Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6484/04.0TVLSB.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LOGRADOURO
PARTES COMUNS
INOVAÇÃO
CONDOMÍNIO
OBRAS
PODERES DA RELAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Na apreciação da matéria de facto a Relação pode tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, ainda que não dados como assentes na fase da condensação e mesmo que as partes de tal não falem na alegação de recurso, nem oportunamente tenham reclamado; assim, atenta a alegação dos RR. e face ao documento junto aos autos antes do encerramento da discussão, deverá ser tido em consideração que quando da outorga da escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio a que se reportam os autos se consignou que a fracção autónoma designada pela letra “B” se compõe de duas casas assoalhadas, cozinha, casa de banho e quintal.
II – Enquanto o solo em que o edifício se encontra incorporado é imperativamente parte comum, já tal não sucede com o «logradouro» - entendido como a parcela de terreno adjacente a um prédio urbano e que, funcionalmente, se encontra conexa com ele, servindo de jardim, quintal ou pátio; embora o quintal referido em I) fosse presuntivamente comum, a presunção foi ilidida uma vez que o título constitutivo da propriedade horizontal determinou que o mesmo integrava a fracção “B”.
III - O art. 1425 do CC não se refere às inovações introduzidas nas fracções autónomas, sujeitas à propriedade exclusiva de cada condómino, prevendo antes as inovações a introduzir nas coisas comuns; serão as restrições constantes do art. 1422 do CC que se irão aplicar às fracções de cada condómino e suas componentes próprias, vigorando, nesta parte, as normas relativas à propriedade de coisas imóveis em que se incluem, nomeadamente, as limitações decorrentes das relações de vizinhança.
IV - Enquanto nas obras compreendidas na alínea a) do nº 2 do art. 1422 é necessária a prova de efectivo dano ou prejuízo para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do prédio, nas obras abrangidas pelo art. 1425, basta que elas se reconduzam a «inovações».
V - A segurança tida em conta no nº 2-a) do art. 1422 é a segurança do edifício, a sua estabilidade; prejudicar a linha arquitectónica do edifício será o mesmo que alterar o estilo próprio do edifício destoando da sua traça geral.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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            I - “A” intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra “B”, “C” e “D”.
            Alegou o A., em resumo:
O A. é dono da fracção “C”, correspondente ao 1º andar do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., nº ..., em C..., Lisboa. Aquela fracção está situada por cima das duas fracções pertencentes aos RR., as fracções “A”. e “B”, respectivamente.
Os RR., contra a vontade do A., realizaram obras no interior das respectivas fracções e no quintal, as quais consistiram na demolição do muro interior que, a poente, separava a fracção “A” da fracção “B”, e transformaram o que anteriormente era um quarto de dormir desta última fracção num local onde actualmente se exerce o comércio.
Construíram, também, no quintal uma sala e um quarto que ocupam mais de 70% da sua área, o que faz com que onde anteriormente existia um quintal existam agora duas edificações em alvenaria.
A parte traseira da fracção do A., cujas janelas da cozinha, da sala e da casa de banho davam para o quintal, cujo solo se encontrava quatro metros abaixo do parapeito das ditas janelas, dá agora para as referidas construções, que se situam a menos de um metro abaixo do parapeito dessas janelas, o que, além de limitar as vistas veio diminuir substancialmente a segurança da sua fracção.
As obras, por alterarem substancialmente a estrutura interna e externa do imóvel, alterarem o fim ou destino de uma das fracções e terem sido erigidas no quintal do edifício (parte comum do imóvel) tinham de ser, necessariamente, autorizadas pelo A..
            Pediu o A. a condenação dos RR. a demolirem as construções que erigiram no quintal do edifício e a repor a sua estrutura interna e externa no estado em que se encontravam antes da realização das obras.
            Os RR. contestaram e o processo prosseguiu, vindo a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR. do pedido.
            Desta sentença apelou o A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
a) Do julgamento da matéria de facto resultou provado que no quintal da fracção B foram construídas duas divisões (um quarto e uma sala); que em resultado da construção destas divisões passou a haver um maior índice de ocupação do quintal; que tal construção ocupa cerca de metade do quintal; que a construção destas duas divisões diminuiu as condições de segurança da fracção do autor; que entre o telhado das novas construções e as janelas da fracção do autor medeia, agora, um metro e meio; que o autor colocou gradeamento nessa janelas; e que os restantes condóminos autorizaram a realização da obra. No que respeita a este ultimo facto, como se demonstrará, estamos perante um gravíssimo erro de julgamento;
b) Face à factualidade dada como provada tem de se concluir, como o concluiu, aliás, o Meritíssimo Juiz “a quo” que as obras foram realizadas numa parte comum do prédio, porque a expressão “quintal” se reconduz à presunção ínsita no artigo 1421.º, n.º 2, alínea a): «Os pátios e jardins anexos ao edifício» presumem-se comuns;
c) Atenta esta conclusão, se as obras pudessem ser autorizadas, a principal questão deste caso seria a de se saber se as construções realizadas pelos réus deveriam ser consideradas “inovação”, para efeitos do disposto no artigo 1425.º, do Código Civil, e, se fossem inovação, se foram ou não aprovadas em assembleia de condóminos por maioria de dois terços do capital do prédio;
d) As obras em questão são de inovação, porque a construção de duas divisões num quintal onde nada havia não pode ser vista de outra maneira, e não houve nenhuma assembleia geral de condóminos que as autorizassem;
e) Este último facto faz com que nunca, mas nunca, se possa ter como verificada a autorização prevista na norma do n.º 1.º do artigo 1425.º do C.C;
f) Porém, o Meritíssimo Juiz “a quo” julgou provado que os restantes condóminos autorizaram as obras;
g) Todavia, salvo o devido e merecido respeito, o Meritíssimo Juiz “a quo” ao assim julgar incorreu em gravíssimo erro no julgamento da matéria de facto, porque, em vez da acta de uma assembleia geral de condóminos, aceitou como sendo a autorização dos condóminos duas cartas escritas por duas pessoas que residem no prédio, mas que, como aliás é dito numa dessas cartas, são inquilinos e não os proprietários das fracções.
h) Tudo conforme se pode verificar pela fundamentação da resposta dada pelo Meritíssimo Juiz “a quo” ao quesito 19.º da matéria de facto.
i) Mas, mesmo essas pessoas fossem proprietários (mas não são, como se vê pelo teor dos escritos e dos demais documentos juntos aos autos) tais cartas nunca poderiam substituir a acta da assembleia de condóminos que aprovasse as construções, como impõe a norma do n.º 1 do artigo 1425 do C.C..
j) Por estas razões, e tendo-se provado que os réus construíram duas divisões numa zona comum do edifício e que, em resultado dessa construção, passou a haver um maior índice de ocupação do quintal; tendo-se provado que esta construção ocupa cerca de metade do logradouro; tendo-se provado que com estas obras a segurança da fracção ao autor ficou diminuída; e que (como resulta da natureza das coisas) a construção alterou a linha arquitectónica do imóvel.
k) Parece que as obras teriam sempre de ter a autorização da geral de condóminos (se outros factos a elas não obstassem);
l) E, como se viu, não existiu nem assembleia geral de condóminos, nem acta e nem autorização desta assembleia para as obras;
m) É por tudo isto que, salvo o devido respeito por melhor opinião, a sentença recorrida assenta em erros de julgamento, em errónea qualificação jurídica dos factos e numa infeliz interpretação jurídica dos artigos 1418.º, 1419.º, 1420.º, 1421.º, 1422.º, 1425.º e 1430.º, do C.C., tudo com influência directa na decisão final;
n) Tanto mais que as obras em questão não podem nunca ser autorizadas pela assembleia geral de condóminos porque diminuem a segurança das fracções autónomas do prédio,
o) E as normas dos n.ºs 3 e 4, do artigo 1422.º como a norma do n.º 1 do artigo 1425.º, não permitem excepcionar as alíneas a), b), c) e d), do n.º 2, do artigo 1422.º, e do N.º 2 do artigo 1425.º do Código Civil.
p) Além de tudo isto a sentença é nula, por causa da contradição entre os fundamentos e a decisão, porque não se pode dar como assente na sentença que as obras diminuem a segurança da fracção do autor e depois julgar a acção que este interpôs improcedente (normas do artigo 669.º N.º 1, alíneas b) e c) do CPC.)
q) Assim, a legitimação por via da sentença recorrida das obras realizadas pelos réus no quintal do imóvel, viola o regime imperativo relativo às das partes comuns dos edifícios constituídos em propriedade horizontal, por tal legitimação violar as normas doas artigos, 1421.º, n.º 2, alínea a) e 1422.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), todos do C.C..
r) É por todas estas razões que a sentença recorrida viola as normas dos artigos 1403.º, 1404.º, 1411.º, 1415.º, 1418.º1420.º, 1421.º, n.º 2, a), e 1422.º, n.ºs 1, 2, alíneas a), 3 e 4, 1423.º, 1425.º, n.ºs 1 e 2, e o artigo 1430.º, todos do C.C..
            Os RR. contra alegaram nos termos de fls. 462 e seguintes.
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            II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 - A fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., nºs ... a ... A, Lisboa, mostra-se registada na ... Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../..., a favor do A. “A” e de “E”, desde 17/06/2005 (A).
2 - A propriedade horizontal relativa ao prédio referido em A) mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial pela Ap. 05 de 19/07/1979 (B).
3 - O 1º R., “B”, adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano identificado em A), mostrando-se tal aquisição registada a seu favor na ... Conservatória do Registo Predial pela Ap. 27/30072001, convertida em definitivo pela Ap. ... (C).
4 - A 2ª R., “C”, adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano identificado em A), mostrando-se tal aquisição a seu favor registada na ... Conservatória do Registo Predial pela Ap…, convertida em definitivo pela Ap. 46/26112001 (D).
5 - A fracção designada pela letra “C” situa-se no 1º andar do prédio e encontra-se situada por cima das fracções designadas pelas letras “A” e “B” (E).
6 - A fracção “A” confina de Sul com a Rua ... e a Poente com a fracção "B" do mesmo prédio (F).
7 - A fracção “B”, que tem um quintal, confina a sul com a Rua ... e a norte com a fracção “A” (1º).
8 - O quintal da fracção “B” confina a sul com a parede mestra da parte traseira do prédio identificado em A) (2º).
9 - No quintal da fracção “B” foram construídas duas divisões: um quarto e uma sala que é a extensão da cozinha (4º).
10 - Como resultado da construção das divisões a que se alude na resposta dada ao artigo 4º, passou a haver um maior índice de ocupação do quintal da fracção “B”, o que não impede a visão horizontal alcançada do interior da fracção do Autor (7º, 8º e 9º).
11 - As construções edificadas no quintal da fracção “B” diminuíram ligeiramente as condições de segurança da fracção do Autor, não só por o acesso ao quintal ser feito unicamente pela fracção “B”, como também porque no local sempre existiu um muro  (10º).
12 - Os Réus apenas abriram um arco na parede interior que a poente separava a fracção "A" da fracção "B" (11º).
13 - Instados pelo Autor, os Réus fecharam esse arco e restauraram a parede interior, colocando-a no seu estado anterior (12º).
14 - A construção das duas divisões referidas na resposta dada ao artigo 4º, foi feita sem modificar a parede sul do edifício ou o muro da vedação existente a nascente, com mais de três metros de altura (14º).
15 - A construção daquelas divisões ocupa cerca de metade do quintal da fracção “B”
(15º).
16 - Entre o telhado das mesmas divisões e as janelas da fracção “C” do Autor medeia cerca de metro e meio (16º).
17 - As divisões construídas no quintal da fracção “B” situam-se num plano ligeiramente inferior ao do muro do prédio, tendo o Autor colocado gradeamento nas janelas traseiras da sua fracção (17º).
18 - O Autor foi informado pelos Réus do projecto da obra das divisões a que se alude na resposta dada ao artigo 4º (18º).
19 - Os restantes condóminos autorizaram a realização da obra (19º).
                                                                       *
            III - O percurso seguido pela sentença de 1ª instância e que, como vimos, conduziu à improcedência da acção foi, essencialmente, o seguinte:
- No que respeita às obras realizadas no interior das fracções “A” e ”B”, porque a situação anterior foi reposta, não pode a acção deixar de improceder;
- No que respeita à construção no logradouro/quintal, não foi junto aos autos o título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que não se pode aquilatar com rigor se o mesmo está, ou não afecto ao uso exclusivo da R. “C”; face «à míngua dos factos apurados» não se pode concluir que houve uma afectação material e objectiva do ajuizado logradouro/quintal à fracção “B”, não tendo, por isso, sido afastada a presunção de comunhão contida no art. 1421, nº 2-a) do CC; o logradouro/quintal é parte comum, tendo aplicação o disposto no art. 1425 do CC; a construção do anexo não prejudicou a utilização por parte do A. da sua fracção; tendo os RR. obtido a autorização dos demais condóminos para a realização das obras, as mesmas não são ilegais e por isso devem manter-se, pelo que também nesta parte a acção claudica.
Definindo as conclusões de recurso o objecto deste, conforme decorre dos arts. 684, nº 3, e 690, nº 1, do CPC, as questões que essencialmente se nos colocam, atentas as conclusões apresentadas pelo apelante/A. – acima reproduzidas – face à sentença recorrida são as seguintes:
- se ocorre a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão;
- se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto, uma vez que pelo Tribunal de 1ª instância foi aceite como conformando a autorização dos demais condóminos dois escritos  de duas pessoas que residem no prédio;
- se, porque as obras foram realizadas numa parte comum do prédio, atenta a presunção constante do nº 2-a) do art. 1421 do CC, as mesmas, constituindo uma inovação, infringiram o disposto no art. 1425 do CC;
- se, de qualquer modo, com as obras a segurança da fracção do A. resultou diminuída, bem como foi alterada a linha arquitectónica do imóvel.
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IV – 1 - Decorre do nº 1-c) do art. 668 do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
 «Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta...» ([1]).
O apelante assaca o referido vício à sentença recorrida por entender que «não se pode dar como assente na sentença que as obras diminuem a segurança da fracção do autor e depois julgar a acção que este interpôs improcedente».
Vejamos.
No que a tal respeita, o julgador de 1ª instância aduziu a seguinte fundamentação:
«É certo que resultou provado que aquela construção diminuiu ligeiramente as condições de segurança da fracção do Autor, não só por o acesso ao quintal ser feito unicamente pela fracção da 2ª Ré, como também porque no local sempre existiu um muro (resposta ao quesito 10º).
Mas daí não pode concluir-se, sem mais, que a referida construção tenha prejudicada a utilização, por parte do Autor, da sua fracção, até porque como resultou provado a ligeira diminuição das condições de segurança também se devem à existência de um muro que existe no local, sendo certo que o Autor colocou gradeamento nas janelas traseiras da sua fracção (resposta ao quesito 17º).
Assim, tendo os 2ºs Réus obtido a autorização dos restantes condóminos para a realização das ditas obras (resposta ao quesito 19º), mostra-se respeitada a maioria necessária dos condóminos prevista no aludido art. 1425, nº 1, do CC, pelo que é de concluir que as obras realizadas no logradouro/quintal não são ilegais e, como tal, devem manter-se».
Daí se ter chegado, nesta parte, à improcedência da acção.
Ora, neste contexto, não se vislumbra qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, conduzindo aqueles a esta sem qualquer atropelo à lógica – o percurso seguido na sentença recorrida, na sua globalidade, é concordante com o desfecho de improcedência da acção e absolvição dos RR.. O apelante poderá não concordar com a interpretação da lei que foi efectuada na sentença, nem com a aplicação que desta foi feita aos factos julgados provados, mas tal não se reconduz à invocada nulidade, mas ao erro de julgamento.
Conclui-se, pois, que não se verifica a nulidade da sentença.
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IV – 2 – Perguntava-se no artigo 19) da Base Instrutória: «Os restantes condóminos autorizaram a realização da obra?» Tal pergunta teve resposta positiva, resposta essa que, de acordo com a fundamentação das respostas à matéria de facto, se baseou nos documentos de fls. 69 a 76.
O apelante defende que as cartas juntas aos autos e a que o Tribunal de 1ª instância se reporta foram assinadas por pessoas que não são condóminos das fracções.
Vejamos.
No art. 58 da contestação os RR. alegaram que os «restantes condóminos, a saber a Sra. “F” e o Sr. “G”, moradores nos 3º e 2º andares do referido imóvel autorizaram a realização da obra», remetendo então para os documentos de fls. 69 a 76 (docs. nºs 18 a 21). Correspondem estes documentos a correspondência trocada entre os RR. e aquelas pessoas - “F” e “G” -   solicitando os RR. autorização e concedendo-a eles.
Todavia, não se pondo em causa que as referidas pessoas residam no prédio, nada nos autos comprova que sejam, efectivamente, os condóminos das fracções. Mesmo o texto das missivas é dúbio: “G”, na carta por si assinada diz ser “inquilino” e “F” declara-se “moradora”.
Nestas circunstâncias, conclui-se que deverá ser dado como não provado o artigo 19) da Base Instrutória.
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IV – 3 - Escreveu-se na sentença recorrida: «No caso vertente, não foi junto aos autos pelos Réus (nem pelo Autor) o título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que não se pode aquilatar com rigor se o logradouro/quintal está ou não afecto ao uso exclusivo da 2ª Ré, sendo certo que sobre esta recaía o ónus de provar que o mesmo lhe foi atribuído no acto de instituição da propriedade horizontal.» E, mais adiante: «Face à míngua dos factos apurados, não se pode concluir que houve uma afectação material e objectiva do ajuizado logradouro/quintal à fracção “B” da 2ª Ré, não tendo por isso sido afastada a presunção de comunhão contida no art. 1421º, nº 2, al. a), do CC».
Sucede que, ao contrário do que foi referido no trecho acabado de transcrever, foi junta aos autos, a fls. 404 e seguintes, pelo A., cópia da escritura pública de constituição de propriedade horizontal relativa ao imóvel; os RR. foram notificados da junção e nada opuseram ao documento, devendo o mesmo ser tido em consideração nos autos.
Da referida escritura consta, designadamente, que a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, se «compõe de duas casas assoalhadas, cozinha, casa de banho e quintal».
Ora, havendo os RR. alegado na respectiva contestação (art. 24) que do título constitutivo de propriedade horizontal «resulta inequivocamente que o mencionado quintal é parte integrante da fracção “B, sendo por isso propriedade exclusiva da 2ª R., logo não sendo parte comum do prédio », em oposição com o que o A. havia defendido na p.i. (art. 9), que o dito quintal era parte comum do edifício, sendo do uso exclusivo do possuidor da fracção “B”, o teor da escritura, nesta parte, tem interesse para a decisão da causa.
O juiz, ao proferir a sentença, deve ter em conta todos os factos que considere provados, ainda que não tenham sido dados como assentes na fase da condensação, nem apurados em julgamento, e a Relação pode fazer idêntico aditamento ainda que disso as partes não falem nem oportunamente tenham reclamado ([2]) ([3]).
Como é sabido, a peça condensatória não é definitiva, mas, sempre que necessário, reformável ([4]), sendo «inegável que a Relação, na apreciação da matéria de facto, pode e deve, nos termos do art. 659, nº 3 (ex vi do art. 713, nº 2, do C. Proc. Civil) tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito ([5]).
            Assim, adita-se à matéria de facto provada a seguinte alínea:
19 - Em 4 de Julho de 1979 foi celebrada a escritura de constituição de propriedade horizontal documentada a fls. 404 e seguintes dos presentes autos, respeitante ao prédio urbano sito em Lisboa, na Rua ..., nº ... e ...-A, prédio que ali foi referido como sendo «composto de loja, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares e quintal», consignando-se naquela escritura, designadamente, que a «fracção autónoma designada pela letra “B” se compõe de duas casas assoalhadas, cozinha, casa de banho e quintal, correspondendo-lhe vinte e dois por cento do valor total do prédio».
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            IV – 4 - Nessa parte não divergindo da senda seguida na sentença recorrida, apoia-se o recorrente na presunção estabelecida no nº 2-a) do art. 1421 do CC – a de que são partes comuns do prédio «os pátios e jardins anexos ao edifício».
            Efectivamente, o artigo em referência, depois de no seu nº 1 determinar quais as partes do edifício que são necessária ou forçosamente comuns – entre as quais, conforme a alínea a), «o solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do edifício» - faz referência, no nº 2, às partes que se presumem comuns e permite, no nº 3, que o título constitutivo afecte ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.
            Deste modo, muito embora o nº 2 contenha a presunção de que são comuns outros elementos do prédio, para além dos imperativamente apontados no nº 1, «essa presunção pode ser ilidida, desde que se prove que os referidos elementos foram atribuídos pelo título constitutivo da propriedade horizontal a um ou a alguns dos condóminos, ou adquiridos por estes através de actos possessórios» ([6]).
            Temos, pois, para além do solo em que o edifício se encontra incorporado – que é imperativamente parte comum, face à alínea a) do nº 1 do art. 1421 – «os pátios e jardins anexos ao edifício», aludidos no nº 2-a) do art. 1421 e, apenas, presuntivamente comuns. Esta alínea a) do nº 2 reporta-se ao «logradouro», se o entendermos como a «parcela de terreno adjacente a um prédio urbano e que, funcionalmente, se encontra conexa com ele, servindo de jardim, quintal ou pátio» ([7]). Deste modo, a parte do solo não ocupada pelo edifício e susceptível de várias utilizações, consoante os casos, traduz a realidade subjacente à alínea a) do nº 2 do art. 1421 ([8]). Como claramente já há muito foi escrito ([9]) «o solo é o terreno sobre o qual se implanta a construção», «já quanto aos logradouros, mesmo tratando-se de terrenos sem qualquer outra especificidade e que são também uma porção do solo, não há obrigatoriamente comunhão».
No caso que nos ocupa temos um prédio urbano que inclui um «quintal» relativamente ao qual, quando da outorga da escritura de constituição de propriedade horizontal, em 4 de Julho de 1979, se consignou que a «fracção autónoma designada pela letra “B” se compõe de duas casas assoalhadas, cozinha, casa de banho e quintal, correspondendo-lhe vinte e dois por cento do valor total do prédio».
Muito embora aquele «quintal» fosse presuntivamente comum, a presunção foi ilidida, quando o título constitutivo da propriedade horizontal determinou que o mesmo integrava a fracção “B” ([10]).
            Pelo que se concluiu que o quintal a que se reportam os autos não é parte comum mas, sim, parte privativa do condómino da fracção “B”, ou seja, da R. “C”.
                                                                       *
IV – 5 - De acordo com o art. 1425 do CC «as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio» (nº 1), acrescendo que «nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns» (nº 2).
Este artigo não se refere às inovações introduzidas nas fracções autónomas, sujeitas à propriedade exclusiva de cada condómino, prevendo antes as inovações a introduzir nas coisas comuns ([11]); serão as restrições constantes do art. 1422 do CC que se irão aplicar às fracções de cada condómino e suas componentes próprias, vigorando, nesta parte, as normas relativas à propriedade de coisas imóveis em que se incluem, nomeadamente, as limitações decorrentes das relações de vizinhança.
Poderão ser consideradas como «obras inovadoras todas aquelas que, recaindo em coisas próprias ou em coisas comuns, constituam uma alteração do prédio, tal como originariamente foi concebido, com o fim de proporcionar a um, a vários, ou à totalidade dos condóminos, maiores vantagens, ou melhores benefícios, ainda só que de natureza económica» ([12]). Todavia, como vimos, as disposições do art. 1425 do CC, não se aplicam às inovações introduzidas nas fracções pertença exclusiva dos condóminos, não sendo aplicáveis às obras a que se reportam os autos.
                                                           *
IV – 6 - Preceitua o nº 1 do art. 1422 do CC: «os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis». Prescrevendo o nº 2-a) do mesmo artigo que é especialmente vedado aos condóminos «prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício», o nº 3 ressalva que «as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio».
No preceito de natureza imperativa constante do nº 2-a) as partes do edifício que se têm em vista são, fundamentalmente, as que pertencem aos condóminos em propriedade exclusiva; as obras novas que estão vedadas ao condómino na sua fracção são as que provocam efectivo dano ou prejuízo para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do edifício. Efectivamente, enquanto nas obras compreendidas na alínea a) do nº 2 do art. 1422 é necessária a prova de efectivo dano ou prejuízo para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do prédio, nas obras abrangidas pelo art. 1425, basta que elas se reconduzam a «inovações».
O apelante refere-se à segurança, mencionando embora, lateralmente, também a linha arquitectónica do edifício ([13]).
Vejamos.
Os condóminos em caso algum podem afectar, por acção ou por omissão, a segurança do imóvel, sendo que a segurança do edifício se poderá entender «como o adequado funcionamento de todos os elementos estruturais que o constituem – admitindo, naturalmente, que foram bem dimensionados» ([14]).
Já a «avaliação do prejuízo ou da modificação da linha arquitectónica de um prédio ou do seu arranjo estético implica um juízo de valor que há-de ser formado através do paralelo que se possa estabelecer entre o seu estado e fisionomia actuais e aqueles que detinha antes das obras efectuadas. Para isso, será fundamental que o julgador tenha conhecimento, através da matéria de facto provada, não só da descrição pormenorizada das obras efectuadas, mas, também, do impacto que as mesmas tiveram tanto ao nível estrutural como estético do prédio» ([15]).
No caso que nos ocupa resultou provado que tendo a fracção “B” um quintal que confina a sul com a parede mestra da parte traseira do prédio, naquele quintal foram construídas duas divisões: um quarto e uma sala que é a extensão da cozinha. Provou-se, também, que como resultado da construção passou a haver um maior índice de ocupação do quintal da fracção “B” - a construção das divisões ocupa cerca de metade do quintal - o que não impede a visão horizontal alcançada do interior da fracção do A. e que aquelas construções edificadas no quintal da fracção “B” diminuíram ligeiramente as condições de segurança da fracção do Autor, não só por o acesso ao quintal ser feito unicamente pela fracção “B”, como também porque no local sempre existiu um muro, tendo o A. colocado gradeamento nas janelas traseiras da sua fracção. Provou-se, por fim, que a construção das duas divisões foi feita sem modificar a parede sul do edifício ou o muro da vedação existente a nascente, com mais de três metros de altura, que entre o telhado das mesmas divisões e as janelas da fracção “C” (do A.) medeia cerca de metro e meio, que as divisões construídas no quintal da fracção “B” se situam num plano ligeiramente inferior ao do muro do prédio.
A segurança tida em conta no nº 2-a) do art. 1422 é a segurança do edifício, a sua estabilidade – faz-se referência a obras novas que ponham em causa o edifício, não devendo ser permitido mexer nas fundações ou suas imediações, em vigas, pilares, paredes exteriores, etc.. Ora, no caso dos autos não resulta que isso suceda; a segurança a que o A. se reporta é, antes, a sua própria segurança (salvaguarda) pessoal e a dos seus bens, que não a do edifício. Mesmo nesta perspectiva, os factos provados não são manifestos e indubitáveis no sentido pretendido - as condições de segurança na fracção do Autor diminuíram apenas ligeiramente (não só por o acesso ao quintal ser feito unicamente pela fracção “B”, como também porque no local sempre existiu um muro).
Entende-se, pois, ser de afastar o prejuízo da segurança do edifício.
Já prejudicar a linha arquitectónica do edifício será o mesmo que alterar o estilo próprio do edifício destoando da sua traça geral, sendo que a linha arquitectónica do edifício significa o conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica; «não basta a alteração da linha arquitectónica do prédio, sendo também necessário que das obras inovadoras resulte prejuízo para essa linha arquitectónica, com alteração do estilo próprio do edifício na parte em que são feitas, destoando da sua traça geral» ([16]).
Atenta a razão de ser da norma a limitação dela emergente não é afastada pelo facto de a obra não ser incorporada no prédio, mas apenas encostada, sendo de igual modo irrelevante que se situe na frente ou na traseira ([17]).
Os RR. construíram duas divisões no quintal da fracção “B”, em resultado do que passou a haver um maior índice de ocupação do referido quintal; a construção das duas divisões foi feita sem modificar a parede sul do edifício ou o muro da vedação existente a nascente, com mais de três metros de altura, situando-se aquelas num plano ligeiramente inferior ao do muro do prédio, sendo que entre o telhado das mesmas divisões e as janelas da fracção “C” (do A.) medeia cerca de metro e meio.
Ora, destes factos, afigura-se não resultar a prova de um efectivo prejuízo para a linha arquitectónica do prédio, ou seja, que tenha ficado demonstrada a alteração do estilo próprio do edifício com divergência da sua traça geral. Refira-se, ainda, que as duas divisões ficaram num plano inferior ao do muro de vedação, com relevância diminuída para a sua visibilidade do exterior.
Entende-se, assim, ser de manter o resultado a que se chegou na sentença recorrida, soçobrando a argumentação do apelante.
                                                           *

V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida, embora com fundamentação diversa.

Custas pelo apelante.
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Lisboa, 20 de Janeiro de 2011

Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
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[1] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», II vol., pag. 670.
[2] Ver o acórdão do STJ de 29-2-2000 a cujo sumário se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
[3] Muito embora nas contra alegações de recurso os RR. salientem que do título constitutivo da propriedade horizontal, documentado nos autos pelo A., resulta que o quintal é propriedade exclusiva da 2ª R. , não sendo parte comum do edifício.
[4] Ver, a propósito, o acórdão do STJ de 20-10-89, BMJ nº 390, pag. 372.
[5] Acórdão do STJ de 5 de Maio de 2005 ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo nº 05B870.
[6] Já assim diziam Pires de Lima e Antunes Varela, no «Código Civil Anotado», vol. III, pag. 419.
[7] Ana Prata, «Dicionário Jurídico», 3ª edição, pag. 375.
[8] Ver, a propósito, Abílio Neto, «Manual da Propriedade Horizontal», 3ª edição, pag. 135.
[9]  Rosendo Dias José, «A Propriedade Horizontal», pags. 61-62.
[10] Em consonância, aliás, na caderneta predial urbana emitida pelo Serviço de Finanças e que se encontra a fls. 51-52, no que diz respeito à descrição da fracção “B”, constava o seguinte: «R/c esquerdo – 2 casas assoalhadas, cozinha, casa de banho e quintal». Também no Registo Predial, atenta a cópia de fls. 40, era mencionado o «rés-do-chão esquerdo com quintal».
[11] Neste sentido, designadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, pags. 433-434, e Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil Português» RDES, XXIII, pag. 139, nota 139, dizendo-nos que o preceituado no art. 1426 nos mostra que a regra consagrada no nº 1 do art. 1425 foi prevista, apenas, para as inovações a introduzir nas partes comuns. Também Aragão Seia em «Propriedade Horizontal», 2ª edição, pag. 137, defende que as inovações a que se refere o art. 1425 respeitam às que são introduzidas nas partes comuns, não sendo aplicável às inovações introduzidas nas fracções pertença exclusiva dos condóminos.
[12] Neste sentido Rui Vieira Miller, «A Propriedade Horizontal no Código Civil», 3ª edição, pag. 214. Este autor, contudo, tem perspectiva diferente da nossa quanto à aplicabilidade do preceituado no nº 1 do art. 1425, sustentando a opinião contrária, ou seja, de que se trata de princípio geral não aplicável, apenas, às partes comuns.
[13] Ainda que na perspectiva de que as obras ocorreram em “parte comum” e com aplicabilidade também do art. 1425 do CC, o que, como vimos, não sucede.
[14] Aragão Seia, «Propriedade Horizontal», 2ª edição, pags. 101-102.
[15] Abílio Neto, obra citada, pag. 184.
[16] Assim, Aragão Seia, obra citada, pags. 104-105.
[17] Ver Abílio Neto, obra citada, pag. 183.