Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
425/14.4T8FNC-B.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: FALTA DE CITAÇÃO
RESIDÊNCIA NO ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADO O PROCESSADO
Sumário: I – Residindo o citado no estrangeiro, só há lugar a citação por carta rogatória, quando a parte seja de nacionalidade estrangeira, ou, quando sendo de nacionalidade portuguesa, não seja viável o recurso à citação por via consular, nos termos do artigo 239º, nº 3, do CPCivil.
II – Sendo a parte de nacionalidade portuguesa e residente em país estrangeiro, não sendo viável a sua citação através dos serviços consulares, deve ser citada por carta rogatória.
III – O uso indevido da citação edital, configura verdadeira falta de citação, sendo equiparado à completa omissão do ato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
BANIF - BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A., intentou ação executiva para pagamento de quantia certa na forma sumária contra B… e, M… .
A executada, M… foi citada editalmente, tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO sido citado em representação da mesma.
O MINISTÉRIO PÚBLICO arguiu a falta de citação da executada por manifesta ausência de cumprimento de requisitos legais.
Foi proferido despacho que julgou improcedente a nulidade da citação e falta de citação.
Inconformado, veio o Ministério Público apelar do despacho que julgou improcedente a nulidade da citação e falta de citação, tendo extraído das alegações[13, 14] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[15]:
1 – O Meritíssimo Senhor Juiz de Direito declarou improcedente a nulidade da citação e falta de citação requerida pelo Ministério Público, por douto despacho datado de 4-11-2021, referindo: “cf. missiva do consulado junta aos autos.”
2 - Por douto despacho judicial datado de 23-05-2018 a executada M… tinha sido considerada como não citada tendo sido ordenado à Agente de Execução que procedesse novamente à citação daquela, nomeadamente através do Consulado.
3 - A Sra. Agente de Execução, conforme referido no douto despacho judicial de que
agora se recorre, procedeu a diligências de citação pessoal, solicitando ao Consulado Geral
de Portugal em Londres, a citação da Executada, de acordo com as pesquisas das bases de dados, residente em “…Pevensey Bay.
4 – Por missiva datada de 9-07-2019, o Consulado-Geral de Portugal em Londres comunicou à Sra. Agente de Execução que (…) “a convocatória remetida a M…
 foi devolvida a este posto com a indicação “not at this address”;
5 - Por conseguinte não foi possível dar cumprimento à citação requerida, uma vez que tal está dependente da vinda voluntária da interessada a este Consulado-Geral.
6 - Sugere-se que o processo seja conduzido através de carta rogatória, remetida diretamente à justiça inglesa, via autoridade central.”
7 – A Sra. Agente de Execução tendo tido conhecimento do motivo da frustração da
citação da Executada não requereu a citação pessoal da Executada por carta rogatória remetida diretamente à Justiça Inglesa através da Autoridade Central;
8 – Na falta de tal informação, cumpriu-se a citação edital da Executada, com violação
do disposto, no nº 3, do artigo 239º do CPC;
9 – Bem como citou-se o Ministério Público em representação legal da executada, nos termos do artigo 21º do CPC.
10 - Pelo exposto, salvo todo o devido respeito, que é muito, o Ministério Público, requer a V. Exas., que declarem a falta de citação da Executada M…, por manifesto incumprimento de requisitos legais, nos termos do artigo 188º, nº 1, alíneas c) e, e), do CPP e 239º, n.º 3, do referido diploma legal;
11 - A inexistência jurídica/falta de citação do Ministério Público nos termos do artigo
21º do CPC para efeitos de representação de executada residente no estrangeiro, por ser ato
de completa e total indisponibilidade do Agente de Execução que o praticou, com todas as
consequências legais, nos termos dos artigos 2º e 4.º nº 1, alínea b), do Estatuto do Ministério
Público.
12 – Que declarem a nulidade do douto despacho e a sua substituição por um outro
que determine a citação pessoal da Executada residente no Estrangeiro, nos termos das
disposições legais aplicáveis, nomeadamente, do artigo 239.º do CPC e das Convenções
Internacionais ratificadas pelo Estado Português.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos[16], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[17, 18]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por MINISTÉRIO PÚBLICO, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.)  Saber se há nulidade por falta de citação da executada por ter sido empregada indevidamente a citação edital.                    
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS
1.) No requerimento executivo, a executada, M… foi indicada como residente em “Rua…, Ilha da Madeira.
2.) Em 05-01-2016, foi expedida carta de citação após penhora para tal endereço, tendo a carta sido devolvida com a indicação “Não atendeu”.
3.) Em 04-02-2016, por consulta à base de dados (Identificação Civil), constava como residência da executada o seguinte endereço: …Pevensey Bay”.
4.) Em 04-02-2016, foi enviada carta para citação da executada, M… para o seguinte endereço: “Martello…….Pevensey Bay”.
5.) Em 08-02-2016, por consulta às bases de dados (Segurança Social e Identificação Civil), constava como residência da executada o seguinte endereço: “Martello … Pevensey Bay”.
6.) Em 07-04-2016, por consulta à base de dados (Identificação Civil), constava como residência da executada o seguinte endereço: “Martello … Pevensey Bay”.
7.) Em 24-05-2016, foi enviada carta para citação da executada, M… para o seguinte endereço: “Martello…Pevensey Bay”.
8.) Em 16-12-2016, por consulta às bases de dados (Segurança Social e Alta Autoridade Tributária e Aduaneira), constava como residência da executada o seguinte endereço: “Martello …Pevensey Bay”.
9.) Em 23-03-2017, foi enviada carta para citação da executada, M… para o seguinte endereço: “Martello…Pevensey Bay”.
10.) Em 26-10-2017, os CTT informaram que o objeto foi entregue ao destinatário, mas não tendo sido rececionado pelo agente de execução o A/R de citação.
11.) Em 04-06-2018, foi enviada carta para citação da executada, M… para o seguinte endereço: “Martello …Bay”.
12.) Em 27-09-2018, por consulta à base de dados (Identificação Civil), constava como residência da executada o seguinte endereço: “Martello ….Pevensey Bay”.
13.)  Em 23-05-2018, foi proferido o seguinte despacho: “Apesar da informação de que a carta enviada para citação foi entregue, entendemos, salvo melhor opinião, que a junção aos autos do respetivo aviso de receção constitui pressuposto fundamental e insubstituível da efetivação da citação, pelo que não poderemos, com segurança, afirmar que a executada foi efetivamente citada. Pelo exposto, considero a executada M… não citada e, ordeno que a AE proceda novamente à citação daquela, nomeadamente através do Consulado”.
14.)  Em 04-06-2018, foi solicitado ao Consulado-Geral Português a citação da executada, M…s no seguinte endereço: “Martello…Pevensey Bay”.
15.)  Em 09-07-2019, o Consulado-Geral Português em Londres informou que “a convocatória remetida a M… foi devolvida com a indicação “not at this address”.                
16.)  O Consulado-Geral Português em Londres informou que “não foi possível dar cumprimento à citação requerida, uma vez que tal está dependente da vinda voluntária da interessada a este Consulado-Geral. Sugere-se que o processo seja conduzido por carta rogatória, remetida diretamente à justiça inglesa, via autoridade central”.               
17.) Em 14-10-2020, foi proferido o seguinte despacho: “Face ao tempo decorrido deverá a Exma. Solicitadora de Execução aferir se, entretanto apurou uma nova morada na base de dados”. “Na negativa, proceda a citação edital.”
18.) Em 21-10-2020, por consulta às bases de dados (Segurança Social e Identificação Civil), constava como residência da executada o seguinte endereço: “Martello…Pevensey Bay”.
19.) Em 24-09-2021, o Ministério Público foi citado em representação da executada.
20.) Em 11-10-2021, o Ministério Público arguiu a falta de citação da executada por manifesta ausência de cumprimento de requisitos legais, nos termos do artigo 188º, nº 1, alíneas c) e, e), do CPP e, requerendo que a Agente de execução proceda à citação conforme prescrito no artigo 3º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas aprovada pelo Estado Português pelo Decreto lei 48925 de 27-03-1968, ou cite a executada através do representante Consular Português competente.
21.) Em 04-11-2021, foi proferido despacho que julgou improcedente a invocada nulidade da citação e falta de citação.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[19] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE HÁ NULIDADE POR FALTA DE CITAÇÃO DA EXECUTADA POR TER SIDO EMPREGADA INDEVIDAMENTE A CITAÇÃO EDITAL.
O apelante alegou que “A Sra. Agente de Execução tendo tido conhecimento do motivo da frustração da citação da Executada não requereu a citação pessoal da Executada por carta rogatória remetida diretamente à Justiça Inglesa através da Autoridade Central”.
Assim, concluiu que “Na falta de tal informação, cumpriu-se a citação edital da Executada, com violação do disposto no nº 3, do artigo 239º do CPC”.
Vejamos a questão.    
É nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, quando o réu não tenha sido citado – art. 187º, al. a), do CPCivil.
Há falta de citação, quando se tenha empregado indevidamente a citação edital e, quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável – art. 188º, nº 1, als. c) e), do CPCivil.
Fora dos casos previstos no artigo anterior, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato – art. 197º, nº 1, do CPCivil.
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa – art. 219º, nº 1, do CPCivil.
Quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais – art. 239º, nº 1, do CPCivil.
Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais – art. 239º, nº 2, do CPCivil.
Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor – art. 239º, nº 3, do CPCivil.
Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º – art. 239º, nº 4, do CPCivil.
A citação edital determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra é feita por afixação de edital, seguida da publicação de anúncio em página informática de acesso público, em termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça – art. 240º, nº 1, do CPCivil.
Se a execução correr à revelia, pode o executado invocar, a todo o tempo, algum dos fundamentos previstos na alínea e) do artigo 696.º – art. 851º, nº 1, do CPCivil.
Não sendo possível a citação pessoal, nada impede que se proceda à sua citação edital, assim se mostrem reunidos os requisitos previstos na lei processual para esta modalidade de citação, que é sempre um último recurso depois de esgotadas todas as outras hipóteses de citação.
A regra geral é que a citação de réu residente em país estrangeiro se faz pelo correio em carta registada com aviso de receção (art. 244º)[20, 21, 22].
Quando o réu resida no estrangeiro, há que ter em conta as especialidades constantes do art. 239: primeiro, são observados os tratados e convenções internacionais, bem como os regulamentos comunitários; depois, faz-se a citação por via postal, com aplicação das determinações do regulamento local dos serviços postais; se ela se frustrar, recorre-se ao consulado português, se o réu for português e tal for viável, e expede-se carta rogatória nos restantes casos[23].
Cabe à secretaria, oficiosamente (art. 226-1), promover a citação por intermédio do consulado, quando o citando seja português, salvo se tal não for inviável, e a expedição de carta rogatória (após a audição do autor) quando a citação pelo consulado for inviável ou o citando não tiver a nacionalidade portuguesa[24, 25].
Admitido o recurso às entidades consulares, deve ser remetida carta precatória, assinada pelo juiz (arts. 172º, nº 1 e 174º), com as indicações estritamente necessárias a satisfazer o formalismo legal da citação, sem descurar a indicação do prazo de contestação, acrescido do prazo ditatório[26].
Quando o citando seja desconhecido quer no lugar indicado, quer na área até onde podem alcançar as investigações do cônsul, ou seja conhecido, mas se ignore o seu paradeiro,…, deve o juiz, sem mais diligências nem delongas, mandar proceder logo à citação edital com o fundamento de ausência em parte incerta[27].
Reportando-nos aos autos, verifica-se que a citação após penhora da executada, M… na morada indicada pelo exequente no requerimento executivo resultou infrutífera (factos nºs 1 e 2).
Estando ausente em parte incerta e, por consultas nas bases de dados, averiguou-se que a executada, M… residia em país estrangeiro, mais concretamente, no Reino Unido (facto nº 3).
Assim sendo, residindo a executada, M… em país estrangeiro, a sua citação devia obedecer ao estatuído no art. 239º, do CPCivil.
Num primeiro momento, a citação foi feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, o qual não foi devolvido, apesar da informação de que “a carta enviada para citação foi entregue” (factos nºs 4 e 10).
Na sequência, o tribunal a quo entendeu que “a junção do aviso de receção constitui pressuposto da efetivação da citação”, pelo que, não estando o mesmo junto aos autos, considerou “a executada M… não citada”, e ordenou a sua citação, através do Consulado (facto nº 13).   
Solicitada, por via consular a citação da executada, a mesma também resultou infrutífera, pois a convocatória que lhe foi remetida pelo Consulado-Geral Português, foi devolvida com a indicação “not at this address” (factos nºs 14 e 15).               
O Consulado-Geral Português informou ainda que “não foi possível dar cumprimento à citação requerida, uma vez que tal está dependente da vinda voluntária da interessada a este Consulado-Geral. Sugere-se que o processo seja conduzido por carta rogatória, remetida diretamente à justiça inglesa, via autoridade central” (facto nº 16).                               
O cônsul fará ou mandará fazer a citação por funcionário do consulado, tal como se fosse efetuada em Portugal pelo oficial de diligências do respetivo juízo, isto é, com observância das formalidades prescritas nos arts. 242º e 243º, conforme os casos[28].
Se não estiver disposto a deslocar-se para fazer a citação, deve devolver o ofício com o duplicado e dar a informação que o réu se encontra a mais de 50 quilómetros da sede do consulado, pelo que se abstém de o citar. A citação terá nesse caso de ser solicitada à justiça local por oficio rogatório[29].
Vedado o acesso à via postal, por oposição do Estado onde o réu reside, ou verificada a inviabilidade da citação por essa via ou através dos serviços consulares, resta o recurso à via diplomática. Então, ouvido o autor, procede-se à passagem da competente carta rogatória (art. 172º, nº 1), canalizada através dos meios referidos no art. 177º[30].
Em face da informação de que “não foi possível dar cumprimento à citação requerida, uma vez que tal está dependente da vinda voluntária da interessada a este Consulado-Geral”, a citação da executada não se mostrou viável através do recurso aos serviços consulares.
Não se mostrando viável a citação por recurso aos serviços consulares, “a executada deveria ter sido citada por carta rogatória remetida diretamente à Justiça Inglesa”[31].
Isto porque, há que recorrer à citação por carta rogatória, quando sendo o réu de nacionalidade portuguesa, não seja viável o recurso à sua citação por via consular (nº 3, do art. 239º, do CPCivil).
Ora, no caso dos autos, sendo a executada de nacionalidade portuguesa, mas residindo no estrangeiro, não se mostrou viável a sua citação por intermédio do consulado, porquanto a citação estava dependente “da vinda voluntária da interessada ao Consulado-Geral”.
Assim sendo, por não se ter mostrado viável a sua citação por via consular, havia que recorrer à citação por carta rogatória da executada de nacionalidade portuguesa, mas residente no estrangeiro.
Concluindo, sendo a executada de nacionalidade portuguesa, mas residente num país estrangeiro, e não sendo viável a sua citação através dos serviços consulares, deveria ter sido tentada a sua citação por carta rogatória.
Porém, o tribunal a quo, em vez de ordenar a citação da executada portuguesa residente no estrangeiro por carta rogatória, mandou-a citar editalmente (facto nº 17).
Mas, “por consulta às bases de dados (Segurança Social e Identificação Civil), continuava a constar como residência da executada o seguinte endereço: “Martello ….Pevensey Bay” (facto nº 18).
Estando em causa citação de pessoa certa, só depois de esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal - tendo por referência os procedimentos vazados na lei processual para a conseguir - e de se concluir ser impossível a sua realização, por o citando estar ausente em parte incerta, se deverá avançar para as diligências tendentes da citação por via edital[32].
O emprego indevido da citação edital importa falta de citação. É que a citação edital é um meio precário e contingente de chamar o réu a juízo para se defender[33].
Ora, nos autos, não se esgotaram todos os meios para se citar pessoalmente a executada, no caso, pela via de recurso a carta rogatória e, como tal, não se podia concluir pela sua ausência em parte incerta[34].
Só depois de esgotados todos os meios para se obter a citação pessoal da executada, quer por via postal, quer por intermédio do consulado português, quer por carta rogatória, é que o tribunal a quo deveria mandar proceder às diligências para averiguar sobre o seu último paradeiro e, desse modo, caso não fosse conhecido, poder ordenar a sua citação edital.
Assim, nos autos, não foram esgotados todos os meios para se obter a citação pessoal da executada portuguesa residente no estrangeiro, nomeadamente, por meio de carta rogatória, pelo que, não deveria ter sido ordenada a sua citação edital, antes de efetuada tal diligência de citação[35].
Temos, pois, que devendo a executada ser citada por carta rogatória (art. 239º-3, CPCivil), e não o tendo sido, foi empregada indevidamente a citação edital (art. 188º-3-c, CPCivil).
O uso indevido da citação edital, configura verdadeira falta de citação, sendo equiparado à completa omissão do ato[36].
São realidades processuais distintas, constituindo diferentes vícios da citação, a falta e a nulidade desta, sendo também diferente o regime de uma e outra[37, 38, 39, 40].
A falta de citação é de conhecimento oficioso (art. 196) e só se sana com a intervenção do preterido no processo (art. 189), enquanto a nulidade da citação só é, em regra, arguível pelo interessado e dentro do prazo indicado para a contestação, ressalvados os casos de citação edital e de não indicação do prazo para contestar (arts. 191-2 e 196)[41].
A falta de citação gera a nulidade, não só do próprio ato, mas também de tudo o que depois dele se tiver processado. Embora o art. 187 estabeleça que “é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta”, é óbvio que os atos anteriores à citação (…) não têm se ser abrangidos pela nulidade dum ato que lhes é posterior[42].
O uso indevido da citação edital, configura falta de citação, gerando a nulidade, não só do próprio ato, mas também
de tudo o que depois dele se tiver processado.  
Portanto o que até esta altura houver sido processado não pode ser atingido pela nulidade posterior da falta de citação; o que se anula é somente o que se processar a partir do momento em que a nulidade ocorre [43]
Concluindo, tendo sido empregada indevidamente a citação edital, há nulidade por falta de citação da executada, pois não se mostraram esgotados todos os meios para sua citação pessoal, v.g., por via de carta rogatória[44].
Termos, em que, deve ser declarado nulo o despacho proferido em 14-10-2020 (o qual deve ser substituído por outro, que determine a citação da executada por carta rogatória, ouvido o exequente), anulando-se os termos subsequentes do processado que dele dependam absolutamente.
Destarte, procedendo, nesta parte, o recurso, há que declarar nula a decisão proferida pelo tribunal a quo (ao ordenar a citação edital da executada).

3. DISPOSITIVO      
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, em declarar nulo o despacho do tribunal a quo proferido em 14-10-2020 (o qual deve ser substituído por outro, que determine a citação da executada por carta rogatória, ouvido o exequente), anulando-se os termos subsequentes do processado que dele dependam absolutamente.
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pelos apelados (na vertente de custas de parte, por outras não haver[45]), porquanto a elas deram causa por terem ficado vencidos (no recurso de apelação, tenha ou não acompanhado o recurso, é o recorrido vencido responsável pelo pagamento das custas[46])[47].
                             
Lisboa, 2022-03-10[48, 49]
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins
_______________________________________________________
[13] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[14] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.
[15] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[16] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[17] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[18] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[19] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829
[20] ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, p. 679.
[21] A citação do réu residente em lugar conhecido no estrangeiro, na falta de direito convencional aplicável, realiza-se por via postal, através de carta registada com aviso de receção, observando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais e, tanto quanto possível, o disposto no Código de Processo Civil Português, sendo certo que, no que se reporta à sua execução no país da residência, aplicar-se-ão as determinações dos serviços postais respetivos, como elementos formais do ato de citação – Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2007-03-06, Relator: HELDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jtrc.
[22] No caso de o citando residir ou ter a sede no estrangeiro, observar-se-á o que estiver previsto em tratados ou convenções internacionais e, na sua falta, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (artigo 247º, n.ºs 1 e 2) – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2007-01-18, Relatora: ASSUNÇÃO RAIMUNDO, http://www.dgsi.pt/jtre.
[23] LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., pp. 83/4.
[24] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª ed., p. 484.
[25] No CPCivil de 1939, o autor tinha de recorrer à via consular quando concorressem dois requisitos: 1º - Ser o réu português; 2º -  Existir consulado português a distância não superior a 50 quilómetros em que se encontrava o citando e, tinha de recorrer à carta rogatória: 1º - Quando o réu fosse estrangeiro; 2º - Quando sendo português, mas não haja consulado que diste 50 quilómetros, o máximo, do local em que o citando residia - ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, pp. 685/686.
[26] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 292.
[27] ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, p. 691.
[28] ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, pp. 690/91.
[29] ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, pp. 691/92.
[30] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 293.
[31] Se o citando não residir na EU há que averiguar se reside num dos países signatários da Conv. da Haia de 15-11-65, relativa à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 292.
[32] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-10-02, Relator: SANTOS BERNARDINO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[33] ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, p. 422.
[34] A base e a justificação da citação edital é sempre a incerteza, ou do lugar ou das pessoas. Só se recorre à citação edital quando não há possibilidade de fazer uso da citação pessoal – ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, p. 692.
[35] O Tribunal só deverá recorrer à citação edital, quando não for, de todo em todo, possível, fazer atuar a citação pessoal quer através do procedimento regra, isto é a carta registada com aviso de receção dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, nos termos do artigo 236º, nº1, quer por meio de contacto pessoal do funcionário de justiça com o citando, nos moldesdefinidos nos artigos 239º a 241º, estes como aquele do CPCivil – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-03-05, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, http://www.dgsi.pt/jstj.
[36] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-10-02, Relator: SANTOS BERNARDINO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[37] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-10-02, Relator: SANTOS BERNARDINO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[38] Existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no artº 195º, do CPC (atualmente artº 188º), e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no artº 198º, do mesmo diploma legal (atualmente artº 191º) – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2013-12-18, Relator: CAIMOTO JÁCOME, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[39] A falta de citação traduz-se na inexistência pura do ato de citação ou em situações que lhe são equiparadas, enquanto a nulidade de citação pressupõe a realização desta, embora tenha havido a preterição de formalidades prescritas na lei – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2018-07-18, Relator: JORGE TEIXEIRA, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[40] Da falta de citação resulta necessariamente a anulação de tudo o que se processar depois da petição inicial (art. 194º); pelo contrário, da simples nulidade da citação pode não resultar a nulidade de coisa alguma – ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, p. 427.
[41] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª ed., p. 385.
[42] LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 94.
[43] ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, p. 404.
[44]  Há falta de citação, não só quando se emprega prematuramente a citação edital, sem se terem esgotado todas as possibilidades de determinar o paradeiro do citando, como também nos casos em que não esteja demonstrado que o citando não tenha tido conhecimento da citação por facto que lhe seja imputável, isto é, que se tenha colocado numa situação obstativa da efetivação daquela diligência – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-03-05, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, http://www.dgsi.pt/jstj.
[45] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529º, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[46] O princípio da causalidade também funciona em sede de recurso, devendo a parte vencida nele ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[47] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.
[48] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.
[49] Acórdão assinado digitalmente.