Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4712/20.4T8FNC.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: REGULAMENTO INTERNO
ALCOOLÍMETRO
RESERVA DA VIDA PRIVADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I– A aprovação por uma entidade patronal de um Regulamento Interno de Uso de Alcoólimetro que reputa de positivos todos os testes cujo resultado seja superior a 0,0g/l álcool no sangue, mesmo quando cotejado com o direito por parte dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de segurança, saúde e higiene, põe em causa por desproporcionalidade o direito à reserva da vida privada dos trabalhadores.

II– O Regulamento em causa ao implementar uma política de tolerância zero para com o álcool em sede laboral comprime, restringe de forma desproporcionada o direito fundamental à reserva da vida privada dos trabalhadores, sendo que se aporta a tal conclusão tendo por padrão comparativo o disposto no artigo 81º do Código Estrada.

III– Todavia, sendo certo que o Regulamento visa a protecção dos direitos dos trabalhadores, nada obstava a que o mesmo até para evitar erros e o hipotético cometimento de arbitrariedades ou abusos, fosse coonestado com a cl.ª do Instrumento de regulamentação colectiva aplicável que contempla a realização de testes de contra prova.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.



AAA intentou[1]  acção, com  processo especial de Tutela da Personalidade do Trabalhador, nos termos do artigo 186ºE, do Código de Processo do Trabalho, contra BBB

Pede que, por violação dos direitos previstos nos artigos 16º e 19º, do Código do Trabalho, se declare a ilicitude do Regulamento Interno de Uso de Alcoolímetro.

Mais solicita que a requerida seja notificada para « se obstar de instaurar processos disciplinares ou decretar sanções nos que já se acham instaurados que tenham como fundamento o dito Regulamento, nos termos do artigo 186º - E do CPT, na redacção da Lei nº 107/2009, de 9/9 ».

Alega, em resumo, representar os trabalhadores do sector da construção civil, actividade exercida pela requerida.

Esta, com efeitos a partir de 01.04.2019, aprovou um “Regulamento Interno – Uso de Alcoolímetro”.

O Regulamento dispõe que serão considerados positivos os testes cujo resultado seja superior a 0,0g/l no sangue.

Todavia, não cabe nos poderes da entidade empregadora qualquer interferência nos hábitos alimentares dos seus trabalhadores e se por razões de segurança se preveem medidas a esse nível é desprovido de sentido uma total proibição de ingestão de bebidas alcoólicas.

A requerida tem instaurado processos disciplinares com base no regulamento.

Trata-se de uma intromissão na vida privada, sendo que os alcoolímetros não são totalmente fiáveis.

Em 20 de Novembro de 2020 , foi proferido o seguinte despacho:
«
Para a realização da audiência designo o próximo dia 11 de Dezembro, pelas 09.30horas.

Notifique, sendo os Ilustres Mandatários para, querendo usarem das prerrogativas previstas na alínea b), do n.º 2, do artigo 6ºA, da Lei 1-A/2020.

Notifique e cite nos termos do disposto no artigo 186ºE, do CPT. » - fim de transcrição.

A Ré foi citada.[2]

Em audiência final [3]apresentou a sua contestação[4].

Nesta, na qual impugnou o alegado, sustenta, em suma, que o regulamento não padece de ilicitude.

O consumo do álcool tem vindo a ser apontado como uma das principais razões da elevada sinistralidade, em particular na construção civil, em termos que enuncia e se dão por reproduzidos.

Foram introduzidas regras visando combater os sinistros.

A regra prevista na CCT não tem sido suficiente atendendo ao número de acidentes de trabalho ocorridos devido à ingestão de bebidas alcoólicas.

Entende ser legítimo submeter os trabalhadores aos exames que se revelem necessários em função da segurança deles próprios.

O empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores as condições de segurança higiene e saúde.

Assim, sustenta a improcedência da acção.

Na supra citada audiência foi produzida prova testemunhal  [5] que foi gravada.

Em 18 de Dezembro de 2020, foi proferida a seguinte sentença ( que aqui se reproduz na parte tida por relevante para o recurso):[6]

« 
O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

Nada ocorre que anule todo o processo.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e, atento o seu interesse na causa, são legítimas.

Não existem, nem foram arguidas quaisquer outras nulidades, excepções ou questões prévias que possam obstar à apreciação do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
*

Foi produzida a prova arrolada.
*

II.–FUNDAMENTAÇÃO

Resultam provados os seguintes factos:

1.- A Ré é um sindicato representativo dos trabalhadores do sector da construção civil.
2.- A Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto social, entre outras, a construção de obras públicas e particulares.
3.- A Ré aprovou um Regulamento Interno Uso de Alcoolimetro, com entrada em vigor em 01.04.2019, segundo o qual no ponto 3.1:
“Serão considerados positivos todos os testes cujo resultado seja superior a 0,0g/l álcool no sangue”.
4.- A Ré instaurou um processo disciplinar ao trabalhador …, remetendo nota de culpa ao mesmo datada de 23.09.2020, imputando-lhe que no dia 31.07.2020, o mesmo apresentava uma taxa de alcoolémia de 0,29 g/l no sangue, enquanto se encontrava ao serviço da Ré.
(…)

     
Em 15 de Janeiro de 2021[7], o Autor recorreu.[8]

Concluiu nos seguintes moldes:
«
1 Independentemente da necessidade de qualquer prova, é manifestamente impossível que a consagração de uma “taxa zero” quanto à existência de indícios de álcool na corrente sanguínea não venha a contender com a vida privada do trabalhador.
2 Pois, também é desnecessária qualquer prova para que se reconheça que os vestígios do consumo de bebidas alcoólicas levam várias horas para serem totalmente eliminados, podendo, conforme o organismo do consumidor, exigir um período muito dilatado.
3 Tal significa que, na sua vida privada, o trabalhador, para cumprir com esta taxa, está impedido de ingerir qualquer bebida alcoólica em momento anteriores ao início do seu período de trabalho.
4– Não se detectando quer nas posições sustentadas pela R., quer no teor da decisão recorrida, quaisquer fundamentos para que seja instituída tão radical exigência.
5– Sendo certo que a contratação colectiva para o sector, aliás reconhecidamente aceite pela R., consagra um outro limite, menos rigoroso.
6 Verificando-se assim, uma clara violação do disposto no art.º 476.º do Código do Trabalho.
7– Verificando-se também uma violação do art.º 281.º, n.º 7 do mesmo Código, facilmente detectável face à anterior redacção para a mesma norma que constava do art.º 274.º, n.º 1, al. b) do CT de 2003, dado que, em matéria de saúde e segurança, passou a ficar claro que a mesma apenas se pode circunscrever à concreta prestação do trabalho.
8– Além destas questões, o regulamento que ora se impugna, não prevê quaisquer medidas que garantam o direito de defesa do trabalhador, nomeadamente o direito a exigir contraprova.
9 Num prevê quaisquer medidas que possam assegurar o rigor dos testes que implementa, quer a nível de aparelhos quer a nível de executantes dos mesmos, quer ainda quanto à apreciação dos seus resultados.
10 Ao reconhecer a licitude [9]do regulamento imposto pela R., a decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 16.º e 19.º do Código do Trabalho, para além do já citado art.º 476 do mesmo Código.
11 E pôs em causa o direito à privacidade previsto nos art.ºs 18.º, n.º 2 e 3 e art.º 26.º do CRP.» - fim de transcrição.
Em 18 de Janeiro de 2021, a Ré apresentou resposta.
Em 20 de Janeiro de 2021 , foi despacho[10].
Em  21 de Janeiro de 2021,o Autor  apresentou requerimento.[11]
Em 1 de Fevereiro de 2021, a Ré contra alegou[12].
Concluiu  que:
«
A.
O Regulamento Interno de Uso de Alcoolímetro da Recorrida não padece de qualquer ilicitude, não estando a ser violados quaisquer direitos de personalidade dos trabalhadores;

B.–
Ficou devidamente comprovado nos presentes autos que o consumo de álcool tem efeitos prejudiciais sobre a capacidade de trabalho de qualquer pessoa e a realização de trabalho com consumo de álcool tem vindo a ser apontado como uma das principais razões da elevada sinistralidade ocorrida em determinados sectores, em particular na construção civil;

C.–
O impacto do consumo de álcool nos comportamentos individuais e, em concreto, na segurança dos trabalhadores é ainda mais crítico nos postos de trabalho nos quais as atividades desenvolvidas apresentam um elevado risco de sinistralidade;

D.–
O Regulamento Interno foi elaborado pela Recorrida com vista a proteger a integridade física e saúde não só dos seus trabalhadores como também de terceiros, prendendo se apenas com questões de segurança e saúde no trabalho, as mesmas que deram origem ao artigo 120.º da CCTV;

E.–
A Recorrida decidiu implementar a “tolerância zero” quanto ao consumo de álcool, uma vez que as regras previstas no referido artigo 120.º da CCTV não se têm mostrado suficientes, atendendo ao número de acidentes de trabalho ocorridos devido à ingestão de bebidas alcoólicas;

F.
Não existem valores legalmente definidos para a taxa de alcoolémia em meio laboral, pelo que nada proíbe a Entidade Empregadora de elaborar um Regulamento Interno nesse sentido visando apenas a segurança e saúde dos seus trabalhadores e de eventuais terceiros que entrem em contacto com aqueles;

G.–
A Recorrida cumpriu na íntegra os artigos 99.º e 104.º do CT ao elaborar o seu Regulamento Interno;

H.–
Também os artigos 16.º e 19.º do CT não foram violados pela Recorrida, não se encontrado esta a lesar quaisquer direitos de personalidade dos seus trabalhadores;

I.–
A regra legalmente prevista no artigo 19.º do CT é a da proibição da realização dos testes, mas esta comporta uma exceção, que é a realização destes quando estão em causa interesses para a saúde e bem-estar do trabalhador, do empregador ou de terceiros;

J.–
É legítimo submeter o trabalhador aos exames que se revelem necessários no âmbito do controlo da alcoolémia quando se perspetivem riscos para o trabalhador ou para terceiros e uma vez que existe uma razão objetiva para realizar o teste, em função da segurança para os próprios trabalhadores e terceiros;

K.–
O Código do Trabalho teve a preocupação de, expressamente, consagrar que, em face dos perigos que o estado de embriaguez pode causar para o próprio trabalhador e para terceiros, e porque podem estar em causa interesses e valores dignos de proteção social, como sejam a segurança rodoviária ou a prevenção de acidentes de trabalho, se justifica que o Empregador possa, com vista a proteger o trabalhador, bem como terceiros, impor aquele a submissão a testes de despistagem de consumo de álcool previstos em Regulamento Interno;

L.
A sujeição dos trabalhadores a testes de alcoolémia considera-se integrada no conjunto de regras respeitantes à organização e disciplina no trabalho, em concreto nas regras respeitantes à segurança e saúde no trabalho;

M.–
O Empregador poderá fixar regras mais pormenorizadas e concretas em função da atividade desenvolvida, i.e., estabelecer por via de Regulamento Interno que é proibido o consumo de álcool no local de trabalho, durante o período normal de trabalho e que é proibido o desempenho de funções sob o efeito do álcool com vista a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspetos relacionados com o seu trabalho;

N.–
Tal poder tem como limite a proibição de emanar ordens que interfiram e invadam a vida pessoal dos trabalhadores, quando a atuação de carácter privado dos trabalhadores não tem quaisquer repercussões na relação laboral;

O.–
A “tolerância zero” visa pôr cobro à proliferação de acidentes de trabalho, bem como assegurar o exercício das funções atribuídas aos trabalhadores em condições físicas e psíquicas, e a sua saúde, contribuindo desta forma para a produtividade e bom funcionamento da Recorrida;

P.–
Esta regra visa prevenir o uso e o consumo do álcool pelos trabalhadores não em todas as circunstâncias, mas apenas naquelas que comprometam e/ou digam respeito à relação laboral;

Q.–
A Recorrida respeita os direitos dos seus trabalhadores à privacidade, não tendo sido divulgados quaisquer aspetos da intimidade da sua vida privada, tendo sido respeitado o artigo 16.º do CT, tendo também sido respeitado o artigo 19.º do CT, uma vez que é o próprio artigo que exceciona a matéria relativa a segurança e saúde no trabalho;

R.–
Também a jurisprudência considera que a proibição de testes ao trabalhador prevista no artigo 19.º do CT não é uma proibição absoluta, entendendo que os direitos de personalidade não são direitos absolutos;

S.–
É obrigação da Entidade Empregadora criar um ambiente de trabalho promotor da segurança e saúde dos seus trabalhadores, tal como se retira dos artigos 281.º e 284.º do CT e dos artigos 5.º, 15.º e 17.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro que veio regular o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho;

T.–
Os artigos acima referidos não foram violados pela Recorrida, nem tão pouco foi violado o artigo 476.º do CT;

U.–
A prevenção dos riscos profissionais deve assentar numa correta e permanente avaliação de riscos e ser desenvolvida com vista à segurança e saúde no trabalho, a promoção e a vigilância da saúde do trabalhador;

V.–
O Regulamento tem como finalidade prioritária a prevenção e redução de riscos de acidente de trabalho, garantir a proteção e segurança de pessoas e bens e contribuir para a melhoria das condições de saúde;

W.–
O Regulamento Interno prevê a proibição do consumo de álcool apenas com vista a evitar graves consequências para a segurança e saúde, tanto dos trabalhadores como de terceiros;

X.–
É do conhecimento geral que, mesmo em doses fracas, o álcool atua sobre o cérebro provocando várias alterações, como o atraso no tempo de reação a estímulos visuais e sonoros, o estreitamento no campo visual, a dificuldade na perceção das cores, alteração na perceção das distâncias e da velocidade, entre outras;

Y.–
É frequente as Companhias de Seguros declinarem a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho em que se comprove que o trabalhador se encontrava alcoolizado e, quem fica desprotegido é o trabalhador ou, eventualmente, a sua família;

Z.–
Ficou também demonstrado em sede de julgamento que os alcoolímetros usados pela Recorrida se encontram devidamente calibrados e certificados, tendo o controlo efetuado obedecido a todos os trâmites legais.» - fim de transcrição.
(…)
(…)
Mostram-se colhidos os vistos.
Nada obsta ao conhecimento.

****

Eís a matéria de facto dada como assente em 1ª instância (que se nos afigura suficiente para a decisão da causa):
1.- A Ré é um sindicato representativo dos trabalhadores do sector da construção civil.
2.- A Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto social, entre outras, a construção de obras públicas e particulares.
3.- A Ré aprovou um Regulamento Interno Uso de Alcoólimetro, com entrada em vigor em 01.04.2019, segundo o qual no ponto 3.1:
 “Serão considerados positivos todos os testes cujo resultado seja superior a 0,0g/l álcool no sangue”.
4.- A Ré instaurou um processo disciplinar ao trabalhador …, remetendo nota de culpa ao mesmo datada de 23.09.2020, imputando-lhe que no dia 31.07.2020, o mesmo apresentava uma taxa de alcoolémia de 0,29 g/l no sangue, enquanto se encontrava ao serviço da Ré.

****
 
É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do Novo CPC  ex vi do artigo 87º do CPT  /2010 aplicável) [i].

Mostra-se  interposto um recurso pelo Autor, sendo que nas suas  conclusões suscita três questões.

A primeira vertente do recurso é saber se o Regulamento se deve reputar violador do disposto nos artigos 16.º, 19.º, 281 nº  7 e 476.º todos do Código do Trabalho.
A segunda consiste em saber se deve considerar-se que o Regulamento ora impugnado cerceia os direitos dos trabalhadores por não prever quaisquer medidas que garantam o direito de defesa do trabalhador, nomeadamente o direito a exigir contraprova.
A terceira questão ( vide conclusões 9 e 10:
«10 Ao reconhecer a licitude [13]do regulamento imposto pela R., a decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 16.º e 19.º do Código do Trabalho, para além do já citado art.º 476 do mesmo Código.
11E pôs em causa o direito à privacidade previsto nos art.ºs 18.º, n.º 2 e 3 e art.º 26.º do CRP.» - fim de transcrição. ) no fundo, consiste em saber se, ao invés do dirimido na verberada sentença, deve considerar-se que o Regulamento Interno de Uso de Alcoolímetro[14] aprovado pela Ré, referido no ponto nº 3 da matéria assente, que entrou em vigor em 1 de Abril de 2019, ao estatuir no seu ponto  3.1 que «  “Serão considerados positivos todos os testes cujo resultado seja superior a 0,0g/l álcool no sangue », põe em causa o direito à privacidade previsto no art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa[15] ( bem como os nºs 2 e 3 do art.º 18.º do mesmo diploma).

Em rigor não resulta das alegações e conclusões do Autor  que o mesmo, ainda que de forma velada, intentou arguir a inconstitucionalidade ou ilegalidade do Regulamento no seu todo ou até só do seu ponto 3 . 1 .

De facto, refere « De forma algo caricatural, o regulamento prevê a possibilidade da sua suspensão, “caso seja considerado inconstitucional”, mas, é por demais evidente que a sua execução se encontra num patamar inferior à apreciação da sua conformidade com a Constituição, apesar do desrespeito pelos princípios constitucionais.» - fim de transcrição.[16]

Todavia, não é liquido ( vide conclusões 10 e 11) que não o tenha pretendido  fazer em relação à  interpretação da lei levada a cabo na sentença.
A procedência de qualquer uma destas questões produzirá efeitos a extrair  em sede do pedido deduzido pelo Autor .
 
****

Iniciaremos a apreciação do recurso pela dilucidação da terceira problemática apontada, visto que a sua eventual procedência é susceptível de afectar a dilicidação das restantes. 

O Regulamento em causa é um regulamento interno de empresa.

Mas qual sua natureza ?

Segundo o artigo 1º do CT/2009 [17] (inserido no Capítulo I – Fontes de Direito do Trabalho):

Fontes específicas

O contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé.

Por sua vez, o artigo 99.º do mesmo diploma estatui:

Regulamento interno de empresa
1-O empregador pode elaborar regulamento interno de empresa sobre organização e disciplina do trabalho.
2-Na elaboração do regulamento interno de empresa é ouvida a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais.
3-O regulamento interno produz efeitos após a publicitação do respetivo conteúdo, designadamente através de afixação na sede da empresa e nos locais de trabalho, de modo a possibilitar o seu pleno conhecimento, a todo o tempo, pelos trabalhadores.
4-A elaboração de regulamento interno de empresa sobre determinadas matérias pode ser tornada obrigatória por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial.
5- Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos nºs 2 e 3.

Temos, pois, que o artigo 1º do CT/2009  regula as fontes específicas nacionais.[18]

Para Luís Gonçalves da Silva « o preceito não refere como fonte o regulamento de empresa. Esta omissão tem a seguinte justificação :sendo uma questão controvertida a qualificação do regulamento da empresa como fonte laboral, não seria adequado   o legislador tomar posição face ao debate doutrinário existente.

E note-se que o facto de o legislador  não ter consagrado formalmente o regulamento como fonte laboral não impede naturalmente que o seja, situação que em nossa opinião se verifica.

De facto, nós consideramos o regulamento de  empresa uma fonte laboral , devendo invocar-se o carácter geral e abstracto das suas disposições para essa qualificação (para mais desenvolvimentos….) » - fim de transcrição. [19][20]

O Professor António Monteiro Fernandes [21] refere:
«o empregador está legalmente habilitado a exercer os seus poderes de direcção, organização e disciplina do trabalho através de determinações gerais a abstractas, isto é emitindo regras que, em vez de serem transmitidas, como actos directivos, a cada trabalhador, são levadas ao conhecimento geral do pessoal, por afixação ou distribuição. Essas regras podem, assim, como adiante se dirá, constar de instrumentos comunicacionais diversos, mas podem também ser estabelecidas por meio de um instrumento único, dotado de aplicabilidade genérica aos elementos que constituem a organização : o chamado regulamento interno.
Este poder regulamentar  do dador de trabalho (reconhecido no art. 99º CT) refere-se à « organização e disciplina do trabalho » e só se justifica, em via de regra, nas empresas de maiores dimensões e complexidade».

E «o regulamento interno, quando existe, pode desempenhar duas funções diferentes : a de forma de expressão do poder organizativo ( regulamentar ) do empregador (art. 99º do CT) e a de meio de  manifestação da vontade contratual desta no contexto da celebração do contrato de trabalho por adesão (art. 104º/1) » - fim de transcrição. [22]

Salienta ainda:[23]
«o exercício do poder regulamentar pode, como é natural, interferir na definição das condições de trabalho, e , através delas, no conteúdo dos contratos de trabalho. Ao lado de regras de natureza técnica (como as que fixam procedimentos relativos ao próprio processo   produtivo), organizacional, comercial, podem surgir  outras que ampliam ou restringem os comportamentos contratualmente exigíveis aos trabalhadores, e ainda outras que configuram o sistema remuneratório, introduzindo  condições de acesso a prémios, a comissões, a acréscimos salariais por antiguidade, o regime de carreiras, etc.

Estas regras  têm objecto claramente contratual.

Trata-se de uma possibilidade expressamente admitida na lei.

Como atrás se observou (…), o regulamento interno pode funcionar como proposta contratual do dador de trabalho, considerando-se celebrado – ou modificado – o contrato pela simples adesão, expressa ou tácita,  do trabalhador (art. 104º CT» - fim de transcrição. [24]

Segundo a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho[25] :
«Habitualmente reconduzido a uma manifestação do poder directivo ou identificado como poder laboral autónomo, o poder regulamentar manifesta-se  na possibilidade de delimitação das regras de prestação do trabalho e de disciplina na empresa através de regulamento da empresa. No nosso sistema , esta possibilidade encontra-se actualmente prevista no artigo 99º do CT, e, no contexto desta norma, está em questão a faceta normativa do regulamento da empresa, que acresce ao seu conteúdo negocial, (…)

Ora, na medida em que estas regras são estabelecidas unilateralmente pelo empregador e o trabalhador lhes deve obediência , nos limites do seu contrato  e da lei (art. 128º nº 2) , o regulamento interno, na sua vertente normativa, manifesta um poder laboral do empregador» - fim de transcrição.

O Professor Pedro Romano Martinez, por sua vez, sustenta que os regulamentos de empresa , que são por natureza internos, não são fontes de direito e « como tal não podem constituir uma forma de formação e revelação de normas jurídicas ( …, Direito do Trabalho, 7ª edição, Almedina , Coimbra , 2015, pág. 182 » - fim de transcrição. [26]

Perfilha-se tal entendimento, sendo que também há quem qualifique o regulamento interno de empresa como  uma figura sui generis[27].

Afigura-se-nos, pois, que não se pode considerar que o Regulamento em apreço contem normas, em sentido estrito, cuja aplicação possa ser aqui recusada com fundamento em inconstitucionalidade por força do disposto na alínea a ) do nº 1 do artigo 280º da CRP. [28]  

Tal como ensina o Professor Jorge Miranda “a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade é de normas jurídicas (arts . … da Constituição ». [29][30]

Refere ainda:

« A fiscalização da constitucionalidade e da legalidade versa sobre normas jurídicas ou actos normativos; e não se trata – em consonância com os conceitos expostos – senão de normas ou de actos normativos públicos, expressão de poder público.
Insusceptíveis de fiscalização são as normas privadas, sejam as decorrentes da autonomia privada (contratos normativos, cláusulas ou compromissos arbitrais) , sejam as decorrentes da autonomia associativa latu sensu (estatutos de associações e fundações, pactos sociais, regulamentos internos de pessoas colectivas privadas), sejam as fundadas na autonomia colectiva ( convenções colectivas de trabalho )» . [31]

E que:
« excluídos do controlo do Tribunal Constitucional  encontram-se os actos não normativos típicos  que são os actos políticos ou do governo , os actos administrativos e as decisões judiciais». [32]

Para o Professor J. J. Gomes Canotilho [33] « o objecto de controlo da constitucionalidade são normas jurídico - públicas.

Excluem-se, assim, da fiscalização judicial da Constituição os actos normativos privados».

(…)
A Constituição, para além de definir o estatuto fundamental dos cidadãos através da consagração de direitos fundamentais, não deixa , porém de estabelecer ligações com o direito privado.

É o que acontece, desde logo, com a vinculação de entidades privadas  pelos direitos, liberdades e garantias . Nalguns casos as normas constitucionais estabelecem elas mesmo padrões de comportamento juridicamente vinculativos dos particulares.
(…)

O problema complica-se quando os actos privados  se reconduzem a verdadeiras normas entendidas como padrões de conduta juridicamente vinculativos.
É o que acontece com os regulamentos das associações, os regulamentos de locais abertos ao público, os regulamentos de empresa e os estatutos de  sociedades e fundações.
Estes actos normativos privados poderão ser  inválidos por violação das normas constitucionais.
Os meios de defesa e protecção não são, porém , os instrumentos de controlo da constitucionalidade de normas jurídico-públicas mas os meios judiciais comuns de impugnação de actos ilícitos (cfr. Acs. TC 730/95, DR II , 6-2-96 , e 451/ 95, DR II , 7-2-97). 
 
Note-se, no entanto, que o parâmetro normativo imediato segundo o qual se deve aferir a licitude ou ilicitude é constituído , neste caso, pelas normas e princípios constitucionais e não por princípios vagos como os da ordem pública , bons costumes, boa - fé , muitas vezes invocados na jusprivatística como fundamento da nulidade ou anulabilidade de actos ilícitos privados » .

O Regulamento em causa não é expressão de poder público, sendo evidente que não provem de qualquer acto normativo público.

Por outro lado, no seu segmento normativo traduz o exercício de um poder laboral do empregador .

Há até quem considere [34] [35] que as cláusulas de um regulamento interno, que assumem cariz contratual, são cláusulas contratuais gerais, elaboradas, sem prévia negociação individual, como elementos de um projecto de contrato de adesão, destinadas a tornar-se vinculativas quando proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou a aceitar esses projecto.

Todavia, tal facto não significa que o Regulamento não tenha que respeitar os preceitos constitucionais e princípios respeitantes aos direitos, liberdades e garantias.

O artigo 18º da CRP comanda:

(Força jurídica)
1.-Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2.-A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3.-As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Para Jorge Miranda e Rui Medeiros[36] [37]:
« I– Este artigo, expressão mais consequente e mais exigente do Estado  de Direito democrático (art. 2º), contém os mais importantes dos princípios materiais comuns aos direitos, liberdades e garantias:
1 º- A aplicação imediata dos preceitos constitucionais ( nº 1º, 1ª parte).
2 º - A vinculação de todas as entidades públicas  (nº 1º, 2ª parte).
3 º - A vinculação das entidades privadas ( nº 1, 3ª parte).
4 º - A reserva de lei (nº 2).
5 º - O carácter restritivo das restrições (nºs 2 e 3) , traduzida , designadamente, em proporcionalidade (nº 2º, 2ª parte) , generalidade e abstracção de lei restritiva ( nº 3º, 1ª parte) , proibição de lei restritiva retroactiva ( nº 3º, 2ª parte ) e garantia do conteúdo essencial ( nº 3, 3º parte ) ».

Mais salientam:
«[38]X - Na vinculação das entidades privadas não estão em causa (até porque seria inútil dize-lo) direitos nas relações entre particulares, só elevados a direitos fundamentais por virtude da sua conexão com certos princípios constitucionais, ou com outros direitos ou por virtude  da relevância dos bens a proteger ou das instituições dentro dos quais surgem – assim, os direitos dos cônjuges ( …).

Nem, ao invés, direitos que apenas podem ter como destinatário passivo o Estado, como as garantias  de Direito e de processo penal…

Trata-se, sim, de direitos que incidem ou podem incidir tanto nas relações com entidades públicas quanto nas relações com particulares – como os que resultam da reserva da intimidade da vida privada (artigo 26º, nº 2)……».

E prosseguem:
«XI– Não se compreenderiam uma sociedade e uma ordem jurídica em que o respeito da dignidade e da autonomia da pessoa fosse procurado apenas nas relações  com o Estado e deixasse de o ser nas relações das pessoas entre si.

Não basta, pois, limitar o poder político, é preciso também assegurar o respeito das liberdades de cada pessoa pelas demais pessoas.

Donde:(….)

a - Como pressupostos  - O reconhecimento da qualidade de valores superiores da ordem jurídica dos direitos, liberdade e garantias , mas igualmente, o reconhecimento, da necessidade de um mínimo de separação entre o Estado e sociedade civil, bem como a distinção entre Direito público e Direito privado e entre a inconstitucionalidade da lei e invalidade do contrato.
    
B– Como objectivos – o equilíbrio, a concordância prática, se possível a realização simultânea dos direitos, liberdades e garantias, por um lado, e por outro , da autonomia privada – esta regulada no Código Civil (art. 405º) , mas não na Constituição, embora aqui se induza como garantia institucional (…..) .

C– ….».

Segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa [39] e José de Melo Alexandrino:

«d)- a autonomia privada  não pode prevalecer sobre direitos absolutos nem lesar intoleravelmente outros direitos, liberdades e garantias, cujo conteúdo essencial se mostra assim oponível a todos».

Ou seja; o Regulamento em causa bem como o seu conteúdo podem e devem aqui ser sujeitos ao crivo de conformidade, de obediência, com os princípios constitucionais, bem como com os direitos, liberdades e garantias contemplados na nossa Lei Fundamental.

É que decorre do artigo 204º da CRP, nos  feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

Assim,  por  maioria de razão, os Tribunais também não podem validar  nem conferir beneplácito, a actos de particulares (entre eles) que na prática sejam desrespeitadores de direitos, liberdades e garantias consagrados na CRP.

Suponha-se - por absurdo – que uma empresa aprovava um regulamento interno que vedava aos seus trabalhadores poderem ter ou praticar um credo religioso  fosse ele  qual fosse…!!!![40]

É inquestionável que se trataria de prática inadmissível.

Nas palavras do Professor J. J. Gomes Canotilho [41] « os tribunais, porém, não estão apenas ao « serviço da defesa de direitos fundamentais« ;eles próprios, como órgão de poder público devem considerar-se vinculados pelos direitos fundamentais.

Esta vinculação dos tribunais pelos direitos, liberdades e garantias efectiva-se ou concretiza-se ; (1 ) através do processo justo aplicado no exercício da função jurisdicional ou (2) através da determinação e direcção das decisões jurisdicionais pelos direitos fundamentais materiais».

E também salienta:[42]
«Os juízes, embora vinculados em primeira linha pela mediação legal dos direitos, liberdades e garantias, devem também dar operatividade prática à função de protecção ( objectiva ) dos direitos, liberdades e garantias.

a)- Em primeiro lugar, devem fazer uma aplicação do direito privado legalmente positivado em conformidade com os direitos fundamentais pela via da interpretação conforme a constituição;
b)- Se a interpretação conforme os direitos, liberdades e garantias for insuficiente cabe sempre na competência dos tribunais a desaplicação da lei (por inconstitucional) violadora   dos direitos (subjectivos) ou dos bens constitucionalmente garantidos pelas normas consagradoras  de direitos fundamentais;
c)- A interpretação conforme os direitos, liberdades e garantias das normas de direito privado utilizará como instrumentos metódicos não apenas as cláusulas gerais ou conceitos indeterminados (ex: a boa fé, abuso de direito) mas também as  próprias  normas  consagradoras e defensoras de bens jurídicos absolutos ( vida, liberdade).Trata-se, pois, de uma concretização de bens jurídicos constitucionalmente protegidos através de normas de decisão judiciais (captadas ou « extrinsecadas» por interpretação – integração pelo direito  judicial. O Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou claramente sobre o sentido da eficácia dos direitos, liberdades e garantias nas relações jurídicas privadas».

Contudo, existem  partidários da eficácia directa dos preceitos  constitucionais e defensores de uma mera aplicação mediata dos mesmos a nível das relações interprivados. [43]

Para os primeiros[44] « a ideia, no fundo, é a de que  os direitos fundamentais adquirem um carácter objectivo, tornando-se 2 princípios objectivos da ordem jurídica civil” que determinam a invalidade  dos actos ou negócios jurídicos contrários aos direitos fundamentais e que implicam a possibilidade de serem civil e criminalmente sancionáveis os factos que os infrinjam».

Para os defensores da eficácia mediata  dos direitos fundamentais às relações entre sujeitos privados a adaptação deles passa pelo crivo das normas e princípios próprios do Direito Privado como a ordem pública e a boa fé » os quais, para além de revelarem uma intenção inequívoca de aplicação, são, por si só, suficientes para assegurar  a efectivação e garantia da liberdade negocial dos sujeitos privados que resolvam contratar ».[45]

Numa posição intermédia há quem defenda a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais no domínio privado, mas de uma forma atenuada apelando por exemplo à distinção entre relações interprivadas tendencialmente  iguais e relações de domínio defendendo a aplicabilidade directa só nesta ultima situação .[46]

A ideia é quanto maior for a desigualdade e o desiquilíbrio patenteado numa determinada relação, maior será a margem de autonomia cujo sacrifício é de admitir.[47]

Nas palavras de Guilherme Machado Dray[48], que centra o seu estudo no principio da igualdade, o problema coloca-se « nas relações privadas desiquilibradas ou de domínio, que denotem e patenteiem uma situação de desigualdade matéria e nas quais a liberdade negocial de uma das partes se mostra, à partida, comprimida e cerceada pelo seu estado de necessidade ou pelo poderio económico, técnico ou social da contraparte negocial .

Nestes casos, inversamente, quando determinadas pessoas singulares ou colectivas detêm um poder especial sobre  outras, advogamos a aplicabilidade imediata do principio da igualdade como forma de garantia da própria liberdade negocial de ambas as partes envolvidas e, nessa conformidade, como forma de compatibilização e harmonização dos ideais de igualdade e de liberdade , entendida esta última de autonomia privada».

E acrescenta ser o que acontece em particular  no que « tange às relações laborais».

Afigura-se-nos que tal raciocínio logra aplicação à situação sub judice, o que determina a aplicabilidade imediata do invocado princípio de respeito pela reserva da vida privada no domínio em causa.

Porém, pelos motivos já apontados, as consequências de uma hipotética desconformidade do conteúdo do Regulamento com os princípios constitucionais, bem como com as normas respeitantes aos direitos, liberdades e garantias não devem ser extraídas em sede da verificação de inconstitucionalidade, mas, em nosso entender,  pela aplicação ao caso concreto das regras respeitantes à validade/invalidade do negócio jurídico (regressar-se-á a tal problemática, oportunamente, se for caso disso).

E nem se esgrima que a referida problemática não foi expressamente suscitada na petição inicial nem tratada na sentença recorrida e como tal é susceptível de consubstanciar  uma questão nova.

Desde logo, porque a avaliação da supra citada conformidade, a nosso ver, se contem nos poderes do juiz.

É que  tal como resulta do nº 3º artigo 5 do CPC, o  juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

Ou seja, vigora o princípio jura novit curia.[49]

Por outro lado, ainda que assim não fosse e até estivéssemos perante uma averiguação da verificação de inconstitucionalidade, em sentido estrito, sempre cumpriria recordar que apesar do no nº 1 do artigo 627º do NCPC[50][ ex vi da alínea a) do nº 2º do artigo 1º do CPT, regular  que os recursos visam a impugnação das decisões recorridas mediante o reexame do que nelas se tiver discutido e apreciado e não a apreciação de questões novas) tal era possível.

[Segundo o Conselheiro Rodrigues Bastos, « visando os recursos … modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, não podem tratar-se neles de questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido».[51]

Aliás, «a jurisprudência tem repetidamente afirmado em numerosíssimos arestos que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova» .[52]

Porém, tal principio não abrange as questões novas de conhecimento oficioso.

Assim, o Tribunal superior deve conhecer das questões novas, isto é, não levantadas no tribunal recorrido, desde que não tenham sido decididas com trânsito em julgado e versem sobre questões de conhecimento oficioso, [53] sendo que neste sentido também aponta Fernando Amâncio Ferreira.

Segundo este autor « o Tribunal de recurso pode conhecer de questões novas, ou seja, não levantadas no tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado.

E essas questões podem referir-se quer à relação processual (vg: a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do art 495º), quer à relação material controvertida (vg: a nulidade do negócio jurídico, ante o estatuído no artigo 286º do CC, a caducidade, em matéria excluída da disponibilidade das partes, face ao disposto no artigo 333º do mesmo Código e o abuso de direito, tal como se encontra caracterizado no artigo 334º ainda do CC)» . [54]

Para José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes « os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse a primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.

É, por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.

Os tribunais de recurso podem porém, conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso, por exemplo, das questões de inconstitucionalidade de normas suscitadas nas alegações de recurso ou da caducidade de conhecimento oficioso» - CPC, Anotado, volume 3º, Coimbra  Editora, pág. 5.]

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A nosso ver, no presente recurso, em rigor, não se mostra questionada a legalidade de no seio da Ré ter sido aprovado e existir um Regulamento Interno de Uso de Alcoolímetro que versa sobre medidas gerais de higiene e segurança[55].

E também não se mostra questionada a possibilidade de a Ré, na qualidade de entidade patronal, levar a cabo testes de despistagem de álcool.

Esta, aliás, mostra-se contemplada no CCTV [entre a ASSICOM – Associação da Indústria da Construção d Região Autónoma da Madeira e o AAA e outros, publicado no JORAM, III Série, n.º 8, de 17 de Abril de 2014, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2014 ][56], que a recorrente subscreveu , pelo que se verificaria uma situação de abuso de direito, contemplada no artigo 334º do Código Civil, na modalidade de «venire contra factum proprium » se aqui o viesse fazer.

In casu, a  questão centra-se a nível da previsão concreta formulada no ponto  3.1  do Regulamento segundo o qual:

« Serão considerados positivos todos os testes cujo resultado seja superior a 0,0g/l álcool no sangue » .

Recorde-se que a recorrente, em sede conclusiva, sustenta :
«1 Independentemente da necessidade de qualquer prova, é manifestamente impossível que a consagração de uma “taxa zero” quanto à existência de indícios de álcool na corrente sanguínea não venha a contender com a vida privada do trabalhador.
2 Pois, também é desnecessária qualquer prova para que se reconheça que os vestígios do consumo de bebidas alcoólicas levam várias horas para serem totalmente eliminados, podendo, conforme o organismo do consumidor, exigir um período muito dilatado.
3 Tal significa que, na sua vida privada, o trabalhador, para cumprir com esta taxa, está impedido de ingerir qualquer bebida alcoólica em momento anteriores ao início do seu período de trabalho.
4– Não se detectando quer nas posições sustentadas pela R., quer no teor da decisão recorrida, quaisquer fundamentos para que seja instituída tão radical exigência.
5– Sendo certo que a contratação colectiva para o sector, aliás reconhecidamente aceite pela R., consagra um outro limite, menos rigoroso.
6 Verificando-se assim, uma clara violação do disposto no art.º 476.º do Código do Trabalho.
7– Verificando-se também uma violação do art.º 281.º, n.º 7 do mesmo Código, facilmente detectável face à anterior redacção para a mesma norma que constava do art.º 274.º, n.º 1, al. b) do CT de 2003, dado que, em matéria de saúde e segurança, passou a ficar claro que a mesma apenas se pode circunscrever à concreta prestação do trabalho.
8– Além destas questões, o regulamento que ora se impugna, não prevê quaisquer medidas que garantam o direito de defesa do trabalhador, nomeadamente o direito a exigir contraprova.
9 Num prevê quaisquer medidas que possam assegurar o rigor dos testes que implementa, quer a nível de aparelhos quer a nível de executantes dos mesmos, quer ainda quanto à apreciação dos seus resultados.
10 Ao reconhecer a ilicitude do regulamento imposto pela R., a decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 16.º e 19.º do Código do Trabalho, para além do já citado art.º 476 do mesmo Código.
11 E pôs em causa o direito à privacidade previsto nos art.ºs 18.º, n.º 2 e 3 e art.º 26.º do CRP.» - fim de transcrição.

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Mas será que deve considerar-se o Regulamento violador destas normas, por contender  com a reserva da intimidade da vida privada dos trabalhadores ? 

A título introdutório desta problemática referiremos as palavras de Lurdes Dias Alves [57]  [58] :

« A protecção constitucional do direito à reserva da vida privada, verifica-se em todas as dimensões em que o cidadão se manifesta, incluindo a sua envolvente laboral.

O cidadão, enquanto trabalhador, não perde pela natureza subjacente ao seu vínculo contratual – o contrato de trabalho - que tem como objecto a prestação de  uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, refletida no poder do empregador determinar ou conformar, através de ordens, directivas e instruções , a prestação a que o trabalhador se obrigou, a protecção que a Constituição confere à reserva da sua vida privada.

Contudo, tendo presente que o contrato de trabalho é um negócio jurídico bilateral (sinalagmático), i. e, assenta na declaração de duas vontades geradoras de obrigações recíprocas para ambas as partes (trabalhador e empregador), não podemos, por isso, esquecer os direitos do empregador, os quais também se encontram sob a tutela constitucional.

Com efeito, o direito à privacidade, ainda que seja uma manifestação da protecção da dignidade da pessoa humana[59], não é um direito absoluto ( como não é qualquer direito por mais ampla que seja a sua tutela jurídica, nem um direito superior aos outros (pois não há hierarquia entre direitos), em virtude de, em determinadas circunstâncias, o exercício efetivo de outros direitos o poderem restringir.

Ainda que essa restrição esteja subordinada ao princípio da proporcionalidade, na sua tripla dimensão : - a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito » - fim de transcrição.

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Recorde-se que o artigo 26º da CRP comanda:[60]

(Outros direitos pessoais)

1.-A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
2.-A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
3.-A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.

Segundo os Professores J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (CRP, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Artigos 1º a 107º, CRP Anotada, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, em anotação ao artigo 26º, I, pág. 461):
« 
Ao reunir num único artigo nada menos do que nove direitos distintos a Constituição sublinha aquilo que, para além da sua diversidade, lhes confere carácter comum, e que consiste em todos eles estarem directamente ao serviço da protecção da esfera nuclear das pessoas e da sua vida, abarcando fundamentalmente aquilo que a literatura juscivilista designa por direitos de personalidade (cfr. AcTC nº 110/05).

Não é por acaso que este preceito surge imediatamente a seguir ao direito à vida e ao direito à integridade pessoal (arts. 24º e 25º) e que a sua epígrafe refere «outros direitos pessoais», o que quer dizer4 : outros, além da vida e da integridade pessoal, mas integrantes da mesma categoria específica .

Daí que, tal como esses, alguns destes direitos de personalidade gozem de protecção penal e que eles constituam igualmente limite de outros direitos fundamentais, que com eles possam conflituar (v.g, limite à liberdade de informação e de imprensa)» - fim de transcrição.

Os aludidos constitucionalistas  referem ainda[61]:

«O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (nº 1º in fine e nº 2) analisa-se principalmente em dois direitos menores :
( a ) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada  e familiar e ( b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. CCivil art. 80º).
Alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantias  deste : é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art. 34º), da proibição de tratamento informático de dados referentes à vida privada (art. 35º,- 3).

(….)

Alguma doutrina e jurisprudência(cfr. AcTC nº 454/93) distinguem entre esfera pessoal íntima ( absolutamente protegida) e esfera privada simples ( apenas relativamente protegida, podendo ter de ceder em conflito com outro interesse ou bem público ; mas à face deste preceito da CRP parece que tal distinção não é relevante.

(….)

A protecção de intimidade   da vida privada assume expressões ou dimensões relevantíssimas no âmbito das relações jurídico-laborais.

A protecção dos direitos de personalidade dos trabalhadores (cfr. Cód. Trabalho, arts. 17º e ss) impõe que o eventual acesso das entidades patronais a informações relativas à vida privada do trabalhador (saúde, estado de gravidez) deve obedecer a um procedimento justo de recolha dessas informações (ex: através de um médico sujeito de sigilo) e à observância estrita do princípio da proibição do excesso  (as informações necessárias, adequadas e proporcionais) para o exercício de determinadas actividades (cfr. AcTC nº 306/03 » - fim de transcrição.

Temos, pois, que há doutrina [62]que  em relação ao direito à intimidade da vida privada distingue várias esferas (é a denominada teoria das três esferas ou dos três graus)  na vida de cada um .

Sobre o assunto  Guilherme Machado[63]  refere:

« a esfera íntima (ou secreta), que compreende  todos os factos que devem, objectivamente, ser inacessíveis a terceiros e protegidos da curiosidade alheia, designadamente os que digam respeito a aspectos da vida familiar, a comportamentos sexuais, a práticas e convicções religiosas e ao estado de saúde das pessoas. A esfera íntima, em princípio, é absolutamente protegida;
. a esfera privada, que compreende todos os factos cujo conhecimento o respectivo titular tem, subjectivamente, o interesse em guardar para si, designadamente factos atinentes à sua vida profissional, ao seu domicílio ou aos seus hábitos  de vida. A esfera privada  é apenas relativamente protegida , podendo ceder em caso de conflito com outro direito ou interesse público;
. a esfera pública, que compreende todos os factos e situações do conhecimento público, que se verificam e se desenvolvem perante toda a comunidade e que por esta podem ser genericamente conhecidos e divulgados.» - fim de transcrição.

No mesmo sentido se aponta no Código do Trabalho, Anotado, Pedro Romano Martinez,  Luís Miguel Monteiro, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, 2016, 10ª edição, Almedina, por via de anotação do mesmo autor,  Guilherme Dray, ao artigo 17º do diploma (IV ) a pág. 152.

Sob esse prisma apenas a esfera íntima corresponderia ao núcleo duro, irredutível, do direito consagrado  no artigo 26.º da Lei Fundamental, sendo, pois, a única insusceptível de ser limitada mesmo perante a invocação de um "interesse prevalente da comunidade" ou "interesse público de excepcional relevo".

Por sua vez, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (in Temas Laborais, Estudos e Pareceres, Almedina,  Março 2006, pág. 95/96) entende (saliente-se que o artigo 17º do CT/2009 corresponde no essencial ao art. 17º do CT/2003) ser a distinção das três esferas que justifica a autonomização entre os nºs 1 e 2 do artigo 17º do Código do Trabalho.

«Assim, o nº 1 refere-se à vida privada do candidato ao emprego ou trabalhador, impondo a reserva salvo se, no caso do candidato a emprego, os dados forem estritamente relevantes  para avaliar a sua aptidão para a admissão ou , no caso do trabalhador, se revelarem necessários para a execução do contrato de trabalho. Já o nº 2º abrange a esfera íntima, referindo-se numa enumeração exemplificativa á saúde, situação familiar ou estado de gravidez, mas abrangendo necessariamente outras situações como as convicções políticas ou ideológicas, comportamentos sexuais ou hábitos de vida.

Neste caso, a protecção é bastante maior , apenas se admitindo a não protecção absoluta desta esfera “ quando particulares exigências relativas à natureza da actividade profissional o justifiquem .

Estar-se-á aqui perante situações excepcionais que apenas se justificam em função da natureza da actividade exercida »  - fim de transcrição.

Contudo, segundo Pedro Pais de Vasconcelos [Direito de Personalidade, Almedina, Janeiro de 2021, reimpressão da edição de Novembro de 2006, pág. 80 a 83] tal construção “não resiste a um olhar atento”, sustentando que « a reserva da privacidade deve ser considerada a regra e não a  excepção.

É esse o sentido que se retira, por um lado, da natureza do direito à privacidade como direito de personalidade e , por outro, da sua consagração constitucional como direito fundamental. O direito à privacidade só pode ser licitamente agredido quando – e só quando – um interesse público superior o exija , em termos tais que o contrário possa ser causa de danos gravíssimos para a comunidade».

Acrescente-se que sobre o direito à reserva da intimidade da vida privada o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 368/2002,  de 25 de Setembro de 2002, Relator  Conselheiro Artur Maurício ( publicado no Diário da República n.º 247/2002, Série II de 2002-10-25[64]) , discreteou o seguinte:
«

I- A violação conjugada dos artigos 26.º e 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição. –

O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros direitos pessoais, está previsto no artigo 26.º da Constituição.

A caracterização deste direito, à falta de uma definição legal do conceito de "vida privada", foi feita no Acórdão n.º 355/97 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37.º vol., pp. 7 e segs.), seguindo o que este Tribunal afirmara já nos Acórdãos n.os 128/92 e 319/95, in Diário da República, 2.ª série, de 24 de Julho de 1992 e de 2 de Novembro de 1995, respectivamente, nos seguintes termos: "O direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular."

O direito à intimidade tem sido igualmente entendido, na doutrina, como "o direito que toda a pessoa tem a que permaneçam desconhecidos determinados aspectos da sua vida, assim com a controlar o conhecimento que terceiros tenham dela" (Lucrecio Rebollo Delgado, El derecho fundamental a la intimidad, Dykinson, 2000, p. 94).

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra., 1993, n. VIII ao artigo 26.º), este direito "analisa-se principalmente em dois direitos menores:
a)- O direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar; e
b)- O direito a que ninguém divulgue as informações a que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem.

Os termos em que o requerente fundamenta a invocação do vício de inconstitucionalidade em causa respeitam, precisamente, a cada um destes "dois direitos menores": verificar-se-ia, de forma injustificada e desproporcionada, por um lado, uma intromissão na esfera privada e, por outro, uma revelação de informações relativas a essa esfera.

A já referida "indagação inquisitória e 'coerciva' (cf. artigo 19.º) do estado de saúde global de saúde de todos os trabalhadores" concretizaria, para o requerente, a intromissão na esfera privada.

Reconhece-se, com efeito, que "em princípio, o direito à reserva da intimidade da vida privada incluirá [...] também um dever de respeitar o segredo, isto é, a proibição de acções com o objectivo de tomar conhecimento ou de obter informações sobre a vida privada de outrem, que devem ser consideradas intrusivas", incluindo obviamente os "elementos respeitantes à saúde" (Paulo Mota Pinto, A Protecção da Vida Privada e a Constituição, in Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, vol. LXXVI, pp. 153 e segs.)

Mas este direito não é absoluto em todos os casos e relativamente a todos os domínios. Como sublinha Paulo Mota Pinto (O Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida Privada, in Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, vol. LXIX, pp. 508 e 509) "podemos verificar que a 'infra-estrutura' teleológica do problema da tutela da privacy é caracterizada por uma fundamental contraposição: de um lado, o interesse do indivíduo na sua privacidade, isto é, em subtrair-se à atenção dos outros, em impedir o acesso a si próprio ou em obstar à tomada de conhecimento ou à divulgação de informação pessoal (interesses estes que, resumindo, poderíamos dizer serem os interesses em evitar a intromissão dos outros na esfera privada e em impedir a revelação da informação pertencente a essa esfera), de outro lado, fundamentalmente o interesse em conhecer e em divulgar a informação conhecida, além do mais raro em ter acesso ou controlar os movimentos do indivíduo - interesses que ganharão maior peso se forem também interesses públicos".

Ora, deve, desde logo, assinalar-se que a previsão legal do dever de sujeição à realização de testes ou exames médicos se não traduz na submissão fisicamente forçada à realização de testes ou exames médicos, o que poderia configurar um conflito com os direitos à liberdade e à integridade física (cf. Daniela Vigoni, "Corte Costituzionale, Prelievo Ematico Coattivo e Test del DNA," in Revista di Diritto e Procedura Penale, ano I; fasc. 4, Outubro/Dezembro de 1996, p. 1022).

Há, no entanto, que reconhecer que, muito embora a efectivação de tais testes ou exames pressuponha a aceitação do trabalhador, a verdade é que a respectiva realização constitui, em certos casos, um ónus relativamente à obtenção do emprego e, noutros casos, um verdadeiro dever jurídico de que pode depender a própria manutenção da relação laboral.

De facto, o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 26/94 não só determina que os trabalhadores devem "comparecer aos exames médicos a realizar os testes que visem garantir a segurança e saúde no trabalho", como remete para o Decreto-Leide 29 de Maio de 1986; Jacques Robert e Jean Duffat., Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, 7.ª ed., Montchrestien, pp. 207 e 364).

De todo o modo, mesmo a submissão juridicamente obrigatória a exames ou testes clínicos - constituindo uma intromissão na vida privada, na medida em que aqueles se destinam a recolher dados relativos à saúde, os quais integram necessariamente dados relativos à vida privada (cf. Acórdão n.º 355/97, cit., onde se afirmou expressamente que "os dados de saúde integram a categoria de dados relativos à vida privada [...] fazem parte da vida privada de cada um") - pode, em certos casos e condições, ser tida como admissível, tendo em conta a necessidade de harmonização do direito à intimidade da vida privada com outros direitos ou interesses legítimos constitucionalmente reconhecidos (v. g., a protecção da saúde pública ou a realização da justiça). Assim o entendeu já este Tribunal, no Acórdão n.º 319/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31.º vol., p. 501, no que concerne à constitucionalidade dos testes de alcoolemia efectuados a condutores de veículos, onde se escreveu:

"O direito à reserva da intimidade da vida privada - que é o direito de cada um ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias; o do direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular (cf., sobre isto, o citado Acórdão n.º 128/92) - acaba, naturalmente, por ser atingido pelo exame em causa. No entanto, a norma sub judicio não viola o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, que o consagra.

De facto, não se trata, com o teste da pesquisa de álcool, de devassar os hábitos da pessoa do condutor no tocante à ingestão de bebidas alcoólicas, sim e tão-só (recorda-se) de recolher prova perecível e de prevenir a violação de bens jurídicos valiosos (entre outros, a vida e a integridade física) que uma condução sob a influência do álcool pode causar - o que, há-de convir-se, tem relevo bastante para justificar, constitucionalmente, esta constrição do direito à intimidade do condutor."

E de idêntico modo se entendeu no Acórdão n.º 616/98 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41.º vol., pp. 263 e segs.), onde se considerou que, embora se devesse concluir que, nas acções de investigação de paternidade, existia um constrangimento do réu a submeter-se aos exames de sangue, tendo em conta os efeitos processuais de uma eventual recusa, mesmo assim tal constrangimento deveria ser tido como constitucionalmente admissível, quando confrontado e balanceado com os outros direitos fundamentais em presença.

Nesta mesma linha se tem orientado a jurisprudência da Comissão Europeia dos Direitos do Homem e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (cf. Hanspeter Mock, "Le droit au respect de la vie privée et familiale, du domicile et de la correspondance (art 8 CEDH) à l'aube du XXIe siècle" in Revue des Droits de l'Homme, vol. 10, n.º 7-10, 15/12/98, p. 240; Louis Edmond Pettiti, Emmanuel Decaux e Henri Imbert, "La Convention Européenne des Droits de l'Homme - Commentaire article par article", Economica, p. 343; Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª ed., Coimbra, 1999, p. 184). Assim, a CEDH, por exemplo, considerou admissíveis os exames obrigatórios de despistagem da tuberculose, como a prova da tubercolina e as radiografias ao tórax, por razões de saúde pública (Requête n.º 10 435/83, Roger Acmane et autres c/Belgique), bem como a sujeição obrigatória de um notário a exame psiquiátrico, tendo em conta o interesse geral, face ao relevo dos actos notariais (Requête n.º 8909/80, P.G. c/ République Fédérale d'Allemagne), e ainda a entrega obrigatória de urina para análise de despistagem de consumo de drogas, por parte de reclusos, considerando o interesse na prevenção criminal (Requête n.º 21132/93, Theodorus Albert Ivo Peters c/Pays Bas).

vol. CXI, 1994, p. 639), sentença que foi comentada por Nicola Recchia, in Jurisprudência Constitucional, Ano XL, 1995, fasc. 1, pág. 559).

Assim, no âmbito das relações laborais, tem-se por certo que o direito à protecção da saúde, a todos reconhecido no artigo 64.º, n.º 1, da Constituição, bem como o dever de defender e promover a saúde, consignado no mesmo preceito constitucional, não podem deixar de credenciar suficientemente a obrigação para o trabalhador de se sujeitar, desde logo, aos exames médicos necessários e adequados para assegurar - tendo em conta a natureza e o modo de prestação do trabalho e sempre dentro de critérios de razoabilidade que ele não representa um risco para terceiros: por exemplo, para minimizar os riscos de acidentes de trabalho de que outros trabalhadores ou o público possam vir a ser vítimas, em função de deficiente prestação por motivo de doença no exercício de uma actividade perigosa, ou para evitar situações de contágio para os restantes trabalhadores ou para terceiros, propiciadas pelo exercício da actividade profissional do trabalhador.

Impõe-se é que a obrigatoriedade dessa sujeição se não revele, pela natureza e finalidade do exame de saúde, como abusiva, discriminatória ou arbitrária.

Ora, deve-se ter presente que, nos termos da lei, o exame de saúde se destina exclusivamente a "verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, bem como a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do trabalhador" (artigo 19.º, n.º 1, do diploma em apreciação).

Reconhece-se que o fim a que os exames clínicos estão legalmente adstritos pode, na prática e em determinados casos, ser obstáculo flanqueável na detecção de situações patogénicas que nada tenham a ver com a aptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício actual da sua profissão, nem com os efeitos das condições do trabalho na saúde do trabalhador (um exame de sangue ou um exame radiológico são, como se sabe, meios de diagnóstico das mais diversas patologias).

"Contrato de trabalho e direitos fundamentais - Contribuição para um dogma europeu comum, com especial referência ao direito alemão e ao direito português", Recht der Arbeit und der Sozialen Sicherheit, Band 14, Peter Lang; François Rigaux, The Protection of Privacy and Other Personal Property, Bruylant, Bruxelas, e Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1900, pp. 505-508; Joanne Lunn, Triagem de Saúde Pré-Emprego, Conceitos, Limitações e Justificações da Lei de Discriminação, ed. Janet Dine e Bob Watt, Longman, 1996, pp. 229-240). The Protection of Privacy and Other Personal Property, Bruylant, Bruxelas, e Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1900, pp. 505-508; Joanne Lunn, Triagem de Saúde Pré-Emprego, Conceitos, Limitações e Justificações da Lei de Discriminação, ed. Janet Dine e Bob Watt, Longman, 1996, pp. 229-240). The Protection of Privacy and Other Personal Property, Bruylant, Bruxelas, e Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1900, pp. 505-508; Joanne Lunn, Triagem de Saúde Pré-Emprego, Conceitos, Limitações e Justificações da Lei de Discriminação, ed. Janet Dine e Bob Watt, Longman, 1996, pp. 229-240).

Resta, porém, saber se é constitucionalmente admissível a obrigatoriedade de sujeição a um exame de saúde destinado a apurar "a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do trabalhador", no interesse deste e mesmo que ele o não pretenda.

Na apreciação desta questão não se poderá deixar de ter em conta que a Constituição, na versão resultante da revisão de 1997, passou a dispor no artigo 59.º, n.º 1, alínea c), que os trabalhadores têm direito à "prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde".

A questão é, pois, a de saber se a obrigação do Estado de legislar no sentido de que a saúde dos trabalhadores seja devidamente protegida pode ir ao ponto de obrigar esses trabalhadores a exames médicos para defesa da sua própria saúde, mesmo quando eles o não pretendam - isto é, quando não estão já primacialmente em causa interesses públicos relevantes ou direitos fundamentais de terceiros. E isto, sendo certo que a própria directiva comunitária atinente à matéria - a Directiva n.º 89/391/CEE, de 12 de Junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, n.º L 183/1, de 29 de Junho de 1989) estabelece com clareza, no seu artigo 14.º, que as "medidas destinadas a assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores em função dos riscos para a sua segurança e saúde no local de trabalho" (n.º 1) "serão de molde a permitir que, caso o deseje, cada trabalhador possa submeter-se a um controlo de saúde a intervalos regulares".

Importa aqui sublinhar que a possibilidade de estabelecimento de um exame de saúde com carácter obrigatório pode não apenas conflituar com o direito à protecção da vida privada (na medida que postula um acesso a informações sobre o estado de saúde) mas também com a própria liberdade geral de actuação.

Com efeito, há que ter presente que, após a revisão constitucional de 1997, o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição passou a consagrar expressamente o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, "englobando a autonomia individual e a autodeterminação e assegurando a cada um a liberdade de traçar o seu próprio plano de vida" (Acórdão n.º 288/98, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40.º vol., p. 61), o que implica o reconhecimento da liberdade geral de acção, sendo certo que, nesta sua dimensão, o "direito ao desenvolvimento da personalidade não protege, nomeadamente, apenas a liberdade de actuação, mas igualmente a liberdade de não actuar (não tutela, neste sentido, apenas a actividade, mas igualmente a passividade, com uma garantia não unidimensional de actuação, mas pluridimensional, de liberdade de comportamento, enquanto decorrente da ideia de desenvolvimento da personalidade" (Paulo Mota Pinto, O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade, Portugal - Brasil, ano 2000, "Studia Juridica", Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1999, pp. 149 e segs.).

É certo que o artigo 64.º, n.º 1, da Constituição não só proclama que "todos têm direito à protecção da saúde", mas também a todos atribui o "dever de a defender e promover"; só que este dever, como assinala Carla Amado Gomes ("Defesa da Saúde vs. Liberdade Individual", Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1999, pp. 22-24) "tem como objecto a saúde pública, não a saúde privada, ou seja, o Estado impõe ao cidadão a obrigação de, por força da sua inserção na comunidade, tudo fazer para preservar o bom estado sanitário geral, mas não lhe impõe a obrigação de se manter, a si próprio, de boa saúde", acrescentando ainda que "só na medida em que o mau estado de saúde de alguém possa reflectir-se no estado sanitário comunitário é que o Estado pode intervir, impondo determinados comportamentos (ou abstenção deles) ao cidadão doente".

Mas, sendo embora nesta perspectiva que se deve, em geral, conceber o dever individual de promover e defender a própria saúde, igualmente referido na Lei de Bases da Saúde - a Lei n.º 48/90, de 21 de Agosto - onde se afirma que os cidadãos são os primeiros responsáveis pela sua própria saúde, individual e colectiva, tendo o dever de a defender e promover (base V, n.º 1), a verdade, todavia, é que, sem que se esteja já no domínio da harmonização de direitos, se não pode excluir que, perante uma "especial fundamentação social", o legislador se encontre excepcionalmente autorizado a, relativamente a certos direitos, estabelecer "restrições justificadas pela protecção legislativa dos indivíduos contra si próprios", tratando-se "em regra, de proteger a integridade física (saúde) ou o património da própria pessoa" (José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª ed., Almedina, 2001, pp. 309 e 310).

Ponto é que tais restrições respeitem, desde logo, o preceituado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP isto é, que se encontrem expressamente previstas na Constituição e que se limitem ao necessário para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos.

Nesta conformidade, e recorrendo ao preceituado nas disposições combinadas dos já mencionados artigos 59.º, n.º 1, alínea c), e 64.º, n.º 1, da Constituição, e ainda do artigo 59.º, n.º 2, alínea c), da mesma lei fundamental, se deverá ainda admitir que a obrigatoriedade de sujeição a exame médico possa radicar na própria necessidade de verificar - no caso de trabalhadores mais débeis, designadamente as "mulheres durante a gravidez e após o parto", bem como os "menores", os "diminuídos" e os que "desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas" - que a prestação de trabalho decorra sem risco para o próprio trabalhador, tendo em consideração que a protecção do trabalhador e a eliminação das nocivas sequelas sociais da sua desprotecção constituem historicamente o próprio cerne da razão de ser da existência de uma legislação do trabalho baseada em disposições imperativas que conferem aos trabalhadores direitos e regalias a que eles não podem renunciar.

Mas, tendo em conta as indiscutíveis e significativas repercussões sociais das doenças profissionais e dos acidenteis de trabalho - podendo estes ser inclusivamente provocados pela inadequação ao posto de trabalho, em função do estado de saúde do trabalhador - não repugna igualmente admitir que o legislador, tendo em conta as mesmas disposições constitucionais dos artigos 59.º, n.º 1, alínea c), e 64.º, n.º 1, imponha a realização de um exame de saúde com carácter periódico. E isto até porque, devendo a entidade patronal propiciar ao trabalhador a efectivação de um tal exame, se o trabalhador pudesse livremente a ele se eximir, não ficaria assegurado que uma tal renúncia se não ficasse a dever a sugestão, influência ou pressão da própria entidade patronal, ou seja, situações análogas àquelas a que precisamente se pretende obviar com as disposições imperativas no domínio da legislação do trabalho.

Agora o que, também nesta perspectiva, inequivocamente se exige é que esse exame se contenha no estritamente necessário, adequado e proporcionado à verificação de alterações na saúde do trabalhador causadas pelo exercício da sua actividade profissional e à determinação da aptidão ou inaptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício das funções à correspondente categoria profissional, para defesa da sua própria saúde. Ou seja, é constitucionalmente imposto que o exame de saúde obrigatório se adeqúe, com precisão, ao fim prosseguido.

É também este o entendimento de Paulo Mota Pinto (A Protecção da Vida Privada e a Constituição cit., p. 183) quando escreve:

"Uma outra questão que se levanta é a de saber em que medida os trabalhadores podem fazer apelo à reserva da vida privada perante os seus empregadores, no que diz respeito, por exemplo, ao seu estado de saúde.

A observação do trabalhador no seu local de trabalho, particularmente através de câmaras de televisão (assim, por exemplo, a colocação de câmaras à entrada das casas de banho), de escutas telefónicas ou de orifícios de vigilância, deve ser considerada proibida, salvo quando se revele concretamente necessária por questões de segurança do trabalhador ou de terceiros.

O mesmo vale para questionários e testes relativos a aspectos incluídos na vida privada do trabalhador. A utilização destes meios - abrangendo os testes sobre a saúde do trabalhador - deve ser limitada aos casos em que seja necessária para protecção de interesses de segurança de terceiros (assim, por exemplo, testes de estabilidade emocional de um piloto de avião) ou do próprio trabalhador, ou de outro interesse público relevante, e apenas se mostrarem realmente adequados aos objectivos prosseguidos."

Nesta conformidade, considerando que os exames de saúde previstos no artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 26/94 estão exclusivamente direccionados ao fim de prevenção dos riscos profissionais e à prevenção de saúde dos trabalhadores (cf. artigo 3.º, n.º 1, do mesmo diploma), não se pode concluir, como faz o requerente, que se tenha instituído uma sistemática e global devassa da reserva da vida privada constitucionalmente censurável.

Entende, ainda, o requerente, neste domínio, que o diploma visa "quebrar a própria confidencialidade de dados à guarda do médico assistente, ao instituir a 'cooperação necessária' deste naquela sistemática e global devassa da vida privada pelo 'médico do trabalho'".

Ora, do artigo 16.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 26/94 não pode, de forma alguma, extrair-se que seja possível obter do médico assistente "inquisitoriamente os resultados de anteriores exames ou consultas", como o requerente chega a afirmar.

Em primeiro lugar, porque a norma terá por destinatário o médico do trabalho e não o médico assistente, como resulta claramente do seu enquadramento sistemático e do seu teor - cooperação com o médico assistente e não cooperação do médico assistente com o médico do trabalho.

Em segundo lugar, porque se o legislador tivesse querido criar um dever de tal natureza para o médico assistente, não poderia deixar de o expressar com um mínimo de precisão, o que, manifestamente, não acontece.

Cooperação necessária não significa, pois, cooperação obrigatória para o médico assistente; significa antes que, quando do ponto de vista médico tal for adequado ou conveniente - por exemplo, para evitar repetir exames - o médico do trabalho deverá solicitar a cooperação do médico assistente, o qual a poderá prestar, se considerar que esse comportamento, in casu, se compatibiliza com as regras da deontologia profissional, o que, em regra, pressupõe a autorização do paciente.

Também, por esta via, se não pode, pois, concluir pela violação do direito à intimidade da vida privada. » - fim de transcrição.

Recorde-se ainda recordar as palavras dos Professores J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (CRP, Constituição da República Portuguesa , Anotada , Artigos 1º a 107º, CRP Anotada , 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, em anotação ao artigo 18º , I, pág. 381):

«As normas contidas neste artigo condensam princípios fundamentais de uma doutrina ou teoria geral de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente adequada. No nº 1º especifica-se a força normativa de todos os preceitos constitucionais referentes a direitos, liberdades e garantias ; nos nºs 2º e 3º estabelece-se o estatuto global das leis restritivas, individualizando-se os princípios constitucionais heteronomamente vinculativos das intervenções do legislador na esfera  dos direitos, liberdades e garantias» - fim de transcrição.

E mais frente os referidos Professores referem (anotação VI ao artigo 18º, obra citada páginas 388) :
«
O regime próprio dos direitos, liberdades e garantias não proíbe de todo em todo a possibilidade de restrição, por via de lei, do exercício dos direitos, liberdades e garantias. Mas submete tais restrições a vários e severos requisitos. Para que a restrição seja constitucionalmente legítima, torna-se  necessária a verificação cumulativa das seguintes condições :

(a) que a restrição esteja expressamente admitida (ou eventualmente imposta ) pela Constituição, ela mesma ( nº 2º , 1º parte);(b) que a restrição vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nº 2 in fine); (c) que a restrição seja exigida para essa salvaguarda , seja apta para o efeito e se limite  à medida necessária para alcançar esse objectivo ( nº 2, 2ª parte); (d) que a restrição não aniquile o direito em causa atingindo o conteúdo essencial do respectivo preceito ( nº 2 in fine) » - fim de transcrição.

E prosseguem (nas anotações  X, XI e XII  ao artigo 18º, obra citada páginas 391 e 392) :
«O primeiro pressuposto material de legitimidade das restrições ao exercício de direitos, liberdades e garantias (cfr. supra, nota VI) consiste na exigência de previsão constitucional expressa da respectiva   restrição.

(…)

Pelo contrário ; toda a restrição tem de estar expressamente credenciada no texto constitucional, tornando-se portanto que a admissibilidade da restrição encontre nele expressão suficiente e adequada (parecendo de admitir, porém, que a  previsão não necessita de ser directa para ser expressa).

Há dois tipos de casos previstos na Constituição que importa  distinguir.

Nuns é a própria Lei Fundamental que prevê directamente certa e determinada restrição, cometendo à lei a sua concretização e delimitação : é o caso por exemplo , dos arts. 27º- 3 e 34º - 2 e 4 ; noutros a Constituição limita-se a admitir restrições não especificadas : é o caso , por exemplo, dos arts. 35º - 4 , 47º - 1, 49º - 1 e 270º.

No primeiro caso, a lei limita-se a declarar a restrição admitida pela Constituição; no segundo caso , a lei cria a restrição admitida pela Constituição . (…)

A estas restrições há que acrescentar as restrições não expressamente autorizadas pela Constituição para captar aquelas restrições que são criadas por lei sem habilitação constitucional, mas que não podem deixar de admitir-se para resolver problemas de ponderação de conflitos entre bens ou direitos constitucionais.
XI – O segundo pressuposto material para a restrição legítima de « direitos, liberdades e garantias (cfr. supra , nota VI) consiste em que ela só pode se justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nº 2, in fine).
(…)
XII – O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de  direitos, liberdades e garantias (cfr. supra , nota VI) consiste naquilo a que genericamente se designa por princípio  da proporcionalidade.(…)

O principio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios : (a) princípio da adequação  (também designado por princípio da idoneidade), isto é as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda  de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos) ; (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade ), ou seja as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos , liberdades e garantias  ; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, o que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa « justa medida », impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas , excessivas , em relação aos fins obtidos.

Em qualquer caso,  há um limite absoluto para a restrição de « direitos , liberdades e garantias  », que consiste no respeito do « conteúdo essencial» dos respectivos preceitos (infra , nota XV) » - fim de transcrição.

****

Operado tal enquadramento diremos , agora, que, a nosso ver, a adopção pelo verberado Regulamento de uma denominada política de tolerância zero ou seja considerar  positivos todos os testes cujo resultado seja superior a 0,0g/l álcool no sangue - é susceptível de influir, bulir com vida dos trabalhadores abrangidos.

Todavia, afigura-se-nos exagerado considerar que interfere com a sua vida (esfera) intima.

Não estamos perante nenhum aspecto da sua vida familiar, comportamentos sexuais,  práticas e convicções religiosas nem, em rigor, estado de saúde sendo certo que a influência do álcool no organismo, embora se possa revestir de aspectos patológicos, é para aquilo que aqui nos interessa em principio transitória. 

Contudo, a politica de tolerância zero perfilhada no Regulamento é  susceptível de contender com os hábitos pessoais do trabalhador quer durante a prestação do trabalho quer no decurso da sua vida privada ( vg: antes e depois do horário de trabalho, durante os intervalos de descanso nomeadamente à hora do almoço) .

Afigura-se-nos ser do conhecimento comum, não se vislumbrando necessidade de recorrer a estudos científicos sobre o assunto,  que a ingestão de álcool fora do horário de trabalho ou durante um intervalo de descanso pode ter reflexos na taxa de alcoolemia do trabalhador durante a sua  prestação laboral . [65]

Basta pensar que uma ingestão excessiva de álcool durante a noite ou de manhã cedo é susceptível de continuar a apresentar efeitos mais ou menos evidentes e vestígios de álcool no sangue (com reflexos na taxa de alcoolemia) horas depois …., visto que o organismo ainda não eliminou por completo a substância em causa.

É inegável que assiste à entidade patronal o direito de exigir que o trabalhador preste o seu trabalho na plena posse das suas faculdades .

Porém, já se pode questionar se tem o direito de se intrometer nos hábitos de consumo de álcool que o mesmo tem fora do tempo e local de trabalho, no seu dia a dia, assim como nos seus hábitos alimentares, na sua vida privada ( para facilitar ; durante a noite, de madrugada, ao pequeno almoço, ao almoço, etc…).

Será assim ?

Chegados a este ponto cumpre  recordar o disposto no artigo 59º  da CRP[66]:

(Direitos dos trabalhadores)
1.–Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a)-À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
b)-A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;
c)- A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;
d)- Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
e)- À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;
f)- A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.

2.–Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:
a)- O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento;
b)- A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;
c)- A especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas;
d)- O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais;
e)- A protecção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes;
f)- A protecção das condições de trabalho dos trabalhadores estudantes.

3.– Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei.

Esta norma, bem como o disposto no artigo 64º (sobre o direito à saúde) da CRP, » constituem uma projecção do princípio da dignidade da pessoa humana (art 1º da CRP) , do direito à vida (art. 24º da CRP) e do direito à integridade pessoal (art. 25º da CRP) » - fim de transcrição.[67]

Resulta daquele preceito que no « âmbito da relação de trabalho o empregador deve zelar, de forma efetiva e eficaz, pela segurança e saúde dos seus trabalhadores, tanto numa ótica preventiva, como numa dimensão reparatória e de reintegração   no posto de trabalho em caso de acidente ou doença.

Por outro lado, o empregador deve , por principio, respeitar a vida privada do trabalhador» - fim de transcrição. [68]

Nas palavras de Amadeu Guerra [69] « em face dos perigos que o estado de embriaguez  e toxicodependência pode causar  para o próprio e para terceiros, justifica-se que a entidade   empregadora tenha cuidados especiais, em matéria de prevenção de acidentes de trabalho, cabendo aos serviços de higiene e  medicina de trabalho fazer um acompanhamento integrado do trabalhador.

Está em causa a protecção do trabalhador e , também a protecção de terceiros (beneficiários da prestação do trabalhador ou colegas de trabalho) que podem ver atingida a sua integridade física ou, até, a sua própria vida, em resultado de uma falta de cuidado ou falta de discernimento ocasional do trabalhador. » - fim de transcrição.

E conclui:
«Nestas circunstâncias parece-nos ser legítimo submeter o trabalhador aos exames necessários no âmbito da alcoolémia ou consumo de drogas quando se perspectivem riscos para o trabalhador ou para terceiros».

E ainda refere:
«O Supremo Tribunal de Justiça, que foi chamado a pronunciar-se sobre a questão de saber se uma entidade empregadora de sujeição do trabalhador a testes de alcoolémia estava de acordo com os princípios constitucionais, considerou que essa ordem era legítima e não violava a Constituição.
Foi, ainda, mais longe e considerou que a imposição da obrigatoriedade de submissão dos trabalhadores a testes de alcoolémia , através de regulamento interno, está abrangida pelo seu poder directivo e regulamentar.
A recusa do trabalhador em submeter-se ao exame viola o dever de obediência e constitui justa causa de despedimento » - fim de transcrição.

Neste ponto alude ao aresto do STJ , de 24.6.1998 , 97S243, Nº Convencional: JSTJ00033889,  Relator  Conselheiro Matos Canas , Nº do Documento: SJ199806240002434, BMJ nº 478 , Ano 1998 pág. 171 , cujo sumário , que se mostra acessível em www.dgsi.pt, é o seguinte:
«A determinação da entidade patronal de efectuar testes de alcoolémia aos seus trabalhadores não viola os artigos 24, 25 e 26 da Constituição.
Essa determinação constitui uma ordem legítima.
A recusa do trabalhador em se submeter ao teste viola o dever de obediência.
Essa discordância, acompanhada de anterior sanção disciplinar por alcoolémia, constitui justa causa de despedimento ».
Todavia, dir-se-á – e é correcto  - que uma coisa é submeter os trabalhadores a testes de alcoolémia, o que não se mostra contestado e até se mostra contemplado no instrumento de regulamentação colectiva, a que o Autor se vinculou, e outra algo diversa é a política de tolerância zero incrementada no Regulamento.

Afigura-se-nos, pois, que estamos perante direitos e valores  constitucionalmente protegidos que entram em conflito.

Por um lado, o direito à intimidade da vida privada do trabalhador e por outro o seu direito (com o correspondente dever da entidade patronal de lhe proporcionar as inerentes condições) a prestar o trabalho em condições de higiene, segurança e saúde.

E já agora deve ainda relembrar-se o seu dever de prestar o seu trabalho em condições  que não acarretem riscos para ele próprio e  para terceiros ( vg: colegas e mesmo estranhos ao trabalho).

Em face deste direitos conflituantes,  o problema é saber qual a forma adequada de os harmonizar.

Qual o princípio de harmonização ou concordância prática dos bens em conflito ?

O tratamento jurídico-constitucional desse conflito entre bens jurídicos deve ser levado a cabo de acordo com o método da ponderação, à luz do princípio da proporcionalidade (relembre-se o já citado artigo 18.º, n.º 2, da CRP, bem como os ensinamentos anteriormente expendidos a tal título).

Segundo a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho [70] « o direito à reserva da intimidade da vida privada ( cuja previsão nos artigos 16º e desenvolvimento nos arts. 17º a 22º do CT devem ainda ser conjugados com o artigo 26º, nº 1º da CRP e art. 80º do CC[71]) deve ser entendido em termos amplos de modo a incluir os aspectos ligados à esfera íntima, à esfera pessoal e ainda à vida familiar do trabalhador (é o que decorre do artigo 16º, nº 2º do CT).

Este tem direito tem as seguintes implicações na execução do contrato de trabalho:
i)- Este direito veda as ingerências do empregador em aspectos da vida privada do trabalhador não directamente relevantes para a actividade laboral para ele desenvolvida.

Esta valência do direito à reserva da vida privada   determina a inadmissibilidade de principio da realização de testes de saúde irrelevantes do ponto de vista da actividade a desenvolver, como o teste para a despistagem do HIV ou testes de gravidez, bem como indagações sobre a orientação sexual, sobre a situação familiar do trabalhador ou sobre as suas actividades fora do local de trabalho (art. 16º, nº 2, 17º,nºs 1 a 3 e 19º do CT) ; no que toca especificamente aos exames médicos, eles só podem ser realizados para fins ligados à saúde e segurança no local de trabalho e os seus resultados devem ficar com o médico (arts. 19º, nºs 1 e 3);
ii)-Este direito determina a proibição de certas formas de controlo da actividade do trabalhador na empresa, que a evolução tecnológica moderna veio, aliás, facilitar como o controlo à distância por meios telemáticos (arts. 20º e 21º do CT);
iii)- Este direito torna, em princípio, irrelevantes para o contrato de trabalho como para a sua cessação, as condutas extra-laborais do trabalhador, a menos que possa ser estabelecida uma conexão objectiva relevante entre aquelas condutas pessoais  e o contrato de trabalho » - fim de transcrição sendo o sublinhado nosso.

Por sua vez, para Teresa Alexandra Coelho Moreira [72] :

«a preocupação essencial do Direito  do Trabalho deve ser a tutela dos direitos de cidadania no âmbito de uma relação de trabalho, assegurando que os direitos do trabalhador não serão sujeitos, inter alia a formas de controlo contrárias à sua dignidade, ou à sua privacidade, à defesa da sua liberdade de expressão ou à sua liberdade ideológica».

E mais à frente [73]  (bem como em Direitos da Personalidade, Código do Trabalho, A revisão de 2009, Coordenador Paulo Morgado de Carvalho, Coimbra Editora, Wolters Kluwer, página 98) refere:

«Importa, ainda, atender-se na aplicação destes direitos de personalidade aos artigos 18º, 2 da CRP e 335º do CC.

Na verdade, a compressão dos direitos de personalidade deve limitar-se ao necessário para  salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos segundo critérios de proporcionalidade e adequação, o que significa que os direitos de proporcionalidade só podem ceder  se, à luz destes critérios os benefícios que os empregadores puderem retirar dessa compressão forem superiores aos prejuízos daí decorrentes para o trabalhador» - fim de transcrição.

****

Sobre o principio da proporcionalidade e sua aplicabilidade no domínio das relações jurídico-privadas o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 302/01, proferido no Processo nº 15/99,  acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010302.htmltambém publicado no DR nº 257/2001, série II, de 6.11.2001, refere :

« Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 153), "o princípio da proporcionalidade (também chamado «princípio da proibição do excesso») desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos".

Entre nós, a consagração constitucional do princípio da proporcionalidade não merece contestação, pelo menos desde 1982. Com efeito, a Constituição da República Portuguesa, desde a primeira revisão constitucional, consagra no seu artigo 2º o Estado de direito democrático, sendo certo que o princípio da proporcionalidade se encontra ínsito nesse conceito político-jurídico, do qual constitui uma necessária decorrência.

O mesmo princípio da proporcionalidade aflora, aliás, em várias disposições constitucionais relevantes: no artigo 18º, nº 2, relativo às restrições aos direitos, liberdades e garantias; no artigo 19º, nº 4, impondo expressamente o respeito pelo princípio da proporcionalidade na opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência, bem como nas respectivas declaração e execução; no artigo 19º, nº 8, no que concerne às providências a tomar pelas autoridades com vista ao restabelecimento da normalidade constitucional; no artigo 28º, nº 2, relativo à prisão preventiva; no artigo 30º, nº 5, prevendo as limitações a direitos fundamentais que decorram das exigências próprias da execução de penas ou medidas de segurança ou inerentes ao sentido da condenação; no artigo 266º, nº 2, que consagra expressamente a subordinação dos órgãos e agentes administrativos ao princípio da proporcionalidade; no artigo 270º, relativo às restrições ao exercício de direitos dos militares e agentes militarizados, bem como dos agentes dos serviços e forças de segurança; no artigo 272º, nº 2, referente às medidas de polícia.

De resto, o Tribunal Constitucional tem sucessivamente reconhecido o valor constitucional do princípio da proporcionalidade (cfr., entre muitos outros: Acórdão nº 25/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2º vol., pág. 7; Acórdão nº 85/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., pág. 245: Acórdão nº 64/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., pág. 319; Acórdão nº 349/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º vol., pág. 507; Acórdão nº 363/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º vol., pág. 79; Acórdão nº 152/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., pág. 323; Acórdão nº 634/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26º vol., pág. 205; Acórdão nº 370/94, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., pág. 169; Acórdão nº 494/94, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., pág. 433; Acórdão nº 59/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., pág. 79; Acórdão nº 572/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º vol., pág. 381; Acórdão nº 758/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º vol., pág. 803; Acórdão nº 958/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 34º vol., pág. 397; Acórdão nº 1182/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35º vol., pág. 447).

É assim possível encarar o princípio da proporcionalidade como um princípio objectivo da ordem jurídica. E, se é certo que a aplicação do princípio da proporcionalidade se viu inicialmente restrita à conformação dos actos dos poderes públicos e à protecção dos direitos fundamentais, há que reconhecer que foi admitido o posterior e progressivo alargamento da relevância de tal princípio a outras realidades jurídicas, não se detectando verdadeiros obstáculos à sua actuação no domínio das relações jurídico-privadas.

Não se contesta portanto que o princípio da proporcionalidade seja princípio geral de direito, conformador não apenas dos actos do poder público mas também, pelo menos em certa medida, dos actos de entidades privadas e inspirador de soluções adoptadas pela própria lei no domínio do direito privado.  » - fim de transcrição.
        
Por sua vez, Jorge Reis Novais, [74] que é crítico em relação a tal explicação, salienta que muitas vezes tem sido referido que « a proporcionalidade em sentido lato é composta por três subprincípios: a adequação (segundo a qual  os meios devem corresponder aos fins visados) , a necessidade (segundo o qual se devem utilizar os meios menos restritivos para atingir os fins) e a proporcionalidade em sentido  estrito ( que equivale à ponderação entre todos os interesses em colisão».

Esse autor, que também apelida o princípio da proporcionalidade em sentido lato de princípio da proibição de excesso[75], subdivide-o em três subprincípios, máximas ou elementos: aptidão ou idoneidade (a seu ver erradamente referido como adequação), a necessidade e a proporcionalidade em sentido restrito.

Sintetiza-os da seguinte forma:

« ao princípio da idoneidade é atribuído o sentido de exigir que as medidas restritivas em causa sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam para o alcançar; ao principio da necessidade (ou da indispensabilidade ou da exigibilidade), é atribuído o sentido de que se deve escolher, de entre todos os meios idóneos disponíveis e igualmente aptos a prosseguir o fim visado com a restrição, o meio que produza efeitos menos restritivos ; por sua vez, o principio da proporcionalidade em sentido restrito  respeitaria à relação da justa medida ou da adequação (aqui sim justifica este último termo), entre os bens e interesses em colisão ou ,mais especificamente, entre o sacrifício imposto pela restrição e o benefício por ela prosseguido».[76]

E sobre o assunto de maneira esclarecedora refere[77]:

«… a ideia sempre presente e mais abrangente no sentido da conformidade ou adequação constitucional da  medida restritiva na liberdade, sendo a a ideia de relação proporcional, de justa medida , de equilíbrio - se–a entre bens, seja entre meios e fins – um de entre vários elementos em que se desdobra, consequentemente, aquela proibição, já que o ir para além do adequado, do estritamente necessário pode resultar de diferentes causas. Pode, mais concretamente , ser consequência do facto de a restrição ser inapta, inútil, desnecessária, gratuita ou arbitrária, desproporcionada, desrazoável ».

E « com o princípio da proporcionalidade em sentido próprio  (isto é na terminologia actualmente dominante, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou o terceiro  elemento da proporcionalidade) trata-se, essencialmente, de indagar acerca da adequação (proporção) de uma relação entre dois termos ou entre duas grandezas variáveis e comparáveis» .

«… indirectamente, quando se aprecia a proporcionalidade de uma restrição de um bem fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende proteger  ou prosseguir com a restrição e, do outro lado, o bem jusfundamental agredido que resulta, em consequência desvatajosamente afectado.

Por sua vez, ainda que sempre relacionado com essa relação, o crime ou a perspectiva de verificação da observância ou da violação do princípio da proporcionalidade variam substancialmente:tanto se pode entender que a desproporcionalidade depende da medida em que a relação em causa é avaliada como sendo justa, adequada, razoável, proporcionada ou, já na perspectiva inversa, o parâmetro de controlo tradizir-se-á em saber em que medida essa relação é excessiva, desproporcionada, desrazoável ».[78]

De salientar ainda que o controlo de proporcionalidade deve ser logicamente precedido dos controlos de aptidão e de indispensabilidade que devem concluir ser a medida idónea para prosseguir o fim e o meio em apreço a medida menos restritiva (a medida exigível) ao dispor pois não o sendo a restrição será liminarmente invalidada dispensando-se o controlo de proporcionalidade. [79]

Cumpre ainda atentar se o principio da proporcionalidade exige que o meio restritivo escolhido seja o mais proporcional ou apenas que se não deve ser desproporcionado, sendo que a doutrina e jurisprudência usualmente têm sustentado esta última opção. [80]

Finalmente, ainda no tocante à aplicação do princípio, segundo o autor que temos vindo a citar dir-se-á que « aquilo que deve ser indisponível são os direitos fundamentais, pelo que a decisão de restrição, de fazer ceder um direito fundamental face a um outro bem ou interesse digno de protecção, essa sim, é sindicável em toda a sua extensão e intensidade; o meio restritivo escolhido, pressuposto que seja apto e indispensável, só tem que ser não desproporcional.

Existirá inconstitucionalidade se a restrição for desproporcionada , não já se  houver um outro meio que, no entender do órgão de controlo, seja, não menos restritivo, mas simplesmente mais adequado ou mais oportuno ».[81]

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Operadas estas considerações cumpre levar a cabo o juízo em causa.  
                                                 
A questão é -  repete-se - saber se o ponto 3.1 do Regulamento ( que traduz a  política de tolerância zero ao álcool, incrementada pela Ré no Regulamento em causa, através dos testes de despiste de consumo) invade o direito à privacidade dos seus trabalhadores na sua esfera privada ?

Será que a mesma deve reputar-se exagerada , desproporcional e desadequada ?

E que comprime de forma desproporcionada o direito fundamental à reserva da vida privada dos trabalhadores em causa ?

Qual dos bens em presença deve prevalecer ?

Será o direito da intimidade da vida privada ou será o direito à prestação do trabalho em condições de segurança, saúde e higiene ?

A limitação a admitir  (visto que sede prática não se operará nenhuma) deve obedecer a critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação.

Encarada a situação a nível estritamente científico, olvidando-se aqui o cariz cultural de certos hábitos, diremos que se compreende a norma do Regulamento em questão.

É inegável que , mesmo em pequenas quantidades, a ingestão de  álcool (bem como o consumo de drogas), é susceptível de produzir alterações no comportamento dos trabalhadores ( dando-se aqui de barato que cada caso é um caso)  que pode potenciar o perigo já de si resultante do exercício da respectiva actividade (já se estando a olvidar neste particular que também pode afectar  negativamente a sua imagem bem como a da empresa para que laboram) ou fazê-los acrescer bem como gerar riscos novos e reais.

Anote-se que nalguns sectores , nomeadamente no da construção civil -  sendo que não estão aqui em causa as pessoas que ali laboram nem os seus hábitos de vida -  a actividade usualmente levada a cabo já é em si  perigosa ou no mínimo tem essa potencialidade . [82]

É patente que a instrução, “norma privada “ ou clª contratual geral em causa conforme se entender protegem não só a prestação do trabalho em condições de segurança e saúde por parte dos trabalhadores e seus colegas de trabalho como também ,  ainda que de forma mediata, as suas vidas, integridade física e  bem estar e por inerência até das suas famílias[83] .

E também protegem terceiros estranhos à relação laboral que, por hipótese, possam ser afectados por acidentes ocorridos no trabalho ( basta pensar em acidentes de viação, com máquinas, quedas, etc…).[84]

Assim, aparentemente os interesses das partes até não estariam em confronto aceso.

Porém, caso se atente no disposto no artigo 81º do Código da Estrada [85]constata-se que não é bem assim.[86]

Segundo essa norma:

Condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas

1- É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas.
2- Considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.
3- Considera-se sob influência de álcool o condutor em regime probatório e o condutor de veículo de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxi, de TVDE, de automóvel pesado de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,2 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.

4-A conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue.
5-Considera-se sob influência de substâncias psicotrópicas o condutor que, após exame realizado nos termos do presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico ou pericial.
6-Quem infringir o disposto no n.º 1 é sancionado com coima de:
a)- (euro) 250 a (euro) 1250, se a taxa de álcool no sangue for igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 0,8 g/l;
b)- (euro) 500 a (euro) 2500, se a taxa for igual ou superior a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l ou, sendo impossível a quantificação daquela taxa, o condutor for considerado influenciado pelo álcool em relatório médico ou ainda se conduzir sob influência de substâncias psicotrópicas.
7 - Os limites de 0,5 g/l e 0,8 g/l referidos no número anterior são reduzidos para 0,2 g/l e 0,5 g/l, respetivamente, para os condutores em regime probatório, condutores de veículos de socorro ou de serviço urgente, de transportes coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxis, de TVDE, de automóveis pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas.

Ora se o nosso legislador numa área  tão perigosa e sensível ( recordem-se as inúmeras companhas [87]de sensibilização [88]para os acidentes estradais levadas a cabo ao longo dos anos , chamando a atenção para os efeitos nefastos da condução sob o efeito do álcool, excesso de velocidade, manobras perigosas, etc, etc, etc….) como a estradal,   mesmo para aqueles casos que se lhe afiguram que devem merecer um tratamento especial e cuidados redobrados  - como sucede  com condutores, em princípio , menos experimentados ( menos de 3 anos de carta), condutores de veículo de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxi, de TVDE, de automóvel pesado de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas tolera uma taxa de álcool inferior a 0,2 g/l , não impondo uma taxa de 0, 0 g/l , mesmo dando de barato ( e aqui sem  qualquer rebuço ou hesitação se dá ) que a actividade da construção civil e obras públicas é tão perigosa e sensível para os respectivos trabalhadores  como a estradal, cumpre-nos  considerar que o ponto 3.1 do Regulamento em causa ( que consubstancia a tal política de tolerância zero incrementada pela Ré cujo intuito até se compreende , sendo a ideia numa ótica preventiva certamente a de cortar o mal pela raiz…)
,comprime de forma excessiva que assim  tem de se reputar desproporcionada o direito à reserva da intimidade da vida privada dos trabalhadores abrangidos, nomeadamente a esfera privada da sua vida, contemplada no nº 1º do artigo 26º da CRP.

Assim, cumpre-nos reputar o Regulamento nulo nesse ponto.
É que o  Regulamento em causa contem declarações negociais da Ré , emanadas no exercício do seu poder regulamentador, que têm cariz receptício.
Em aresto do STJ , de  12-10-2011, proferido no processo nº 
3074/06.7TTLSB.L1.S1,  Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, acessível em www.dgsi.pt, referiu-se:
«Refira-se, ainda, que a jurisprudência se tem pronunciado no sentido de que as ordens de serviço, quando constituam um instrumento regulador, de aplicabilidade genérica no âmbito da empresa e com reflexos directos na relação contratual, devem qualificar-se como regulamentos internos (Acórdãos deste Supremo Tribunal de 4 de Fevereiro de 2004, Revista n.º 2928/03, de 16 de Junho de 2004, Revista n.º 1378/04, de 29 de Novembro de 2005, Revista n.º 2556/05, de 14 de Dezembro de 2005, Revista n.º 4126/04, de 21 de Fevereiro de 2006, Revista n.º 3491/05, e de 28 de Junho de 2006, Revista n.º 699/06, todos da 4.ª Secção).
Assim, partilhando da mesma natureza jurídica de Regulamento Interno e face ao seu conteúdo normativo, constituem uma manifestação da vontade negocial e têm natureza contratual (cf. artigos 7.º e 39.º, n.os 2 a 5, da LCT e 95.º, 150.º e 153.º do Código do Trabalho de 2003). ».
Desta forma, embora pelos motivos  supra apontados, as instruções, “normas de cariz particular “ ali contidas não possam, em rigor, ser  qualificadas  de inconstitucionais ou ilegais, visto que não são normas emanadas de um poder público , a verdade é que sempre podem, por desconformidade com o já mencionado direito fundamental contemplado no nº 1º do art. 26º da CRP, ao abrigo do disposto no artigo 294º do Código Civil, [89] [ cuja aplicação é de cariz oficioso, tal como resulta do artigo 286º do Código Civil [90] ] ser declaradas nulas por este Tribunal.
Segundo o Comentário ao artigo 294º do Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, levada a cabo por [91]  Paulo Olavo Cunha :
«Trata-se porventura de uma das mais importantes disposições legais do Direito Civil, em particular, e do Direito, em geral, porquanto estabelece o regime-regra da invalidade dos negócios jurídicos, revestindo por isso enorme alcance prático, apesar de a lei atribuir frequentemente a um ato viciado um valor jurídico negativo específico.
O art. 294º determina que , na falta de previsão da sanção jurídica especificamente aplicável a uma vicissitude do Direito, que se traduza na violação de uma norma imperativa, o ato é nulo».
A respeito desse preceito Heinrich Ewald Horster . Eva Sónia Moreira da Silva [92] referem « quando as pessoas possuem capacidade negocial, de modo que podem participar  no tráfico jurídico, devem respeitar, todavia, na conformação das relações jurídico- privadas, os limtes legais que lhe são impostos quanto aos respectivos negócios jurídicos, visto a autonomia privada apenas poder ser exercida dentro dos limites da lei. Esses limites, por seu lado, são estabelecidos com base em decisões fundamentais de ordem ideológica, filosófica e económica – política. Aliás, é a própria autonomia privada que exige, para poder  subsistir, medidas preventivas contra o seu uso abuso ou uso ilimitado.
Caso contrário, o princípio da autonomia privada , sem limites legais, forneceria, ele próprio, os argumentos aos seus adversários que a pretendem eliminar ».
Ora, a nosso ver, não há normas mais imperativas que as constitucionais 
Esgrimir-se-á que se poderia apelar ao disposto no 280º do CC[93], cuja aplicação é de cariz oficioso, tal como resulta do artigo 286º do Código Civil, [94], na parte em que alude ao negócio /acto jurídico unilateral ser contrário à ordem púbica, para lograr a nulidade do ponto 3.1 do Regulamento.
Segundo  Heinrich Ewald Horster . Eva Sónia Moreira da Silva [95] « o negócio jurídico é contrário à ordem pública quando é incompatível com ela . A ordem pública é constituída por princípios gerais que se deduzem de um sistema de normas imperativas., p. ex., de princípios   constitucionais . A “ ordem pública”  constitui  um conceito jurídico indeterminado » - fim de transcrição.
Por sua vez, no Comentário ao artigo 280º do Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa , levada a cabo por [96]  Elsa Vaz Sequeira, refere-se:
«é, aliás, entendimento corrente ao nível do Direito Constitucional que o preenchimento de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, como os de ordem pública ou bons costumes, é um dos meios utilizados pelo legislador para garantir a vigência dos direitos fundamentais nas relações entre entidades privadas. (…) . Por seu intermédio verifica-se assim a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas relações intersubjectivas que mantêm entre si (…). Sob este ângulo , tanto a ordem pública como os bons costumes têm arrimo constitucional.
A diferença reside  tão-somente na sua área de incidência : a ordem pública respeita à esfera pública da vida em sociedade, ao passo que os bons costumes já concernem  ao domínio pessoal ».
No caso concreto, contudo não se nos afigura ser esta última a via a seguir.
É que a “apreciação do eventual desrespeito da ordem pública ou os bons costumes  deve ser feita em concreto, no momento da celebração do negócio e de um ponto de vista estritamente objectivo, não relevando, para a nulidade do negócio, a consciência das partes relativamente ao seu desrespeito». [97]

Porém, na situação em exame não estamos perante negócio acabado de celebrar.
Daí a opção pelo regime – regra, sendo que nem sequer iremos dilucidar a via do abuso de direito.[98]
Assim, a nosso ver, cumpre reputar o ponto 3.1 do Regulamento como nulo ao abrigo do disposto no artigo 294º do Código Civil.
É certo que o mesmo visa (queremos crer ) obter uma maior segurança no trabalho, prevenindo-se, evitando-se acidentes de trabalho, e não a, sem mais, invadir a vida privada do trabalhador (vg: recolha de sons e imagens, saber das suas relações com colegas ou terceiros, da sua actividade sindical, acesso às suas comunicações  particulares telefónicas, sms, e-mail, despiste de doenças genéticas, etc….).

O que se pretende é contribuir para uma prática profissional isenta de risco.[99]

Porém, embora se trate de uma medida virada para a vida profissional [100] a proibição em causa afecta condutas extra-laborais do trabalhador .

Contudo, concorda-se com Maria Regina Redinha [101] quando afirma :

«Julgamos, de resto, que as excepções às proibições da devassa da intimidade, da realização ou apresentação de testes e exames clínicos, recolha e tratamento de dados pessoais ou dos meios de controlo da prestação, deverão ser lidas sempre de acordo com dois princípios fundamentais que têm sido delineados na jurisprudência comparada e que  não há por que não importar: o princípio da proporcionalidade e da adequação – só deve  ser permitido o estritamente necessário sem sacrifício de bens jurídicos superiores, para que se encontre um justo equilíbrio entre a necessidade de assegurar a livre gestão dos meios produtivos e os interesses individuais10.[102] »- fim de transcrição.

Argumentar-se-á que a medida não pretende dar cobertura a qualquer tipo de fundamentalismos ou instintos “zelotas”, nem formular juízos de valor sobre hábitos da vida particular de trabalhadores, tradição alimentar secular ou sequer  fazer apelos à moderação( de referir à latere não ser este o local adequado para tecer considerações  sobre aqueles assuntos, sendo que as sociedades , os seus membros e respectivos hábitos evoluem por si e através da educação e do conhecimento), mas antes proteger as suas vidas e integridade física.

Dir-se-á igualmente não ser este o local adequado para se discutir se a taxa de alcoolemia aceitável num Regulamento deve ser de x, y ou z.

Porém, nada disso aqui se fez.

Todavia, para se avaliar sobre a proporcionalidade da medida imposta pela entidade patronal tinha de se adoptar alguma referência padrão.

Todo o exposto, determina a nulidade do ponto 3.1 do Regulamento.
Este porém não é afectado de forma integral embora obviamente fique esvaziado de conteúdo prático.
Em suma, neste particular, cumpre  entender que o ponto 3. 1 do Regulamento em causa é nulo por contrário à lei  por colocar em causa o direito à reserva da intimidade da vida privada dos trabalhadores da Ré.
Procede, pois, esta vertente do recurso.

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Quais as consequências dessa procedência nas duas restantes vertentes do recurso ?

Será que se deve considerar, sendo esta a primeira vertente do recurso, que o Regulamento em causa viola o disposto  nos artigos 16.º, 19.º, 281 nº  7 e também 476.º todos do CT/2009.[103]

De acordo com estas normas:

Artigo 16.º
Reserva da intimidade da vida privada
1- O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.
2- O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.

Artigo 19.º
Testes e exames médicos
1-Para além das situações previstas em legislação relativa a segurança e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação.
2-O empregador não pode, em circunstância alguma, exigir a candidata a emprego ou a trabalhadora a realização ou apresentação de testes ou exames de gravidez.
3-O médico responsável pelos testes e exames médicos só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto para desempenhar a actividade.
4-Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 ou 2.

Artigo 281.º
Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho
1-O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.
2-O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.
3-Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa.
4-Os empregadores que desenvolvam simultaneamente actividades no mesmo local de trabalho devem cooperar na protecção da segurança e da saúde dos respectivos trabalhadores, tendo em conta a natureza das actividades de cada um.
5-A lei regula os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho, que o empregador deve assegurar.
6-São proibidos ou condicionados os trabalhos que sejam considerados, por regulamentação em legislação especial, susceptíveis de implicar riscos para o património genético do trabalhador ou dos seus descendentes.
7-Os trabalhadores devem cumprir as prescrições de segurança e saúde no trabalho estabelecidas na lei ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou determinadas pelo empregador.

Artigo 476.º
Princípio do tratamento mais favorável
As disposições de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.

A nosso ver, pelos motivos supra enunciados , a apreciação da problemática respeitante à violação pelo Regulamento, nomeadamente no seu ponto 3.1, do disposto nos artigos 16º, 19º e 281º  do CT/2009 mostra-se ultrapassada.

Mas e quanto ao artigo  476º do CT/2009  ?

Nesse particular, independentemente do teor do Instrumento de Regulamentação Colectiva aplicável, afigura-se-nos que a definição do conceito de condições mais favoráveis para o trabalhador tem que ser colocada na devida perspectiva.

É que, em rigor,  a nosso ver, o Regulamento salvo na parte em que no seu ponto 3.1, cuja nulidade já foi declarada,  não consagra  condições de trabalho mais desfavoráveis para os trabalhadores da Ré, nomeadamente em termos de segurança e saúde, do que aquelas que se mostram contempladas no  CCTV entre a ASSICOM – Associação da Indústria da Construção d Região Autónoma da Madeira e o SICOMA - Sindicato dos Trabalhadores da Construção, Madeiras, Olarias e Afins da Região Autónoma da Madeira e outros, publicado no JORAM, III Série, n.º 8, de 17 de Abril de 2014, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2014 (adiante designada apenas CCTV).

Aliás, este na sua cláusula 120ª  já consagra:

Prevenção e controle do alcoolismo
1- Não é permitida a realização de qualquer trabalho sob o efeito do alcóol, nomeadamente a condução de máquinas, trabalhos em altura e trabalhos em valas.
2- Considera-se estar sob o efeito do alcóol o trabalhador que, submetido a exame de pesquisa de alcóol no ar expirado, apresente uma taxa de alcoolémia prevista igual ou superior a 0,5 gr. por litro.
3- Aos trabalhadores abrangidos pelo Código da Estrada é aplicável a taxa de alcoolémia prevista naquele Código.
4- O controle de alcoolémia será efectuado com carácter aleatório entre os trabalhadores que prestem serviço na empresa, bem como àqueles que indiciem estado de embriaguês, devendo para o efeito utilizar-se material apropriado, devidamente aferido e certificado.
5- O exame de pesquisa de alcóol no ar expirado será efetuado pelo superior hierárquico ou por trabalhador com competência delegada para o efeito, sendo sempre possível ao trabalhador, requerer a assistência de uma testemunha, dispondo de 15 minutos para o efeito, não podendo contudo deixar de se efetuar o teste caso não seja viável a apresentação da testemunha.
6- Assiste sempre ao trabalhador submetido ao teste o direito à contraprova, realizando-se, neste caso, um segundo exame nos 10 minutos imediatamente subsequentes ao primeiro.
7- A realização do teste de alcoolémia é obrigatória para todos os trabalhadores, presumindo-se, em caso de recusa, que o trabalhador apresenta uma taxa de alcoolémia igual ou superior a 0,5 gr./l.
8- O trabalhador que apresente taxa de alcoolémia igual ou superior a 0,5 gr./l., ficará sujeito ao poder disciplinar da empresa, sendo a sanção a aplicar graduada de acordo com a perigosidade e a reincidência do acto.
9- Caso seja apurada ou presumida taxa de alcoolémia igual ou superior a 0,5 gr./l, o trabalhador será imediatamente impedido, pelo seu superior hierárquico, de prestar serviço durante o restante período de trabalho diário, com a consequente perda da remuneração referente a tal período.
10- Em caso de teste positivo, será elaborada uma comunicação escrita, sendo entregue cópia ao trabalhador.

Ou será que  deve entender-se que o Autor – cujo principal desiderato na qualidade de Sindicato  é defender os interesses dos trabalhadores seus associados, bem como de forma geral os outros  – pretende sustentar  que nesse particular uma alteração só seria mais favorável aos interesses dos trabalhadores (seus associados ou não) se tolerasse, autorizasse e consequentemente implementasse um aumento da taxa de alcoolemia permitida ao serviço ( do que a que já se mostra contemplada no nº 2 da supra mencionada cláusula)  ?

A resposta só pode ser negativa.

Assim, sob esta perspectiva o recurso improcede, sendo certo, até por maioria de razão, atento o disposto no artigo 292º do CC[104] , que também não se vislumbra razão para se declarar a nulidade de todo o Regulamento, embora se admita que a declaração de nulidade do seu ponto 3.1 o paralisa , esvaziando-o de conteúdo prático .

****

A segunda temática do recurso consistia em saber se deve  considerar-se que o Regulamento é  cerceador dos  direitos dos trabalhadores por não prever quaisquer medidas que garantam o seus direitos de defesa, nomeadamente o direito a exigir contraprova.

O Regulamento tem o seguinte teor:
«
REGULAMENTO INTERNO USO DE ALCOOLÍMETRO

1.-Segundo estudos realizados por peritos nesta área sobre a matéria, a nível nacional, o excesso de álcool será diretamente causador de 40% dos acidentes de trabalho registados a nível nacional.
A nossa Empresa está fortemente empenhada em dar o seu contributo para que esta elevada percentagem possa, a breve trecho, baixar aos níveis médios europeus, pelo que já adquiriu o equipamento necessário, idêntico ao utilizado pelas forças de segurança, por ser aquele que nos oferece garantias de maior fiabilidade. Assim, foi elaborado o presente Regulamento Interno de caracter permanente;

2.- DA INCIDÊNCIA

O articulado da presente aplica-se à generalidade do pessoal da Empresa, sem qualquer exceção.
2.1-A Empresa poderá mandar proceder a sorteios, em todos os dias de laboração ou periodicamente, por método aleatório. Serão sorteados os funcionários que serão submetidos ao teste alcoolémico.
O sorteio terá em conta as várias Frentes de Trabalho e outros Serviços por forma a ser garantida uma maior transparência. Não entrarão no sorteio os funcionários que fazendo parte do efetivo de qualquer Frente de Trabalho ou Serviço que se encontrem na situação de doentes, de férias ou outras devidamente justificadas.
2.2-Poderão ainda ser submetidos ao teste todos aqueles a quem por manifesta suspeita de estarem sob o efeito do álcool, a hierarquia entenda dever requerer a sua submissão ao teste, para tal determina a presença do responsável ou Encarregado da Segurança e Higiene no Trabalho, a quem foram delegados poderes suficientes, para procederem aos testes alcoolémicos. Nestes casos e para evitar quaisquer melindres o teste será feito no mais curto espaço de tempo possível entre o momento de solicitação e a submissão do teste. O pedido deve ser formulado por escrito. O teste deve ser presenciado por duas testemunhas com a categoria igual ou superior ao testado.
2.3- Serão ainda testados todos aqueles que o solicitem desde que apresentem indícios de já terem ingerido bebidas alcoólicas. Os Motoristas e Manobradores de máquinas poderão ser submetidos ao teste alcoolémico independentemente do seu número ou nome ter sido sorteado.
2.4-Todo o efectivo entrará nos sorteios a realizar, pelo que nada impede que haja probabilidade de maior ou menor frequência na sujeição do teste.

3.– REALIZAÇÃO DOS TESTES

3.1Serão considerados positivos todos os testes cujo resultado seja superior a 0,0 g/1 álcool no SANGUE. 3.2 - O quantitativo referido em 3.1 poderá ser alterado sempre que uma norma legal o exija, no entanto, o seu reajustamento será precedido de uma comunicação interna na Empresa para que ninguém possa evocar o seu desconhecimento.

3.3-Os testes serão efetuados pelos funcionários do Q.A.S. no dia do sorteio, e nos locais de trabalho em que se encontra cada um dos sorteados. Entende-se por local de trabalho o local onde o funcionário desempenha as suas funções que poderão ser internas ou externas.
3.4-Os testes devem ser feitos de uma forma discreta especialmente os que forem realizados no exterior.
3.5-Aos testes realizados de acordo com os pontos 2.1 e 2.2 ninguém se poderá recusar sob pena da recusa ser considerada um teste positivo que para além do desrespeito a uma norma estabelecida faz incorrer o infrator em infração disciplinar.

4.– RESULTADOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

4.1-Todos os resultados positivos, devidamente identificados, datados e assinados, serão arquivados pelo Q.A.S. por um período de 10 anos;
4.2- Os testes positivos serão comunicados à Direção de Recursos Humanos que averbará a informação transmitida e zelará pelo integral cumprimento do articulado seguinte:
a)-Em todos os casos de teste positivo o funcionário será impedido de continuar ao serviço até ao final do seu dia normal de atividade, devendo o seu afastamento ser considerado como uma Falta Injustificada;
b)-Para além do constante na alínea anterior impõe-se adotar medidas essencial mente educativas e preventivas pelo que deve ser feita a sua divulgação pela Empresa sem que se mencione quaisquer dados referentes ao infrator;
c)-O expediente elaborado deve ser submetido a despacho da Administração da Empresa para que se possa pronunciar sobre o que achar mais conveniente.

5.– DISPOSIÇÕES DIVERSAS

5.1-A execução do presente regulamento será suspensa caso seja considerada inconstitucional. A responsabilidade desta medida recai diretamente na Administração da Empresa.
5.2-O presente regulamento interno terá os seus efeitos a partir do dia 01-04-2019
5.3-O presente regulamento será detalhadamente divulgado a todos aqueles que compõem os quadros da Empresa por diversos canais internos e por comunicação interna, antes da sua entrada em vigor e o mesmo se passará em relação aos futuros quadros.
5.4-Para que possa haver uma maior uniformidade utilizar-se-ão impressos próprios que constituem anexo ao presente regulamento e dele fazem parte integrante.
5.5-Foi dado conhecimento à Direção Regional do Trabalho » - fim de transcrição.

Atento o esvaziamento do Regulamento decorrente da nulidade do seu ponto 3.1 dir-se-á que a apreciação desta questão perde a sua razão de ser.

Porém, não é assim.

É que não se declarou a nulidade integral do Regulamento. 

Ora, não resulta da sua leitura  que o mesmo tenha derrogado o disposto na clª 120ª, nomeadamente na parte em que nos seus nº s 4 a 6  contempla – e bem – por forma  a obstaculizar a erros e ou arbitrariedades  que:

4-O controle de alcoolémia será efectuado com carácter aleatório entre os trabalhadores que prestem serviço na empresa, bem como àqueles que indiciem estado de embriaguês, devendo para o efeito utilizar-se material apropriado, devidamente aferido e certificado.

5-O exame de pesquisa de alcóol no ar expirado será efetuado pelo superior hierárquico ou por trabalhador com competência delegada para o efeito, sendo sempre possível ao trabalhador, requerer a assistência de uma testemunha, dispondo de 15 minutos para o efeito, não podendo contudo deixar de se efetuar o teste caso não seja viável a apresentação da testemunha.

6-Assiste sempre ao trabalhador submetido ao teste o direito à contraprova, realizando-se, neste caso, um segundo exame nos 10 minutos imediatamente subsequentes ao primeiro.

Assim, nada obstava, e ao invés tudo aconselhava, a que o mesmo, por uma questão de protecção dos direitos dos trabalhadores, para evitar  erros e o hipotético cometimento de arbitrariedades ou abusos, continuasse (e continue  caso o Regulamento venha a ser devidamente adaptado) a ser coonestado com  a clª do Instrumento de regulamentação colectiva aplicável que contempla a realização de testes de contra prova.

Assim, neste aspecto o recurso deve improceder.

****

Mas quais as consequências da supra mencionada procedência  do  recurso em termos das pretensões deduzidas nos autos ?

O Autor pediu que:
- por violação dos direitos previstos nos artigos 16º e 19º, do Código do Trabalho, se declare a ilicitude do Regulamento Interno de Uso de Alcoolímetro.
- a requerida seja notificada para «se obstar de instaurar processos disciplinares ou decretar sanções nos que já se acham instaurados que tenham como fundamento o dito Regulamento, nos termos do artigo 186º - E do CPT, na redacção da Lei nº 107/2009, de 9/9 ».

Relembre-se que supra se entendeu que o ponto 3. 1 do Regulamento em causa é nulo por colocar em causa o direito à reserva da intimidade da vida privada dos trabalhadores da Ré.

Na parte restante , embora  se repute o ponto 5.1 do Regulamento algo redundante, não se reputa o Regulamento em si afectado de qualquer outra ilegalidade.

Assim, cumpre revogar a decisão recorrida que deve ser substituída por uma que:
- declare a nulidade do ponto 3. 1 do Regulamento ( por colocar em causa o direito à reserva da intimidade da vida privada dos trabalhadores da Ré);
- determine a notificação da Ré para se abster de instaurar processos disciplinares ou decretar sanções nos que já se acham instaurados que tenham como fundamento o ponto 3.1 do dito Regulamento.

****     

Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e em consequência :
- declara-se a nulidade do ponto 3. 1 do Regulamento (por colocar em causa o direito à reserva da intimidade da vida privada dos trabalhadores da Ré);
- determina-se a notificação da Ré para se abster de instaurar processos disciplinares ou decretar sanções nos que já se acham instaurados que tenham como fundamento o ponto 3.1 do dito Regulamento.
Custas pela recorrida.
Notifique. 


Lisboa, 26-05-2021

Leopoldo Soares
José Eduardo Sapateiro

Alves Duarte (consigna-se que o Desembargador Alves Duarte votou em conformidade , sendo que não assina por não estar presente em virtude da pandemia).


[1] Em 16.11.2020 – vide fls. 1.
[2] Em 25.11.2020 – vide fls. 11.
[3] Realizada  em 11.12.2020. – vide fls. 14 /14 v .
[4] Vide fls. 15 a 24.
[5] Foram inquiridas duas testemunhas.
[6] Vide fls. 28 a 31 v.
[7] Fls. 35.
[8] Vide fls. 35 v a 38 v.
[9] A conclusão aqui enferma de manifesto lapso ao referir ilicitude.
[10] Fls. 41.
[11] Fls. 42 v e 43.
[12] Vide fls. 44 v a 54.
[13] A conclusão aqui enferma de manifesto lapso ao referir ilicitude.
[14] Que  também se passará a apelidar  apenas por  Regulamento.
[15] Que se passará a denominar  por CRP .
[16] Vide fls. 36 v e 37.
[17] Aprovado pela   Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
[18] Vide nesse sentido  Código do Trabalho, Anotado, Pedro Romano Martinez ,  Luís Miguel Monteiro, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, 2016, 10ª edição, Almedina, por via de anotação de Luís Gonçalves da Silva ao artigo 1º do diploma (II ) a pág. 93.
[19] Vide nesse sentido  Código do Trabalho, Anotado, Pedro Romano Martinez ,  Luís Miguel Monteiro, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, 2016, 10ª edição, Almedina, por via de anotação de Luís Gonçalves da Silva ao artigo 1º do diploma (VIII ) a pág. 95.
[20] Anote-se que havia quem ao abrigo do disposto nos  arts. 7º e 39º da LCT entendesse que os regulamentos internos por conterem regras sobre a organização e disciplina do trabalho constituem uma manifestação de vontade negocial e têm natureza contratual (Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 254, e Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pág. 180).
[21] Direito do Trabalho, 18ª edição especial comemorativa dos 40 anos, Almedina,  pág. 361.
[22] Obra citada, pág. 228.
[23] Obra citada, pág.  363.
[24] Obra citada, pág. 363.
[25] Tratado de Direito do Trabalho,  Parte II – Situações Laborais Individuais , 6ª edição, Revista e actualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas   até Setembro de 2016, Almedina, pág. 556.
[26] Vide nesse sentido  Código do Trabalho, Anotado, Pedro Romano Martinez ,  Luís Miguel Monteiro, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, 2016, 10ª edição, Almedina, por via de anotação de Pedro Madeira de Brito ao artigo 99º do diploma (III ) a pág. 279.
[27] Vide Andreia Lopes Morgado em Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Empresariais/Menção em Direito Laboral, sob a orientação da Professora Doutora Milena da Silva Rouxinol. , intitulada O Regulamento Interno de Empresa – Reflexo de Supremacia Jurídica ou Expressão de Superioridade Fáctica Negocial ?, Coimbra  , 2015  , a página 10, acessível em file:///E:/O%20regulamento%20interno%20de%20empresa.pdf
, a qual qualifica o regulamento interno de empresa como  uma figura sui generis , sendo que refere que quanto à natureza jurídica do RI se encontram essencialmente duas teorias em confronto: a institucional e a contratual..
Sobre as mesmas refere ( vide a mencionada dissertação, a págs 26-27, sendo que as notas de rodapé devem ali ser consultadas):
« A clássica teoria contratual defende a ideia de que o RI se incorpora nos contratos individuais de trabalho, uma vez que para tal basta a adesão do trabalhador àquele, ainda que esta seja tácita45.
Com esta teoria, é visível que na mesma empresa nem todos os trabalhadores se encontram em situação de igualdade, aplicando-se aquele a uns e a outros não, não podendo deixar de recordar que a adesão a este é o pontapé de saída para que o RI se lhes aplique46. Para além desta primeira dificuldade descrita, há ainda quem sustente que, ao submeterem-se os trabalhadores à aplicação do RI, também se submeteram voluntariamente ao poder disciplinar, no caso da violação de disposições constantes daquele47. 
A teoria institucional entende que o RI por ser um modo de exteriorização do poder do empregador, poder esse normativo, é um ato unilateral cujas cláusulas a todos os trabalhadores se impõem, independentemente da sua vontade. De facto, o empregador goza do poder regulamentar, poder esse que lhe confere a possibilidade de emanar ordens acerca da organização e disciplina do trabalho que se tornam essenciais para o bom funcionamento da empresa, não podendo neste campo estarem aquelas sujeitas à adesão ou não do trabalhador pois, a ser assim, não se conseguiria cumprir o objetivo primordial que o RI assume na empresa48. » - fim de transcrição .
[28] Segundo essa norma: (Fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade)
1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:
a) Que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade;
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
2. Cabe igualmente recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:
a) Que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação da lei com valor reforçado;
b) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma;
c) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma emanado de um órgão de soberania com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma;
d) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas a), b) e c).
3. Quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada constar de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar, os recursos previstos na alínea a) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 são obrigatórios para o Ministério Público.
4. Os recursos previstos na alínea b) do n.º 1 e na alínea d) do n.º 2 só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, devendo a lei regular o regime de admissão desses recursos.
5. Cabe ainda recurso para o Tribunal Constitucional, obrigatório para o Ministério Público, das decisões dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.
6. Os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, conforme os casos.
Recorde-se que segundo o artigo 70º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as consequentes alterações ( no caso deste preceito introduzidas pelos seguintes diplomas:     Lei n.º 85/89, de 07 de Setembro e Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro ) :
Decisões de que pode recorrer-se
1 - Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade;
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
c) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado;
d) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do Estatuto da Região Autónoma ou de lei geral da República;
e) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por violação do Estatuto de uma Região Autónoma;
f) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e);
g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional;
h) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, nos precisos termos em que seja requerida a sua apreciação ao Tribunal Constitucional;
i) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.
2 - Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência.
3 - São equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.
4 - Entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual.
5 - Não é admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respetiva lei processual.
6 - Se a decisão admitir recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira.
[29] Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Constituição e Inconstitucionalidade , 3ª edição, reimpressão, 1996, Coimbra Editora, pág. 413.
[30]De acordo com os artigos  277º, 281º e  288º l) da CRP:
Artigo 277º
(Inconstitucionalidade por acção)
1. São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
2. A inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental.
Artigo 281º
(Fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade)
1. O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:
a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas;
b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado;
c) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região autónoma;
d) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto.
2. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral:
a) O Presidente da República;
b) O Presidente da Assembleia da República;
c) O Primeiro-Ministro;
d) O Provedor de Justiça;
e) O Procurador-Geral da República;
f) Um décimo dos Deputados à Assembleia da República;
g) Os Representantes da República, as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, os presidentes dos Governos Regionais ou um décimo dos deputados à respectiva Assembleia Legislativa, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do respectivo estatuto.
3. O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.
Artigo 288º
(Limites materiais da revisão)
As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
a) A independência nacional e a unidade do Estado;
b) A forma republicana de governo;
c) A separação das Igrejas do Estado;
d) Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
e) Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais;
f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;
g) A existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista;
h) O sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional;
i) O pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o direito de oposição democrática;
j) A separação e a interdependência dos órgãos de soberania;
l) A fiscalização da constitucionalidade por acção ou por omissão de normas jurídicas;
m) A independência dos tribunais;
n) A autonomia das autarquias locais;
o) A autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Daí que , oportunamente , se vá apreciar  a supra mencionada problemática não se operando , desde logo, a sua rejeição com base na sua natureza estritamente contratual.
[31] Obra citada , pág. 417.
[32] Obra citada , pág. 414.
[33] Direito Constitucional e Teoria da Constituição,  7ª edição, Almedina, pág. 944.
[34] Vide Guilherme Machado Dray , O Princípio da igualdade no direito do trabalho, sua aplicabilidade no domínio específico da formação de contratos individuais de trabalho, Almedina, 1999, pág. 222-223.
[35] Sobre o assunto vide aresto da Relação de Lisboa, de 28-06-2006, proferido no âmbito do processo nº 2944/2006-4, Relator Natalino  Bolas[35], acessível em www.dgsi.pt, que em face da legislação aplicável ao caso, discretou nos seguintes moldes:
«
O art.º 12.º da LCT, sob a epígrafe “normas aplicáveis aos contratos de trabalho”, menciona como fontes do direito do trabalho (modos de produção e revelação das normas jurídicas que disciplinam o direito laboral) as leis (e decretos-leis), portarias ministeriais e convenções colectivas, “segundo a indicada precedência”.
Do referido normativo não consta como fonte do direito do trabalho os regulamentos internos.
Estes constituem uma manifestação de um dos poderes da entidade patronal – o poder regulamentar constante do art.º 39.º da LCT de modo a organizar e disciplinar o trabalho.
E, do mesmo modo, os regulamentos internos podem, ainda, ser um meio de manifestação de proposta contratual do dador de trabalho sempre que as suas regras versem matéria de natureza contratual considerando-se celebrado o contrato pela simples adesão, expressa ou tácita, do trabalhador - artigo 7.° da LCT (Cf., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 7/07/88, em D. R., I Série, de 26/07/88, pág. 3.029; MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, pág. 254) e Acs. STJ de 4.2.2004 e de 26.09.89 in www.dgsi.pt.
“A vontade contratual pode manifestar-se por parte da entidade patronal, através de regulamentos internos a que se refere o art.º 39.º e, pela parte do trabalhador, pela adesão expressa ou tácita aos ditos regulamentos” (art.º 7.º n.º 1 da LCT).
Na medida em que constituem a manifestação da vontade de uma das partes nos termos em que quer contratar, o regulamento interno tem natureza contratual não constituindo fonte de direito laboral (neste sentido v. Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2.ª Ed. pág. 178, nota 1 e Ac. do Trib. Const. De 20.11.96, ali citado e publicado no DR 2.ª série de 7.2.97; contra: v. entre outros, Maria do Rosário Palma Ramalho – Direito do Trabalho – Parte I – Dogmática Geral, pág. 249, Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pág. 180 e Mário Pinto/Furtado Martins/Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, I, pág. 191, nota 3).
Como refere aquele primeiro autor “… seria estranho que uma fonte de Direito do Trabalho proviesse de uma parte, que a impõe à outra.”.
Não estando perante fonte de direito do trabalho torna-se despiciendo analisar se as cláusulas dele constante são ou não imperativas.
As cláusulas desse regulamento interno que versam natureza contratual mais não são do que cláusulas contratuais gerais, elaboradas “sem prévia negociação individual, como elementos de um projecto de contrato de adesão, destinadas a tornar-se vinculativas quando proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou a aceitar esses projecto” (Inocêncio Galvão Teles, Manual Dos Contratos em Geral, refundido e actualizado, pág. 318).
Tais cláusulas “adquirem eficácia desde que aceites como matéria de um negócio jurídico singular ou individual (…). Até lá, não constituem mais do que um simples projecto ou modelo oferecido à autonomia privada (idem, pág. 320).» - fim de transcrição.
[36] Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, Introdução Geral, Preâmbulo, Artigos  1º a 79º, Coimbra Editora, 2005, pág. 152.
[37] O negrito e sublinhados são sempre nossos.
[38] Obras citada , págs. 156-157.
[39] Constituição da República Portuguesa Anotada, Comentada , Lex, Lisboa, 2000, pág. 97.
[40] Vide ainda o 1º exemplo dado por J. J. Gomes Canotilho Direito Constitucional e Teoria da Constituição,   7ª edição, Almedina, pág. 1285.
[41] Direito Constitucional e Teoria da Constituição,   7ª edição, Almedina, pág. 446.
[42] Obra citada, pág. 1292.
[43] Vide vg: Guilherme Machado Dray o Princípio da igualdade no direito do trabalho, sua aplicabilidade no domínio específico da formação de contratos individuais de trabalho, Almedina, 1999, pág.156 e seguintes.
[44] Guilherme Machado Dray o Princípio da igualdade no direito do trabalho, sua aplicabilidade no domínio específico da formação de contratos individuais de trabalho, Almedina, 1999, pág.158.
[45] Guilherme Machado Dray , obra citada, pág.163.
[46] Guilherme Machado Dray obra citada, pág.168.
[47] Guilherme Machado Dray obra citada, pág. 183.
[48] Obra citada, páginas 185-186.
[49] Vide nesse sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre , Código de Processo Civil, Anotado, Volume 1º, Artigos 1º a 361º, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 20.
[50] Segundo essa norma:
Artigo 627.º
Espécies de recursos
1— As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.
2— Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão.
[51] Vide Conselheiro Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol III, 3ª edição, 2001, pág  212.
[52] Vide Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág 395.
[53] Vide acórdão do STJ de 6 de Maio de 1993, BMJ nº 427, pág  456.
[54] Vide Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, página  151.
[55] Vide sobre o Regulamento interno, Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, , volume I, Relações Individuais de Trabalho , Coimbra Editora , 2007, pág. 632 e seguintes.
[56] Sendo que a sua cláusula 120º regula:
Prevenção e controle do alcoolismo
1 - Não é permitida a realização de qualquer trabalho sob o efeito do alcóol, nomeadamente a condução de máquinas, trabalhos em altura e trabalhos em valas.
2 - Considera-se estar sob o efeito do alcóol o trabalhador que, submetido a exame de pesquisa de alcóol no ar expirado, apresente uma taxa de alcoolémia prevista igual ou superior a 0,5 gr. por litro.
3 - Aos trabalhadores abrangidos pelo Código da Estrada é aplicável a taxa de alcoolémia prevista naquele Código.
4 - O controle de alcoolémia será efectuado com carácter aleatório entre os trabalhadores que prestem serviço na empresa, bem como àqueles que indiciem estado de embriaguês, devendo para o efeito utilizar-se material apropriado, devidamente aferido e certificado.
5 - O exame de pesquisa de alcóol no ar expirado será efetuado pelo superior hierárquico ou por trabalhador com competência delegada para o efeito, sendo sempre possível ao trabalhador, requerer a assistência de uma testemunha, dispondo de 15 minutos para o efeito, não podendo contudo deixar de se efetuar o teste caso não seja viável a apresentação da testemunha.
 6 - Assiste sempre ao trabalhador submetido ao teste o direito à contraprova, realizando-se, neste caso, um segundo exame nos 10 minutos imediatamente subsequentes ao primeiro.
7 - A realização do teste de alcoolémia é obrigatória para todos os trabalhadores, presumindo-se, em caso de recusa, que o trabalhador apresenta uma taxa de alcoolémia igual ou superior a 0,5 gr./l.
8 - O trabalhador que apresente taxa de alcoolémia igual ou superior a 0,5 gr./l., ficará sujeito ao poder disciplinar da empresa, sendo a sanção a aplicar graduada de acordo com a perigosidade e a reincidência do acto. 9 - Caso seja apurada ou presumida taxa de alcoolémia igual ou superior a 0,5 gr./l, o trabalhador será imediatamente impedido, pelo seu superior hierárquico, de prestar serviço durante o restante período de trabalho diário, com a consequente perda da remuneração referente a tal período.
10 - Em caso de teste positivo, será elaborada uma comunicação escrita, sendo entregue cópia ao trabalhador.
[57] Protecção de Dados Pessoais no Contexto Laboral, O Direito à privacidade do trabalhador, Almedina, 2020, págs. 69/70.
[58] As notas de rodapé devem ser consultadas na obra em causa.
[59] Consagrado no artigo 1º da nossa Lei Fundamental, sendo esta nota nossa.
[60] Relembre-se que de acordo com o artigo 18º da nossa Lei Fundamental:
 (Força jurídica)
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
[61]Obra citada, pág. 467/468, na anotação X ao artigo 26º  da Lei Fundamental.
[62] Jorge Miranda e Rui Medeiros na Constituição da República Portuguesa Anotada, Comentada , Lex, Lisboa, 2000, pág. 290,  referem que a esfera privada admite ponderações de proporcionalidade.
Porém , atente-se que reputam a teoria de conceptualmente rígida.
[63] Vide Justa Causa e esfera privada, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho,   Volume  II, IDT, Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, Coordenação de Pedro Romano Martinez, Almedina, Maio de 2001, págs. 39 e seguintes , constando a citação de fls. 48/49.
[64] Que logrou o seguinte dispositivo:
« Pelo exposto e em conclusão, decide-se:
a) Não conhecer da constitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 16.º, n.os 2, alínea a), e 6, e 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 7/95, de 29 de Março;
b) Não julgar inconstitucionais as restantes normas impugnadas. »
[65]Usualmente são apontadas como consequências do seu consumo  :
Absentismo
Falta de pontualidade
Maior probabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho
Quebras de produtividade
Conflitos entre os colegas
Comportamentos violentos.
[66] Vide sobre o direito à saúde o artigo 64º da Lei Fundamental:
 (Saúde)
1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;
b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.
3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;
c) Orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;
d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;
e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;
f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.
4. O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.
[67] Vide Marta Azevedo e João Moreira Dias , Segurança e Saúde do Trabalho, Algumas notas práticas sobre o impacto do RGPD na Organização de Serviços de Segurança e Saúde no Trabalho,  publicado, em  Regulamento geral de protecção de dados e as relações de trabalho, Estudos Associação Portuguesa de Direito do Trabalho, APODIT, 6, Coordenação Maria do Rosário Palma Ramalho e Teresa Moreira Coelho, pág. 169.
[68] Vide Marta Azevedo e João Moreira Dias , artigo e obras citados, pág. 167.
[69] A Privacidade no Local de Trabalho, As novas tecnologias e o controlo dos trabalhadores através de sistemas automatizados uma abordagem ao Código do Trabalho, Almedina,  Maio de 2004, pág. 264/265.
[70] Tratado de Direito do Trabalho,  Parte II – Situações Laborais Individuais , 6ª edição, Revista e actualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas   até Setembro de 2016, Almedina, pág. 296.
[71] Segundo esta norma:
 (Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada)
1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.
2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.
[72] Em Direitos de Personalidade , vide Estudos de Direito do Trabalho, 2016, Almedina, páginas 65 e segs , no caso a pág. 68.
[73] Obra citada , páginas 69/70.
[74] Princípios  estruturantes de Estado  de Direito. Dignidade, Igualdade, proporcionalidade, razoabilidade, protecção da confiança, proibição do défice, reserva de lei e determinabilidade , Almedina, 2019, pág 96.
[75]Obra citada, páginas 95 e 103. 
[76] Obra citada, pág. 103.
[77] Obra citada, págs. 104-105.
[78] Obra citada, págs 117-117.
[79]Jorge Reis Novais,  Princípios  estruturantes de Estado  de Direito. Dignidade, Igualdade, proporcionalidade, razoabilidade, protecção da confiança, proibição do défice, reserva de lei e determinabilidade , Almedina, 2019, pág  119.
[80]Jorge Reis Novais,  Princípios  estruturantes de Estado  de Direito. Dignidade, Igualdade, proporcionalidade, razoabilidade, protecção da confiança, proibição do défice, reserva de lei e determinabilidade , Almedina, 2019, pág  119.
[81]Jorge Reis Novais,  Princípios  estruturantes de Estado  de Direito. Dignidade, Igualdade, proporcionalidade, razoabilidade, protecção da confiança, proibição do défice, reserva de lei e determinabilidade , Almedina, 2019, pág  120.
[82] Existem outras ( sendo que  , igualmente , também não estão em causa as pessoas que ali laboram nem os seus hábitos de vida ) em que isso também sucede. Basta pensar a título de exemplo nos transportes.
[83] Relembre-se o disposto nos artigos 24, 25, 27 e 67º da CRP.
[84] Anote-se que o princípio da proporcionalidade, por vezes também é apelidado princípio da razoabilidade ou princípio da adequação dos meios aos fins pode ser encarado como um método usado para resolver a colisão de princípios jurídicos, sendo estes entendidos como valores, bens, interesses. Saliente-se que a ideia de razoabilidade também é referida na doutrina norte-americana, sendo que ali se mostra relacionada com o princípio do devido processo legal.
Aliás, embora a nível distinto, o princípio da proporcionalidade tem consagração constitucional no artigo  266.º, n.º 2, da CRP que comanda:
(Princípios fundamentais)
1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
[85] Contém as alterações dos seguintes diplomas:
   - DL n.º 2/98, de 03/01
   - DL n.º 162/2001, de 22/05
   - Rect. n.º 13-A/2001, de 24/05
   - DL n.º 265-A/2001, de 28/09
   - Lei n.º 20/2002, de 21/08
   - DL n.º 44/2005, de 23/02
   - Lei n.º 72/2013, de 03/09
   - DL n.º 102-B/2020, de 09/12.
[86] Saliente-se que de acordo com o artigo 122º do Código da Estrada:
Regime probatório
1 - A carta de condução emitida a favor de quem ainda não se encontrava legalmente habilitado a conduzir qualquer categoria de veículos fica sujeita a regime probatório durante os três primeiros anos da sua validade.
2 - Se, no período referido no número anterior, for instaurado contra o titular da carta de condução procedimento do qual possa resultar a condenação pela prática de crime por violação de regras de circulação rodoviária, contraordenação muito grave ou segunda contraordenação grave, o regime probatório é prorrogado até que a respetiva decisão transite em julgado ou se torne definitiva.
3 - O regime probatório não se aplica às cartas de condução emitidas por troca por documento equivalente que habilite o seu titular a conduzir há mais de três anos, salvo se contra ele pender procedimento nos termos do número anterior.
4 - Os titulares de carta de condução das categorias T, AM e A1 ou B1 ficam sujeitos ao regime probatório quando obtenham habilitação para conduzir outra categoria de veículos, ainda que o título inicial tenha mais de três anos de validade.
5 - O regime probatório cessa uma vez findos os prazos previstos nos n.os 1 ou 2 sem que o titular seja condenado pela prática de crime, contraordenação muito grave ou por duas contraordenações graves.
6 - [Revogado.]
7 - [Revogado.]
8 - [Revogado.]
9 - [Revogado.]
10 - [Revogado.]
11 - [Revogado.]
12 - [Revogado.]
13 - [Revogado.]
14 - [Revogado.]
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
   - DL n.º 2/98, de 03/01
   - DL n.º 265-A/2001, de 28/09
   - DL n.º 44/2005, de 23/02
   - DL n.º 138/2012, de 05/07
   - DL n.º 102-B/2020, de 09/12
[87] Nomeadamente a nível mediático.
[88] Operações especiais levadas a cabo pelas nossas forças policiais durante as épocas festivas, nos períodos de férias, etc, etc.…
[89] Norma que comanda:
 (Negócios celebrados contra a lei)
Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.
[90] Segundo o qual:
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente
pelo tribunal.
[91] Universidade Católica Editora, pág. 734, anotação 4.
[92] A parte geral do Código Civil Português, 2ª edição totalmente revista e actualizada, Almedina, pág. 575. 
[93] Norma que regula:
1. É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legamente impossível, contrário à lei ou
indeterminável.
2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.
[94] Segundo o qual:
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente
pelo tribunal.
[95] A parte geral do Código Civil Português, 2ª edição totalmente revista e actualizada, Almedina, pág. 580. 
[96] Universidade Católica Editora, pág. 695, anotação III.
[97] Comentário ao artigo 280º Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa ,Elsa Vaz Sequeira , anotação IV, pág. 695.
[98] Recorde-se que artigo 334º do Código Civil preceitua que:
"É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".
Nas palavras de Antunes Varela "para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar.
É preciso, como acentuava M. Andrade que o direito seja exercido «em termos clamorosamente ofensivos da justiça»". - Das Obrigações em Geral,, Vol  I, 4ª ed, pág 466.
É, pois, necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exercer o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.
E não é sequer necessária a consciência, por parte do agente, de se excederem com o exercício do direito os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social desse direito; basta que objectivamente se excedam tais limites. - A. Varela, ob. cit,  pág 465.
A boa fé como princípio significa essencialmente que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.
Uma das hipóteses da concretização desta cláusula geral é a da proibição de "venire contra factum proprium", impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; aquilo... com que se veta o exercício de um direito subjectivo ou duma pretensão, quando o seu titular, por os não ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos (revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável) " - Vide Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, Almedina, pág 59/60.
O abuso do direito tem as consequências de um acto ilegítimo podendo dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade, à legitimidade de posição; ao alongamento do prazo de prescrição ou de caducidade" - Vide acórdão do STJ de 28-11-96, CJ, Acórdãos do STJ, Ano III, pág 118.
Nas palavras de A. Varela "os efeitos do exercício irregular do direito serão os correspondentes à forma de actuação do titular" - Obra citada, pág 467.
[99] Isto efectuando uma adaptação livre do mencionado na dissertação apresentada por Larissa Pepe Ribeiro Gavinho , em despedimento com justa causa relativo à embriaguez habitual ou toxicomania , um estudo comparado Portugal e Espanha  , Julho72018, Universidade de Coimbra ( acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/85772/1/Despedimento%20com%20justa%20causa%20relativo%20a%20embriaguez%20habitual%20ou%20toxicomania%20-%20Larissa%20Pepe%20Ribeiro%20Gavinho.pdf
)  , a qual a fls . 75 cita Perdigão , Carlos , Testes de alcoolemia  e direitos dos trabalhadores, Minerva – Revista de Estudos  Laborais, Ano I, nº 2º , pág. 30, Edições Almedina , Coimbra 2013.
[100] Vide sobre a destrinça entre vida pessoal e profissional feita no ordenamento jurídico francês - Teresa Alexandra Coelho Moreira em Direitos da Personalidade , Código do Trabalho, A revisão de 2009, Coordenador Paulo Morgado de Carvalho, Coimbra Editora , Wolters Kluwer , nota 34, página 106.
[101] OS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO CÓDIGO DO TRABALHO:  ACTUALIDADE E OPORTUNIDADE DA SUA INCLUSÃO, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, acessível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/18699/2/49726.pdf
a pág. 12.
[102] « Para o alcance destes princípios, cfr, nomeadamente, Hubert Bouchet, “À l’épreuve des nouvelles technologies: le travail et le salarié”, Droit Social, nº 1, 2002, JeanEmmanuel Ray, “Courrier privé et courriel personnel - Cass. soc. 2/10/01, Nikon”, Droit Social, nº 11, Nov., 2001.».
[103] Diploma aprovado pela Lei n.º 7/2009 , de 12 de Fevereiro, que foi alterado pelos seguintes diplomas:
- Lei n.º 93/2019, de 04/09
   - Lei n.º 90/2019, de 04/09
   - Lei n.º 14/2018, de 19/03
   - Retificação n.º 28/2017, de 02/10
   - Lei n.º 73/2017, de 16/08
   - Lei n.º 28/2016, de 23/08
   - Lei n.º 8/2016, de 01/04
   - Lei n.º 120/2015, de 01/09
   - Lei n.º 28/2015, de 14/04
   - Lei n.º 55/2014, de 25/08
   - Lei n.º 27/2014, de 08/05
   - Lei n.º 69/2013, de 30/08
   - Lei n.º 47/2012, de 29/08
   - Retificação n.º 38/2012, de 23/07
   - Lei n.º 23/2012, de 25/06
   - Lei n.º 53/2011, de 14/10
   - Lei n.º 105/2009, de 14/09
   - Rect. n.º 21/2009, de 18/03
[104] Segundo o qual:
 (Redução)
A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre
que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
[i] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas  pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).