Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30856/16.9T8LSB.L1-1
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL
DANO NÃO PATRIMONIAL
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1- O dano biológico nem sempre implica danos patrimoniais podendo consistir na produção de lesões psicofísicas que se revelam, não por uma incapacidade de ganho ou de diminuição da capacidade profissional, mas que implicam esforços suplementares no dia a dia do lesado e igualmente se repercutem permanente nas suas atividades desportivas de lazer.
2- A indemnização pelo dano biológico, enquanto dano não patrimonial, é cumulável com a indemnização por danos não patrimoniais pelas dores físicas, sofrimento psicológico e dano estético sofridos em consequência do acidente.
3- Numa situação em que se provou que o lesado sofreu um quantum doloris de grau 6 em 7; o dano estético de 4 em 7; Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 3/7; o traumatismo crânio encefálico grave, o tempo de duração até à consolidação médica, de 363 dias; os diversos períodos de internamento a que foi submetido, com destaque para o internamento na UCI com prótese respiratória por 42 dias, as cirurgias a que foi sujeito, o elevado grau de culpa do condutor atropelante e a elevada capacidade económica da seguradora, entende-se ser adequando manter a indemnização de 50.000€ para reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
4- Ponderando os critérios jurisprudenciais para casos semelhantes, a idade do lesado (nascido em 1971) o grau de incapacidade permanente fixada em 19 pontos, não incapacitante para o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares, as suas potencialidades profissionais e qualificações do lesado, a relação entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências profissionais, acha-se adequado fixar em 80.000€ a indemnização por dano biológico na vertente de danos não patrimoniais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO

1- AL, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra Seguros, SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:
A) Compensação de perda vencimentos em 139.500,00€;
B) As despesas liquidadas de 6.000,00€, bem como assistência de 3ª pessoa de 10.000.00€.
C) 200.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras
D) A suportar todos os danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo, indicando-se tratamentos médicos, perdas de vencimentos e despesas de assistência de 3ª pessoa, bem como despesas medicamentosas
E) Acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido.
Alegou, em síntese, ter sofrido danos que descreve e cuja indemnização peticiona, em consequência de acidente de viação, ocorrido a 08/05/2014, por culpa exclusiva de condutor de veículo segurado na ré que consistiu no atropelamento do autor quando circulava numa passadeira para peões, sendo projectado para 12 metros do local do embate.

2- Citada, a ré contestou.
Aceitou a versão do acidente apresentada pelo autor, mas impugnou os danos sofridos e montantes de indemnização peticionados.

3- Realizada a audiência final, com data de 27/02/2023 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
 “IV. A Decisão
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Autor a título de indemnização a quantia de 180.000,00 euros.
Absolvo a Ré do mais peticionado.”

4- Inconformada, a ré interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1) No caso sub judice não ficou provado que o défice funcional permanente do A. atingiu, de modo directo e imediato, a capacidade de ganho do lesado, tendo, ao contrário, resultado provado que o défice funcional de que ficou a padecer é compatível com a actividade profissional habitual, envolvendo, porém, esforços acrescidos. Neste sentido os pontos 44, 45 e 46 dos factos provados.
2) Em rigor, não se está aqui perante uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, mas antes o dano que a nossa jurisprudência vem tratando como dano biológico (enquanto diminuição funcional psicofísica).
3) Salvo melhor entendimento, andou mal o Tribunal a quo, ao concluir que o Autor ficou com a sua autonomia largamente diminuída, nomeadamente no tocante à execução das tarefas profissionais pela perda de capacidade de concentração, o que permite um juízo de prognose negativo quanto à sua capacidade de manutenção ou aumento do seu nível salarial, por não ter capacidade para responder a todos os desafios da sua profissão e para evoluir dentro da sua área de conhecimentos que requer constante actualização, salientando-se que não obstante as dificuldades de concentração, conforme decorre do relatório pericial de psiquiatria (referência 30976060, de 29.11.2021) e relatório pericial (referência 33676348, de 26.09.2022), a desvalorização atribuída neste âmbito, pelos peritos do INML, foi de 5 pontos (dos 19 pontos), enquadrados na Tabela Nacional de Incapacidades no âmbito dos Problemas cognitivos menores (Na0310).
4) Acresce que, de acordo com a factualidade também considerada provada, o Autor retomou o trabalho gradualmente a partir do final de 2014 (44), não se encontrando demonstrado que entre essa data e a data do julgamento (dezembro de 2022) a situação salarial do Autor tenha sofrido qualquer perda ou diminuição do seu nível salarial, nem existindo elementos que o levem a presumir para o futuro.
5) Conforme neste âmbito tem vindo a ser prática jurisprudencial, o cálculo da indemnização deverá assentar em juízos de equidade, sendo que o critério da equidade, de molde a respeitar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art.º 13º da C.R.P. e 8º nº 3 do C.C.), deverá atender às decisões jurisprudenciais com as quais seja possível estabelecer um paralelismo.
6) Assim, e ressalvado o devido respeito que é muito, deveria o Tribunal a quo ter feito uma avaliação em função da equidade, tendo em consideração demais decisões jurisprudenciais, e ainda, os parâmetros previstos na sobredita Portaria n.º 377/2008.
7) Quanto a esta temática vejamos a seguinte jurisprudência:
- Acórdão do STJ de 29-10-2019, Proc. 7614/15.2T8GMR.G1.S1 - atribui-se ao lesado, com 34 anos, com um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), o montante de €36.000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 07-03-2019, Proc. 203/14.0T2AVR.P1.S1, foi atribuído a uma lesada 35 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional a indemnização por tal dano biológico em €40.000,00.
- Acórdão do STJ de 30-11-2021, Proc. 1544/16.8T8ALM.L1.S2, foi atribuído a um lesado 26 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional a indemnização por tal dano biológico em €80.000,00.
- Acórdão do STJ de 21-01-2021, Proc. 6705/14.1T8LRS.L1.S1, foi atribuído à lesada, com 32 anos (com esperança média de vida 83), com um défice funcional
permanente da integridade físico-psíquica fixável em 27 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares; o montante de €90.000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 18-03-2021, Proc. 1337/18.8T8PDL.L1.S1, foi atribuído à lesada, com 50 anos, médica, que ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 13 pontos, que, sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, além de ter passado a sofrer de dor crónica e permanente no pé esquerdo, o montante de €45.000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do TRL de 15-09-2022, Proc. 5986/18.6T8LRS.L1-2 “(…) V–Provando-se que a Autora, com 23 anos de idade, ficou afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14,8 pontos, sendo as lesões sofridas e as sequelas que apresenta compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, é equitativamente ajustado quantificar o dano biológico em 50.000€, fixando-se a respetiva parcela indemnizatória, face à aludida redução (25%), em 37.500€.”
- Acórdão do TRP de 28-04-2020, Proc. 3612/13.9TBVNG.P1, foi atribuído à lesada, com 29 anos, médica, que ficou afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 24 pontos, que, sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, o montante de €65.000,00, pelo dano biológico.
- Acórdão do TRL de 09-06-2022, Proc. 10849/17.0T8SNT.L1-6, “(…) IV - Na comparação jurisprudencial orientada pelo artigo 8º nº 3 do Código Civil, é conforme a fixação de uma indemnização de quarenta mil euros a título de perda da capacidade de ganho a um lesado de 43 anos, que ficou com défice funcional de 15 pontos em 100 que apenas o obrigam a esforços suplementares na sua profissão habitual. (…)”.
8) Assim, e salvo melhor opinião, e o devido respeito, afigura-se que o Tribunal a quo afastou-se, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.
9) Tanto mais que a própria sentença confirma que a esperança média de vida para um cidadão russo é inferior (72 anos) à dos cidadãos europeus a que correspondem os exemplos supra citados, sendo que os exemplos citados incidem, maioritariamente, sobre cidadãos mais novos que o Autor.
10) Pelo que, considerando as circunstâncias que se demonstraram provadas e os valores que têm vindo a ser arbitrados pela jurisprudência, afigura-se que o valor de €: 150.000,00 arbitrado ao A. a título de indemnização pelo défice funcional permanente é manifestamente excessivo e deverá ser em conformidade reduzido.
11) No que concerne à indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais sofridos pelo A. em consequência do acidente, com todo o merecido respeito, igualmente se entende que a douta sentença peca por excesso.
12) Impondo-se o enquadramento à luz da jurisprudência e dos valores que neste âmbito têm sido atribuídos em situações semelhantes.
13) Quanto a esta temática vejamos a seguinte jurisprudência, disponível em www.dgsi.pt :
- Acórdão STJ de 14/12/2017, Processo 589/13.4TBFLG.P1.S1, que considerando que o lesado foi ser sujeito a diversas intervenções cirúrgicas; permaneceu diversos períodos internado; apresenta um dano estético de grau 3, o quantum doloris é fixável no grau 5 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3 (em escalas crescentes até 7); antes do embate era uma pessoa autónoma, trabalhadora e bem-disposta e agora sente-se limitado, em termos pessoais e profissionais; sabe que o seu estado não melhorará e isola-se em casa, sentindo desgosto por não mais conseguir fazer caminhadas, jogar futebol e andar de bicicleta; aquando do internamento, e quando se encontrava manietado de pernas e mãos, nasceu o seu filho, sem que lhe pudesse pegar ao colo, teve por adequada a indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de €30.000.
- Acórdão STJ de 04/06/2015, Processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1, que considerando as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos que se lhe seguiram que se prolongaram no tempo, tendo a lesada apenas tido alta mais de 4 anos depois do acidente; as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores (quantum doloris de grau 6 em 7) e demais sofrimento que se prolongarão pela vida da autora, que à data do acidente era saudável e tinha apenas 17 anos, e, finalmente; o grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente que resultou de uma infracção séria às regras de circulação automóvel, traduzidas no desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento, mostra-se ajustado fixar a indemnização devida à autora por danos não patrimoniais em €40.000,00.
- Acórdão STJ de 29-10-2019, Processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1, que considerando as cinco intervenções cirúrgicas a que o autor se submeteu, os tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos, a dor física que padeceu (grau 4 numa escala de 1 a 7), o dano estético (grau 3 numa escala de 1 a 7), a afetação permanente nas atividades desportivas e de lazer (grau 3 numa escala de 1 a 7), a limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, a dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, a tristeza, a depressão e o desgosto, considerou adequado compensar estes danos não patrimoniais no montante de €30.000,00
- Acórdão do STJ e de 28-01-2016, Processo 7793/09.8T2SNT.L1.S1, que considerando que, em consequência do acidente, o lesado foi submetido a quatro operações, padeceu de dores intensas, antes e após as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, esteve internado por longos períodos, teve de efectuar tratamentos de reabilitação e que terá ainda de se submeter a mais duas operações, tendo ficado com uma cicatriz com 50cm de comprimento - o que lhe determinou a atribuição de um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 e de um dano estético de grau 4 numa escala de 7 – considerou adequada uma indemnização por danos não patrimoniais total no valor de €40.000,00.
- Acórdão do TRE e de 12-06-2019, Processo 2129/15.1T8STR.E1, que considerando o período de internamento da autora, as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, as sequelas de que ficou a padecer (com um período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 1307 dias), inclusive sequelas psicológicas que implicam perda de autoestima e sentimentos de inibição, levando a alteração do padrão de vida pessoal e social, o quantum doloris em grau 5 numa escala de a 1 a 7, o dano estético permanente fixado no grau 4 de uma escala de 7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7, a culpa exclusiva do segurado da ré no acidente, bem como os critérios
jurisprudenciais que - numa jurisprudência atualista - devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, entendeu como adequado montante de € 40.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
14) Pelo que, considerando as circunstâncias que se demonstraram provadas e os valores que têm vindo a ser arbitrados pela jurisprudência, afigura-se que o valor de €: 50.000,00 arbitrado ao A. a título de indemnização pelos danos não patrimoniais é igualmente excessivo e deverá ser em conformidade reduzido.
15) Ao decidir nos termos em que o fez, condenando nos mencionados valores indemnizatórios, e conforme supra alegado, violou a douta Sentença recorrida, entre outros, o disposto nos art.ºs 4º, 483º, 564º e 566º do Cód. Civil, Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, e o art.º 13º da CRP.
Termos em que deve o presente recurso proceder, nos moldes supra expostos, revogando-se a decisão recorrida, e, bem assim, promovendo-se a redução substancial dos valores indemnizatórios arbitrados em conformidade com as presentes alegações (sem prejuízo e sempre considerando o pagamento já efectuado, cfr. Facto Provado 43)

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5- Não foram apresentadas contra-alegações.

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II- FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
-Se há fundamento para revogar a sentença em termos de reduzir os valores indemnizatórios arbitrados a título de danos não patrimoniais e a título de danos biológicos.

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2- Matéria de Facto.

A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto, que não foi objecto de impugnação neste recurso:
II. Factos Provados:
1. Correram termos pela Secção Criminal da Instância Local do Tribunal da Comarca de Lisboa sob o nº 3904/14.0TDLSB autos de Processo Comum (Tribunal Singular), em que foi arguido DAC, tendo o mesmo sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, p.p. pelo artigo 148º, nºs 1 e 3 e 69º, nº1, a), ambos do Código Penal, com referência ao art.º 144, alínea d), do mesmo Código, por via da contra-ordenação prevista no art.º 103º, nº2, do Código da Estrada, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de €8,00, o que perfaz a multa global de €1.200,00 e foi absolvido da autoria material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de uma contra-ordenação p.p. pelos art.ºs 27º, nº2, a) 2º e 145º, nº 1, c), do Código da Estada.
2. Naqueles autos ficaram provados, entre outros, os seguintes factos:
1. No dia 8 de Maio de 2014, pelas 21h35, o arguido DAC conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 27…-…, pela Azinhaga das Galhardas, próximo das bombas de combustível da Cepsa, em Lisboa, circulando na via da direita, no sentido de Sul para Norte.
2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, AL e seu pai, VL, efectuavam a travessia dessa via, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido, em passagem para peões ali existente.
3. AL havia já percorrido cerca de metade dessa via, quando surgiu o veículo conduzido pelo arguido.
4. O arguido, em virtude de ter fixado a sua atenção no lado direito do passeio, não viu o assistente e o seu pai, os quais provinham do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do arguido.
5. O arguido não se apercebeu da presença de AL e de seu pai a efectuar a travessia da passadeira para peões, pelo que não imobilizou o veículo que conduzia no espaço livre e disponível à sua frente, não deixando, dessa forma, o peão concluir o atravessamento, vindo a embater em AL com a parte da frente do veículo por si conduzido.
6. Em consequência de tal embate, AL foi projectado contra o para-brisas do veículo conduzido pelo arguido, e de seguida para o chão.
7. Ficando prostrado no solo a 14 metros de distância da passagem de peões.
8. Tendo o arguido imobilizado o veículo por si conduzido cerca de 22 metros depois da passadeira.
9. AL foi transportado em ambulância para o Hospital de Santa Maria onde foi assistido e ficou internado.
10. Como consequência directa a necessária do embate AL sofreu; traumatismo crânio-encefálico grave; traumatismo torácico fechado traumatismo do membro superior direito, com fratura fechada da diáfise do úmero e paralisia do nervo radial direito.
11. Em consequência directa e necessária de tal embate e subsequentes lesões, no decurso do internamento hospitalar AL sofreu ainda estado de mal epiléptico não convulsivo/epilepsia secundária; pneumonia nosocomial sem agente identificado; cistite a enterococcus faecalis; traqueobronquite a Psedomonas aeruginosa; sepsis a cateter a cândida albicans com fimgemia; cistite a Klebsiella pneumoniase e pseudomonas aeruginosa; cistite a Enterococcus faecium (VRE); úlcera iatrogénica infiltrativa (tiopental) do dorso da mão esquerda.
12. Das lesões sofridas na sequência do embate resultou perigo para a vida de AL.
13. AL teve alta do Hospital de Santa Maria em 18.07.2014 com transferência para serviços clínicos do seu país de origem (Rússia).
14. As lesões descritas determinaram pelo menos 363 dias para a consolidação médico-legal, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
15. E determinaram ainda para AL, como consequências permanentes, sequelas do traumatismo crânio-encefálico, mais concretamente paresia nervo radial direito e várias cicatrizes.
16. O local onde ocorreu o embate situa-se dentro da cidade de Lisboa, configurando um entroncamento para a esquerda com a Av. Rui Nogueira Simões, em que na parte central existe um ilhéu triangular.
17. No sentido em que seguia o arguido existiam três vias no mesmo sentido.
18. A artéria apresentava uma visibilidade em toda a sua largura e respectivos passeios.
19. O pavimento, em aglomerado asfáltico, encontrava-se seco, limpo e em regular estado de conservação.
20. No local existia sinalização vertical de proibição de exceder a velocidade máxima permitida de 40 km/h.
21. A passagem para peões encontra-se devidamente demarcada no pavimento, por sinalização vertical e por sinalização semafórica com duas luzes amarelas intermitentes.
22. O arguido circulava diariamente na referida via de trânsito.
23. O arguido não accionou o sistema de travagem do seu veículo antes de embater no corpo de AL.
24. O arguido bem sabia que, no local, não podia conduzir a uma velocidade superior a 40 km/h.
25. O arguido sabia que ao aproximar-se de uma passagem para peões devia adequar a velocidade de modo a conseguir fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, a fim de deixar passar os peões que pretendessem efectuar a travessia, especialmente se já tivessem iniciado essa mesma travessia
26. Ao conduzir da forma descrita, o arguido não cuidou de imobilizar o veículo no espaço livre e visível existente antes da passadeira por onde circulava AL, conduta que lhe era exigível e que o mesmo era capaz de observar e que devia ter adoptado para impedir a verificação de um resultado que, de igual forma, podia e devia prever, mas que não previu, causando, dessa forma as lesões supra descritas a AL.
27. Sabia o arguido que essa sua conduta era proibida e punida por lei penal e contra-ordenacional.
28. Na data dos factos, imediatamente antes da passadeira, do lado direito atento o sentido de marcha do arguido, existia um painel luminoso publicitário
29. Mais perto da passadeira em causa, mas do lado direito, atento o sentido de marcha do arguido, estava uma senhora, concentrando o arguido aí a sua atenção, pois poderia aproximar-se da passadeira e atravessá-la.
30. O que não aconteceu.
31. O arguido tinha estado parado num semáforo existente num cruzamento, situado a distância não concretamente apurada da passagem para peões, mas não inferior a 40 metros”.
3. Em 8 de Maio de 2014, a responsabilidade civil referente ao veículo de matrícula 27-…-… encontrava-se transferida para a R., mediante contrato de seguro titulado pela apólice n° 0084 10320072 000.
4. No dia 08-05-2014, cerca 21h35, na Azinhaga Galhardas, 1, em Lisboa, ocorreu um acidente de viação.
5. Foram intervenientes neste acidente: o veículo ligeiro de passageiros com matrícula 27-…-…, seguro Companhia de Seguros SA, apólice nº 0084-10320072 e o peão AL.
6. O veículo com matrícula 27-…-… circulava na Azinhaga Galhardas, sentido Norte - Sul na via direita.
7. O acidente ocorreu quando o peão atravessava a via na passadeira para peões, da esquerda para a direita, atento o sentido de circulação da viatura 27-…-….
8. O veículo embateu no peão em plena da passadeira, quando ele se encontrava a atravessar para a faixa direita atento sentido de marcha da viatura.
9. O condutor não se apercebeu da presença do peão
10. O condutor do veículo 27-…-… não parou e não conseguiu evitar embater no sinistrado.
11. O condutor do veículo com matrícula 27-…-… não reduziu a velocidade de modo a poder parar para evitar o embate.
12. Na altura do acidente o tempo estava bom, o piso encontrava-se limpo e seco.
13. No local existia um sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 40 km/hora.
14. O sinistrado AL, foi projectado em frente e para a esquerda do 27-…-…, indo imobilizar-se no chão a 14 metros da passadeira.
15. O Autor embateu com a cabeça no chão e ficou inconsciente.
16. Sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento, traumatismo torácico, fractura da diáfise do úmero direito, hematomas no corpo, equimoses e escoriações no corpo e na cabeça
17. O lesado recebeu os primeiros socorros pelo INEM/CODU e foi transportado ao Hospital Santa Maria.
18. A R. seguradora, “, Companhia de Seguros SA”, em carta de 26-06-2014 veio assumir a responsabilidade do acidente
19. O sinistrado permaneceu no Hospitalar de Santa Maria, em virtude de: Traumatismo craniano grave:
20. Feito estudo comparativo com TC CE 08-05-2014, destacando-se: (Redução da extensão e espessura do hematoma subdural da convexidade cerebral esquerda, actualmente com extensão fronto-temporal e espessura máxima de cerca de l0 mm.
Ligeira acentuação da presença hemática subdural sobre e tenda do cerebelo.
Focos de contusão, de novo, cortico-piais fronto-temporais, subjacentes ao hematoma subdural acima referido, e temporo-basal anterior, a esquerda.
As alterações atrás referidas mantém efeito de massa locorregional com moldagem do sistema ventricular supratentorial, desvio direito da linha média de cerca de 5mm e incipiente herniação subfalcial do corpo caloso.
Resolução da presença hemática subaracnoídea cisternal, mas persistência da hemorragia subaracnoídea pós-traumática nos sulcos corticais das convexidades cerebrais.
Resolução da hemorragia intraventricular.
Extensão e espessura sensivelmente sobreponíveis da lâmina hemática extra-axial subjacente as fracturas da calote fronto-parietal direita.
Cateter para medição de PIC com extremidade distal colocada no parênquima frontal esquerdo.
Restante estudo sensivelmente sobreponível ao de referência)
Traumatismo torácico: fractura do 1º arco costal;
Fractura de diáfise do úmero direito, foi efectuada redução de fractura e colocada tala gessada.
21. O Autor ficou internado na UCI e ligado a prótese ventilatória durante 42 dias.
22. O Autor esteve internado no Hospital de Santa Maria até ao dia 18-07-2014.
23. Apresentava-se afásico e confuso
24. O Autor não falava português.
25. O Autor tinha à data da alta uma grande limitação de movimentos e de mobilidade.
26. O A foi transferido para a Rússia para o Hospital A.l .Burnazyan de Moscovo, Serviço de Neurologia, donde teve alta hospitalar dia 14-8-2014.
27. De 18-8-2014 a 27-8-2014 Internamento no Hospital A.I .Burnazyan de Moscovo para cirurgia plástica reconstrutiva da mão esquerda.
28. De 3-12-2014 a 9-12-2014 o A esteve internado no Hospital Clínico Municipal nº 64 de Moscovo para remoção de material de osteossíntese do braço direito no dia 3-12-2014.
29. Durante este período efectuou diversos exames auxiliares de diagnóstico, nomeadamente EEG para monitorização da evolução do quadro neurológico e cumpriu diversos programas de recuperação funcional nomeadamente fisioterapia.
30. Após o embate e devido às lesões sofridas com o mesmo, o A. deixou de poder trabalhar durante 119 dias.
31. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 31/03/2015
32. O A tem dificuldades em concentrar-se e não consegue trabalhar mais do que 30 minutos seguidos.
33. O seu rendimento intelectual ficou diminuído.
34. A lesão encefálica sofrida pelo Autor baixa o limiar de resistência à epilepsia que o Autor manifestou temporariamente no período de recuperação
35. Ficou com uma vida social limitada.
36. O quantum doloris sofrido pelo Autor é de 6/7 e o dano estético de 4/7
37. Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 3/7
38. O A. vivia com os seus pais e na data do embate encontravam-se os três em viagem de turismo a Portugal.
39. Devido às lesões sofridas pelo A. e ao internamento do mesmo, os seus pais, para lhe poderem prestar assistência, tiveram que prolongar a sua estadia em Portugal por mais 40 dias.
40. Na data do embate, o A. era funcionário da empresa de telecomunicações, “MTS”, na Rússia, auferindo mensalmente, em média, no ano de 2013, a quantia de 3.281,00 euros e nos primeiros 4 meses de 2014, a quantia de 4037,00
41. O Autor é perito em comunicações da MTS (…) e trabalhava no planeamento de redes de comunicação com clientes, tendo que viajar para verificar o estado das tecnologias instaladas e responder aos clientes.
42. Em virtude do embate, o A. sentiu angústia e medo de poder vir a perder a vida.
43. A R. entregou a quantia de €20.000,00 a título de adiantamento pela indemnização devida ao A. pelos danos sofridos com o embate em causa nos autos.
44. O Autor retomou o trabalho gradualmente a partir do final do ano de 2014
45. O Autor ficou a padecer, como consequência do sinistro de um défice funcional permanente de 19 pontos
46. As sequelas resultantes do acidente são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares

Factos não provados:
1. Em consequência do embate, o A. apresenta uma incapacidade permanente e absoluta para o trabalho.
2. Em virtude do embate e das lesões, o A. necessita da ajuda de terceira pessoa de 1 hora por dia para a realização das suas actividades de tratamento de roupa, lavar, passar a ferro e limpeza da casa.
3. Em virtude do embate e das lesões sofridas com o mesmo, o A. tem dores no tórax e na coluna.
4. O A não pode correr e não pode dançar.
5. Em virtude do embate e das lesões, o A. separou-se da namorada e não contraiu casamento.
6. Os pais do A. são economicamente dependentes do mesmo.
7. Durante o tempo em que os seus pais se mantiveram em Portugal, o A. suportou a quantia diária de €75,00 relativa ao pagamento de quarto, alimentação e transportes dos mesmos
8. Após o embate o Autor deixou de auferir qualquer rendimento
9. Situação que ainda se mantém actualmente.
10. O mesmo não aufere qualquer subsídio de doença.
11. O A. continua a ter que fazer tratamentos de fisioterapia, de massagem e de reflexo-terapia diariamente.
12. Em virtude da epilepsia que ficou a padecer após o embate, o A. tem que tomar medicação diária.
13. O Autor ficou a padecer, como consequência do sinistro de um défice funcional permanente de 9 pontos.

***
3- A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar a sentença em termos de reduzir os valores indemnizatórios arbitrados a título de danos não patrimoniais e a título de danos biológicos.

A 1ª instância decidiu atribuir indemnização de 180.000€ ao autor, sendo 150.000€ a título de reparação pelo dano biológico e, 50.000€ para reparação de danos não patrimoniais, deduzidos da quantia já paga de 20.000€.
A ré/apelante pretende a diminuição de cada uma dessas indemnizações sem, no entanto, concretizar, rectius, quantificar, qualquer delas, baseando-se, essencialmente, na enunciação de uma série de acórdãos do STJ e das Relações que, segundo ela, em casos semelhantes, atribuíram valores indemnizatórios inferiores.
Vejamos então.
3.1- Comecemos pela análise da questão dos danos não patrimoniais.
A 1ª instância, para fundamentar a atribuição de uma indemnização de 50 000€ a título de danos não patrimoniais escreveu:
“(…) Aqui valorar-se-á o sofrimento do lesado, na sua dupla vertente de dor física resultantes dos ferimentos e dos tratamentos e psicológica consistente na resposta da mente ao trauma sofrido e às consequentes alterações da vida que aquele determinou.
No caso em apreciação, ponderaremos o sofrimento físico sofrido pelo Autor em consequência das lesões: as dores que foram fixadas no grau 6 numa escala de 7; o dano estético permanente de grau 4 numa escala de 7, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 7 e a alteração da sua vida social anterior ao acidente que embora não fosse vibrante, deixou praticamente de existir.
Ponderaremos ainda o tempo de 119 dias de repercussão temporária da actividade profissional total e de 209 dias de repercussão temporária na actividade profissional parcial.
Assim, de acordo com tais elementos, entendemos adequado para ressarcir o dano em causa o montante de 50.000,00 euros.”
A apelante, como vimos, não quantifica a redução da indemnização que pretende, limitando-se a elencar uma série de acórdãos do STJ e das Relações que, segundo ela, em casos semelhantes, têm arbitrado indemnizações inferiores.
Cumpre analisar.
Como é sabido, nos termos do art.º 496º nº 1 do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Sendo certo que face ao nº 4 desse artº 496º, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Daqui resulta que a indemnização por danos não patrimoniais não reveste natureza exclusivamente ressarcitória, mas também possui cariz punitivo, assumindo faceta de pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento do lesante (Cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 7ª edição, pág. 341; Paula Meira Lourenço, A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2006, pág. 285 e segs.).
No caso dos autos, importa que se considere a seguinte factualidade:
2- 10. Como consequência directa a necessária do embate AL sofreu traumatismo crânio-encefálico grave; traumatismo torácico fechado traumatismo do membro superior direito, com fratura fechada da diáfise do úmero e paralisia do nervo radial direito.
2-11. Em consequência directa e necessária de tal embate e subsequentes lesões, no decurso do internamento hospitalar AL sofreu ainda estado de mal epiléptico não convulsivo/epilepsia secundária; pneumonia nosocomial sem agente identificado; cistite a enterococcus faecalis; traqueobronquite a Psedomonas aeruginosa; sepsis a cateter a cândida albicans com fimgemia; cistite a Klebsiella pneumoniase e pseudomonas aeruginosa; cistite a Enterococcus faecium (VRE); úlcera iatrogénica infiltrativa (tiopental) do dorso da mão esquerda.
2-12. Das lesões sofridas na sequência do embate resultou perigo para a vida de AL.
2- 13. AL teve alta do Hospital de Santa Maria em 18.07.2014 com transferência para serviços clínicos do seu país de origem (Rússia).
14. As lesões descritas determinaram pelo menos 363 dias para a consolidação médico-legal, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
15. E determinaram ainda para AL, como consequências permanentes, sequelas do traumatismo crânio-encefálico, mais concretamente paresia nervo radial direito e várias cicatrizes.
15. O Autor embateu com a cabeça no chão e ficou inconsciente.
16. Sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento, traumatismo torácico, fractura da diáfise do úmero direito, hematomas no corpo, equimoses e escoriações no corpo e na cabeça
17. O lesado recebeu os primeiros socorros pelo INEM/CODU e foi transportado ao Hospital Santa Maria.
19. O sinistrado permaneceu no Hospitalar de Santa Maria, em virtude de Traumatismo craniano grave:
20. Feito estudo comparativo com TC CE 08-05-2014, destacando-se: (Redução da extensão e espessura do hematoma subdural da convexidade cerebral esquerda, actualmente com extensão fronto-temporal e espessura máxima de cerca de l0 mm.
Ligeira acentuação da presença hemática subdural sobre e tenda do cerebelo.
Focos de contusão, de novo, cortico-piais fronto-temporais, subjacentes ao hematoma subdural acima referido, e temporo-basal anterior, a esquerda.
As alterações atrás referidas mantém efeito de massa locorregional com moldagem do sistema ventricular supratentorial, desvio direito da linha média de cerca de 5mm e incipiente herniação subfalcial do corpo caloso.
Resolução da presença hemática subaracnoídea cisternal, mas persistência da hemorragia subaracnoídea pós-traumática nos sulcos corticais das convexidades cerebrais.
Resolução da hemorragia intraventricular.
Extensão e espessura sensivelmente sobreponíveis da lâmina hemática extra-axial subjacente as fracturas da calote fronto-parietal direita.
Cateter para medição de PIC com extremidade distal colocada no parênquima frontal esquerdo.
Restante estudo sensivelmente sobreponível ao de referência)
Traumatismo torácico: fractura do 1º arco costal;
Fractura de diáfise do úmero direito, foi efectuada redução de fractura e colocada tala gessada.
21. O Autor ficou internado na UCI e ligado a prótese ventilatória durante 42 dias.
22. O Autor esteve internado no Hospital de Santa Maria até ao dia 18-07-2014.
23. Apresentava-se afásico e confuso
26. O A foi transferido para a Rússia para o Hospital A.l .Burnazyan de Moscovo, Serviço de Neurologia, donde teve alta hospitalar dia 14-8-2014.
27. De 18-8-2014 a 27-8-2014 Internamento no Hospital A.I .Burnazyan de Moscovo para cirurgia plástica reconstrutiva da mão esquerda.
28. De 3-12-2014 a 9-12-2014 o A esteve internado no Hospital Clínico Municipal nº 64 de Moscovo para remoção de material de osteossíntese do braço direito no dia 3-12-2014.
29. Durante este período efectuou diversos exames auxiliares de diagnóstico, nomeadamente EEG para monitorização da evolução do quadro neurológico e cumpriu diversos programas de recuperação funcional nomeadamente fisioterapia.
31. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 31/03/2015.
36. O quantum doloris sofrido pelo Autor é de 6/7 e o dano estético de 4/7
37. Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 3/7.
42. Em virtude do embate, o A. sentiu angústia e medo de poder vir a perder a vida.
Pois bem, em face da gravidade destas lesões, com realce para o traumatismo craniano encefálico grave, traumatismo torácico, traumatismo do membro superior esquerdo com fractura; lesões que determinaram 363 dias para consolidação; salienta-se ainda 42 dias de internamento na UCI do Hospital de Santa Maria ligado a prótese ventilatória; os três internamentos em Hospitais de Moscovo, de 18/08/2014 a 27/08/2014 para cirurgia plástica à mão esquerda; e depois, internamentos entre 03/12/2014 e 09/12/2014; submissão a diversos programas  de recuperação funcional designadamente fisioterapia; um quantum doloris de 6 num máximo de 7; um dano estético de 4 em 7; Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 3/7. Além disso, provou-se que o autor sentiu angústia e medo de poder vir a perder a vida.
Por outro lado, releva, igualmente, o grau de culpa do condutor do veículo que é, manifestamente elevado, dado, não só, que atropelou o autor em plena passadeira para peões, como seguia completamente desatento sem se aperceber de peões na passadeira, a capacidade económica da seguradora que, presume-se elevada.
Por outro lado, conforme estabelece o art.º 8º nº 3 do CC, há que ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Assim, vejamos as decisões do STJ sobre situações semelhantes à que se verifica no caso dos autos:
- STJ, de 11/05/2022 (Clara Sottomayor): “III – Uma indemnização de 60.000,00 euros é adequada para compensar os danos não patrimoniais sofridos por um jovem de 17 anos, que esteve 48 dias internado, sofreu quatro cirurgias, das quais três na zona da cabeça, padeceu de um quantum doloris de 6/7, um dano estético de 4/7, um índice de repercussão permanente nas atividades desportivas de 4/7 e DFTP (Défice Funcional Temporário Parcial) de 1984 dias.”
- STJ, de 28/01/2016 (Maria da Graça Trigo), em que foi fixada uma compensação pelos danos não patrimoniais no montante de €40.000,00. A vítima padecia de um quantum doloris de grau 5, sujeitou-se a 4 operações, a internamentos por longos períodos de tempo, teria ainda de se submeter a mais duas operações, teve vários tratamentos de reabilitação e o dano estético era de grau 4.
- STJ, de 26/01/2016 (Fonseca Ramos), determinou a compensação dos danos não patrimoniais no valor de €45.000,00 a jovem de 20 anos de idade, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético;
-  STJ, de 21/01/2016 (Lopes do Rego), fixou a compensação dos danos não patrimoniais no montante de €50.000,00 a jovem de 27 anos de idade, levando em linha de conta os múltiplos traumatismos, as sequelas psicológicas, o quantum doloris de grau 5, o dano estético de 2 pontos, a incapacidade parcial de 16 pontos, a repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 2, a claudicação na marcha e a rigidez da anca direita;
- STJ, de 04/06/2015 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), no qual foi estabelecida a compensação dos danos não patrimoniais no valor de €40.000,00 a jovem de 17 anos de idade, vítima de vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, de repercussões estéticas e de quantum doloris de grau 6;
- STJ, de 13/09/2022 (Maria João Vaz Tomé) numa situação de atropelamento, quantum doloris 5, dano estético 4, esforços suplementares enquanto estudante, atribuiu uma compensação por danos não patrimoniais de 40.000€;
- STJ, de 08/03/2018 (Lima Gonçalves) numa situação de um lesado de 33 anos, quantum doloris de 4, dano estético de 4, foi fixada uma indemnização de 30.000€;
- STJ, de 06/02/2020 (Catarina Serra) numa situação com um quantum doloris de 5, dano estético de 3, foi atribuída indemnização por danos não patrimoniais de 32.500€;
- STJ, de 20/02/2020 (Rosa Ribeiro Coelho) numa situação quantum doloris de 5, foi atribuída indemnização de 45.000€;
- STJ, de 06/06/2023 (Manuel Capelo), num caso quantum doloris de 5, dano estético de 3, foi arbitrada indemnização por 50.000€;
- STJ, de 1012/2020 (Ferreira Lopes) num caso de quantum doloris 6, dano estético de 5, arbitrada indemnização por danos não patrimoniais de 55.000€.

Pois bem, em face desta jurisprudência, tendo em conta, o caso concreto, com realce para a gravidade dos danos na saúde do autor e supra referidos, um quantum doloris de grau 6 em 7, portanto, muito intenso; o dano estético de 4 em 7, com algum relevo, Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 3/7, o tempo de duração até à consolidação médica, de 363 dias, os diversos períodos de internamento a que foi submetido, com destaque para o internamento na UCI com prótese respiratória por 42 dias, as cirurgias a que foi sujeito, o elevado grau de culpa do condutor atropelante e a elevada capacidade económica da seguradora, entende-se ser adequando manter a indemnização de 50 000€ para reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

***

3.2- Quanto à indemnização pelos danos biológicos.

Antes de mais, pela sua relevância, transcreve-se o sumário do acórdão do STJ, de 21/04/2022 (Fernando Baptista, Proc. 96/18):
I. O dano biológico vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais; é um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas, determinando perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado.
II. Tal dano tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral. Depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade.
III. Não sendo possível determinar o valor exacto deste dano, tal avaliação terá de ser efectuada recorrendo à equidade, nos termos do artigo 566 º n.º 3 do CC. Isto é, a equidade terá de ser sempre um elemento essencial no cálculo deste dano, independentemente de se considerar o dano biológico numa vertente meramente patrimonial, mais ou menos patrimonial ou até... como um tertium genus.
IV. Na determinação do seu quantum indemnizatório, deve ter-se em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art.º 8º, nº 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, sem se perder de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso concreto – não podendo, assim, o dano biológico ser indemnizado por obediência a tabelas rígidas, de forma que a uma mesma pontuação em pessoas de idade aproximada tenha de corresponder necessariamente a fixação do mesmo valor a ressarcir.
V. Particularmente relevante é a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado).
(V-…)
VII. Na quantificação dos danos não patrimoniais deve o julgador procurar encontrar o valor que repute justo no quadro da equidade e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, não deixando de trazer à colação e analisar decisões jurisprudenciais mais ou menos semelhantes, no fito de procurar que a indemnização atribuída esteja em sintonia com o cumprimento de um regime jurisprudencial de segurança e igualdade na realização da justiça equitativa.”
Maria da Graça Trigo (O Conceito de Dano Biológico como Concretização Jurisprudencial do Princípio da Reparação Integral dos Danos – Breve Contributo, in Revista Julgar, nº 46 Jan./Abril 2022, págs. 257 e segs.), refere “Coexistem na doutrina e na jurisprudência diferentes acepções de dano biológico. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, actualmente o significado com que mais frequentemente tal expressão é usada é aquela que corresponde à de consequências patrimoniais da incapacidade geral ou genérica do lesado, aferida em função das Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil. Mas este significado coexiste com outro, designadamente com o de dano biológico como consequência não patrimonial de uma lesão psicofísica.” (pág. 269). E refere ainda esta autora relativamente ao dano biológico na vertente de dano não patrimonial “O dano consequência não patrimonial é definido pela negativa, como a afectação de vantagens insusceptíveis de avaliação pecuniária, isto é, vantagens de ordem espiritual, ideal ou moral. Não podendo operar-se a reconstituição natural, o dano não patrimonial não pode ser indemnizado por equivalente monetário, mas apenas copensado. (pág. 259).
Ou seja, o dano biológico nem sempre implica danos patrimoniais podendo consistir na produção de lesões psicofísicos que se revelam, não por uma incapacidade de ganho ou de diminuição da capacidade profissional, mas que implicam esforços suplementares no dia a dia do lesado.
No acórdão do STJ, de 24/02/2022 (Maria da Graça Trigo) é mencionado:
I. No caso dos autos, verifica-se que a acepção em que a Relação utilizou a expressão “dano biológico” corresponde essencialmente àquela que se afigura ser predominante na jurisprudência do STJ: “dano biológico” enquanto consequências patrimoniais da incapacidade geral ou funcional do lesado.
II. O aumento da penosidade e esforço do lesado para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras é atendível no domínio das consequências patrimoniais da lesão corporal, e não apenas no domínio das consequências não patrimoniais, na medida em que se entenda provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da sua capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.
III. A indemnização pela afectação da capacidade geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade (cfr. art.º 566.º, n.º 3, do CC), em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).”
Veja-se ainda o acórdão do STJ, de 29/6/2017 (Lopes do Rego):
“…o juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” .
Com relevância, importa ainda ter presente o acórdão do STJ, de 16/06/2016 (Tomé Gomes), com o seguinte sumário:
I. O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.
II. Assim, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.
Feita esta introdução, voltemos ao caso em apreço.
A 1ª instância fundamentou a sua decisão de atribuição de uma indemnização de 150.000€ para reparação do dano biológico, argumentando:
Já no que diz respeito aos danos não patrimoniais e aos danos futuros relacionados com o défice funcional permanente de 19 pontos de que ficou a padecer e que tem repercussão na sua actividade laboral, temos elementos suficientes nos autos para atribuir uma indemnização ao Autor a esse título, havendo que ponderar a medida dessa indemnização.
(…)
Na situação que se aprecia importa ponderar que o lesado passou a padecer de um défice funcional de 19 pontos que o afecta não só no desempenho da sua actividade profissional habitual, para a qual implica esforços acrescidos, como no de outras atividades alternativas potencialmente geradoras de rendimentos que ao longo da sua vida poderia vir a realizar.
A data da consolidação das lesões foi fixada em 31/03/2015, data em que o Autor tinha 43 anos.
Teremos ainda em consideração a esperança média de vida na Rússia, de cerca de 72 anos (inferior à média Europeia).
Há que tomar em conta igualmente, como o exige o recurso à equidade, outros factores (imponderáveis) que têm vindo a ser referidos na jurisprudência nacional, como a incerteza sobre as alterações ao estado de saúde em cada momento e o tempo de vida, as alterações das taxas de remuneração do capital e da inflação, a evolução dos índices económicos.
Ponderar-se-á a própria previsível evolução das lesões e sequelas do Autor e a evolução da medicina, que, sendo um imponderável, pode no futuro alterar a actual situação deste, quer ao nível da percentagem da sua incapacidade, quer do grau de esforço que a realização de tarefas diárias da vida lhe acarreta.
Por fim, deverá também ser ponderado que, à data do atropelamento, o Autor era um homem saudável e profissionalmente bem sucedido, com uma retribuição mensal de cerca de 3.200,00 euros, que ficou com a sua autonomia largamente diminuída, nomeadamente no tocante à execução das tarefas profissionais pela perda de capacidade de concentração, o que permite um juízo de prognose negativo quanto à sua capacidade de manutenção ou aumento do seu nível salarial, por não ter capacidade para responder a todos os desafios da sua profissão e para evoluir dentro da sua área de conhecimentos que requer constante actualização.
Tendo em conta todas estas circunstâncias, temos por ajustada a indemnização, pelo dano consequente do défice funcional permanente de que o Autor ficou a padecer, no montante de 150.000,00 euros.
A apelante, pretende a redução dessa indemnização, sem a quantificar, invocando diversos acórdãos, principalmente do STJ que, segundo ela, em casos semelhantes arbitraram indemnizações inferiores.
Apreciemos então.
Recordemos o acórdão do STJ de 24 /02/2022 (Maria da Graça Trigo):
III. A indemnização pela afectação da capacidade geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade (cfr. art.º 566.º, n.º 3, do CC), em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).
Aproveitando este ensinamento relativo aos requisitos que devem orientar no cálculo da indemnização por dano biológico pela afectação da capacidade geral ou funcional, analisemos a factualidade relevante no caso dos autos.
Assim, ficou demonstrado que as consequências do acidente determinaram para o autor:
15. … sequelas permanentes do traumatismo crânio-encefálico, mais concretamente paresia nervo radial direito;
32. O A tem dificuldades em concentrar-se e não consegue trabalhar mais do que 30 minutos seguidos.
33. O seu rendimento intelectual ficou diminuído.
35. Ficou com uma vida social limitada.
40. Na data do embate, o A. era funcionário da empresa de telecomunicações, «MTS», na Rússia, auferindo mensalmente, em média, no ano de 2013, a quantia de 3.281,00 euros e nos primeiros 4 meses de 2014, a quantia de 4.037,00
41. O Autor é perito em comunicações da MTS (…) e trabalhava no planeamento de redes de comunicação com clientes, tendo que viajar para verificar o estado das tecnologias instaladas e responder aos clientes.
45. O Autor ficou a padecer, como consequência do sinistro de um défice funcional permanente de 19 pontos.
46. As sequelas resultantes do acidente são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.”
Acresce que o autor terá nascido em 1971 (Cf. Relatório do Acidente, junto com a petição incial; Relatório de Urgência do Hospital de Santa Maria, junto a 16/12/2016, que mencionam, ambos, a data de nascimento como 21/11/1971; embora os Relatórios do INML Lisboa, juntos a 01/06/2018 e a 29/11/2921 refiram a data de nascimento a 20/10/1971, não sendo por isso relevante a discrepância de um mês, nem se justificando indagar da correcta data de nascimento).
Portanto, considerando estes elementos de facto determinantes das concretas circunstâncias do caso importa agora tomar em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art.º 8º, nº 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, poderemos referir a seguinte jurisprudência:
-STJ, de 17/01/2023 (Barateiro Martins): III – Tendo a lesada 23 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 14,8 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional, é equitativo fixar (por reporte/atualizada à data da sentença, proferida 6 anos após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em €50.000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho.
-TRL, de 20/04/2023 (Inês Moura) fixou em 60.000€ a indemnização por dano biológico de lesada com 37 anos e com défice funcional permanente de 18,44;
-STJ, de 31/11/2021 (Barateiro Martins): “VI - Tendo o lesado 26 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (“personal trainer”), é equitativo fixar (por reporte à data da formulação do pedido, ocorrida em 30-03-2014, um ano e meio após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em €80.000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho.”
-STJ, de 14/12/2017 (Fernanda Isabel Pereira): lesado com 34 anos, com um défice funcional de integridade físico-psíquica de 20 pontos, fixou uma indemnização por danos biológicos de 90.000€;
- STJ, de 19/03/2019 (Maria Olinda Garcia) (Sumários do STJ): “II - O montante de €80.000 euros mostra-se adequado a indemnizar os danos não patrimoniais sofrido pela lesada em acidente de viação, na consideração das seguintes circunstâncias: (i) durante o transporte em ambulância, que durou quatro horas, a autora sofreu dores no grau máximo de 7; (ii) foi submetida a cinco intervenções cirúrgicas, antecedidas de grande ansiedade, a última das quais causou inflamação e dor e implicou o uso de canadianas durante quatro semanas; (iii) esteve internada 33 dias, durante os quais foi sujeita a tratamentos dolorosos e pensos, tendo sido medicada o que lhe provocou náuseas, vómitos e intolerância alimentar e galactorreia, sentindo-se triste e sozinha por só ter um visita por dia sem contacto físico; (iv) o quantum doloris foi de grau 6 em 7 graus progressivos; (v) sofreu angústia e receio de não concluir o 3.º ano de medicina, desenvolvendo pânico, fobias, insónias e pesadelos; (vi) a queimadura de 3.º grau ocupou da superfície total; (vii) o constrangimento e vergonha com a exposição do seu corpo na sua intimidade sexual, devido à existência de cicatriz, sendo a repercussão permanente na actividade sexual fixada no grau 2/7.
Assim, ponderando os critérios jurisprudenciais mencionados para casos semelhantes e acima referidos, a idade do lesado (nascido em 1971) o grau de incapacidade permanente fixada em 19 pontos, as suas potencialidades profissionais e qualificações, a relação entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências profissionais do lesado, acha-se adequado fixar em 80 000€ a indemnização por dano biológico na vertente de danos não patrimoniais.

Em suma: mantém-se a indemnização de 50.000€ por danos não patrimoniais e, reduz-se para 80 000€ a indemnização por dano biológico na vertente de danos não patrimoniais, o que perfaz a indemnização de 130.000€, a que se subtraem os 20.000€ já entregues pela ré ao autor, perfazendo a indemnização a pagar a quantia de 110.000€.

Na linha da doutrina fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002, do STJ, de 09/05/2002, os juros serão devidos após o trânsito em julgado da decisão final.

***

III- DECISÃO

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência: condenam a ré a pagar ao autor a quantia de 50.000€ (cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais; e condenam a ré a pagar ao autor a quantia de 80.000€ (oitenta mil euros) a título de indemnização por danos biológicos, na vertente de danos não patrimoniais; ao somatório destas indemnizações (130.000€ cento e trinta mil euros) importa deduzir 20.000€ (vinte mil euros) já entregues extrajudicialmente pela ré ao autor.
Os juros serão devidos após o trânsito em julgado da decisão final.

Custas, na acção e no recurso, na proporção do decaimento, levando-se em consideração que o autor litiga com benefício de apoio judiciário (conforme decisão da Segurança Social junta com a petição inicial).

Lisboa, 13/07/2023
Adeodato Brotas
António Santos
Teresa Pardal