6-c da Lei 1-A/2020 na redacção agora em vigor”.

Outrossim a doutrina vem sufragando o entendimento jurisprudencial praticamente unânime supra alinhavado, designadamente HIGINA CASTELO (6), pois que considera queDa gramática da disposição, resulta que a suspensão do processo não é automática (...) “, antes depende da apreciação e prova de um requisito complexo, a saber, que “ o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa“e, tendo em consideração o princípio dispositivo, densificado nos artigos 3º e 5º do CPC , conclui que o tribunal só deverá apreciar a questão da suspensão se a mesma for suscitada pela parte que nela tem interesse, com indicação dos factos que a fundamentam, e dando oportunidade à parte contrária de exercer o contraditório. Trata-se de um incidente enxertado na marcha do processo a que se aplicarão os artigos 292º a 295º do CPC.

Igualmente para J.J.FERNANDES OLIVEIRA MARTINS (7), existe  uma clara “preocupação do legislador em evitar que arrendatários sejam despejados ou retirados dos locais que ocupam, dado que ficariam sujeitos a não ter onde viver no meio de uma pandemia, propiciando também a possibilidade de serem agentes transmissores da mesma para terceiros”, mantém-se suspensas as “acções de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada”, mas apenas “quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa” (al. c)).

Mais esclarece também OLIVEIRA MARTINS, que é “de difícil aferição judicial, neste momento, o saber-se se alguém poderá “ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria”, utilizando-se também outra cláusula geral ainda de mais difícil concretização (“razão social imperiosa”), considerando-se, por sua vez, que deverá ser o arrendatário a alegar a existência dessa “situação de fragilidade” ou essa “outra razão social imperiosa”, dado que dificilmente tal poderá resultar unicamente dos termos do processo em causa.

Ainda a perfilhar o mesmo entendimento, vem MENEZES LEITÃO (8) esclarecer que dos vários processos indicados no artº Artigo 6.º-E, nº 7, alínea c), da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, apenas um deles é urgente - o procedimento especial de despejo -, mas a lei estabelece um regime geral de suspensão, que tem a particularidade de depender da situação especial de fragilidade do arrendatário,sendo que, tudo aponta para que o processo pode continuar quando essa situação de fragilidade não exista, mas a lei não esclarece em que termos.

Em face de tudo o exposto, e mais não se justifica aduzir, manifesto é que não dispunha o tribunal a quo de fundamento legal bastante para suspender o andamento do processo, MAXIME porque não apreciada sequer qualquer prova susceptível de julgar verificado o circunstancialismo legal exigido para que pudesse ser decretada a suspensão - no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório previsto na Lei e com referência à situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19- dos actos de execução da entrega do locado e a realizar em sede do presente procedimento especial de despejo .

Procede, pois, a apelação, devendo revogar-se o despacho recorrido, e devendo prosseguir os autos os seus termos, sem prejuízo todavia de, em face do requerido pela apelada, decidir o tribunal a quo que se mostra alegada e provada factualidade que preenche a previsão da parte final da alínea c), do nº 7, do artº 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março , e aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril  .

Uma última nota se justifica aduzir a propósito da aprovação, recentemente,do Decreto-Lei 66-A/2022,de 30 de Setembro, que determina a cessação de vigência de decretos-leis publicados, no âmbito da pandemia da doença COVID-19,  e que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2022 e o qual Considera revogados diversos decretos-leis aprovados no âmbito da pandemia da doença COVID -19, determinando expressamente que os mesmos não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pelo presente decreto -lei ”.

A justificar a aprovação do referido diploma,  explica o legislador que:
Desde o início da pandemia da doença COVID -19, o Governo tem vindo a adotar uma série de medidas de combate à pandemia, seja numa perspetiva sanitária, seja nas vertentes de apoio social e económico às famílias e às empresas, com o intuito de mitigar os respetivos efeitos adversos. Face ao desenvolvimento da situação epidemiológica num sentido positivo, observado nos últimos meses, assistiu-se à redução da necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas. Concomitantemente, importa ter presente que a legislação relativa à pandemia da doença COVID -19 consubstanciou-se num número significativo de decretos-leis com medidas aprovadas com o objetivo de vigorar durante um período justificado. Neste contexto, através do presente decreto-lei, procede-se à clarificação dos decretos -leis que ainda se encontram em vigor, bem como à eliminação das medidas que atualmente já não se revelam necessárias, através da determinação expressa de cessação de vigência de decretos-leis já caducos, anacrónicos ou ultrapassados pelo evoluir da pandemia. Importa, contudo, garantir que as alterações promovidas a legislação anterior à pandemia pelos decretos-leis agora revogados não são afetadas. Assim, clarifica-se que a revogação promovida pelo presente decreto-lei tem os seus efeitos limitados aos decretos-leis aqui previstos, não afetando alterações a outros diplomas introduzidas por estes que agora se revogam. Desta forma, ganha-se em clareza e certeza jurídica, permitindo aos cidadãos saber — sem qualquer margem para dúvidas — qual a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 que se mantém aplicável. (…)”.

Ora, em razão da aprovação do diploma acabado de mencionar, temos para nós que a decisão pela qual envereda o presente acórdão não se mostra prejudicada”, antes mantém a sua “actualidade”, desde logo porque não é o artº Artigo 6.º-E, nº 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, por aquele [Decreto-Lei 66-A/2022,de 30 de Setembro] visado/atingido.

Depois, sendo certo que refere o nº 7, do artº 6.º-E  referido , que “Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo, a verdade é que o período de vigência do regime excecional e transitório visado é o que indica o nº1. do mesmo artº 6º-E, a saber, aquele em que permanecer a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.

Destarte, porque é nosso entendimento de que nada permite concluir que a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”, deixou já de existir [antes tudo obriga a considerar que continuamos ainda hoje a viver em estado de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica, ainda que, é verdade, já não em período de estado de emergência - a qual se iniciou em Portugal ao abrigo do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, tendo sido objecto de diversas renovações, v.g. operadas pelo Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de abril, pelo Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de abril e pelo Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de abril, mas já cessado - , de calamidade - estado que foi decretado pelo Governo através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, aprovada ao abrigo do artigo 19.º da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, prorrogada por diversas vezes também, mas já cessado - , ou sequer de alerta - estado v.g. decretado e regulamentado através de Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 30 de Agosto e para vigorar até às 23:59 h do dia 30 de Setembro de 2022], continua portanto a justificar-se o atrás decidido no tocante ao prosseguimento dos autos e dos seus termos, sem prejuízo todavia de, em face do requerido pela apelada, decidir o tribunal a quo que se mostra alegada e provada factualidadeque preenche a previsão da parte final da alínea c), do nº 7, do artº 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março , e aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril  .

Em suma, nada permite concluir que a alínea c), do nº 7, do artº 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril , não se encontra já em vigor, por ter a sua vigência cessado por aplicação do artº 7º, nºs 1 e/ou 2, do CC.

Acresce que, em rigor, não consubstancia a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março uma lei temporária [limitada a um determinado período de vigência, ou porque o tempo seja nela prefixado ou se circunscreva a duração de certo acontecimento previamente identificado], antes melhor corresponde a uma lei de emergência, porque prima facie destinada a vigorar enquanto se mantiverem as circunstâncias extraordinárias ou excepcionais e de interesse público que determinou a sua aprovação,  circunstâncias de resto de duração indefinida, mais ou menos longa [as quais , estamos em crer que não deixaram já e em absoluto de existir, de todo] .
*

4.- Sumariando  (cfr. artº 663º, nº7,  do CPC).
4.1.A Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril , alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, vem determinar a Cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adoptado no âmbito da pandemia da doença COVID-19 ;
4.2.– Por outra banda, e ao revogar os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redacção “actual”, vem-lhe também aditar o Artigo 6.º-E, e cujo nº 7 determina a suspensão - no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório previsto no presente artigo - dos actos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada;
4.3.–A suspensão indicada em 4.2.,porém, não opera ope legis, mas apenas nos casos em que, e na sequência de pertinente alegação dos arrendatários, seja produzida prova que confirme que os actos de execução da entrega do local arrendado sejam susceptíveis de colocar os arrendatários/despejados em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa .
4.4.– O artº Artigo 6.º-E, nº 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não foi pelo Decreto-Lei 66-A/2022,de 30 de Setembro , visado/atingido, mantendo-se em vigor, o que deverá suceder enquanto permanecer a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.
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5.–Decisão.

Em face do supraexposto, acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em :
5.1.-Concedendo procedência à apelação de A, revogar a decisão recorrida ;
5.2.-Na sequência da decisão referida em 5.1., determinar o prosseguimento dos autos [sem prejuízo porém do referido no item 3.1. , in fine, da presente decisão].
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Custas da Apelação pela apelada [A apelada não apresentou contra-alegações, mas decai na presente apelação - do normativo que actualmente consta do n.º 2 do artigo 527º, do CPC, resulta a presunção iuris et de iure de que dá sempre causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for -, razão porque suporta as respectivas custas (cfr. artº 527º, nº2, do CPC) ], mas sem prejuízo porém do Apoio judiciário concedido (9) (10).
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Lisboa, 13/10/2022



António Manuel Fernandes dos Santos- (O Relator)
Ana de Azeredo Coelho- (1ª Adjunta)
Eduardo Petersen Silva- (2º Adjunto)



(1)-Que procede à décima alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de Abril, 4-B/2020, de 6 de Abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de Julho, 58-A/2020, de 30 de Setembro, 75-A/2020, de 30 de Dezembro, 1-A/2021, de 13 de Janeiro, e 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que estabelece medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
(2)-Cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/3/2022 , proferido no processo nº 2822/19.0T8VCT-A.G1 e disponível em www.dgsi.pt.
(3)-Cfr. Acórdão indicado na Nota que antecede.
(4)-Vide v.g. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/11/2021 [proferido no processo nº 2555/19.7T8SXL.L1-2], de 17/6/2021 [proferido no processo nº 1055/20.7YLPRT.L1-6, por nós também relatado ] , de 13/4/2021 [ proferido no processo nº 3011/19.9YLPRT.L1-7 ], de 11/2/2021 [ proferido no processo nº 955/20.9YLPRT.L1-2 ], de 25/2/2021 [ proferido no processo nº 3463/19.7T8VFX.L1-2], e de 27/4/2021 [ proferido no processo nº 4421/18.4T8FNC-7],  os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 9/2/2021 [ proferido no processo nº 1275/19.7T8PVZ.P1], de 8/3/2021 [ proferido no processo nº 3744/06.0TBVLG-B.P1], de 27/4/2021 [ proferido no processo nº 1212/20.6T8LOU-B.P1 ] e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11/3/2021 [ proferido no processo nº 7532/19.5T8STB-H.E1] disponível em www.dgsi.pt.
(5)-Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/2/2021, proferido no processo nº 3463/19.7T8VFX.L1-2, e disponível em www.dgsi.pt.
(6)-Em “ O arrendamento urbano nas leis temporárias de 2020, na RMP, Número Especial COVID-19 / 2020, págs. 336/337
(7)-Em ( De novo a ) Lei n.º 1-A/2020 –  uma terceira leitura (talvez final?) JULGAR Online, maio de 2020, página 20 e acessível no sitio file:///C:/Data/mj01343/Documents/Downloads/20200529-JULGAR-De-novo-a-Lei-1-A2020-uma-terceira-leitura-talvez-final-Jos%C3%A9-Joaquim-Martins-v2.pdf.
(8)-Em “ Os prazos em tempos de pandemia COVID-19, em Estado de Emergência – COVID-19 Implicações na Justiça, CEJ, 2.ª ed., pág. 71, e disponível em (http:// www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19.pdf),
(9)-Cfr. SALVADOR DA COSTA, em a “Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido”, 18.6.2020, publicado no blog do IPPC, e outrossim em “Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final”, publicado no mesmo blog em 31.10.2020, concluindo no primeiro que “a parte vencida [ no âmbito da relação jurídica processual relativa à presente apelação importa considerar a apelada como parte vencida, porque a decisão ora proferida por este Tribunal da Relação e de procedência lhe é potencialmente desfavorável ] nas acções, nos incidentes e nos recursos é responsável pelo pagamento das custas, ainda que em relação a eles não tenha exercido o direito de contraditório, o que se conforme com o velho princípio que envolve esta matéria, ou seja, o da justiça gratuita para o vencedor.
(10)-Neste sentido, vide v.g. o Acórdão deste mesmo Tribunal da Ralação de Lisboa de 15/3/2011 [proferido no Processo nº 6730/09.4TVLSB.L1-7 e in www.dgsi.pt], nele se concluindo que “ I - No quadro tributário do Regulamento das Custas Processuais o recorrido, que não contra-alegue, não é em caso algum responsável pelo pagamento de taxa de justiça, o qual não lhe é exigível, ainda que no recurso fique vencido (artigos 7º, nº 2, do RCP, e 37º, nº 4, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril);  II– Se, porém, ficar vencido no recurso, é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais (artigo 446º do CPC).