Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALDA MARTINS | ||
Descritores: | PEDIDO GENÉRICO EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA CONVITE AO SUPRIMENTO DA IRREGULARIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | A formulação de pedidos genéricos em situação não prevista legalmente constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conforme resulta dos arts. 556.º, n.º 1 a contrario, 577.º e 578.º do CPC, impondo a absolvição do réu da instância quanto aos mesmos, por força dos arts. 278.º, n.º 1, al. e) e 576.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal, se o autor não acatar o convite ao seu suprimento ao abrigo do disposto nos arts. 6.º, n.º 2, 278.º, n.ºs 2 e 3 e 590.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi arts. 27.º, n.º 2, al. a) e 61.º, n.º 1 do CPT. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra AMOVIDA – SERVIÇOS INTEGRADOS DE SAÚDE, LDA., alegando, em síntese: - entre 03 de Fevereiro de 2020 e 02 de Outubro de 2022, o Autor exerceu a actividade profissional de motorista/tripulante de ambulância sob a autoridade e direcção da Ré; - o Autor cumpria um determinado horário de trabalho que era sempre fixado pela Ré, a qual controlava a assiduidade mediante um registo mensal de horas; - a Ré procedia à avaliação de desempenho, através de questionários anónimos distribuídos aos trabalhadores para avaliação recíproca; - os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo Autor eram propriedade da Ré, designadamente as ambulâncias; - o Autor fazia transporte de doentes urgentes e não urgentes para vários Hospitais (São José, São Francisco Xavier, Santa Marta, Santa Maria, Estefânia), unilateralmente determinados pela Ré através dos superiores hierárquicos do Autor, nomeadamente a Sra. BB; - o Autor recebia com periodicidade mensal uma quantia decorrente da sua actividade profissional, através de transferência bancária e mediante a emissão de «recibo verde»; - o Autor necessitava de envergar a farda da empresa aquando da prestação da respectiva actividade profissional; - as ambulâncias tinham um sistema integrado de geolocalização que transmitia à Ré, entre outras, informações relativas ao percurso e velocidade; - o Autor tinha de respeitar as instruções da Ré atinentes a fardamento, velocidade, limpeza do veículo, conferência de material e verificação das condições de segurança do veículo (pneumáticos, óleo, óleo dos travões, pastilhas de travão, etc.); - o Autor não recebeu da Ré as prestações típicas duma relação laboral, designadamente: a) Remuneração de férias entre 03.02.2020 e 02.12.2022; b) Subsídio de férias entre 03.02.2020 e 02.12.2022; c) Férias vencidas e não gozadas entre 03.02.2020 e 02.12.2022; d) Subsídio de Natal referente aos anos de 2020, 2021 e 2022; e) Pagamento do trabalho suplementar prestado a pedido da Ré e no interesse desta (Docs. 6 e seguintes); f) Pagamento das horas nocturnas que se vierem a apurar (Docs. 6 e seguintes); - a Ré não estabeleceu qualquer remuneração mensal, mas antes um valor/hora. Termina, pedindo: a) Se reconheça a existência dum contrato de trabalho entre 03 de Fevereiro de 2020 e 02 de Outubro de 2022, celebrado entre o Autor e a Ré; b) Se condene a Ré a pagar ao Autor uma quantia arbitrada com recurso à equidade, decorrente da verificação duma situação de “falsos recibos verdes”, tal como os subsídios de férias e de Natal nos anos de 2020, 2021 e 2022, a remuneração de férias nos anos de 2020, 2021 e 2022, as férias vencidas e não gozadas nos anos de 2020, 2021 e 2022, e o pagamento do trabalho nocturno e suplementar prestado no interesse e a pedido da Ré; c) Se condene a Ré a pagar ao Autor juros vencidos e vincendos sobre as quantias arbitradas. Procedeu-se a audiência de partes, para a qual a Ré foi citada para comparecer, e, não tendo sido possível a conciliação, foi aquela notificada para contestar. A Ré apresentou contestação, invocando a excepção de ineptidão da petição inicial, em virtude de não terem sido quantificados os pedidos formulados pelo Autor com base no valor da retribuição por si auferida. Defendeu-se ainda por impugnação, alegando, em síntese: - o Autor não reunia requisitos legais para celebração de contrato de trabalho como tripulante de ambulância e por isso foi celebrado um contrato de prestação de serviços, que o Autor se recusou a assinar; - o Autor prestava o serviço consoante a sua disponibilidade e todas as despesas, designadamente alimentação e seguro de acidentes de trabalho, eram da responsabilidade do mesmo; - a única consequência de o Autor não prestar os serviços era não receber a respectiva retribuição; - a Ré apenas entregava ao Autor a escala de serviço dos clientes de cada dia para que o Autor se pudesse organizar e prestar os serviços de acordo com a sua disponibilidade, tendo, no entanto, de informar a Ré para que esta se pudesse organizar e não existisse sobreposição de prestadores; - o registo e controlo das horas prestadas destinava-se a que a Ré pudesse processar a factura de pagamento do serviço prestado pelo Autor, na base do valor/hora de 4,07 €; - o registo de avaliação consistia no preenchimento duma chek-list, por exigência do INEM, sendo indiferenciado para trabalhadores ou prestadores de serviço; - os questionários juntos destinavam-se a mera recolha de opinião dos vários colaboradores, fossem trabalhadores ou prestadores de serviço, para melhoria do serviço; - todas as ambulâncias utilizadas têm de estar licenciadas junto do INEM, pelo que nunca poderia o Autor prestar serviço para a Ré utilizando viatura que fosse sua; - também o uso de fardamento é uma exigência legal e imposta pelo INEM às empresas de transporte de doentes; - eram os clientes da Ré que solicitavam os vários serviços, os quais eram distribuídos a quem tivesse disponibilidade para os fazer; - a Ré chamou o Autor à atenção para a condução com excesso de velocidade porque a responsabilidade pela contra-ordenação é imputável à proprietária da viatura, no caso a Ré, a menos que esta identifique o respectivo condutor; - apesar de ter uma periodicidade mensal, a remuneração do Autor era variável e não fixa, com base na quantia de 4,07 €/hora e no número de horas de serviço prestadas; - durante a execução do contrato, o Autor nunca usufruiu de férias e nunca auferiu retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal ou subsídio de alimentação, assim como não tinha subscrito a seu favor pela Ré qualquer seguro de acidentes de trabalho, o que permite afastar a presunção de contrato de trabalho; - no que respeita à retribuição devida pelo trabalho suplementar e pelo trabalho nocturno, peticionada genericamente e sem concretização de montantes e formas de cálculo, fica prejudicada pela inexistência de contrato de trabalho; - ainda que assim não fosse, incumbia ao Autor o ónus da prova do trabalho suplementar e do trabalho nocturno, indicando especificamente as horas e dias trabalhados, o que o Autor não fez. Termina, concluindo pela absolvição da Ré da instância, ou, assim não se entendendo, pela absolvição da Ré de todos os pedidos. Procedeu-se a audiência prévia, em 6/05/2024, na qual foi proferido o seguinte despacho: «Em face da matéria alegada importa concretizar a matéria de facto nos seguintes termos: 1. Montantes das quantias auferidas mensais ou valor hora ao longo da relação laboral; 2. Horário de trabalho; 3. Concretizar as horas de trabalho suplementar, indicando os concretos dias em que foram prestadas; 4. Concretizar as horas de trabalho noturno, indicando os concretos dias em que foram prestadas; Por outro lado, foram deduzidos pedidos genéricos numa situação em que a Lei não permite, visto que não se enquadra no disposto no artigo 556.º do C.P.C., razão pela qual, todos os pedidos constantes na alínea b), deverão ser quantificados. Nesta medida, convida-se o autor ao aperfeiçoamento no prazo de 15 dias. Concede-se à ré o direito de se pronunciar, querendo, no mesmo prazo, que começa a contar com a notificação entre mandatários. Com o acordo das Ilustres Mandatárias será proferido despacho saneador por escrito sem necessidade de reabrir a presente audiência.» O Autor não acedeu ao convite no prazo estabelecido. Em 15/10/2024, foi proferido despacho saneador nos seguintes termos: «O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. * Da ineptidão da petição inicial: Por despacho proferido, em sede de audiência prévia, de 06-05-2024, à luz do artigo 590º, n.º 2 al. d) do CPC, foi o A. convidado a aperfeiçoar a petição inicial, nos termos constantes, na acta, indicando quais as matérias que deveriam ser objecto de concretização. Compulsados os autos, verifica-se que o A, no prazo concedido, não aperfeiçoou a petição com os factos essenciais para a causa de pedir que compõem a sua pretensão e, bem assim, não concretizou os pedidos nos termos indicados no mesmo pedido, atendendo a que não é admissível pedidos genéricos, dando-se aqui por reproduzido o despacho proferido em sede de audiência prévia. In casu, o juiz, nos termos do artigo 54º do CPT, convidou o A. a completar ou concretizar a petição inicial, nos termos do despacho proferido em acta de audiência prévia de 6-05-2024, o que o A não fez. Na situação ora em apreço, não é possível o aproveitamento a que alude o art.º 193.º do CPC dos atos praticados pelo autor, uma vez que, sem aquele aperfeiçoamento, inexiste causa de pedir e pedido (e consequentemente petição inicial) em condições de prosseguir a presente acção. Nestes termos e à luz do disposto no artigo 590º n.º 1 do CPC ex vi 54º do Código Processo Trabalho, indefiro liminarmente a presente petição inicial. Notifique. Custas pelo A. Após trânsito, arquive e dê baixa.» O Autor interpôs recurso do despacho que antecede, formulando as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do saneador/sentença em o Tribunal a quo decidiu procedente, por provada, a exceção de ineptidão da petição inicial, absolvendo a R. da instância. 2. O Recorrente alegou na sua petição inicial a existência de créditos laborais em dívida pela sua entidade empregadora, tendo para o efeito apresentado prova documental e prova testemunhal. 3. O Recorrente discriminou os anos, meses e dias e horas que prestou como trabalho suplementar, sem que a sua entidade empregadora os tivesse pago. 4. Ora, conforme explana o Tribunal da Relação de Guimarães no acórdão de 18/12/2017 “Não gera, contudo, o vício da ineptidão da petição inicial a insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida. Basta, para que esteja desenhada a causa de pedir, que o núcleo factual essencial integrador da causa petendi surja caraterizado;” 5. Em manifesta denegação do direito da Recorrente, o Tribunal a quo não atendeu à jurisprudência nacional relevante que considera que mesmo existindo ineptidão da petição inicial, nos termos do Art. 186.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo deve considerar forçosamente sanada, prosseguindo os ulteriores termos do processo (Ac. do STJ 6500/07.4TBBRG.G2,S2, de 26-03-2015). 6. Pelo que, deve o Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida, por outra que determine o prosseguimento dos autos.» A Ré apresentou resposta ao recurso do Autor, pugnando pela sua improcedência. Observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência. 2. Questões a resolver Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a única questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se a petição inicial enferma das deficiências que lhe são imputadas no despacho recorrido e quais as consequências daí decorrentes. 3. Fundamentação 3.1. Os factos a atender são os decorrentes do Relatório supra. 3.2. Resulta do despacho recorrido, segundo se consegue perceber, que a petição inicial foi julgada inepta em virtude de o Autor, no prazo concedido, não ter aperfeiçoado a mesma: - com os factos essenciais à causa de pedir que fundamenta a sua pretensão; - com a concretização dos pedidos, atendendo a que não é admissível a formulação de pedidos genéricos nos termos referidos no despacho proferido em sede de audiência prévia. Acrescenta-se no despacho recorrido que, sem tal aperfeiçoamento, inexistem causa de pedir e pedido, e, consequentemente, uma petição inicial em condições de viabilizar o prosseguimento da presente acção. Vejamos. Estabelece o art. 186.º do CPC: Ineptidão da petição inicial 1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. 2 - Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. 3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial. 4 - No caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo. Por seu turno, estabelece o art. 556.º, n.º 1 do CPC que é permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes: a) Quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito; b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil; c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu. Na presente acção, o Autor formula pedidos com fins diferentes, a saber (cfr. art. 10.º, n.ºs 2 e 3 do CPC): - de simples apreciação, no que respeita à declaração da existência dum contrato de trabalho entre 03 de Fevereiro de 2020 e 02 de Outubro de 2022, celebrado entre o Autor e a Ré; - de condenação, no que respeita ao pagamento pela Ré ao Autor duma quantia arbitrada com recurso à equidade, decorrente de subsídios de férias e de Natal nos anos de 2020, 2021 e 2022, remuneração de férias nos anos de 2020, 2021 e 2022, férias vencidas e não gozadas nos anos de 2020, 2021 e 2022, e prestação de trabalho nocturno e suplementar, acrescida de juros vencidos e vincendos. Assim, desde logo, é manifesto que não falta a indicação do pedido, nem o mesmo é ininteligível, pois, por um lado, nada de relevante se apontou ou se descortina relativamente ao pedido de declaração da existência dum contrato de trabalho, e, quanto ao pedido de condenação, é seguro e isento de qualquer dúvida ou ambiguidade que o Autor pretende o pagamento pela Ré duma quantia ilíquida, sem prejuízo das consequências previstas para a falta de quantificação, irrelevantes para efeitos da existência e inteligibilidade do pedido. Por outro lado, como decorre do acima consignado no Relatório, também a indicação da causa de pedir não é omissa ou ininteligível, uma vez que: - no que concerne à causa de pedir subjacente ao pedido de declaração da existência dum contrato de trabalho, o Autor alegou vários factos atinentes aos elementos típicos deste, alguns constitutivos da presunção legal da sua existência, mormente a prestação duma actividade profissional, o cumprimento dum horário de trabalho fixado pela Ré, o controle da assiduidade, a avaliação de desempenho, a pertença à Ré dos equipamentos e instrumentos de trabalho, a determinação pela Ré dos locais de prestação da actividade, o recebimento mensal duma retribuição estabelecida pela Ré com base num valor/hora, o uso de farda da empresa, a obrigação de acatamento de instruções da Ré que especifica, etc., sendo certo que a Ré, na sua contestação, aceitou uns e refutou outros, alegando também alguns de sentido contrário ou distinto, demonstrando, pois, que interpretou devidamente a petição inicial; - no que concerne à causa de pedir subjacente ao pedido de condenação da Ré no pagamento ao Autor duma quantia a título de subsídios de férias e de Natal, remuneração de férias e férias vencidas e não gozadas, são factos pertinentes os alegados para efeitos do primeiro pedido, valendo, nessa parte, o que se disse sobre a contestação da Ré; e, no que respeita ao pagamento de retribuição pela prestação de trabalho nocturno e suplementar, o Autor alegou também alguma factualidade relevante, nomeadamente que cumpria um horário de trabalho fixado pela Ré, que esta controlava a assiduidade, que recebia uma retribuição estabelecida pela Ré com base num valor/hora e que a Ré não lhe pagou o trabalho suplementar e o trabalho nocturno prestado a pedido e no interesse da mesma a que se referem os Docs. 6 e seguintes, sendo certo que a Ré, na sua contestação, embora alegando que era paga a retribuição/hora de 4,07 € e não impugnando o teor dos aludidos documentos, conferiu a estes um sentido diverso e sustentou que o pedido em apreço fica prejudicado pela inexistência de contrato de trabalho, e, ainda que assim não fosse, pela falta de indicação e prova dos específicos dias e horas trabalhados, demonstrando, pois, também nesta parte, que interpretou devidamente a petição inicial. Conclui-se, assim, que não ocorre a falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir, a que se refere a alínea a) do n.º 2 do art. 186.º do CPC, não estando, igualmente, verificadas as situações previstas nas demais alíneas, que, aliás, não foram chamadas à colação. Pelo exposto, não se verifica a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial. Na audiência prévia realizada em 6/05/2024, aliás, foi proferido despacho de convite do Autor a aperfeiçoar a petição inicial no atinente, em primeiro lugar, à concretização da matéria de facto relativa a montantes das quantias mensais auferidas ou valor/hora ao longo da relação laboral, horário de trabalho e dias e horas de trabalho suplementar e nocturno prestado, o que é bem significativo de que não se considerou haver falta de indicação ou ininteligibilidade da causa de pedir determinante de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, insuprível por natureza, mas apenas insuficiência ou imprecisão na parte assinalada, sendo certo que o não acatamento do convite ao aperfeiçoamento de causa de pedir indicada de modo insuficiente ou impreciso não tem o condão de a transformar em omissa ou ininteligível, antes impondo o julgamento de mérito dos pedidos formulados em conformidade com a factualidade alegada e provada por ambas as partes. No mesmo despacho é afirmado, ainda, que foram deduzidos pedidos genéricos numa situação em que a lei o não permite, visto que não se enquadra no disposto no artigo 556.º do CPC, razão pela qual todos os pedidos constantes da alínea b) deveriam ser quantificados pelo Autor no aperfeiçoamento da petição inicial, o que também é bem significativo de que não se considerou haver falta de indicação ou ininteligibilidade do pedido susceptível de determinar a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, a qual, como se disse, seria insuprível por natureza. Na verdade, a formulação de pedidos genéricos em situação não prevista legalmente, para além de não equivaler a falta de indicação ou ininteligibilidade do pedido, também não integra qualquer outro fundamento de ineptidão da petição inicial, geradora da nulidade de todo o processo, conforme se alcança da leitura do disposto no art. 186.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ao contrário do sustentado pela Ré na sua contestação e pelo tribunal a quo no despacho recorrido. Com efeito, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes e outros[1], “[a] dedução de pedido genérico fora do condicionalismo legal reconduz-se a uma exceção dilatória inominada. Tratando-se de vício suscetível de sanação, o efeito de absolvição da instância (art. 278.º, n.º 1, al. e)) deve ficar reservado para os casos em que o autor não proceda à reformulação do pedido, na sequência de convite para tal (arts. 6.º, n.º 2, 278.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, al. a)).” Ou seja, a formulação de pedidos genéricos em situação não prevista legalmente também constitui uma excepção dilatória, a par da nulidade de todo o processo e das demais excepções dilatórias especificadas no art. 577.º do CPC, atento o carácter exemplificativo desta norma e o disposto no art. 556.º do mesmo diploma legal, nessa medida se justificando a designação e tratamento como excepção dilatória inominada[2]. Ora, o pedido de condenação da Ré no pagamento ao Autor duma quantia a título de subsídios de férias e de Natal nos anos de 2020, 2021 e 2022, remuneração de férias nos anos de 2020, 2021 e 2022, férias vencidas e não gozadas nos anos de 2020, 2021 e 2022, e retribuição da prestação de trabalho nocturno e suplementar – ou seja, prestações pecuniárias devidas e vencidas por efeito da alegada existência de contrato de trabalho ou, também, da pretérita prestação de trabalho em circunstâncias de tempo ou duração susceptíveis da sua qualificação como nocturno ou suplementar, alegadamente constantes dos Docs. 6 e ss. juntos com a petição inicial, logo perfeitamente quantificáveis com base na retribuição horária estabelecida –, não se reconduz a nenhuma das hipóteses enunciadas no citado art. 556.º do CPC, acima transcrito. Acresce que ao Autor foi concedida a possibilidade de corrigir a petição inicial com vista ao suprimento da excepção dilatória inominada em apreço, conforme previsto nos arts. 6.º, n.º 2, 278.º, n.ºs 2 e 3 e 590.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi arts. 27.º, n.º 2, al. a) e 61.º, n.º 1 do CPT, o que o mesmo não fez. Assim, persistindo a formulação de pedidos genéricos em situação não prevista legalmente, assinalada no despacho de convite ao seu suprimento e no despacho recorrido, a qual, embora não constitua a excepção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, como afirmado no último, constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conforme resulta dos arts. 556.º, n.º 1 a contrario, 577.º e 578.º do CPC, impõe-se a absolvição da Ré da instância quanto aos mesmos, por força dos arts. 278.º, n.º 1, al. e) e 576.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal. Em face do exposto, o recurso merece apenas provimento parcial. 4. Decisão Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, absolve-se a Ré da instância relativamente ao pedido de condenação constante da petição inicial sob as alíneas b) e c), devendo a acção prosseguir para conhecimento de mérito do pedido aí constante da alínea a). Custas pelas partes na proporção de metade. Lisboa, 10 de Setembro de 2025 Alda Martins Maria José Costa Pinto Paula Santos _______________________________________________________ [1] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2.ª edição, p. 642. [2] Neste sentido, veja-se ainda o Acórdão desta Relação e Secção de 13-02-2019, proferido no processo n.º 5931/18.9T8LSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt, bem como a diversa doutrina e jurisprudência aí citada. |