Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11744/19.3T8LRS.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
EXCEÇÃO
PEDIDO RECONVENCIONAL
DONO DA OBRA
PAGAMENTO DO PREÇO
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – A excepção de cumprimento imperfeito do contrato de empreitada pode ser deduzida só na contestação e a sua procedência não depende da procedência do pedido reconvencional feito pelo dono da obra.
II – A excepção não evita a condenação no pedido do pagamento do preço em falta, apenas justifica o condicionamento do pagamento à realização das obras de eliminação dos defeitos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 03/12/2019, B-Lda., intentou a presenta acção comum contra JM e IS, pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe [depois de uma redução do pedido] 61.738,82€, mais juros calculados à taxa de 7% ano vencidos desde 11/11/2019 e vincendos até efectivo pagamento.
Alega para tanto que a pedido dos réus procedeu à construção de uma moradia e que na sequência dos trabalhos adjudicados e prestados, a autora emitiu entre outras, a factura A/1753 no valor de 71.738,82€ que enviou aos réus e que estes, tendo pago as outras facturas, esta recusam-se a pagá-la embora todos os trabalhos tenham sido efectuados; os réus são casados sob o regime de comunhão de adquiridos e a moradia constitui património comum do casal, pelo que a responsabilidade pelo pagamento da mesma é de ambos os réus (junta um documento).
A 27/01/2020, os réus contestaram, excepcionando o pagamento de tudo (incluindo trabalhos extra) menos de 21.000€ que é o valor da retenção efectuada pelo banco financiador do projecto, correspondente a 10% do valor da construção, pelo facto da autora não entregar o documento necessária à obtenção da essencial licença de habitabilidade; alegam ainda (1) a casa apresenta diversos problemas, quer ao nível da própria construção, nomeadamente quer quanto à qualidade dos materiais usados, acústica e isolamento, entre outros; (3)/4 encontra-se pago quase tudo não obstante todos os erros e diferenças nos preços dos materiais que foram sendo aplicados, que não chegaram a ser corrigidos, como é o exemplo do piso aplicado na garagem, por exemplo, entre outros; (9) quem não atende os telefonemas são os representantes da autora que se recusam a corrigir todos os erros, que foram sendo apontados na qualidade da construção, nomeadamente no que se refere às condições térmicas e acústicas, às infiltrações, entre outras. A tal propósito, veja-se o relatório efectuado por técnico especializado, que procedeu à inspecção do imóvel construído pela autora e concluiu todos os defeitos do mesmo e apontou soluções de resolução que representam milhares de euros, conforme doc.11 que se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos; (13) os réus ficaram com uma casa nova cheia de problemas estruturais, acústicos, térmicos e de infiltrações, não obstante terem exigido a correcção dos mesmos…; impugnam alguns factos; dizem que são consumidores finais pelo que a taxa de juros é de 4% e não 7% e que não são casados entre si; concluem que estaremos assim perante uma excepção de não cumprimento do contrato; (19) durante o percurso do contrato, várias foram as vezes, em que os réus procederam a pagamentos à autora não obstante a obra nem sequer ter sido iniciada (como foi o caso do primeiro pagamento, tendo a obra começado meses depois); aceitaram a caducidade da licença de construção e posteriores prorrogações - tendo até respondido em sede de processo crime, por culpa exclusiva da autora (cf. doc.s.14 a 25, inclusive que aqui se dão por legalmente reproduzidos para os devidos efeitos) e foram suportando encargos com essas e bem assim com as diversas vistorias do banco, para libertação de mais dinheiro (que a autora exigia, mesmo sem cumprir com a sua parte) sem exercerem o seu direito previsto no artigo mencionado acima, mas, (20) tal aconteceu, enquanto o banco não parou de vez de libertar as tranches solicitadas, o que de momento acontece; pelo que (21) não só, não são devedores da quantia que a autora exige nestes autos, como consideram o seu direito de exigir uma indemnização àquela pela sua incompetência, inépcia e negligência na construção da casa; dizem também ter direito a pedir que lhes seja entregue a documentação necessária; deduzem reconvenção no valor de 180.000€ (no texto falam em 200.000€), correspondentes ao valor do imóvel caso este tivesse sido realizado segundo as boas regras da construção modular, a que deverão acrescer juros, vencidos e vincendos; no texto da reconvenção, os réus dizem juntar documento, n.º 26, elaborado por eles, com fotos comprovativas do estado da obra em fases diferentes que bem ilustra todas as reclamações realizadas junto da autora; a reconvenção tem por principal fundamento, dizem (24), o facto de terem um imóvel sem a competente licença de habitabilidade/utilização e cuja construção está eivada de diversos erros na sua execução, nomeadamente o incumprimento das mais elementares regras de impermeabilização, acústica e térmica, apanágio da construção modelar que escolheram; pretendem ser ressarcidos de todos os prejuízos que sofreram com a actuação da autora, com a devolução íntegra do valor pago, para que com tal valor se possam ver compensados, por todas as novas obras de correcção que terão de suportar e dos custos que até aqui têm assumido.
Protestam juntar 25 documentos, o que fazem a 13 e 18/02/2020. O doc.11, na parte que interessa, é composto por uma declaração, de 19/12/2019, em três extensas páginas, do autor [PC] do projecto de estabilidade relativo à conformidade estrutural da estrutura, tendo em conta os documentos fotográficos e o testemunho dos donos da obra. Tal documento tem ainda uma análise [feita em Fev2020, por DP] comportamento térmico, com 7 extensas páginas. E um orçamento para melhoramentos em moradia da ré com 4 páginas, com data de 29/01/2020. Todos estes documentos têm como declaratário a ré ou os réus. Não há o invocado doc.26.
A autora replicou à matéria da reconvenção, excepcionando a sua ineptidão; respondeu também às excepções deduzidas, dizendo que também a excepção de não cumprimento não contém factos, e impugnando factos relativos à excepções de pagamento e de não cumprimento do contrato; disse, ainda, só ter havido uma reclamação dos réus e que não tinha nada a ver com o que agora alega; impugnou ponto por ponto tudo o que a autora disse em (19); também impugnou o que a autora dizia sobre os erros em (9) e (13) e o documento 11 (declaração, análise comportamento térmico e o orçamento), pronunciando-se sobre ele, tendo dito, a anteceder, que “os réus alegam, embora de forma não especificada, genérica e conclusiva, a existência de erros (vejam-se os artigos 9 e 13) […], podendo esses, se tivessem sido concretizados (que não foram), constituir excepção” e que “embora não aleguem qualquer facto que consubstancie as conclusões que apontam nos artigos 9 e 13, ainda assim, juntam para prova o documento n.º 11, constituído por um relatório sobre a estrutura; um relatório sobre o comportamento térmico e um orçamento, impugna-se igualmente, tais documentos.” A autora junta um documento que é o orçamento.
Os réus treplicaram à matéria da excepção da ineptidão da reconvenção: entre o mais, dizem que os factos que fundamentam o pedido reconvencional foram aduzidos ao longo da contestação; designadamente nos artigos 9 e 13, onde se sustenta a deficiência da execução na verificação de erros estruturais, acústicos, térmicos e de impermeabilização.
A 08/02/2021, é proferido um convite de aperfeiçoamento da petição inicial, a que a autora corresponde num articulado de 15/04/2021, no essencial dizendo o que já tinha dito na petição inicial.
A 06/05/2021, os réus apresentam um novo articulado da contestação que é mandado desentranhar por extemporâneo (despacho de 16/06/2021); salvado do desentranhamento, ficou um documento apresentado com o articulado, documento dito relatório de vistoria datado 27/01/2021 (da Eng.ª MR), que a autora impugna num articulado de 20/05/2021, dizendo que não aceita a existência dos vícios assinalados no referido documento ou quaisquer outros, sendo certo que nenhum deles foi denunciado pelos réus.
No despacho saneador de 17/03/2022 foi admitida a reconvenção e dado à causa o valor de 252.701,89€; depois, julgou-se ser manifesta a improcedência da reconvenção, absolvendo a autora do correspondente pedido; o que obviou a que se apreciasse e declarasse a verificação da excepção de ineptidão da reconvenção invocada pela autora, por falta de causa de pedir, mas dizendo-se que, ante os termos da reconvenção, se crê manifesta, dado que nela não são invocados factos cuja demonstração pudessem conduzir ao exercício de um qualquer direito legalmente previsto, designadamente algum daqueles que a lei reconhece ao dono da obra em caso da sua execução defeituosa.             
A 28/03/2022, os réus apresentam um extenso requerimento probatório, em três momentos, com junção, de inúmeros novos documentos (alguns repetidos em relação aos já antes apresentados) e requerimentos de documentos em poder da parte contrária e de terceiros, bem como pedido de informação a terceiros (este, feito no último momento, foi indeferido por despacho de 23/05/2022). O documento 16 é um e-mail de 16/08/2019, de OL (da autora) para a ré: fala de pedidos de rectificação e de reclamações [é resposta a um outro e-mail, da ré, que está reproduzido a seguir, com pedido de rectificações: 1\ buraco na parede exterior no capoto, de alguma dimensão, e respectiva pintura total exterior; 2\ pavimento flutuante da sala com irregularidades; 3\ pavimento do quarto /escritório com irregularidades; 4\ pavimento do closet com buraco; 5\ portão da garagem não fecha correctamente; 6\ estores da sala perfurados e riscados; 7\ substituição dos parafusos da guarda das escadas; 8\ varanda e vidros do quarto e WC da suite com pontilhados do que parece ser queimado (do corte do cedral e outros materiais); 9\ arranjo da rampa de acesso à garagem; 10\ devolução da chave de casa e portão da garagem; faz referência ao dia 09/08/2019 como sendo o dia de hoje e a um pagamento efectuado a 02/08/2019], solicita marcação de dia para deslocação, fala de atrasos de pagamento, refere os trabalhos a mais (varandas e portas) no valor de 1062,71€ + Iva, e diz que está em dívida o valor de 58.324,25€ + Iva (a reduzir de 5.000€ pagos a 05/08/2019).
No mesmo dia, também a autora junta um documento que é igual ao doc.16 acabado de referir dos réus.                 
A 19/04/2022, a autora diz que “a junção de documentos não dispensa os réus de alegar em sede própria factos e/ou os vícios de que em seu entender padece a construção, o que não fizeram. Os documentos ora juntos não são susceptíveis de colmatar tal omissão. Sem prejuízo, impugnam-se os documentos ora juntos, não se aceitando a existência de quaisquer defeitos, sendo certo que nenhum foi denunciado pelos réus.”
A 16/09/2022, a autora apresentou 1 documento com 5 facturas e 2 documentos com duas cartas. Na acta de 19/09/20220, o documento foi admitido, as duas cartas não.
A 19/09/2022, a autora, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 265/2 do CPC, reduziu o pedido, referindo que, por lapso, não se considerou uma entrega de 10.000€ efectuada pelos réus. Quis juntar a carta que já tinha querido juntar a 16/09/2022 (a não admissão de 19/09/2022 vale também para esta tentativa de junção).
Depois de realizada a audiência final foi proferida sentença que julgou a acção procedente condenando os réus a pagar à autora 61.738,82€, acrescidos de juros de mora, à taxa legal em cada momento vigente, desde a data de vencimento da factura referida em 3\ até integral pagamento.
Os réus recorrem de tal sentença - para que seja revogada e substituída por outra que os absolva do pedido -, impugnando a decisão da matéria de facto e a decisão de os condenar, já que, segundo eles, devia ter sido julgada procedente a excepção de não cumprimento do contrato.
A autora não respondeu ao recurso.
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Questões que importa decidir: se deve ser alterada a decisão da matéria de facto e se a excepção de não cumprimento do contrato devia ter sido julgada procedente.
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Foram dados como provados os seguintes factos [os factos 10 a 24 foram aditados por este acórdão por força da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto]:
1\ No exercício da sua actividade a autora, a solicitação dos réus, procedeu à construção de uma moradia em VP - TV.
2\ O valor acordado para os trabalhos a executar pela autora foi de 168.129,43€, mais IVA, num total de 206.799,20€.
3\ Com data de 02/09/2019 e vencimento na mesma data, a autora emitiu a factura A/1753 no valor de 71.738,82€.
4\ Os réus pagaram à autora, pelo menos: em Março de 2017, 2.767,50€; em Maio de 2018, 33.600€; em Novembro de 2018, 40.000€; em Janeiro de 2019, 30.000€; em Junho de 2019, 20.000€; e em Agosto de 2019, 10.000€ (= 136 367,50€).
5\ A autora executou os trabalhos previstos no orçamento que apresentou aos réus e foi por eles aceite.
6\ A solicitação dos réus a autora alterou o material do pavimento exterior e das varandas e instalou uma porta de entrada blindada em lugar da prevista em madeira.
7\ As alterações referidas em 6 importaram o valor acrescido de 1.307,12€.
8\ Para além dos pagamentos referidos em 3 os réus entregaram à autora 10.000€.
9\ A autora não entregou aos réus a documentação necessária à obtenção da licença de utilização da moradia.
10\ Ao nível da cobertura a solução prevista era a de uma cobertura “com treliças de aço galvanizado, placa OSB (3) e isolamento de lã mineral, sob painel sandwich de 60 mm” e em vez disso foi aplicado seixo.
11\ O que foi executado não garante os níveis de isolamento térmico que eram assegurados com a solução que havia sido projectada: a moradia tem amplitudes térmicas registadas que, de tão díspares, permitem assegurar que não há o mínimo de isolamento térmico.
12\ A solução do seixo é mais pesada que a do painel sandwich e esse peso adicional, não previsto, causa uma sobrecarga na estrutura, o que causa que a casa entorte.
13\ A cobertura foi ainda mal-executada no que se reporta à impermeabilização, apresentando pontos de entrada de água (para a estrutura e para dentro de casa): tem buracos e não está bem colada.
14\ Não foram feitos remates de impermeabilização das chaminés.
15\ Tem um ralo com parte da manta geotêxtil por cima diminuindo a sua dimensão, o que aliado à natural e expectável acumulação de terras e lamas, cria uma “piscina” na cobertura.
16\ Tudo isto conduz a infiltrações de água da chuva que permeia pela cobertura e se vai espalhando por toda a estrutura e que, infiltrando-se, causa humidades e bolores – que são visíveis por toda a casa, nas paredes e tectos (que já têm deformações) e com reflexos também nos pavimentos, que empolam e se vão deformando.
17\ Quanto às paredes estava prevista uma camada dupla de lã mineral (6cm + 6cm) e uma camada de isolamento EPS (8cm), sendo que falta pelo menos uma das camadas de isolamento previstas, o que contribui para a inexistência de isolamento térmico, o que por sua vez torna aquela casa tão quente ou tão fria consoante o que for a temperatura exterior.
18\ Os degraus da escada interior apresentam alturas diferentes entre si, contrariamente ao que consta do projecto.
19\ O pavimento interior foi deficientemente colocado, quer o flutuante, quer o cerâmico: não está totalmente plano, ou porque foi mal aplicado ou porque a base onde assenta não foi bem feita, demonstrando empolamento, aumento de volumetria e descolamento junto às soleiras, o que evidencia teores de humidade acima dos normais e a falta de espaçamento adequado para acomodar a normal dilatação do material.
20\ O pavimento da garagem foi feito com a inclinação ao contrário do que deveria estar.
21\ O pavé dos pavimentos exteriores encontra-se deformado e abatido em especial junto aos muros e na zona de valas, por falta de compactação do solo.
22\ Não foram instaladas as grelhas de ventilação previstas, o que causa humidade, condensação e bolores, contribuindo para o agravar do empolamento dos pavimentos e deformações nas paredes e tectos.
23\ Os vãos das portas interiores não têm as medidas standard, assim violando o projectado;
24\ Os rodapés foram mal aplicados.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
Os réus dizem o seguinte contra a decisão da matéria de facto [o que é dito por eles consta, a seguir, dos §§ numerados – as passagens dos depoimentos invocadas pelos réus são por eles transcritas num documento aparte que juntam ao recurso; os §§ não numerados são transcrições da fundamentação da decisão pelo tribunal recorrido nas únicas partes concretas da mesma no que se refere às decisões dos pontos impugnados; relembre-se que a autora não respondeu ao recurso dos réus]:
33. A Srª juiz a quo julgou provado [em 1] que a autora "a solicitação dos réus, procedeu à construção de uma moradia em VP - TV", indicando que "não existe controvérsia entre as partes" quanto a este concreto ponto.
34. Porém, inexplicavelmente, não se julga nem decide quais eram as características da moradia cuja construção foi contratada pelos réus à autora.
35. O que não se compreende face à prova produzida.
36. Veja-se que do orçamento para a obra [junto com a réplica como doc.1], da aprovação do crédito bancário [junto com a contestação como doc.1], da memória descritiva [junto com o requerimento probatório, com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022, como doc. A1] e da descrição de materiais e elementos construtivos [junto com o requerimento probatório, com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022, como doc. B] (ambos constantes do processo urbanístico) constam exactamente quais são as características e materiais daquela moradia.
37. E estes são exactamente os documentos que quer as testemunhas CG [cf. ficheiro 20220914103535, 00:06:57–00:07:10 e 00:08:36–00:09:44, transcrito na pág. 1], PC [cf. ficheiro 20220914171319, 00:02:16 – 00:13:47, transcrito na pág. 1-2], OL [cf. ficheiro 202209141727, 00:02:05 - 00:03:33, transcrito na pág. 2] e FM [cf. ficheiro 20220914114716, 00:02:51-00:03:22 e 00:05:02-00:05:31, transcrito na pág. 2-3], quer o gerente da autora [cf. ficheiro 20220919171106, 00:02:06-00:03:17, transcrito na pág. 3] referiram ser os documentos-base, por onde todos se “guiariam” naquela obra.
38. E este não é um preciosismo: é exactamente o objecto do contratado e a única "bitola" a partir da qual se poderá extrair o efectivo (in)cumprimento (e defeituoso ou não e em que medida) daquele que foi o contrato entre as partes, na ausência de contrato escrito.
39. O que se compreende: uma moradia unifamiliar não é “uma qualquer” e há que haver uma definição exaustiva de tudo quanto aquela moradia há-de conter, quais os materiais e quantidades a aplicar, etc. – o que, evidentemente, só se consegue por referência aos projectos e listas de materiais e quantidades.
40. Assim, e tivesse sido ponderada correctamente a prova supramencionada, teria de se ter julgado provado que:
Os réus contrataram à autora a construção da moradia cujas características constam do projecto aprovado pela Câmara Municipal de TV, com os materiais ali indicados e como orçamentado pela autora.
Apreciação:
Os factos que os réus querem, aqui, aditar, são factos instrumentais, que estão provados, mas não são factos principais e, portanto, não têm de ser discriminados nos factos provados.
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41. Um outro elemento essencial que haveria ter sido decidido, por atinente ao próprio contrato e aos seus termos, era relativo ao prazo acordado para a empreitada – e também aqui a sentença é inexplicavelmente omissa.
42. Resulta da calendarização da obra, tal qual entregue pela autora à Câmara Municipal de TV no âmbito do processo urbanístico [junta como doc. A2 ao requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022], que foi avançado um prazo de seis meses desde o início das obras até à sua conclusão.
43. O que, de acordo com o que referiu a testemunha FM [cf. ficheiro 20220919165954, 00:01:05 – 00:01:49, transcrito na pág. 4], é o “tempo médio para a construção de uma casa” como a que os réus contrataram à autora.
44. Resulta ainda do depoimento de parte do réu [cf. ficheiro 20221024142339, 00:04:07–00:04:25, 00:05:40–00:06:12 e 00:41:53–00: 42:30, transcrito na pág. 4-5] que foi sempre, desde início, esse o tempo que a autora lhe indicou como o prazo para a conclusão da obra.
45. Ora, sendo o “tempo médio”, constando dos documentos “oficiais” entregues pela empreiteira à câmara municipal e tendo sido essa a estimativa transmitida aos donos de obra, aqui réus, este foi o prazo acordado para a empreitada, que se revelava razoável atendendo às características da moradia a erigir e que foi, pois, aceite por todos como “o prazo para a obra” - o que, de resto, até foi frisado pela própria Srª juiz a quo aquando do depoimento de parte do gerente da autora [cf. melhor decorre do depoimento do eng.º FC (ficheiro 20220919171106, 01:08:55, transcrito na pág. 9].
46. Face à prova produzida, portanto, impunha-se que tivesse sido dado como provado que:
O prazo acordado para a conclusão da empreitada era de seis meses.
Apreciação:
Os réus não invocaram qualquer prazo para a conclusão da obra na contestação. Logo, a excepção de não cumprimento do contrato, deduzida pelos réus, não teve a ver com a ultrapassagem do prazo da obra. Pelo que se trata de um facto irrelevante. De qualquer modo, o facto de uma testemunha indicar que 6 meses é o “tempo médio para a construção de uma casa” como a que os réus contrataram à autora não é suficiente para prova de que foi acordado esse prazo. Por outro lado, do empréstimo contratado consta que o prazo de utilização do empréstimo com o qual ia ser paga a obra era de 36 meses (fl. 4 do doc.1 da contestação), o que não aponta para que tenha sido acordado entre autora e réus tal prazo. E do orçamento consta que não foi acordado ainda prazo.  O facto de a calendarização ser a 6 meses, não quer dizer que tenha sido acordado esse prazo. Assim, para além de ser irrelevante, este TLR não chega à convicção de que seja como os réus dizem.
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47. Na sentença também não surge qualquer referência ao crédito bancário a que os réus recorreram para custear esta obra – e que é um facto importantíssimo para esta empreitada, dado que o banco libertaria tranches consoante o andamento da obra e mediante a realização de vistorias.
48. Documentalmente, estes autos contêm quer a avaliação do imóvel prévia à aprovação do crédito [junta como doc.1 da contestação], quer a aprovação e condições do crédito [juntas como doc.16 (pp. 1-7) ao requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022], quer os documentos emitidos pelo banco financiador na sequência das vistorias [juntos como docs. 4 a 10 da contestação].
49. Deles decorrendo, inequivocamente, que o banco libertaria cada tranche, definindo o montante a creditar na conta dos réus tendo por referência o que, em resultado das vistorias efectuadas, fosse considerado como evolução dos trabalhos.
50. Mais: provou-se ainda que o banco só libertaria a última tranche daquele crédito quando fosse terminada a obra e uma vez obtida a licença de utilização.
51. Estas condições eram, desde início, conhecidas pela autora,
como decorre dos depoimentos das testemunhas CG [cf. ficheiro 20220914103535, 00:10:08 – 00:10:30, transcrito na pág. 5] e OL [cf. ficheiro 202209141727, 00:10:50- 00:11:43, 00:12:14 – 00:12:22, 00:45:12 – 00:46:01, 00:47:49 – 00:48:12 e 00:50:28–00:50:35, transcrito na pág. 5-7], do gerente da autora [cf. ficheiro 20220919171106, 00:04:42 – 00:05:11, transcrito na pág. 7] e do réu [cf. ficheiro 20221024142339, 00:20:14 – 00:22:20 e 00:48:40 – 00:48:52, transcrito na pág. 7-8].
52. Face à prova acima enunciada, haveria de ter-se julgado provado que:
Os réus recorreram ao financiamento bancário para pagamento do valor da empreitada, tendo-lhes sido concedido um empréstimo no valor de 233.230€.
O banco libertaria cada tranche mediante a realização de vistorias e consoante o andamento e progresso da obra.
A última tranche do crédito só seria emitida após a conclusão das obras e a emissão da licença de utilização para a moradia.
Apreciação:
Os réus excepcionam o não cumprimento por causa de defeitos na obra, não por ela não estar concluída. O facto relativo aos 21.000€ tinha duas vertentes: por um lado, os réus queriam dizer que já tinham pago mais do que os autores diziam, ou seja, excepção de pagamento. Por outro, davam uma razão para os 21.000€ ainda não terem sido pagos: esses 21.000€ só lhes seriam entregues pelo banco depois de ter sido emitida a licença de utilização. E sugerem que só pagariam 21.000€ à autora quando o banco lhes entregasse aqueles 21.000€. Assim sendo, todos os factos que agora estão em causa, nos §§ 51 e 52 são irrelevantes. O que interessa é que os réus só querem pagar 21.000€ quando a obra não tiver defeitos e quando lhes for entregue a documentação necessária para a emissão da licença de habitação. E isso não é um facto objecto de prova; é, sim, a pretensão dos réus subjacente à excepção de não cumprimento.
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53. O tribunal a quo não decide se a moradia está ou não finalizada, o que é de extrema relevância para o exercício que após se haverá de fazer quanto ao (in)cumprimento da autora e/ou dos réus.
54. Ora, quanto a este concreto ponto [5], julgou-se provado que a autora "executou os trabalhos previstos no orçamento que apresentou aos réus e foi por eles aceite", o que se diz transparecer das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas FM, OL, PC e MR.
Mais precisamente, a fundamentação da decisão do facto 5, pelo tribunal, foi a seguinte: “perpassa das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas FM, que fez as telas finais da moradia, e OL, PC e MR, autora do relatório de fls.109 e ss., o qual também revela a conclusão da casa, que é habitada pelos demandados.
Continuam os réus:
55. Ora, que a autora "executou os trabalhos previstos" é discutível e não chega para abarcar a realidade que aqui se trouxe, não julgando nem decidindo se os executou todos nem se bem ou mal - o que não é desprovido de sentido ou mérito e era uma das questões a resolver, atento o alegado incumprimento.
56. Repare-se que a tarefa de "construir uma moradia" tem como único fim possível, para que perfeita, o de uma moradia correctamente construída, sem erros nem defeitos e legal.
57. O que decorre do senso comum também é que uma moradia só está completa quando seja legalmente habitável, e que um contrato de empreitada cuja finalidade seja a construção de uma moradia “chave na mão” só termina quando aquela seja entregue aos donos de obra pronta a habitar, com todos os trabalhos terminados, bem feitos e com a casa em condições de poder obter a licença de utilização que lhe cabe.
58. Ficou provado – e a sentença também assim considera, embora não considere provado o que necessariamente daqui decorre – que:
A autora não entregou aos réus a documentação necessária à obtenção da licença de utilização da moradia.
59. O que equivale a dizer que
Aquela moradia não tem licença de utilização.
e, pois, que não é, para todos os efeitos, legalmente habitável.
Apreciação:
O facto de a obra estar não estar concluída não era invocado pelos réus como fundamentação da excepção deduzida. O fundamento desta eram os defeitos e a não entrega da documentação. Pelo que de tudo o que antecede, nesta parte, apenas tem relevo aquela falta, já que, por outro, a licença de utilização não é emitida pela autora. Ora, a não entrega aos réus da documentação necessária à obtenção da licença de utilização da moradia já consta dos factos provados: é o facto 9. E dela já decorre que não há licença.
*
60. E tanto assim é que, já após a audiência de julgamento nestes autos, os réus foram notificados pela Câmara Municipal de TV para apresentarem o pedido de licença de utilização, cf. documento que ora se junta como doc. n.º 2.
61. A junção deste documento torna-se agora necessária dado que na sentença em crise se vem a ignorar toda a demais prova produzida neste sentido: o facto que com ele se prova (a falta de licença de utilização da moradia) já decorre da prova produzida dos autos, como acima se refere, sendo apenas de reforçar em virtude da decisão tomada pelo tribunal a quo.
62. Assim, e como consequência, impunha-se que houvesse sido julgado provado que a
Empreitada não foi terminada,
porquanto a moradia não está – ainda hoje! – finalizada nem tem ou pode obter a obrigatória licença de utilização.
Apreciação:
Vale para aqui o que foi dito para os §§ 53-59: O facto de a obra estar não estar concluída não era invocado pelos réus como fundamentação da excepção deduzida. De resto o único elemento de prova que os réus invocam até esclarece o que já era evidente: o pedido de licença de utilização cabe aos réus, não à autora. O que pode ser pedido a esta, pelos réus, é a entrega da documentação.
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63. Daqui, e considerando o que se provou quanto ao crédito e às condições de libertação das tranches para pagamento do preço, também decorre que se havia ter julgado provado que:
Porque a empreitada não foi terminada e não foi entregue aos réus a documentação necessária para a obtenção da licença de utilização, o banco não libertou a última tranche do crédito.
Apreciação:
Como já explicado para os §§ 47-52, o facto é irrelevante.
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64. A sentença foge ainda à apreciação e julgamento dos factos relativos ao incumprimento da empreitada por parte da autora, o que se verifica em “duas frentes”: por um lado, quanto ao prazo de conclusão das obras; e por outro lado quanto aos erros de construção.
65. Especificamente quanto ao prazo, e dando por assente o que acima se deixou quanto ao que fora acordado (6 meses), o tribunal ignorou toda a prova produzida quanto ao incumprimento deste aspecto daquele contrato de empreitada.
66. Documentalmente, ficou provado que os réus entregaram o pedido de licenciamento em Julho de 2017 [cf. docs. 24 e 25 juntos com a contestação] e que o alvará de construção foi emitido pela Câmara Municipal de TV a 08/08/2017 [cf. doc. 16 junto com a contestação e docs. 7 e 12 juntos com o requerimento probatório com a ref.ª41780753, de 28/03/2022]. Também que:
Foram pedidas prorrogações àquele alvará pelo menos por duas vezes
[cf. requerimentos juntos com a contestação como docs. 17, 18, 21 e 22 e com o requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022 como docs. 1, 8 e 10], o que conduziu a despachos de deferimento [cf. despachos juntos com a contestação como doc. 23 e com o requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022 como docs.2 e 11] e aos competentes averbamentos ao alvará [cf. doc. 16 junto com a contestação e docs.7 e 12 juntos com o requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022].
67. Dos depoimentos da testemunha OL [cf. ficheiro 202209141727, 00:06:44 – 00:07:11, 00:09:15 – 00:09:38, 00:39:57 – 00:39:59 e 00:43:13 – 00:43:23, transcrito na pág. 8-9], do gerente da autora [cf. ficheiro 20220919171106, 00:12:30 – 00:13:46 e 00:15:30 – 00:16:02, transcrito na pág. 9] e do réu [cf. ficheiro 20221024142339, 00:06:15 – 00:06:39 e 00:33:46 – 00:34:15, transcrito na pág. 9-10]; também decorre que embora o alvará de construção tenha sido emitido em Agosto de 2017, a obra só se iniciou em Dezembro daquele ano e demorou um ano e meio, pelo menos, tendo “terminado” em Julho de 2019, o que é também corroborado pela testemunha JS [cf. ficheiro 20220914162308, 00:03:15 – 00:03:57, transcrito na pág. 10].
68. Mais consta ainda dos autos documentos da própria autora, entregues no processo urbanístico, que demonstram o “passo de caracol” a que esta obra (aparentemente “tão simples” e que foi “vendida” aos réus como sendo “rápida”) se foi desenvolvendo.
69. Veja-se por exemplo que em Novembro de 2018, a autora informa ainda estar por concluir o revestimento de pavimentos e paredes, as pinturas e os arranjos exteriores [cf. docs. 19 e 20 juntos com a contestação e fls. 11-15 do doc.13 junto com o requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022].
70. Tal demora no progresso dos trabalhos também decorre dos depoimentos das testemunhas CG [cf. ficheiro 20220914103535, 00:03:06 – 00:04:20 e 00:18:04 – 00:18:22, transcrito na pág. 11], BO [cf. ficheiro 20220914103535, 00:25:06 – 00:25:28; ficheiro 20220914110150, 00:37:21 – 00:37:39, transcrito na pág. 11-12] e JS [cf. ficheiro 20220914162308, 00:14:46 – 00:15:12, transcrito na pág. 12] e do réu [cf. ficheiro 20221024142339, 00:06:46 – 00:08:36 e 00:45:47-00:46:33, transcrito na pág. 13-14].
71. Todos, em súmula, indicando que no final de 2018 (portanto mais de um ano depois de obtido o alvará de construção), a moradia tinha apenas o “esqueleto” feito; e em Agosto de 2019, ainda estariam a trabalhar nas fachadas e varandas e nos remates do telhado; que a autora apenas iniciou as terraplanagens no final do prazo do primeiro alvará (Fevereiro de 2018), que a obra esteve parada “uns três ou quatro meses depois” e foi feita “às prestações”.
72. Decorre também dos documentos dos autos – designadamente do ofício da Câmara de 29/05/2018, a carta registada enviada pela Câmara aos réus de 04/06/2018, a informação/parecer de 05/07/2018, o auto de embargo e suspensão total de obras, o despacho da Câmara de 31/07/2018, a carta registada enviada pela Câmara aos réus de 14/11/2018, da participação do município de TV de 07/08/2018, da comunicação do IMPIC e da informação/parecer da Câmara Municipal de TV [respectivamente juntos como docs.2, 3, 4, 5, 6, 9, 13, 13.1 e 14 com o requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022] – que:
A obra esteve embargada pelo menos entre Julho e Novembro de 2018, por conta de desconformidades detectadas entre o projecto e a legislação em vigor, atrasando por isso ainda mais a conclusão daquela obra.
73. Este embargo e as suas causas foi corroborado pelas testemunhas FM [cf. ficheiro 20220914114716, 00:07:50 – 00:08:10, transcrito na pág. 14] (arquitecto autor do projecto), AA [cf. ficheiro 20220914170043, 00:01:53-00:02:30, transcrito na pág. 14-15] e CA [cf. ficheiro 20220914170043, 00:05:19-00:06:28, transcrito na pág. 15] (fiscais da Câmara Municipal de TV, com intervenção directa naquele embargo) e pelo réu [conforme ficheiro 20221024142339, 00:06:46 – 00:12:33, transcrito na pág. 15-16].
74. As sucessivas prorrogações e o constante atrasar dos trabalhos, arrastando-se por muito mais do que os seis meses inicialmente previstos e que eram o acordado com os réus, ficaram assim comprovadas nestes autos.
75. De modo que se impunha ter sido dado como provado que:
A autora incumpriu o prazo acordado com os réus para a conclusão das obras, demorando mais de um ano e meio em obra quando inicialmente havia previsto demorar apenas seis meses.
Apreciação:
A questão do prazo é irrelevante, como já explicado a propósito dos §§ 41-46.
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76. Acresce que ficou provado à exaustão que esta moradia não foi correctamente construída pela autora e, como consequência, tem erros tais que tornam impossível que venha a obter a licença de habitação (que permitiria aos réus legalmente viver naquela casa, esse que é o fim último de uma casa digna desse nome) e que a tornam inapta ao fim que lhe seria natural – o de ser a casa dos réus.
77. O relatório elaborado pela eng.ª MR [junto como doc.15 ao requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022 e constante a fls. 109 ss. dos autos], as fotografias ilustradoras do estado calamitoso daquela casa [as dos documentos relativos ao embargo, supra mencionados, mas também aquelas que se juntaram com o requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022 como doc. C e ainda as que constam do relatório também junto com aquele requerimento, sob o doc.15], os relatórios dos eng.ºs PC [a fls. 4-6 do doc.11 junto com a contestação] e DP [a fls. 8-16 do doc. 11 junto com a contestação] e a memória descritiva e justificativa e descrição de materiais e elementos construtivos constantes do projecto urbanístico [juntos como docs. A1 e B ao requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022] são documentos que extensivamente reportam, evidenciam e explicam quer os erros de construção verificados, quer as respectivas desconformidades com o projectado, quer as consequências naquela moradia de uns e outros.
78. Ao nível da cobertura ficou provado que a solução prevista era a de uma cobertura “com treliças de aço galvanizado, placa OSB (3) e isolamento de lã mineral, sob painel sandwich de 60 mm” [cf. pág.3 do doc. A1 junto com o requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022, e também o que se refere na pág.7 do doc. B junto com o mesmo requerimento] e não foi isto que foi executado, antes tendo sido aplicado seixo.
79. É pacífico, de todos os documentos (e em especial dos projectos quando confrontados com o relatório da eng.ª MR) e dos depoimentos das testemunhas [cf. depoimentos da testemunha OL (ficheiro 202209141727, 00:22:58 – 00:23:16), BO (ficheiro 20220914110150, 00:03:13 – 00:04:43), MR (ficheiro 20220919144435, 00:06:20 – 00:07:01 e 00:07:53 – 00:09:16) e do gerente da autora, FC (ficheiro 20220919171106, 00:30:34 – 00:31:19, transcritos nas págs. 16-19], que o que foi executado foi-o em desrespeito pelo que consta dos projectos.
80. Mais: que a solução do seixo é mais pesada que a do painel sandwich, que tal peso não fora previsto nos cálculos de estabilidade e que esse peso adicional e não previsto causa uma sobrecarga na estrutura [cf. depoimentos da testemunha FM (ficheiro 20220919165954, 00:03:14 – 00:03:52 e 00:06:25 – 00:06:45) e MR (ficheiro 20220919144435, 00:07:53 – 00:09:16, transcritos nas págs. 19-20. Corroborado também na última página do relatório do eng.º PC, a fls. 4-6 do doc.11 junto com a contestação].
81. O que muito provavelmente – diz-nos também a experiência comum – é o que causará a deformação da geometria da casa que a eng.ª MR relatou ser possível de verificar [p.19 do relatório a fls. 109 ss dos autos].
82. Em termos simples, portanto, porque o peso do seixo não foi calculado em termos de a estrutura ser capaz de o acomodar, sendo aplicado o seixo na cobertura a casa “entorta” [cf. relatório a fls. 109 ss. dos autos, pág.19 e depoimento da testemunha MR (ficheiro 20220919144435, 00:12:39 – 00:13:24, transcrito na pág. 20].
83. O que tem também implicações no isolamento térmico, dado que o que foi executado não garante os níveis de isolamento que eram assegurados com a solução que havia sido projectada – conforme melhor decorre do depoimento da testemunha MR [cf. transcrito na pág. 20 (ficheiro 20220919144435, 00:07:53 – 00:08:22 e 00:54:04-00:54:14)] e da pág. 6 do relatório do eng.º DP [cf. fls. 8-16 do doc.11 junto com a contestação].
84. E, efectivamente, também se provou (quer com o relatório a fls. 109 e ss. dos autos quer com o depoimento da testemunha MR [cf. págs. 9-11 do relatório a fls. 109 ss. dos autos; e depoimento da testemunha MR (ficheiro 20220919144435, 01:04:09-01:07:27, transcrito na pág. 20-21 do documento junto sob o n.º 1] que esta “moradia” tem amplitudes térmicas registadas que, de tão díspares, o que permitem assegurar é que não há o mínimo isolamento térmico naquela casa.
85. A cobertura foi ainda mal-executada no que se reporta à impermeabilização, apresentando pontos de entrada de água (para a estrutura e para dentro de casa) e drenagem insuficiente, revelando que não foram feitos remates de impermeabilização das chaminés [cf. pág. 13 do relatório a fls. 109 e ss. dos autos].
86. Provou-se que a impermeabilização da cobertura tinha sido mal feita, permitindo que se vissem as placas de OSB encharcadas; e que tinha buracos, não estava bem colada e não tinha drenagens; que a manta geotêxtil não tinha sido colada [cf. depoimento da testemunha MR (ficheiro 20220919144435, 00:00:32-00:02:30, 00:05:41- 00:06:06, 00:06:07-00:08:22, 01:14:09-01:15:28, transcrito na pág. 21-23].
87. Mais: que há um ralo subdimensionado por onde “é suposto” que a água seja escoada, mas que não consegue cumprir o seu propósito, dado que o ralo não é suficientemente largo e, ainda por cima, tem parte da manta geotêxtil por cima – o que aliado à natural e expectável acumulação de terras e lamas, cria uma autêntica “piscina” naquela cobertura! [tudo cf. depoimento da testemunha MR (ficheiro 20220919144435, 01:10:42-01:13:55, transcrito na pág. 23-25].
88. Tudo isto, como decorre até da experiência comum, conduz a infiltrações de água da chuva que permeia pela cobertura e se vai espalhando por toda a estrutura e que, infiltrando-se, causa humidades e bolores – que são visíveis por toda a casa, nas paredes e tectos (que já têm deformações) e com reflexos também nos pavimentos, que empolam e se vão deformando [cf. relatório a fls. 109 e ss. dos autos].
89. De onde decorre, por isso, que deveria ter sido dado como provado que:
A cobertura foi executada em violação do projectado, o que tem implicações estruturais pela sobrecarga de peso provocada pela colocação de seixo ao invés de painel sandwich;
A impermeabilização não foi correctamente realizada na cobertura, não sendo ainda adequada a drenagem ali colocada, originando-se entradas de água para a estrutura e interiores o que por seu turno causa a presença de bolores, humidade, deformações nas paredes e tectos e nos pavimentos.
Apreciação:
Os elementos de prova invocados discriminadamente demonstram o que é dito pelos réus, pelos que estes factos devem ser aditados, já que os réus os alegaram na contestação como base da excepção de deduzida: os factos principais foram alegados pelos réus que remeteram a sua prova (e individualização) para os vários elementos que compunham o doc. 11 juntou com a contestação, e a autora percebeu perfeitamente o que era alegado e como e impugnou as alegações.
No entanto, o que se irá dar como provado não são as conclusões finais tiradas pelos réus, mas sim os defeitos concretos apurados e evitando-se repetições (ou seja, o que foi aditado por este acórdão na parte dos factos provados), embora com algumas precisões: assim, o ralo do §87 não é subdimensionado; o que se passou é que foi parcialmente ocupado com outros materiais.
Note-se entretanto, por exemplo, uma das testemunhas da autora (OL) adiantou razões para a alteração da cobertura (a colocação do seixo), entre elas dizendo que foram os réus que a pediram e a razão porque o fizeram (sendo que os réus, naturalmente, não transcreveram as partes dos depoimentos em que elas o faziam). Mas trata-se de matéria de contra-excepção, não de matéria que pudesse funcionar como simples restrição dos factos pretendidos aditar pelos réus, pelo que cabia à autora tentar aditar essa matéria aos factos provados, não podendo ser este tribunal de recurso a substituir-se à autora na impugnação da decisão da matéria de facto e a apreciar oficiosamente esses depoimentos nessa parte (não se estando, pois, a dizer, aqui, que eles convenceram do que afirmavam).
*
90. Concretamente quanto às paredes provou-se que o que foi executado não é o que estava previsto.
91. Estava prevista uma camada dupla de lã mineral (6cm + 6cm) e uma camada de isolamento EPS (8cm) [cf. pág. 4 da descrição de materiais e elementos construtivos junta como doc. B\ ao requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022], sendo que falta pelo menos uma das camadas de isolamento previstas (conforme decorre do depoimento da testemunha MR, bem como do relatório por esta elaborado e ainda do relatório do eng.º DP) [cf. pág. 7-8 do relatório a fls.109 ss dos autos e pág. 5-6 do relatório a fls.8-16 do doc.11 junto com a contestação; e depoimento da testemunha MR (ficheiro 20220919144435, 00:19:17 – 00:21:09 e 01:25:07-01:25:40) transcrito na pág.25-26].
92. Assim, e como acima se deixou plenamente ilustrado, também esta falta de uma das camadas de isolamento nas paredes daquela moradia contribui para a inexistência de isolamento térmico, o que por sua vez torna aquela casa tão quente ou tão fria consoante o que for a temperatura exterior.
93. Aliás, tanto a eng.ª MR [cf. pág. 8 do relatório a fls.109 e ss dos autos e depoimento (ficheiro 20220919144435, 00:27:27 – 00:27:42 e 00:48:19-00:49:38, transcrito na pág. 26-27] como o eng.º DP estabelecem que não só é possível verificar a inexistência de isolamento térmico aplicado nas paredes (porque, devendo ser possível vê-lo nas caixas de estores, ele não está), como essa falta de isolamento tem implicações nas condições térmicas daquela moradia, que são assim e ao contrário do que estava previsto muitíssimo fracas.
94. Decorre pois que se havia ter julgado provado que:
As paredes foram executadas em violação do projectado, com pelo menos uma camada de isolamento em falta, o que influi nas condições de isolamento térmico da moradia, tornando aquele isolamento térmico muito deficiente.
Apreciação:
Vale aqui também o que foi dito para os §§76-89.
*
95. Relativamente às escadas interiores ficou provado que todos os degraus apresentam alturas diferentes entre si, contrariamente ao que consta do projecto.
96. O que foi referido pelas testemunhas FM [cf. ficheiro 20220914114716, 00:08:18-00:08:32, 00:10:58-00:11:04 e 00:12:29-00:12:38, transcrito na pág. 27-28], PC [cf. ficheiro 20220914171319, 00:16:13-00:16:51, transcrito na pág. 28], BO [cf. ficheiro 20220914110150, 00:20:57-00:21:23, transcrito na pág. 28] e MR [cf. ficheiro 20220919144435, 00:14:59-00:15:52, 01:16:43-01:16:54 e 01:17:41- 01:17:53, transcrito na pág. 29], confirmado pelo gerente da autora [cf. depoimento do eng.º FC (ficheiro 20220919171106, 00:41:48, transcrito na pág. 29] e pelo réu [cf. depoimento (ficheiro 20221024142339, 00:14:56-00:15:33, transcrito na pág. 29-30] e consta também nos relatórios [como referido na pág. 3 do relatório a fls. 4-6 do doc.11 junto com a contestação e na pág.16 do relatório a fls.109 e ss dos autos].
97. Haveria, portanto, de ter sido julgado provado que:
As escadas interiores da moradia foram mal-executadas, verificando-se alturas distintas para todos os degraus, em desconformidade com o projectado.
Apreciação:
Vale aqui também o que foi dito para os §§76-89 (também aqui uma das testemunhas da autora disse que as escadas foram alteradas a pedido dos réus, mas também aqui trata-se de matéria de contra-excepção que cabia à autora tentar introduzir nos factos provados através da impugnação da decisão da matéria de facto).
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98. Quanto ao pavimento provou-se também que este foi deficientemente colocado, quer o flutuante, quer o cerâmico (ambos no interior), quer o pavimento exterior da moradia.
99. Todos os relatórios dos autos (a fls. 109 e seguintes; na pág. 2 do constante a fls. 4-6 e na pág. 4 do que consta a fls. 8-16, ambos no doc. 11 junto com a contestação) referem que o pavimento não está totalmente plano, ou porque foi mal aplicado ou porque a base onde assenta não foi bem feita, demonstrando empolamento, aumento de volumetria e descolamento junto às soleiras, o que evidencia teores de  humidade acima dos normais e a falta de espaçamento adequado para acomodar a normal dilatação do material.
100. O que se provou foi, então, que o pavimento no interior da moradia não está “direito” (tem empolamentos e deformações) e foi de tal modo mal colocado que aumentou a sua volumetria e está já a descolar junto às soleiras, porque não foi “dado o desconto” da dilatação dos materiais aquando da sua aplicação.
101. Isto decorre quer do relatório da eng.ª Margarida (a fls. 109 ss dos autos), quer das fotografias [juntas como doc. C ao requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022], quer também do que relataram as testemunhas PC [cf. ficheiro 20220914171319, 00:19:20-00:21:56, transcrito na pág. 30] e MR [cf. ficheiro 20220919144435, 00:13:25-00:13:38, 01:00:40 e 01:19:3-01:19:40, transcrito na pág. 30-31].
102. Aliás, concretamente quanto à garagem, a testemunha MR foi bem clara, afirmando categoricamente que o pavimento foi assente “ao contrário” do que deveria estar [cf. ficheiro 20220919144435, 00:13:49-00:14:59, transcrito na pág. 31].
103. No que tange aos pavimentos exteriores, o que se provou foi que o pavé se encontra deformado e abatido em especial junto aos muros e na zona de valas, por falta de compactação do solo; e que as tampas das caixas de visita não são adequadas à circulação automóvel [cf. págs. 5-6 e 21 do relatório a fls. 109 ss dos autos; e depoimento da testemunha MR [ficheiro 20220919144435, 00:33:12 – 00:36:27, transcrito na pág. 32-33].
104. Considerando a prova supra-referida, haveria de ter-se dado como provado por um lado que:
Os pavimentos no interior da moradia foram mal colocados, não tendo sido deixado espaço para a dilatação natural dos materiais e apresentam empolamento, deformações e descolamentos, tendo sido assente ao contrário o pavimento da garagem;
e, por outro lado, que:
Os pavimentos no exterior estão deformados e abatidos, em especial junto às valas e muros, o que decorre da má compactação do solo.
Apreciação:
Vale aqui também o que foi dito para os §§76-89 (e também aqui se fará uma precisão: o pavimento da garagem não foi assente ao contrário, foi sim feito com a inclinação contrária à que devia ter).
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105. Mais: o empolamento dos pavimentos e as deformações nas paredes e tectos que se verificam nesta moradia [cf. relatório a fls 109 ss dos autos e fotografias juntas como doc. B do requerimento probatório com a ref.ª 41780753, de 28/03/2022] é resultado das infiltrações provenientes da cobertura e que resultam, indubitavelmente, da falta de impermeabilização daquela cobertura, que permite que a água caia dentro de casa como na rua.
106. A queda de água dentro de casa dos réus foi confirmada pelas testemunhas PC [cf. ficheiro 20220914171319, 00:16:13-00:16:49, transcrito na pág. 33] e MR [cf. ficheiro 20220919144435, 01:20:40-01:20:53, 01:31:56-01:32-29, transcrito na pág. 33-34] e pelo réu [cf. depoimento (ficheiro 20221024142339, 00:25:31-00:28:00, transcrito na pág. 34-35], sendo indiscutível, por exemplo e atendendo ao que dizem estas pessoas, que chove dentro daquela casa e que a garagem (como a cobertura), quando chove, se transforma num verdadeiro lago.
107. E a proveniência e consequências, naqueles materiais, daquela água foi bem explicada pela testemunha MR [cf. ficheiro 20220919144435, 00:16:16-00:18:39, 00:44:23-00:45:27, 01:00:36-01:00:47 e 01:14:45-01:15:33, transcrito na pág. 35-37] em audiência de julgamento.
108. Assim, impunha-se que tivesse sido julgado provado que:
Chove dentro de casa dos réus, o que provém da falta de impermeabilização e má execução da cobertura e causa infiltrações, humidade e bolores, causando ainda a deformação do pladur das paredes e tectos e dos pavimentos, que empolam.
Apreciação:
Vale aqui também o que foi dito para os §§76-89.
*
109. Mais ficou provado que não foram instaladas as grelhas de ventilação previstas, o que causa humidade, condensação e bolores, contribuindo para o agravar do empolamento dos pavimentos e deformações nas paredes e tectos – o que se retira e decorre quer do relatório a fls. 109 ss dos autos (pág. 19), da pág. 8 do relatório a fls. 8-16 do doc. 11 junto com a contestação e, ainda, do depoimento da testemunha MR [cf. ficheiro 20220919144435, 00:27:40-00:30:19, transcrito na pág. 37-38].
110. Impondo-se, assim, que se tivesse dado como provado que:
As grelhas de ventilação previstas nos projectos não foram instaladas, o que causa humidade, condensação e a presença de bolor, agravando as deformações e empolamento do pavimento e das paredes e tectos da moradia.
Apreciação:
Vale aqui também o que foi dito para os §§76-89.
*
111. Resultou ainda do depoimento da testemunha JS [cf. ficheiro 20220914162308, 00:06:26-00:07:17 e 00:10:28-00:11:19, transcrito na pág. 38-39] que os vãos das portas interiores não tinham as medidas standard, o que por seu turno implicou que o carpinteiro que foi contratado pela própria autora para instalar as portas tivesse de rectificar medidas e “cortar as portas para caberem nos vãos, porque as portas normais não cabiam no buraco”; mais decorre que os rodapés não estavam bem aplicados.
112. Daqui o que se retira é que haveria ter sido dado como provado que:
Os vãos das portas interiores não têm as medidas standard, assim violando o projectado;
e que
Os rodapés foram mal aplicados.
Apreciação:
Vale aqui também o que foi dito para os §§76-89.
*
113. Mais julgou o tribunal provado que “a solicitação dos réus a autora alterou o material do pavimento exterior e das varandas e instalou uma porta de entrada blindada em lugar da prevista em madeira” e, ainda, que aquelas “alterações” “importaram o valor acrescido de 1.307,12€”.
114. O que sustenta unicamente no depoimento da testemunha OL.
115. Ora, considerando que o tribunal tem nos autos a memória descritiva e justificativa e a lista de materiais constantes dos projectos urbanísticos; que a factura que refere os tais “1.307,12€” os reporta a “trabalhos a mais”; que nenhum dos técnicos inquiridos como testemunhas e que participaram directamente na obra, como autor do projecto de arquitectura (FM), director técnico da obra (gerente da autora, eng.º FC), autor do projecto de estabilidade (eng.º PC) e engenheiros responsáveis pela obra (eng.ª CG e eng.º BO) referiram aquelas supostas alterações ou mencionaram quaisquer valores para tais “alterações”, não se compreende como poderá o tribunal sustentar a prova de um facto que, além de “financeiro” é “técnico”, no depoimento daquela testemunha OL, quando não corroborada por qualquer dos técnicos inquiridos ou suportada em qualquer documento.
116. Daí que, por isso,
Os factos dados como provados sob os números 6 e 7 não pudessem tê-lo sido, por faltar qualquer prova – cabal, sustentada e técnica – que o comprove.
A fundamentação desta decisão da matéria de facto, pelo tribunal recorrido, consta do seguinte:
Os dados mencionados em 6 e 7 apuraram-se com base no relato da testemunha OL, que deles revelou conhecimento pessoal e directo, em razão da sua actividade na autora.
Apreciação:
A autora invocava o que consta de 6 e 7 na petição, com referência à factura junta com a petição inicial em que, como trabalhos a mais, consta precisamente o valor que está em causa. E os réus não impugnaram o documento, antes o aceitaram como se vê no artigo 11 da contestação. O tribunal invoca o depoimento da testemunha nesse sentido. Esse depoimento, nessa parte, está de 14:40 a 15:17, de 21:32 a 22:31 e de 33:36 a 34:16, e confirma os factos 6 e 7. Os réus não produziram contraprova. Logo os factos devem permanecer provados (art. 346 do CC).
*
Continuam os réus:
117. A Srª juiz a quo julga não provado que os réus tenham comunicado os defeitos da obra à autora, solicitando que fossem corrigidos.
118. O que não se compreende nem poderá em caso algum aceitar, face ao que ficou provado nestes autos por meio dos depoimentos da testemunha OL [cf. ficheiro 202209141727, 00:18:33 – 00:18:48 e 00:19:27-00:20:34, transcrito na pág. 39-40], do gerente da autora [cf. depoimento do Eng.º FC (ficheiro 20220919171106, 00:19:44 – 00:20:16, 00:42:20-00:44:35 e 01:18:00-01:22:45, transcrito na pág. 40-41] e do réu [cf. Depoimento (ficheiro 20221024142339, 00:14:34-00:15:53, 00:19:34-00:19:51, 00:28:28-00:29:26, 00:47:15-00:48:52 e 00:50:14-00:50:41, transcrito na pág. 41-45].
119. Todos são unânimes quanto à denúncia de defeitos quer no decorrer da obra, quer após, à medida que se foram verificando.
120. Mais: unânime entre todos é também que sempre foi solicitada a reparação dos erros que foram verificados.
121. Daqui decorre que havia ter-se julgado provado que:
Os réus denunciaram os defeitos da obra e solicitaram à autora a respectiva reparação.
O que de facto foi decidido na sentença recorrido, quanto a isto, foi o seguinte:
Não está provado que os réus tenham comunicado à autora a verificação de erros de construção de natureza térmica e acústica e infiltrações, solicitando a sua correcção.
Apreciação:
Os réus, na contestação, só alegavam, de forma genérica, ter reclamado defeitos ou ter feito reclamações, remetendo depois para dois documentos: 11 e 26. O documento 26 não foi junto. O doc.11 é composto, como acima descrito, na parte que interessa, por três documentos tendo por destinatários a ré ou os réus e não a autora e são datados de 19/12/2019, Fev2020 e 29/01/2020. A acção foi proposta a 03/12/2019 pelo que os defeitos que estão em causa nesses documentos não podem ter sido reclamados através de tais documentos, nem a autora podia ter conhecimento dos defeitos através deles já que os documentos não eram dirigidos à mesma. No e-mail de 09/08/2019 (transcrito no relatório deste acórdão), do que a ré se queixa não é de problemas estruturais, térmicos, acústicos ou infiltrações, referidos na contestação, nem seria aliás provável que eles pudessem ter aparecido já então, pois que a obra tinha acabado de ser concluída e estava-se no Verão. Tendo tudo isto em atenção e considerando agora os depoimentos testemunhais invocados, vê-se que o depoimento da testemunha Olga e as declarações do gerente da autora se referem ao que estava em causa no e-mail dos réus de 09/08/2019 e não tinham a ver com o que agora está em causa. Quanto ao que diz o réu não está minimamente concretizado em termos de datas e momentos em causa, pelo que não tem nenhum valor para convencer que aquilo que os réus dizem na contestação já antes fosse dito à autora. Ou seja, é possível que, depois de 09/08/2019, os réus, aliás já interpelados para efectuar pagamentos em atraso, que dizem que pagaram sem que o provem, possam ter começado a reclamar outros problemas que não os reclamados no e-mail de 09/08/2019, mas não há o mínimo de prova segura disso; o que antecede até aponta para que os problemas de que os réus se queixam na contestação só tenham começado a surgir no Inverno de 2019, só tenham sido averiguados a partir de meados de Dez2019 e Janeiro de 2020 e só tenham ficado esclarecidos, para os réus, em fins de Janeiro de 2020, e só tenham sido comunicados precisamente com a contestação. Pelo que, o que se prova, quanto à reclamação dos defeitos em causa, é o que resulta da contestação (funcionando esta como denúncia deles) e nada mais. Aliás, o que os réus dizem a seguir (§§ 122 a 129), é coincidente, no essencial, com o que se acabou de dizer, e aponta precisamente no sentido de que antes os réus não podiam ter denunciado os defeitos só denunciados na contestação.
*
122. Aliás, até o reconhecimento, por parte da autora, quanto a alguns defeitos (como é o caso do abatimento do pavê exterior) decorre do depoimento da testemunha OL e do próprio gerente da autora.
123. O que – e pelo menos quanto a estes, que a autora reconhece – conduziria à desnecessidade da sua denúncia por parte dos réus.
124. Acresce que muitos dos erros que acima se elencaram e que resultam plenamente provados nos autos são deficiências que não se detectam de imediato, mas apenas com a vida daquela moradia aparecem – e muitos (como a humidade e bolores e condensação, como o abatimento do pavê no exterior…) não são normais numa casa “novinha em folha”, também o que decorre do depoimento da testemunha MR [cf. ficheiro 20220919144435, 01:33:02-01:33:16, transcrito na pág. 45].
125. E mais: estes donos de obra são “cidadãos comuns”, não são profissionais da área da construção e não sabem (como nenhum comum mortal saberá) qual é o procedimento de aplicação de isolamento térmico de paredes ou o que é que se põe nas paredes ou quando; como não sabem “ver” se está ou não está em conformidade com os projectos o que têm na sua “barraca”; como não sabem qual é a diferença entre pôr painel sandwich ou pôr seixo numa estrutura de LSF…
126. Não cabe nem é exigível ao dono da obra que consiga “ver” e denunciar logo defeitos que, ao cidadão médio, só são levados ao conhecimento quando vê uma casa torta, ou pavimento a “levantar”, ou chuva a cair pelas luzes, ou bolor nas paredes.
127. E este é precisamente o tipo de defeitos que aqui existem e que, incompreensivelmente, se julga “não provado” que se tenham denunciado.
128. O que acontece num exercício, portanto, diabólico que onera o dono da obra com um elencar imediato, formal, exaustivo e técnico de defeitos que só se fazem sentir (e notar pelo cidadão mediano) após algum tempo.
129. Pior: fá-lo, ainda que o empreiteiro tenha saído da obra, tendo-a como terminada e entregue e “lavado dali as suas mãos”, não mais atendendo telefonemas nem respondendo a qualquer comunicação, intentando estes autos como “vingança pelo não pagamento” de uma singela factura.
Apreciação:
Tudo o que antecede são simples considerações já tomadas em conta para a apreciação dos §§ 117 a 121, como já explicado.
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130. Mais se julga não provado que a autora se tenha recusado a reparar defeitos.
131. Ora, ficou provado que a autora nunca mais foi à obra, que a deixou como estava tendo-a por entregue e que, apesar de ter sido alertada para os defeitos que acima se deixaram e que se provaram, não os reparou.
132. Tudo conforme melhor decorre do depoimento do réu, que esclareceu que ainda hoje continua à espera que a empreiteira vá reparar aqueles defeitos.
133. Ainda que assim não se entendesse, a autora intentou os presentes autos em 2019 sem que tenha alguma vez retornado à obra ou tornado sequer a contactar os réus, pelo que até o decurso do tempo permite ter por assente esta recusa na reparação, não sendo expectável a ninguém que uma empreiteira que “sai da obra” e a “dá por terminada”, que intenta uma acção em tribunal contra os donos de obra onde cobra a “factura final” e que não mais lhes dirige a palavra ou atende telefones ou responde a mensagens ou a emails não se recuse a reparar os defeitos denunciados.
134. Assim, havia de ter sido dado como provado que:
A autora se recusou a reparar os defeitos da obra.
O que de facto foi decidido na sentença recorrido, quanto a isto, foi o seguinte:
Não está provado que a autora se tenha recusado a reparar os defeitos natureza térmica e acústica e as infiltrações comunicados pelos réus.
Apreciação:
Tendo em conta o que foi dito para apreciação dos §§ 117 a 121, é evidente que a autora não se pode ter recusado a reparar defeitos que não foram denunciados.
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Em suma: da impugnação da decisão da matéria de facto, procede quanto à matéria discutida nos §§ 76 a 112, com a consequência do aditamento dos factos 10 a 24.
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Do recurso sobre matéria de direito
A fundamentação de direito da sentença foi a seguinte, em síntese deste TRL e na parte que interessa:
Os factos 1 a 3 e 5 a 7, aos olhos das normas dos artigos 1207 e 1216/2 do Código Civil, implicam que se reconheça a bondade da pretensão da autora e que consequentemente se conclua pela procedência da acção.
É que, diferentemente do que alegaram e lhes impunha o ónus probatório (cf. art. 342/2 do CC), os réus não fizeram prova de ter pago à autora, por conta dos trabalhos por ela executadas na obra de construção civil que lhe adjudicaram, mais do que os montantes mencionados em 4 e 8, nem, consequentemente, de que só restam por pagar-lhe 21.000€.
Como não fizeram prova de quaisquer circunstâncias que, no quadro da disciplina do art. 428 do CC, possam legitimar o accionamento da excepção de não cumprimento do contrato, permitindo-lhes não pagar no imediato à autora a quantia que lhe devem.
Quanto aos juros, eles são devidos desde a data da emissão da factura, crê-se, na linha do defendido no ac. do STJ de 30/11/2021, que “a obrigação de pagamento de juros pelo devedor-consumidor ao comerciante é regulada pelo regime geral da lei civil, tendo o consumidor que pagar, na hipótese de atraso no cumprimento da obrigação, os juros de mora decorrentes do artigo 559 do CC e não os juros comerciais.”
Ora, não há dúvida que, no quadro da relação contratual descrita nos autos, os réus se apresentam como consumidores.
Assim, não lhes é aplicável o regime do art. 102 Código Comercial, na redacção dele resultante do DL 63/2013 de 10/05, por decorrência da norma do art. 2/2-a do mesmo diploma.
No mais a pretensão moratória formulada pela A. tem acolhimento nos termos do art. 805/2-a do CC.   
*
Os réus, nesta parte, dizem o seguinte:
137. Está aqui em causa um contrato de empreitada, cujo objecto era a moradia dos réus - moradia esta com as características e materiais constantes do processo urbanístico e tal qual viera a ser aprovada pela câmara municipal.
138. Como contrato sinalagmático que é, implica para ambas as partes - autora e réus - obrigações recíprocas e correspectivas, sendo umas causa das outras.
139. Do lado da autora, a obrigação principal é a construção da moradia, com as exactas características e materiais constantes dos projectos, de acordo com as normas técnicas que regem a actividade a que se dedica e no prazo acordado com os réus.
140. Do lado dos réus, obrigação principal é o pagamento do preço tal qual acordado com a autora, a pagar mediante a construção da tal moradia.
141. É de empreitada todo o contrato mediante o qual alguém se obrigue perante outrem a realizar certa obra, contra o pagamento de um preço - cf. art. 1207 CC.
142. Só poderá, pois, considerar-se cumprido o contrato de empreitada quando entregue ao dono da obra aquela obra, em conformidade com o convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato - cf. art. 1208 CC.
143. Neste caso concreto de uma empreitada onde, como nesta, a "obra" é uma moradia unifamiliar, destinada (por defeito, desde sempre!) à habitação dos donos de obra, só se pode considerar "executado" o contrato quando seja entregue a moradia, tal qual convencionada, sem vícios ou defeitos que lhe diminuam o valor ou a impeçam de ser uma moradia unifamiliar destinada à habitação (isto é, que a tornem legalmente inabitável).
144. Neste caso, como se viu (porque nesta casa chove, há abatimentos e empolamentos de pavimentos e de pladurs, bolores e humidades e infiltrações, falta ventilação e até as escadas têm alturas diferentes em cada degrau) não se poderá considerar o contrato como executado, demonstrando-se óbvio o incumprimento da autora.
145. Dita a boa-fé na execução dos contratos que, incumprindo uma das partes as obrigações a que está adstrita, a outra parte possa recusar-se (proporcionalmente e considerando a extensão e relevância do incumprimento da contraparte) ao cumprimento da sua própria obrigação.
146. Ora, sendo este um contrato de empreitada, o dono de obra poderá recusar-se ao pagamento (total ou parcial, consoante os casos) do preço se e quando a obra seja defeituosamente levada a cabo.
147. Esta válvula de escape é o instituto da "excepção de não cumprimento" e depende, neste caso da empreitada, da denúncia ao empreiteiro dos defeitos imputados à obra e da manifestação do direito que se pretende ver exercido (reparação ou substituição da coisa, ou redução do preço), cf. artigos 428 e 1220 e seguintes do CC.
148. O acervo fáctico acima consolidado permite estabelecer, desde logo, que a autora incumpriu flagrantemente a sua obrigação nesta empreitada: não construiu a moradia como devia (violando as regras de construção e desrespeitando os projectos aprovados, construindo uma moradia torta, com degraus disformes, com infiltrações, com francos problemas térmicos e com todos os demais defeitos que acima se elencaram, que a impedem de cumprir o fim para que se destina), assim como violou todos os prazos que previu e que foi revendo, sendo originalmente de seis meses a previsão para a conclusão das obras e tendo esta casa (que nem poderá ser assim designada, dado que é, a quase todos os níveis, equivalente senão pior que um barracão) demorado mais de ano e meio a ser erigida, com todos os defeitos que tem.
149. Este incumprimento não permite, pois, que se considere sequer concluído o contrato e entregue a obra, dado que o seu objecto - a moradia, com as características aprovadas pela câmara municipal e com a licença de utilização que lhe permitiria cumprir a sua finalidade - não foi nunca entregue.
150. E não é um incumprimento irrelevante ou irrisório - ofende as características essenciais daquilo que é aquela obra!
151. Daí que fosse e seja, a bem da justiça e do equilíbrio nos contratos, legítima a recusa do pagamento da factura que a autora vem aqui tentar cobrar enquanto não sejam eliminados definitivamente todos os defeitos da obra.
152. É que os defeitos de que padece esta moradia obstam totalmente à sua finalidade; e o pagamento aqui em causa é apenas parcial face ao valor total contratado, não sendo desproporcional ou exagerada a recusa neste pagamento.
153. Neste sentido, vide, por exemplo, o acórdão do STJ de 06/09/2016, no proc. 6514/12.2TCLRS.L1.S1; e os acórdãos do TRP de 09/09/2021, no proc. 118546/18.6YIPRT.P1, e de 30/05/2023, no proc. 19494/21.4T8PRT.P1.
154. O tribunal a quo, para "decidir fácil e rápido" (sendo a rapidez circunscrita à redacção da sentença, já que o tempo que estes autos demoraram fala por si quanto à celeridade da inexistente justiça que neles se fez...), teve como não provada a denúncia dos defeitos e a solicitação da sua remoção - sem explicar sequer porquê, dizendo apenas que os réus incumpriram o ónus probatório.
155. Como teve por não provado que a autora se tivesse recusado a reparar os defeitos da moradia, sendo certo que não mais lá alocou trabalhadores ou foi sequer, não tendo feito quaisquer trabalhos desde Julho ou Agosto de 2019...
156. Ora, a denúncia de defeitos de uma empreitada não tem forma especial prescrita pela lei, pelo que se basta com uma declaração emitida pelo dono da obra e que seja recepcionada pelo empreiteiro, onde se elenquem os defeitos da obra. No mesmo sentido, vide o acórdão do TRP de 21/02/2022, no proc. 1583/16.9T8PVZ.P1.
157. O que é aliás a única interpretação possível, atenta a forma como estas empreitadas costumam decorrer e considerando que o acompanhamento da obra pelos donos torna usual que não seja trocada “correspondência formal” entre as partes.
158. Considerando que se provou que os réus estiveram em constante contacto com a empreiteira (quando e enquanto esta permitiu), e que iam levando ao seu conhecimento - das mais variadas formas, quer através de post-its, quer telefonicamente, quer através de mensagens escritas, quer por email, quer por carta... - tudo o que não estava bem, pedindo que fosse corrigido, mal se compreende como se afastou, neste caso, a aplicação deste instituto.
159. Ficou provado que os réus denunciaram os defeitos à autora; e que lhe solicitaram a respectiva reparação; e que esta, até hoje, nada reparou.
160. Ficou, então e inequivocamente, provado que estavam reunidos os requisitos necessários para despoletar validamente a excepção de não cumprimento: a denúncia dos defeitos e opção por qualquer um dos direitos ínsitos nos artigos 1220 e seguintes do CC.
161. E também que o direito que os réus pretendiam e pretendem fazer valer é o da eliminação dos defeitos, cf. art. 1220 CC.
162. Assim e consequentemente, tem plena aplicação ao caso sub iudice o disposto no art. 428 do CC.
163. Ao não entender assim, o tribunal a quo interpretou erradamente aquela norma, que desaplicou ao caso concreto.
164. Sendo plenamente aplicável a excepção de não cumprimento do contrato, é legítima (e aliás, a única forma de garantir o equilíbrio neste contrato) a recusa do pagamento da factura aqui em causa enquanto não forem reparados e eliminados os defeitos que impedem, de momento e desde que a obra "terminou", a moradia objecto deste contrato de ser gozada como tal.
165. Havia, pois, de considerar aplicável o art. 428 CC ao caso concreto, impondo-se a absolvição dos réus do pedido.
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Apreciação:
É já claro que a autora fez uma obra para os réus pelo preço invocado (206.799,20€ + 1.307,12€ = 208.106,32€ - factos 2, 6 e 7) e que os réus provaram ter pago apenas 146.367,50€ (factos 4 e 8), estando, pois, em falta a parte do preço que a autora deles pede (já com a redução do pedido), 61.738,28€.
Isto embora, sublinhe-se, os réus dissessem que já tinham pago tudo menos 21.000€ e agora não impugnem a decisão da matéria de facto para tentar que fique provado que pagaram o que diziam ter pago.
O que falta agora ver é a questão da excepção de não cumprimento como justificação para a falta de pagamento da parte do preço em dívida.
É também claro, agora, que não há prova de que, antes da contestação, os réus tenham reclamado, da autora, a reclamação dos defeitos que são invocados na contestação, defeitos esses que se provam com os factos aditados neste acórdão devido à parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto.
Assim, o que importa saber é o seguinte: reclamando a autora, em 03/12/2019, dos réus, o pagamento da parte do preço de uma obra já concluída, os réus podem excepcionar, na contestação, o não cumprimento, por parte da autora, da obrigação de reparar os defeitos que apenas com a contestação foram dados a conhecer à autora?
A excepção de não cumprimento do contrato (art. 428 do CC), pode ser oposta, também, ao cumprimento defeituoso do contrato (neste sentido, por exemplo, Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso…, Almedina, 1994, págs. 324 a 330, especialmente a partir de 327; João Cura Mariano, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 2015, 6.ª edição, Almedina, páginas 163 a 168 com indicação de muita outra doutrina e jurisprudência; João José Abrantes, Contrato de empreitada e excepção de não cumprimento do contrato – ac. do TRP de 19/09/2006, proc. 2150/06, Cadernos de direito privado, n.º 18, Abril/Junho de 2007, páginas 53 a 58; e Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, Direito das obrigações, Contrato de empreitada, vol. II, 2012, Almedina, páginas 276-277).
A doutrina tem entendido que os defeitos podem ser denunciados só com a propositura da acção em que é pedida a sua correcção (por exemplo, Pedro Romano Martinez, obra citada, páginas 373-374). Logicamente, eles também podem ser denunciados só com a contestação da acção em que é pedido o pagamento de uma parte do preço em causa (que não tivesse de ser paga antes da obrigação da execução dessa parte da obra: art. 428/1 do CC). O que aliás é uma evidência visto que os defeitos podem ter aparecido só no período que medeia até à contestação. Assim sendo, não há razão para não admitir que, sendo pedida uma parte do preço da empreitada, os donos da obra possam opor a excepção do cumprimento defeituoso da empreitada para evitar o pagamento enquanto os defeitos não forem corrigidos.
É o que aconteceu no caso do ac. do TRP de 19/09/2006, proc. 0622150, anotado por João José Abrantes, sendo que nem o acórdão nem o anotador exigem (contra o que parecem sugerir Pedro Romano Martinez, obra citada, pág. 329, e João Cura Mariano, obra citada, págs. 166-167) que o dono da obra tenha exercido algum direito antes disso e depois da denúncia, antes pelo contrário, já que, no caso, o dono da obra o que queria, na reconvenção era ser indemnizado pelos danos causados pela deficiente realização dos trabalhos e pela quantia correspondente ao custo da reparação (a fazer por terceiro), o que não lhe foi concedido, antes tendo sido condenado a pagar o preço depois de a empreiteira proceder à reparação ou eliminação dos defeitos.
Neste sentido, o ac. do TRC de 01/03/2005, proc. 4141/04 [o acórdão tem a indicação de ter um voto de vencido, mas ele não está publicado; a posição do acórdão não tem correspondência no sumário]: “nada nos diz na lei que para invocar a citada exceptio [de não cumprimento do contrato], tenham os réus [donos da obra] que haver denunciado previamente os defeitos da obra; as normas acima citadas apenas obrigam o dono da obra a seguir determinadas etapas para se ressarcir dos prejuízos; contudo e uma vez demandados para o pagamento de alguma importância que reputam dependente de prévia prestação da contraparte, podem na verdade recusar tal pagamento caso a aludida prestação não se mostre em conformidade com os termos do contrato […]. Afastamo-nos assim da posição tomada neste particular por Romano Martinez, para quem a denúncia do contrato funciona como condição prévia para a invocação da exceptio. […].”
João Cura Mariano, na mesma obra e local, lembra que Rui Sá Gomes, Breves notas sobre o cumprimento defeituoso no contrato de empreitada, em Ab vno ad omnes, Coimbra Editora, 1998, páginas 621-622, nota 74, defende que é suficiente a denúncia dos defeitos, não sendo necessária a manifestação de opção pelo exercício do direito.
Na obra e local citado, João Cura Mariano precisa a sua posição: “que nada impede que o dono da obra, demandado judicialmente para pagar o preço ou a parte do preço da obra, na contestação, deduza reconvenção em que denuncie a existência de defeitos, exerça um dos direitos que a lei lhe confere e, simultaneamente, oponha a excepção do contrato não cumprida para ver suspensa a sua obrigação de pagamento do preço.”
Entende-se, no entanto, pelo que antecede (de acordo com os acórdãos do TRC e do TRP, João José Abrantes e Rui Sá Gomes), que excepcionado o não cumprimento na contestação, a procedência da excepção não depende da opção por um direito (a não ser que a opção por esse direito seja ou se revele incompatível com a excepção).
O que pode acontecer, nestes casos, é que a excepção seja exercida depois da ultrapassagem dos prazos de caducidade de denúncia dos defeitos e, nesse caso, não poderia proceder. Só que esta questão está dependente de que o empreiteiro excepcione a caducidade da denúncia em que a condenação com excepção de não cumprimento por defeitos se consubstancia. Excepção de caducidade que não foi suscitada, nem se indicia que pudesse proceder no caso dos autos.
A excepção deve ser exercida tendo em conta o princípio da boa fé (art. 762/2 do CC), devendo haver proporção entre o valor dos defeitos ou a desvalorização da coisa devido à existência destes, e a parte do preço que falta pagar (João Cura Mariano, obra citada, pág. 165). Não havendo dados suficientes para estabelecer de forma precisa esta proporcionalidade, ela deve ser fixada com recurso à equidade (por aplicação analógica do disposto no art. 566/3 do CC - autor e obra acabados de citar, pág. 166). Tendo em conta que os danos denunciados na contestação e no essencial provados dizem respeito a defeitos estruturais, entende-se que no caso se verifica a exigida proporcionalidade.
A excepção só deve levar ao protelamento do pagamento do preço que deve ser pago mal sejam corrigidos os defeitos e entregue a documentação necessária à obtenção da licença de utilização da moradia; não serve para evitar a condenação no pagamento do preço, como o explica o acórdão do TRP de 2006, com a concordância de José João Abrantes na anotação referida, o qual diz: “d) […] o tribunal a quo deveria ter julgado a acção parcialmente procedente, condenando os réus a efectuar o pagamento do preço ainda em dívida, sem juros de mora, e condicionando esse pagamento à realização das obras de eliminação dos defeitos; e) o Tribunal da Relação decidiu bem, revogando a sentença recorrida e condenando os réus no pagamento do remanescente do preço, condicionado, porém, à reparação dos defeitos da obra.”
Neste sentido, ainda, o ac. do TRL de 02/03/2023, proc. 58774/17.6YIPRT.L1-2: III - “A procedência da exceptio [de não cumprimento do contrato] invocada em juízo não permite a absolvição do réu do pedido ou da instância […], mas deve conduzir à condenação do réu a cumprir a obrigação contra realização da contraprestação […], posto que, através da oposição desta excepção, o réu não nega a existência da obrigação a que se está vinculado, mas faz depender o cumprimento do oferecimento da prestação a que tem direito.”
Neste acórdão lembra-se que “a excepção de não cumprimento do contrato é uma excepção material dilatória. Retarda o momento da exigência do cumprimento daquele que a excepciona, transferindo-o para quando a sua contraparte cumprir a sua obrigação correspectiva. Pressupõe, por isso, que a ré (que excepciona) queira pagar embora depois de a autora, por sua vez, fazer o que é devido. Assim, no caso da procedência desta excepção material, o que deve verificar-se é uma procedência parcial da acção, pois que se condena o credor a cumprir quando o seu devedor fizer o que tem a fazer. […].”
O acórdão invoca, também neste sentido, Ana Taveira da Fonseca, Comentário ao CC, Direito das Obrigações, UCP/FD/UCE, 2018, pág. 126: “A procedência da exceptio invocada em juízo não permite a absolvição do réu do pedido ou da instância (em sentido contrário, cfr. ac. TRL de 27/05/2001, CJ.2001, tomo 3, 102), mas deve conduzir à condenação do réu a cumprir a obrigação contra realização da contraprestação (condenação Zug um Zug), posto que, através da oposição desta excepção, o réu não nega a existência da obrigação a que se está vinculado, mas faz depender o cumprimento do oferecimento da prestação a que tem direito (ac. TRP de 16/11/2015, proc. 62/11.5TBSTS.P1 [: II - A excepção de não cumprimento do contrato não é senão a recusa temporária do devedor – credor de uma prestação não cumprida no âmbito de um contrato sinalagmático – que, assim retarda, legitimamente, o cumprimento da sua prestação enquanto o credor não cumprir a prestação que lhe incumbe. III - É uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo. Este acórdão tem um voto de vencido quanto à matéria, como se vê sem razão]; já antes, o mesmo era sugerido por José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato no Direito civil português, Almedina, 1986, págs. 154 e 155, embora de forma não tão peremptória pois que também admitia que o juiz pudesse não condenar in futurum.”
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Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, em substituição da sentença recorrida, julga-se a acção parcialmente procedente condenando os réus a pagar à autora 61.738,82€ (já com Iva), ficando o pagamento condicionado à realização pela autora das obras de eliminação dos defeitos, descritos nos factos 10 a 24 e à entrega pela autora da documentação necessária à obtenção da licença de utilização da moradia; aquela quantia será acrescida dos juros de mora que se vencerem a partir de então.
Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras), quer da acção quer do recurso, pela autora e pelos réus, em partes iguais (sem prejuízo do já decidido quanto às custas da reconvenção no despacho saneador de 17/03/2022).

Lisboa, 07/03/2024
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Inês Moura