Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21818/16.7T8SNT.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: DESPEDIMENTO
ACÇÃO DISCIPLINAR
CADUCIDADE
CEDÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I Através do mecanismo da “cedência de interesse público”, opera-se uma “cisão” na posição jurídica do empregador, na medida em que passa a ser o cessionário a remunerar, a dar ordens e instruções ao trabalhador.

II Embora a titularidade do poder disciplinar continue a caber à entidade cedente,o seu exercíciopassa a caber à cessionária, excepto quando esteja em causa a aplicação de penas disciplinares expulsivas, para as quais continua o respectivo exercício a caber àquela, tendo os comportamentos do trabalhador praticados junto da cessionária relevância no âmbito do vínculo de origem.

III Assim sendo, pese embora a “cedência de interesse público” da autora tenha cessado em 1 de Dezembro de 2015, à ré, entidade cedente, cabia o exercício do poder disciplinar sobre a trabalhadora face às irregularidades contabilísticas (e valor delas - € 13 378,20) que posteriormente lhe vieram a ser imputadas.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


1. Relatório:


1.1. AAA, veio, mediante o formulário próprio, intentar a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, contra BBB de Sintra, em liquidação, opondo-se ao despedimento promovido pelo(a) empregador(a) através de decisão escrita que juntou pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

Realizou-se a audiência de partes na qual não foi possível obter a conciliação.

A empregadora juntou o procedimento disciplinar e apresentou articulado de motivação do despedimento no qual alega, em síntese, que a autora foi despedida em virtude de ter cometido infrações disciplinares que constituem justa causa de despedimento, designadamente por nas prestações de contas apresentadas pela autora relativamente ao período de maio de 2014 a julho de 2015 se encontrar em falta o montante global de € 13 626,98, valor de que se apossou a autora,  em violação das regras e procedimentos internos da ré. Pugna pela licitude do despedimento, e pela improcedência da acção, requerendo, ainda, a exclusão da reintegração da autora.

A autora contestou, invocando que o despedimento é ilícito porque não foi respeitado o prazo a que alude o art.º 329º, nº 2, do CT, uma vez que decorreram dois processos prévios de inquérito, os quais foram concluídos em 10.5.2016, sendo que a autora só foi notificada da nota de culpa em 4.7.2016, ou seja, mais de 30 dias após a conclusão dos referidos inquéritos. Os inquéritos em questão eram do conhecimento de (…) e  (…) desde 6.1.2016 e 16.2.2016, que, além de liquidatários da ré, são o Presidente do Conselho de Administração e a Administradora da ré. Considera também que não cometeu qualquer infração disciplinar, pois as folhas de caixa não foram elaboradas por si, mas sim por  (…), pelo que desconhecia as divergências e incorreções existentes. Mesmo admitindo que a autora cometeu os factos que a ré lhe imputa, os mesmos ocorreram no período em que a autora se encontrava em regime de cedência de interesse público no Município de Sintra. Assim, a autora não violou quaisquer obrigações ou deveres relativamente à ré nem lesou quaisquer interesses patrimoniais da mesma inexistindo fundamento para a ré a despedir. Em reconvenção pediu a condenação da ré no pagamento dos salários intercalares e indemnização por antiguidade.

A ré apresentou resposta à contestação na qual alega, em síntese, que a autora foi cedida ao Município de Sintra, em regime de cedência de interesse público, no período de 1.5.2014 a 1.12.2015, tendo o seu contrato de trabalho ficado suspenso durante o período em questão. Os processos de inquérito não tiveram natureza disciplinar, nem foram conduzidos nos termos do art.º 351º do CT o qual não se aplica aos municípios. Nada tendo a ré a ver com os inquéritos em questão, a qual só teve conhecimento dos factos praticados pela autora em 17.5.2016 quando o Município de Sintra, depois de concluir os referidos processos, comunicou à ré a existência de factos que apurou e que podiam constituir infração disciplinar.

A ré instaurou o procedimento disciplinar à autora e comunicou-lhe a nota de culpa no prazo legal de 60 dias pelo que não se verifica a caducidade invocada.

A autora optou pela indemnização em substituição da reintegração.

Foi proferido despacho saneador, não tendo sido admitido o pedido reconvencional formulado pela autora, tendo-se considerado que os pedidos feitos a tal título seriam apreciados no âmbito das consequências da declaração da ilicitude do despedimento.

Procedeu-se a julgamento.

Proferida sentença foi a acção julgada procedente, tendo o seguinte dispositivo:
a) declaro ilícito o despedimento da autora;
b) condeno a ré a pagar à autora as retribuições mensais e subsídios de férias e de Natal devidos desde a data do despedimento, ocorrido em 9.11.2016, no valor mensal de € 683,13, até à data do trânsito em julgado da presente decisão, nos termos do art. 390º, do CT, deduzindo os valores a que alude o nº 2 do referido artigo, a quantificar em sede de incidente de liquidação;
c) condeno a ré a pagar à autora a indemnização substitutiva da reintegração correspondente ao valor de € 341,57 por cada ano completo ou fração de antiguidade, contando-se todo o tempo decorrido até à data do trânsito em julgado da decisão judicial, a qual, neste momento, ascende ao valor de € 5 806,69

1.2 Inconformada com esta decisão dela recorre a ré, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
A) A sentença proferida pelo Tribunal a quo incorre em erro na apreciação da matéria de facto, tendo dado como provado o facto nº 9 com base no documento de folhas 365 v, em desconsideração e contradição com o teor desse documento, pelo que se impugna a respectiva decisão e se requer que o facto nº 9 tenha a seguinte redação: “9. Em 6.1.2016, no âmbito do processo de inquérito nº 5/2016, foi exarado que iria ser elaborada participação criminal a subscrever pelo Sr. Presidente da mesma Câmara Municipal relativamente à situação das contas dos refeitórios escolares, conforme documento de fls. 571 v que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Em 17.2.2016 foi dada a conhecer à Sra. Vereadora  (…) a existência de irregularidades em nome da devedora AAA, no montante de
€ 13 629,98, tendo sido solicitada autorização para o registo contabilístico dessas irregularidades em nome da mesma, conforme documento de fls. 365 v que aqui se dá por integralmente reproduzido.”
B) Também o facto nº 236 deve ser adequado e alterado para a seguinte redação: “o procedimento disciplinar instaurado pela Ré é de data posterior aos inquéritos n.º 5/2016 e n.º 152/2016, estes últimos mandados instaurar por despacho do Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Dr. (…), respetivamente de 04/01/2016 e 24/02/2016”, precisando que os processos não tiveram nenhuma conexão.
C) A sentença incorre em erro de interpretação porque considerou que a comunicação da Câmara Municipal de Sintra remetida à Recorrente a dar conta da existência de “irregularidades” em nome da devedora AAA no montante de
€ 13 629,98”, consubstanciava uma comunicação com natureza disciplinar. 
D) Uma correta interpretação dessa comunicação junta aos autos sob folhas 365 v, determinaria que as expressões e teor aí explanados são de conteúdo e natureza meramente contabilística, e que a mesma não consubstancia qualquer comunicação de infração disciplinar imputável à Recorrida.
E) A sentença incorreu ainda em erro de interpretação quando concluiu que a Recorrente delegou na Câmara Municipal de Sintra a realização dos processos de inquérito nº 5/2016 e 152/2016 instaurados em 4.1.2016 e 24.2.2016.
F) Uma correta interpretação da factualidade, nomeadamente dos factos nº 236, 237 e 238, determinaria que os referidos inquéritos foram instaurados, instruídos e concluídos pela Câmara Municipal de Sintra sem qualquer intervenção ou delegação da Recorrente e, ainda, sem que a Recorrente tivesse acesso ao seu conteúdo (até à data de 17.05.2017).
G) A sentença desconsiderou o facto provado nº 238 no qual se refere que a Recorrente só teve conhecimento do teor dos inquéritos nº 5/2016 e nº 152/2016 na data de 17.05.2017, momento a partir do qual obteve conhecimento da infração e dispunha do prazo legal de 60 dias para apresentar a nota de culpa, o que fez. 23/27
H) Deve assim a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra em que de determine o indeferimento da exceção de caducidade e se dê provimento à declaração de licitude do despedimento da Recorrida.
Termos em que se requer a V. Exas. que admitam e julguem procedente o presente recurso, revogando a sentença proferida pelo Tribunal a quo e a substituindo por outra onde se declare a licitude do despedimento da Recorrida.

1.2. A autora contra-alegou nos seguintes termos:

A. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não existe erro na apreciação da matéria de facto na douta sentença recorrida.
B. Relativamente ao facto n.º 9 dos factos provados, o mesmo, conforme resulta do seu teor, tem por fundamento os documentos de fls. 571 v e fls. 365 v, juntos pela Recorrente aos autos, igualmente invocados pela Recorrida na Contestação, para fundamentar a excepção peremptória da caducidade ali arguida, tendo a Recorrente, na Resposta/Réplica, no artigo 11.º reconhecida como efectuadas as comunicações objecto dos referidos documentos, aos membros do Conselho de Administração da Recorrente, igualmente Vereadores do Município de Sintra. Vindo agora a Recorrente considerar que, dos documentos de fls. 571 v e 365 v, não resulta provado que o Sr. Vereador  (…) teve efectivamente conhecimento do seu teor, o que, ao longo do processo nunca referiu, antes pelo contrário, considerou como tendo conhecimento.
C. Considera ainda a Recorrente que dos documentos de fls. 365 v, de 16/02/2016, não se pode concluir que a ora Recorrente, na pessoa dos seus liquidatários, teve conhecimento da infracção. O que carece de fundamento, conforme consta da fundamentação de direito da douta sentença recorrida “Repare-se que, em 16.2.2016, não é comunicada uma mera suspeita de uma infração. É comunicada a existência de irregularidades num valor perfeitamente concretizado (€ 13 629,98) as quais são imputadas à trabalhadora.”. Não podendo ser outra a conclusão, em 16.02.2016, a ora Recorrente, na pessoa dos seus liquidatários teve conhecimento das referidas irregularidades imputadas à trabalhadora, ora Recorrida, a qual é considerada “devedora”, conforme consta da fundamentação de direito “A partir desta data, a ré deveria ter feito uma de duas coisas: ou dava início ao procedimento disciplinar no prazo de 60 dias nos termos do art. 329º, nº 2, do CT, ou efetuava o procedimento prévio de inquérito, nos termos do art. 352º, do CT, para apurar os factos de forma mais pormenorizada. A ré não optou por nenhuma destas vias. Ao invés, sabendo que se encontravam a correr os inquéritos 5/2016 e 152/2016 instaurados em 4.1.2016 e 24.2.2016 pela Câmara Municipal, nada fez e aguardou o resultado dos mesmos.”. Conforme consta da douta sentença recorrida “A nota de culpa só foi notificada à trabalhadora em 4.7.2016, pelo que o prazo de 60 dias estabelecido no art. 329º, nº 2, do CT, não se interrompeu e o mesmo já tinha decorrido quando a trabalhadora rececionou a nota de culpa. Consequentemente, por já ter decorrido o prazo a que alude o art. 329º, nº 2, do CT, o despedimento da trabalhadora é ilícito, nos termos do art. 382º, nº 1, do CT.” Atento o exposto, inexiste fundamento para que a redacção do facto 9 seja alterada.
D. Quanto aos factos 236 a 240 dos factos provados, inexiste igualmente qualquer erro na sua apreciação e fundamentação, a qual resulta dos meios de prova e dos factos alegados pelas partes, contrariamente ao defendido pela Recorrente. Tais factos são objectivos, não tendo sido considerados provados em contornos diferentes do que resultou dos meios de prova e dos factos alegados pelas partes, pelo que não existe fundamento para que a sua redacção seja alterada.
E. Não merece pois censura a douta sentença recorrida, a qual fez a correcta apreciação da matéria de facto, aplicando correctamente o direito.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso, e a sentença recorrida confirmada, por não merecer qualquer censura, assim se fazendo JUSTIÇA!

1.4. O recurso foi admitido a fls. 1147.

1.5. O Exmo. Magistrado do Ministério Público nesta Relação proferiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ainda não julgadas com trânsito em julgado - artigos 635.º, números 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis “ ex vi”, do art.º 1.º n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho:
Assim, as questões que a recorrente coloca à apreciação deste tribunal consistem na impugnação da matéria de facto; na não verificação da excepção de caducidade da acção disciplinar e na declaração da licitude do despedimento.

3. Fundamentação de facto.

Foram considerados provados na 1.ª instância os seguintes factos:
1.Em 23 de maio de 2016, a Ré autuou o processo disciplinar de despedimento por justa causa movido contra a Autora.
2.Em 4 de julho de 2016 a Autora recebeu a nota de culpa com intenção de despedimento.
3.Em 8 de julho de 2016 a Autora consultou e examinou a pasta do processo disciplinar.
4.Em 19 de julho de 2016 a Autora respondeu à nota de culpa.
5.Entre os meses de agosto, setembro e outubro foram inquiridas diversas testemunhas arroladas pela Ré e pela Autora e juntos diversos documentos.
6.Em 28 de outubro de 2016 a Autora desistiu do pedido de acareação que havia requerido na sua resposta à nota de culpa.
7.Em 7 de novembro de 2016 a Ré proferiu decisão do procedimento disciplinar, recebida pela Autora em 9 de novembro de 2016.
8.Decisão essa que aplicou a sanção disciplinar de despedimento da Autora, por justa causa, sem direito a compensação ou indemnização.
9.Em 6.1.2016 foi dado conhecimento ao Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de Sintra  (…) de que no âmbito do processo de inquérito nº 5/2016 iria ser elaborada participação criminal a subscrever pelo Sr. Presidente da mesma Câmara Municipal relativamente à situação das contas dos refeitórios escolares, conforme documento de fls. 571 v que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Em 16.2.2016 foi igualmente dada a conhecer aos Sr. Vereadores  (…) e  (…) a existência de irregularidades em nome da devedora AAA, no montante de € 13 629,98, tendo sido solicitada autorização para o registo dessas irregularidades em nome da mesma, conforme documento de fls. 365 v que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10.Em 31/01/2001, Autora e Ré celebraram um contrato de trabalho a termo certo, através do qual a Autora passou a partir de 01/02/2001 a desempenhar a cargo da Ré as funções inerentes à categoria profissional de Auxiliar Administrativa.
11.Em 01/02/2003 a Autora transitou para o regime do contrato de trabalho sem termo / tempo indeterminado.
12.Em 01/03/2014 a Autora transitou até 31/11/2015 para o regime de cedência de interesse público, na sequência de plano de internalização, no Município de Sintra, das atividades que integravam o objeto estatutário da BBB, EEM, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2004, de 20 de junho, e da Lei nº 50/2012, de 31 de agosto, autorizado por deliberação do órgão executivo municipal de 21 de fevereiro de 2014.
13.Durante o referido período de 01/03/2014 até 31/11/2015, a Autora exerceu as funções definidas para a carreira de Assistente Operacional, na categoria de Assistente Operacional da área funcional de Auxiliar de Ação Educativa, afeta à divisão de Planeamento e Logística Educativa.
14.De entre as funções definidas para a categoria de Assistente Operacional competia à Autora as funções de «Coordenadora» tal como definidas no Manual de Procedimentos onde se incluía a elaboração de folhas de caixa mensal das vendedoras que coordenava, prestação de contas das caixas das vendedoras, deslocação às Escolas e Agrupamentos que coordenava, proceder ao levantamento dos talões de depósitos bancários, das folhas de caixa, bem como a demais informação necessária para proceder à elaboração dos mapas de caixa mensal.
15.No indicado período, as vendedoras que se encontravam nas Escolas e/ou nos Agrupamentos do Município de Sintra procediam, no local, à venda de senhas de refeições, arrecadavam as respetivas receitas e registavam tais vendas na plataforma informática denominada SISTEGERE, que emitia a respetiva fatura para ser entregue ao encarregado de educação, ficando o pagamento em numerário, ou cheque ou mesmo o talão do multibanco, na posse da vendedora.
16.No final do dia a vendedora fechava a caixa e elaborava uma folha de caixa, onde discriminava os valores recebidos e colocava o saldo.
17.O numerário e cheque(s) da receita arrecadada deveria ser depositado pela vendedora no fim do dia ou no dia seguinte na conta bancária nº  (…) do Banco  (…), S.A.
18.A vendedora guardava os talões de depósito e as folhas de caixas.
19.No final do mês, a vendedora reunia todos os talões de depósitos efetuados, a estatística das refeições servidas e entregava todos esses elementos à Autora.
20.Com esses elementos a Autora elaborava uma folha de caixa mensal para cada uma das vendedoras que coordenava.
21.A folha de caixa mensal elaborada pela Autora tinha de registar uma coincidência absoluta entre a receita cobrada e os depósitos efetuados.
22.A folha de caixa mensal elaborada pela Autora tinha de ser apresentada até dia 10 do mês seguinte.
23.Competia ainda à A. recolher o numerário arrecadado das vendas de senhas de refeição se e quando fosse impossível à vendedora deslocar-se ao Banco para esse efeito, mediante prévia autorização superior.
24.Existiam orientações superiores internas da R. para as vendedoras procederem ao depósito do numerário e dos cheques arrecadados das vendas de senhas de refeições na conta bancária nº  (…) do Banco  (…), S.A. (doravante conta bancária).
25.Sempre que não fosse possível à vendedora depositar no próprio dia, a Autora podia excecionalmente deslocar-se à Escola e/ou ao Agrupamento para levantar o numerário e os cheques junto da vendedora e efetuar o respetivo depósito, mediante prévia autorização superior.
26.Nessas situações excecionais, era sempre necessário apor as assinaturas da vendedora e da A. num documento, que ficava na posse da vendedora, a atestar a entrega do numerário e/ou dos cheques à Autora.
27.A A. não podia levantar o numerário e os cheques junto da vendedora sem adotar o referido procedimento, isto é, conferir os valores e assinar o documento.
28.Essas regras estão incorporadas no referido Manual de Procedimentos.
29.A A. e as vendedoras devem cumprir, no exercício das suas funções, esse manual de procedimentos.
30.No âmbito desse procedimento, a informação era apresentada por Escola ou Agrupamento mas a partir de outubro de 2014 passou a ser apresentada por vendedora.
31.A partir de maio de 2014 a receita dos refeitórios escolares passou a ser faturada em nome do Município de Sintra, com a consequente internalização da atividade de gestão dos refeitórios escolares que incluía a angariação de receita.
32.Com a transição da receita dos refeitórios escolares para o Município de Sintra, mensalmente o Departamento Financeiro recebia do Departamento de Educação – área dos refeitórios – o conjunto de “caixas” das diversas vendedoras para efeitos de contabilização.
33.Tal tarefa é de complexa logística face à inúmera documentação mensal, incluindo pequenos talões, talões de depósito e documentos relativos a transferências, entre outros.
34.Após contabilização o Município de Sintra detetou «divergências» nas caixas das vendedoras, com aparente falhas de dinheiro arrecadado.
35.Na sequência, os competentes serviços da Câmara Municipal de Sintra, a quem competia o controlo e fiscalização dessa matéria, efetuaram a conferência de documentos e conciliação com as transferências bancárias identificadas nas prestações de contas dos refeitórios no referido período de maio de 2014 a julho de 2015.
36.Esses serviços detetaram a existência de duplicação e triplicação de utilização de documentação para a mesma transferência bancária, anteriormente utilizada na contabilidade, bem como a utilização de linhas de extratos bancários cujos valores identificados na caixa eram diferentes do existente no extrato e, ainda, reporte de extrato bancário irreal.
37.As folhas de caixa mensal elaboradas pela Autora apresentavam valores inferiores aos registados nos mapas de vendas, retirados do sistema SISTEGERE.
38.Posteriormente, apurou-se que na prestação de contas elaborada pela Autora existem as seguintes caixas com divergências: CAIXAS COM DIVERGÊNCIA VENDEDORA DIFERENÇAS EM NUMERÁRIO (EM EUROS) Maio/2014  (…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…).
39.Na altura, apurou-se que nas prestações de contas apresentadas pela A. para o referido período, se encontrava em falta o montante global de € 13 378,20.
40.Após diversas análises e reanálises a toda a documentação, apurou-se que as folhas de caixa mensal elaboradas pela Autora apresentam diferenças de valores quando comparadas com os registos na SISTEGERE, nas folhas de caixa das vendedoras e nos extratos da referida conta bancária.
41.Por vezes, a diferença é dissimulada nessa folha como se tratasse de uma transferência, sendo que os talões de depósito correspondentes ao valor da referida diferença foram identificados e localizados, mas agregados a caixas de outras vendedoras.
42.Na sequência, o D.C.L.O. da Câmara Municipal de Sintra efetuou a verificação física de todos os talões de depósito constantes na prestação de contas das vendedoras da Autora e refez as caixas dessas vendedoras.
43.Praticamente em todos os meses existem caixas de vendedoras que incluem talões de depósito de outras vendedoras.
44.Utilização de talões de depósito com data do mês seguinte que são apresentados na folha de caixa do mês anterior.
45.Indicação, na folha de caixa, de transferências que não se mostram registadas no SISTEGERE e caixas em que depois de refeitas se verifica a inexistência de talões de depósito e de justificativos válidos de receita para o período em causa.
46.A receita em causa e em falta não deu entrada na referida conta bancária.
47.E foi justificada pela Autora na folha de caixa mensal utilizando um procedimento contabilístico traduzido no recurso a comprovativos de depósito de receita de meses anteriores e posteriores, de comprovativos de depósito de outras vendedoras, bem como, de transferências financeiras realizadas por encarregados de educação em anos anteriores para a BBB, as quais não coincidem com a tipologia do pagamento registado na SISTEGERE em numerário, nem com a receita que se pretende justificar.
48.Com efeito, a caixa da vendedora  (…), do mês de abril de 2015, regista numerário em falta no montante global de € 679,95.
49.Essa receita foi faturada, mas não se encontra depositada na referida conta bancária.
50.Esse valor foi entregue pela vendedora  (…) à Autora, no dia 07.04.2015, na Escola  (…).
51.No referido mês a Autora era a Coordenadora da vendedora  (…).
52.O numerário de € 679,95 não consta da respetiva guia de depósito.
53.No documento anexo à folha de caixa consta a assinatura da autora e por baixo da assinatura a menção “fiz depósito”.
54.A Autora não efetuou o depósito desse valor na conta bancária nº 221943955.
55.A Autora apresenta a folha de caixa de abril de 2015 com talões de depósito pertencentes à respetiva vendedora e a outras vendedoras ((…) e  (…)).
56.Com exceção dos meses de janeiro, junho e julho de 2015 a folha de caixa mensal da vendedora  (…) é apresentada a validada pela Autora com comprovativos de depósitos reportados ao mês seguinte.
57.E ainda com comprovativos de depósitos de outras vendedoras, que se encontravam alocados a outras caixas.
58.No mês de maio de 2015, a folha de caixa mensal elaborada pela Autora indica transferências no montante de € 1.749,08 que não estão registadas na SISTEGER.
59.Parte dos talões de depósito desse mês de maio de 2015 estão alocados a outras caixas.
60.Essa folha de caixa mensal apresenta um tipo de receita que não se mostra faturada na SISTEGERE e em desconformidade com o mapa da SISTEGERE.
61.As caixas da vendedora  (…), na  (…) e posteriormente no Agrupamento D. (…), dos meses de maio, setembro e novembro de 2014 e de janeiro, fevereiro, março, abril, junho e julho de 2015, também apresentam diversas divergências.
62.Competia à Autora controlar essas caixas.
63.Durante o referido período a vendedora  (…) entregou à A. receita em numerário proveniente da venda de senhas de refeição, para a A. efetuar o respetivo depósito na referida conta bancária.
64.A A. prontificou-se perante a vendedora a realizar o depósito dessa receita.
65.Na caixa dessa vendedora do mês de maio de 2014 há de numerário no montante de € 2,92.
66.Na folha de caixa mensal elaborada pela A., indica-se o valor em numerário de € 1.236.91 inferior ao registado na SISTEGERE (no montante de € 1.239,83), com a referida diferença de € 2,92.
67.Na “caixa” do mês de setembro de 2014 da vendedora  (…), da  (…), falta o montante global de 897,88 €.
68.No dia 15.09.2014, na referida Escola, na parte manhã, a vendedora entregou à A. numerário proveniente da venda de senhas de refeições escolares no montante de € 254,32.
69.No dia 16.09.2014, a A. levantou receita em numerário no montante de € 307,22.
70.No dia 23.09.2014 a vendedora  (…) foi para as urgências do Hospital Amadora Sintra, mas ainda vendeu refeições da parte da manhã.
71.A vendedora ficou de baixa até 05.10.2014 – vide doc. 1.
72.Antes, porém, pediu à A., que se deslocou à referida escola, onde levantou o numerário das vendas das senhas de refeição e recebeu as chaves do cofre daquela Escola, onde estavam depositados os valores.
73.Depois do termo da baixa a vendedora regressou ao Agrupamento F... de C....
74A vendedora questionou a A. se tinha levantado o numerário das vendas de refeições, tendo a A. afirmado que tinha desaparecido tudo.
75.Deveriam ter sido depositados cerca de € 974,23.
76.Desse montante foi depositado, na respetiva conta bancária, apenas o valor de € 785,43.
77.A folha de caixa mensal elaborada pela A. indica um valor em dinheiro inferior ao faturado na SISTEGERE, pois refere transferências no montante de € 222,82, quando na faturação da SISTEGER não se regista tal evidência.
78.Essas transferências não existiram.
79.Essa folha de caixa mensal é, ainda, apresentada com talões de depósito pertencentes a outras vendedoras (nomeadamente, (…) e  (…)).
80.Nesse período, a A. não efetuou o depósito, na referida conta bancária, do montante global de € 897,88.
81.Esse valor está em falta na referida conta bancária nº 221943955.
82.Esse valor não foi entregue nem à R. nem ao Município de Sintra.
83.Na caixa da vendedora  (…), do mês de novembro de 2014, do Agrupamento  (…), falta o valor global € 625,20.
84.No dia 04.11.2014, no Agrupamento (…), a referida vendedora entregou à A. receita em numerário proveniente de venda de refeições no montante global de € 213,00.
85.Esse valor de € 213,00 não se encontra depositado na conta bancária mencionada.
86.A A. pediu à vendedora  (…) para que todas as vendas pagas em dinheiro e em TPA (terminal de pagamento automático) realizadas no mês de setembro do ano de 2014, mas ainda não lançadas na SISTEGERE, fossem lançadas por referência ao mês de novembro de 2014, todas como TPA.
87.Na sequência, a referida vendedora lançou na SISTEGERE todas as vendas em dinheiro e em TPA feitas em setembro como se tratassem de vendas em TPA do mês de novembro de 2014.
88.Na “caixa” de janeiro de 2015 da vendedora  (…), do Agrupamento  (…), encontra-se em falta o montante global de € 3. 471,14.
89.Nesse mês a A. prontificou-se a efetuar os depósitos da receita arrecadada em numerário pela referida vendedora.
90.A A. instruiu a vendedora para à medida que ia arrecadando a receita em dinheiro a colocar no cofre da secretaria da Escola D. Fernando II.
91.A A. garantiu à aludida vendedora que depois procedia ao levantamento do dinheiro na mencionada Escola e, na sequência, procedia ao seu depósito na referida conta bancária.
92.–Cumprindo as ordens da A., a vendedora foi depositando as receitas arrecadadas no indicado cofre.
93. Nos dias 5, 7, 9, 19, 26, 29 desse mês de janeiro de 2015 a A. levantou numerário num total de € 3.471,14.
94.A A., porém, não efetuou o depósito desse montante de € 3.471,14 na mencionada conta bancária.
95.Esse valor não foi entregue à R. nem ao Município de Sintra.
96.Com intuito de encobrir a falta de dinheiro, a A. apresentou uma folha de caixa mensal com justificativos de receita arrecadada por outras vendedoras.
97.Esses justificativos de receita não deviam ter sido alocados a essa folha de caixa.
98.A “caixa” do mês de fevereiro do ano de 2015 da vendedora P... L..., do referido Agrupamento, apresenta o montante em falta global de € 1.854,45.
99.Esse valor, arrecadado em numerário pela referida vendedora, foi entregue à A. por ordens da A.
100.A A. devia ter procedido ao depósito desse numerário, na indicada conta bancária.
101.A A., porém, não depositou esse numerário na conta bancária nº 221943955.
102.Esse valor não foi, por outra forma, entregue, nem está na posse da R. ou do Município de Sintra.
103.Para tentar colmatar a falta desse montante, a A. apresenta uma folha de caixa com talões de depósito correspondentes a vendas efetuadas por outras vendedoras ((…) e  (…)), reportados a outros meses.
104.Na caixa do mês de março de 2015, da vendedora  (…), do  (…), falta o valor em numerário de € 1.272,48 .
105.Com efeito, a vendedora  (…) entregou à A. a totalidade de receita arrecadada em numerário nesse mês de março de 2015, no referido montante de 1.272,48€.
106.As entregas ocorreram a pedido e por ordens da A.
107.A A., porém, nunca depositou o montante de € 1.272,48 na referida conta bancária.
108. Para dissimular a falta de dinheiro, na folha de caixa mensal da A., é indicado um montante em numerário inferior ao faturado na SISTEGERE, acompanhado de diversas transferências não faturadas na SISTEGERE e de talões de depósito pertencentes a outra vendedora ((…)).
109.A A. adulterou a folha de caixa mensal com intuito de encobrir a falta do referido montante.
110.Na “caixa” do mês de abril de 2015, da vendedora  (…), do  (…), encontra-se em falta o montante global de € 986,65.
111.valor global de € 986,65, foi entregue à A.
112. A., porém, não depositou o referido montante de € 986,65 na referida conta bancária.
113.A respetiva folha de caixa mensal é apresentada pela A. com um montante em numerário superior ao do mapa da SISTEGERE e com talões de depósito pertencentes à referida vendedora e a outras vendedoras ((…) e  (…)), que nada tinham a ver com esse período.
114.A A. adulterou a folha de caixa mensal desse mês com intuito de encobrir a falta do referido montante.
115.A caixa do mês de junho de 2015 da vendedora  (…), do  (…), também tem uma falha de dinheiro no montante de € 452,63.
116.O valor em falta de € 452,63 foi entregue pela vendedora à A. porque a A. assim lhe ordenou.
117.Para encobrir a falta desse valor, a A. apresenta uma folha de caixa mensal (desse mês) onde indica um montante em numerário inferior ao faturado na SISTEGERE, indica o remanescente em transferências quando a SISTEGERE não a regista, e indica transferências sem que tenham sido apresentados os respetivos justificativos.
118.A A., porém, não depositou esse numerário no montante de
€ 452,63, na respetiva conta bancária (…).
119.Também a caixa de julho de 2015, da vendedora  (…), do (…), apresenta uma falha do montante em numerário de € 39,46.
120.vendedora entregou o montante de € 39,46, para a A. o depositar na identificada conta bancária porque nesse dia a vendedora precisou de se ausentar / ir ao médico.
121.A., porém, não depositou o aludido montante de € 39,46, na identificada conta bancária nº (…).
122.Não há qualquer registo e/ou comprovativo de depósito dessa quantia.
123.Esses valores, arrecadados em numerário, não foram entregues à Ré nem ao Município de Sintra.
124.A caixa da vendedora (…) do mês de março de 2015, do (…), também apresenta falta de dinheiro no montante de € 100,00.
125.Esse montante de 100,00 € em numerário, foi entregue pela vendedora (…) à A.
126. Foi entregue porque A. assim ordenou à referida vendedora, com a justificação de que tinha existido um pagamento em duplicado / engano de um pai de um aluno numa outra escola e era preciso devolver esse montante ao pai.
127.Esse montante não está depositado na conta n.º (…).
128.No mês de março de 2015, a A. apresenta uma folha de caixa mensal onde indica um montante em dinheiro inferior ao registado na SISTEGER, e indica diversas transferências no montante global de € 372,52, sem que existam os respetivos justificativos ou comprovativos, verificando-se divergência com os registos na SISTEGER, e apresenta rubricas de transferências fictícias.
129.Nos meses de abril, maio e julho de 2015, a A. ordenou à vendedora (…) para registar na SISTEGERE como “transferência”, receitas arrecadadas (ou a arrecadar) em numerário.
130.Explicou que alguns pais tinham efetuado transferências para a conta do Município de Sintra cujos valores precisavam de ser justificados.
131.–E que essas transferências correspondiam aos montantes que precisavam de ser lançados.
132.–Cumprindo as ordens da A., sua superior hierárquica, a referida vendedora procedeu ao lançamento da receita nos termos solicitados pela A.
133.A vendedora, porém, depositou os valores arrecadados em numerário na conta bancária (conta n.º (…)).
134.Assim, no mês de abril de 2015 foi registado na SISTEGERE como «transferência» o valor de 1.047,94€ quando devia ter registado em numerário.
135.No mês de maio de 2015, foi lançado na SISTEGERE como «transferência» o valor de € 314,46.
136.E em julho de 2015 foi lançado na SISTEGERE como «transferência» o valor de € 347,24.
137.Em março e junho de 2015, a A. indica na sua folha de caixa mensal diversas transferências quando a SISTEGERE não as regista.
138.A A. não tinha autorização para ordenar à referida vendedora a adoção do mencionado “procedimento”.
139.A caixa do mês de julho 2015 da vendedora (…), do (…), apresenta uma falta de dinheiro no montante de € 77,70.
140.A vendedora não entregou qualquer montante em numerário à A.
141.Foi lançado na SISTEGERE o valor de € 617,64 como numerário e o valor de € 347,24 como transferência, embora este último valor tenha sido depositado em numerário.
142.Porém, do total de € 964,88, só € 887,18 foi depositado em numerário, faltando o montante de € 77,70.
143.Devido ao procedimento ordenado pela A., desapareceu o montante em numerário de € 77,70.
144.Sucede que a A. não justificou, na sua folha de caixa mensal, a falta desse valor.
145.Essa folha de caixa mensal elaborada pela A., para esse mês, não contém sequer os justificativos e comprovativos de receita para o valor em falta.
146.A A. retirou esses documentos e rubricas com objetivo de encobrir a falta do referido montante.
147.Na caixa de maio de 2014 da vendedora (…), falta o valor de € 92,96.
148.Sucede que, a A. na sua folha de caixa mensal não indicou a falta daquele valor.
149.A vendedora, porém, depositou a totalidade do valor faturado e registado na SISTEGERE desse mês.
150.Sucede que, a A. na sua folha de caixa mensal não indicou a falta daquele valor.
151.Não existem comprovativos de receita daquele montante.
152.–Relativamente à caixa do mês de outubro de 2014, da vendedora (…), falta o valor de 72,97 €.
153.Por motivo de férias a referida vendedora foi substituída pela A., no período de 28.10.2014 a 04.11.2014.
154.Durante esse período a A. realizou vendas a dinheiro.
155.Durante esse período existem falhas na caixa no montante de € 36,50, sem que existam comprovativos válidos.
156.Na folha mensal desse mês a A. não faz menção à falta do referido montante.
157.Na caixa do mês de dezembro de 2014, da vendedora (…), falta o montante global de € 41,09.
158.A folha de caixa mensal da A. não faz menção à falta daquele montante.
159.Também na caixa do mês de julho de 2015, da vendedora, (…), falta o montante de € 139,89.
160.Nesse mês a vendedora não depositou a totalidade do montante da receita, nem efetuou o fecho de caixa porque gozou um período de férias.
161.A A. prontificou-se a efetuar o depósito dessa quantia e do fundo de caixa que tinha de ser depositado no final do ano letivo.
162.Esse montante em numerário foi levantado pela A.
163.A A., porém, não depositou o referido numerário na conta bancária nº (…).
164.Em data incerta, mas no referido período, a A. pediu à vendedora (…) para, nos meses de junho e de julho de 2015, lançar receitas, de vendas de senhas de refeição, recebidas em dinheiro como se tratassem de transferência.
165.Nos meses de junho e de julho de 2015, a vendedora (…) cumprindo as ordens da A., lançou na SISTEGERE diversas receitas recebidas em numerário como se fossem recebidas por transferência.
166.Em junho de 2015 foi, assim, lançado como transferência um montante de € 1.117,19.
167.Por efeito desse procedimento, na SISTEGERE consta que a receita em numerário é no montante de € 3.710,06 e a receita de transferências é de € 1.117,19.
168.Na verdade, a receita foi toda recebida em dinheiro, no montante total de € 4.827.25.
169.Esse montante está depositado, mas erradamente registado / lançado.
170.Para efeitos de lançamento da receita em numerário como se tratasse de uma transferência, a A. facultou à vendedora a relação dos montantes constante de folhas 521 do anexo III, que se considera aqui integralmente reproduzido.
171.Em julho desse ano, por ordens da A., a vendedora adotou o mesmo procedimento.
172.O referido procedimento não corresponde às regras contabilísticas e de prestação de contas da Empregadora.
173.A A. não tinha autorização para alterar o procedimento da empregadora.
174.Na caixa de julho de 2015, da vendedora (…), do (…), falta o montante global de € 45,68.
175.Esse montante não foi depositado na identificada conta bancária.
176.A folha de caixa mensal elaborada pela A. não reflete a falta desse montante.
177.Com referência aos meses de maio, junho e julho de 2015, constatou-se que há receita arrecada em numerário, mas lançada como se tratasse de transferências.
178.Com efeito, em maio desse ano, a A. ordenou à vendedora (…) para começar a lançar as receitas arrecadadas em dinheiro como se tratassem de transferências.
179.A A. justificou este procedimento com base em supostas ordens superiores e porque era necessário efetuar acertos de transferências das contas da Ré.
180.Ordenou à referida vendedora para lançar montantes elevados.
181.Em maio desse ano, a identificada vendedora lançou diversa receita arrecadada em dinheiro como se tratasse de transferências.
182.Em junho a referida vendedora fez vários lançamentos como se tratasse de transferências, do valor global de € 229,72, arrecadado, porém, em numerário.
183.E em julho a vendedora fez vários lançamentos de transferências do valor global de € 41,68, o qual, porém, havia sido arrecadado em numerário.
184.Todo esse numerário, embora lançado como transferências, foi arrecadado em numerário e depositado na respetiva conta bancária (conta n.º (…).
185.Nessa escola, onde a referida vendedora trabalhava, só se efetuavam pagamentos em numerário.
186.A A. recorreu a esse procedimento para tentar justificar numerário em falta.
187.A A. utilizou comprovativos de transferências que não correspondiam à receita arrecadada.
188.A A. utilizou ainda comprovativos de transferências na sua folha de caixa mensal que não estavam registadas na SISTEGERE.
189.A A. utilizou os comprovativos de depósito de numerário de outras caixas de outras vendedoras.
190.Os documentos que a A. utilizou para colmatar as falhas e justificar as transferências indevidamente lançadas, foram retirados dos extratos bancários das contas afetas às vendedoras (…) e (…).
191.A A. acedeu a esses extratos através de ficheiro de excel cedido pela contabilidade da Ré, a pretexto de existirem diversas reclamações dos pais de pagamentos efetuados através de transferência bancária que não tinham sido contabilizados .
192.Na caixa de novembro de 2014, da vendedora (…), falta o montante global de € 296,42.
193.Com efeito, no dia 19.11.2014 a A. dirigiu-se ao local de trabalho da vendedora e pediu-lhe a entrega de numerário no montante global € 296,42.
194.A A. justificou a necessidade de entrega desse numerário, com base num suposto engano de um pai no pagamento por multibanco, ocorrido na escola de (…).
195.Cumprindo as ordens da A., a vendedora entregou-lhe numerário na referida quantia.
196.A A., porém, não depositou o numerário no montante global de 296,42 € na identificada conta bancária.
197.A transferência do montante de € 1.749,05 constante na folha de caixa mensal de maio de 2015 da A., não corresponde a uma verdadeira / real transferência.
198.Com efeito, a A. indica nessa folha de caixa um montante arrecadado em numerário inferior ao realmente registado na SISTEGERE.
199.O valor em caixa da vendedora (…), foi registado como se tratasse de receita arrecadada por transferência para que os talões de depósito de maio fossem alocados à caixa de abril desse ano.
200.Nessa folha de caixa de maio, a A. aloca talões de depósito do mês seguinte.
201.As transferências indicadas na folha de caixa da A. dos meses de junho e de julho de 2015, respetivamente no montante de € € 131,77 e de € 216,63, também são irreais.
202.A A. indica nas respetivas folhas das caixas mensais um valor arrecadado em numerário inferior ao registado na SISTEGERE, sendo o restante montante indicado como se tratassem de transferências.
203.Desse modo a A. tentou justificar a totalidade do montante registado na SISTEGERE.
204.Com esse procedimento, a A. logrou utilizar os talões de depósito desse mês para outras caixas com objetivo de justificar faltas de numerário.
205.A caixa da vendedora (…) também regista faltas de valores nos meses de maio, junho e setembro de 2014.
206.Com efeito, na caixa de maio de 2014, dessa vendedora da (…), falta o montante global de € 70,08.
207.Na caixa de junho de 2014, da mesma vendedora, mas da (…), falta o montante de € 4,38.
208.E na caixa de setembro de 2014 falta o montante de € 8,52. 209.A A. não faz menção, nas suas folhas de caixa mensais, da falta desses montantes.
210.Na caixa de dezembro de 2014, da vendedora (…), falta o montante global de € 300,00.
211.A A. omite a falta desse valor da caixa da mencionada vendedora.
212.Apresentando uma folha de caixa sem que registe e/ou mencione a falta daquele montante.
213.Na caixa de setembro de 2014, da vendedora (…), falta o montante global de € 1.251,21.
214.No mês de setembro de 2014 a referida vendedora gozou uma licença de amamentação, que a impossibilitou de depositar as receitas arrecadadas de venda de refeições naquele estabelecimento.
215.O montante arrecadado em numerário ficou na posse da A.
216.A A., porém, não efetuou o depósito do aludido montante na conta bancária n.º(…).
217.Para encobrir a falta desse dinheiro, que ficou na posse da A., a A. indica na sua folha de caixa que foram realizados diversos pagamentos por transferência bancária.
218.Porém, não apresentou quaisquer comprovativos de transferências.
219.Nem, nesse mês de setembro de 2014, com referência a essa escola e vendedora, se mostram registadas transferências na SISTEGERE.
220.Na caixa de junho de 2014 da vendedora (…) falta o valor de € 2,92.
221.Entre 29 e 31 de outubro de 2014 a A. substituiu a vendedora (…), procedendo ao lançamento de receita com o login que estava afeto à A.
222.Durante esse período a vendedora (…) esteve de ausente em férias.
223.Nessa caixa, do mês de outubro de 2014, falta o montante de € 250,02.
224.Esse montante corresponde a venda de refeições em numerário no valor de € 155,62.
225.E ainda ao recebimento de um cheque no valor de € 51,10.
226.–A A. não elaborou a caixa mensal durante esse período.
227.No referido período a A. efetuou Vendas a Dinheiro “Livros Verdes” (VD) reportadas a alunos não inseridos na SISTEGERE.
228.Com referência a esse mês de outubro de 2014, falta o montante de € 250,02.
229.No mês de novembro de 2014, a A. voltou a substituir a vendedora (…), no dia 05.11.2014, por motivo de férias da vendedora.
230.Nessa caixa falta o montante de € 382,77.
231.Esse montante não se mostra depositado na referida conta bancária (conta n.º (…).
232.A A. tinha (e tem) conhecimento desse manual de procedimentos e, bem assim, de todos os procedimentos relacionados com a prestação de contas, arrecadação de receitas, lançamentos e registos.
233.A A. tinha (e tem) conhecimento de que os valores arrecadados em numerário que lhe foram entregues pelas identificadas vendedoras deviam ser depositados na conta bancária do Município de Sintra.
234.Há muitos anos que a A. exercia funções na área dos refeitórios, conhecendo na sua plenitude os referidos procedimentos.
235.A A. sabia e não podia desconhecer que o numerário não lhe pertencia e constituía receita do Município de Sintra e/ou da R.
236.O procedimento disciplinar foi precedido dos inquéritos n.º 5/2016 e n.º 152/2016, mandados instaurar por despacho do Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Dr. (…), respetivamente de 04/01/2016 e 24/02/2016.
237.Os inquéritos n.º 5/2016 e n.º 152/2016 foram concluídos em 10/05/2016.
238.A ré teve conhecimento do teor dos inquéritos n.º 5/2016 e n.º 152/2016 em 17.5.2017.
239.(…) foi presidente do conselho de administração da ré e (…) foi vogal desse conselho de administração.
240.(…) e (…) são Liquidatários da ré.
241.A autora auferia a retribuição base de € 683,13.

4.Fundamentação de Direito.

i)Da impugnação da matéria de facto
Pretende a ré que aos factos contidos nos números 9 e 236 da matéria de facto provada, seja atribuída nova redacção nos termos por si propostos, atentos aos documentos em causa (fls. 365 verso e 571 verso).
No n.º 9 consta o seguinte: Em 6.1.2016 foi dado conhecimento ao Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de Sintra ... ... de que no âmbito do processo de inquérito nº 5/2016 iria ser elaborada participação criminal a subscrever pelo Sr. Presidente da mesma Câmara Municipal relativamente à situação das contas dos refeitórios escolares, conforme documento de fls. 571 v que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Em 16.2.2016 foi igualmente dada a conhecer aos Sr. Vereadores (…) e (…) a existência de irregularidades em nome da devedora AAA, no montante de € 13 629,98, tendo sido solicitada autorização para o registo dessas irregularidades em nome da mesma, conforme documento de fls. 365 v que aqui se dá por integralmente reproduzido.
A ré propõe a seguinte  redacção: “ Em 6.1.2016, no âmbito do processo de inquérito nº 5/2016, foi exarado que iria ser elaborada participação criminal a subscrever pelo Sr. Presidente da mesma Câmara Municipal relativamente à situação das contas dos refeitórios escolares, conforme documento de fls. 571 v que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Em 17.2.2016 foi dada a conhecer à Sra. Vereadora (…) a existência de irregularidades em nome da devedora AAA, no montante de € 13 629,98, tendo sido solicitada autorização para o registo contabilístico dessas irregularidades em nome da mesma, conforme documento de fls. 365 v que aqui se dá por integralmente reproduzido.”
O tribunal de 1.ª instância fundamentou a sobredita versão fáctica com base nos ditos documentos de fls. 365 e 571. Analisando tais documentos retira-se, quanto ao primeiro, que em 6.01.206, (…), dirigindo-se ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Dr. (…), refere que “em cumprimento do despacho de 4.01.2016, exarado na IP 51669 de 28.12.2015, anexa-se participação criminal a subscrever por V.ª Ex.ª relativamente às contas dos refeitórios escolares. Dê-se conhecimento ao Exmo. Vice Presidente (…). Todavia, à consideração de V.ª Ex.ª.”
Nesse mesmo documento, em 08.01.2016, o Dr. (…) subscreveu e assinou   o seguinte despacho. “Concordo”.
Do referido documento nada mais consta.
Ora, sendo este o conteúdo do dito documento, dele se não pode retirar, sem mais, que o Dr. (…), Presidente do Conselho de Administração da ré, conforme resulta do facto provado n.º 239, teve conhecimento da referida informação no dia 6.01.2016.
No que se refere ao documento de fls. 571, do mesmo consta que em 16.02.2016, no que se refere ao assunto: Análise prestação de contas – refeitórios escolares,  foi solicitada por (…) autorização, à Dr.ª (…) “para o registo das irregularidades em nome da devedora AAA, no montante de euros 13.629,98, e por forma a corrigir os registos contabilísticos efectuados no exercício de 2015, cujos trabalhos de encerramento de contas se encontram a decorrer”. Conforme consta também do referido documento (…), dirigindo-se ao Presidente da Câmara de Sintra, refere que “ainda que se encontre a decorrer no GJN o processo de averiguação, solicito autorização para o registo das irregularidades em nome da devedora Vera Madureira, no montante de euros 13 629,98, por forma a corrigir os registos contabilísticos no exercício de 2015”. Tendo sido por aquela aposto em tal documento “Com conhecimento: ao Sr. Vereador (…)”.
Consigna-se que do referido documento nada (mais) consta no que concerne a (…).

Assim sendo, da análise conjugada dos referidos documentos, deve o n.º 9 dos factos provados passar a ter a seguinte redacção:
No dia 6.1.2016, em SM 653/2016, relativamente ao assunto Processo Inquérito nº 5/2016 – Prestação de Contas – Refeitórios Escolares, foi exarado por (…), dirigindo-se ao Sr. Presidente da CMS, Dr. (…), que anexava  participação criminal, a subscrever pelo dito Presidente, relativamente à situação das contas dos refeitórios escolares, expediente esse a que Dr. (…), em 8.01.2016,  apôs o despacho “ Concordo”, nos termos do doc. de fls. 365 verso”.
Em 16.2.2016, em SM 7250/2016, relativamente ao assunto Análise prestação de contas – refeitórios escolares, (…), solicitou autorização à Vereadora (…) para o registo de irregularidades em nome da devedora AAA, no montante de € 13 629,98, tendo sido no mesmo expediente solicitado por aquela vereadora autorização ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra, para o registo contabilístico dessas irregularidades em nome de AAA, por forma a corrigir os registos contabilísticos no exercício de 2015, nos termos do documento do fls. 571.

Pretende também a ré se altere o teor do n.º 236 dos factos provados, ao qual foi atribuída a seguinte redacção: O procedimento disciplinar foi precedido dos inquéritos n.º 5/2016 e n.º 152/2016, mandados instaurar por despacho do Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Dr. (…), respetivamente de 04/01/2016 e 24/02/2016.

Como resulta do procedimento disciplinar, em particular da decisão de despedimento elaborada pela ré contra a autora, os processos de inquérito 5/2016 e 152/2016, mandados instaurar por despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Dr. (…), respectivamente de 04.01.2016 e 24.02.2016, foram incorporados nesse mesmo processo disciplinar.

Assim, a redacção do n.º 236.º deve passar a ser a seguinte:
“Os processos de inquérito 5/2016 e 152/2016, mandados instaurar por despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Dr. (…), respetivamente de 04.01.2016 e 24.02.2016, foram incorporados no processo disciplinar instaurado pela ré à autora”.

Procede, assim, em parte, a presente questão.
ii)Da não verificação da excepção de caducidade da acção disciplinar
Resulta do n.º 2 do art.º 329.º do Código do Trabalho, que o procedimento disciplinar  deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador ou o superior hierárquico teve conhecimento da infracção.

O prazo de 60 dias a que se refere o citado normativo legal, tem como pressuposto a pertinência disciplinar da conduta do trabalhador para o empregador. Isto é, deixando este passar o referido prazo sem que dê início ao respectivo procedimento disciplinar presume-se jure et jure a irrelevância disciplinar do comportamento em questão (Monteiro Fernandes, “ Direito do Trabalho”, 16.ª Edição, Almedina, pág. 233). Sendo que, para efeitos de contagem do dito prazo, o que releva, em termos do “conhecimento da infracção”, são os factos constitutivos desta, incluindo o agente, em moldes tais que seja possível ao empregador aferir da relevância disciplinar do comportamento do trabalhador (Nuno Abranches Pinto, “Instituto Disciplinar Laboral”, Coimbra Editora, pág.117). Nessa linha também o acórdão do STJ de 12.09.2007, processo 07S1698, www.dgsi.pt.
Refira-se ainda que invocando o autor a caducidade do procedimento disciplinar, ao mesmo compete o ónus da alegação e da prova de que o referido prazo de 60 dias foi excedido, para que se possa prevalecer da excepção de caducidade. Isso implica a demonstração da data em que o empregador ou o superior hierárquico, com competência disciplinar, tomou conhecimento dos factos constantes da nota de culpa - o que constitui o termo inicial de tal prazo, bem como a data em que a nota de culpa foi recebida pelo trabalhador, o que constitui o termo final do mesmo prazo (Vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.03.2012, proc. 665/11.8TTPRT.P1).

Na presente situação, ao contrário do propugnado na sentença, não se afigura que possa concluir-se ter a ré tido conhecimento da infracção, na dimensão referida, em 6.01.2016  e/ou 16.02.2017. Com efeito, por força da alteração a que se procedeu à matéria de facto, em 06.01.2016, apenas se pode afirmar que o Presidente da CMS, concordou em subscrever participação criminal relativamente às contas dos refeitórios. No documento de fls. 365, nem sequer é indicado o nome da autora e desse mesmo documento, como já se assinalou, não pode retirar-se que o mesmo tenha sido dado a conhecer e em que momento ao Dr. (…), presidente da ré. No segundo documento, por seu turno, apenas resulta pretender a vereadora (…) obter autorização superior para “registar as irregularidades em nome da devedora V... M... no montante de euros 13 629,98, por forma a corrigir os registos contabilísticos no exercício de 2015”. Ora, uma coisa é existirem indícios da prática de irregularidades por parte de trabalhadora e outra, bem distinta, é o conhecimento, minimamente estruturado, das circunstâncias de modo, tempo e lugar, em que os factos em questão ocorreram e respectiva autoria, pois só nesse contexto se nos afigura poder falar-se de “conhecimento da infracção” por parte do empregador, onerado que se encontra este em descrever circunstanciadamente os factos na nota de culpa.

Em 16.02.2016, o que pode concluir-se, de acordo com a factualidade provada (n.º 239), é que a vogal do Conselho de Administração da ré, (…), perspectivava a autora como “devedora”, sendo que, naquela altura, o que se pretendia era corrigir os dados contabilísticos de 2015. Realidade esta muito longe de um conhecimento minimamente consistente para se aferir da existência, gravidade e consequências de uma infracção disciplinar da responsabilidade da trabalhadora. Para além de que, tão pouco se apurou que aquele elemento do CA tivesse competência disciplinar, visto resultar da certidão do registo comercial da ré (fls. 92 a 97), existir outro vogal.

É verdade que resultou provado (facto n.º 9 e decisão disciplinar da ré), que a Câmara Municipal de Sintra (CMS), por determinação do seu Presidente, procedeu à realização dos inquéritos 5/2016 e 152/2016, nos quais se realizaram várias diligências, e se inquiriram vários responsáveis, funcionários daquele município, a autora, bem como outras pessoas (vendedoras de refeições nas escolas), com vista ao melhor apuramento das irregularidades contabilísticas que haviam sido detectadas. E que tais inquéritos camarários vieram a ser incorporados no procedimento disciplinar que a ré instaurou à autora. Com respeito a esse aspecto, não podem ignorar-se as peculiaridades deste caso, decorrentes, em grande medida, da situação jurídica em que a mesma exerceu funções na CMS.

Conforme resulta da factualidade provada (facto provado n.º 12) em 01.03.2014 a autora transitou até 31.11.2015 para o regime de cedência de interesse público, na sequência de plano de internalização, no Município de Sintra, das atividades que integravam o objeto estatutário da BBB, EEM. Desenvolveu a mesma autora, nesse âmbito, no dito município, as funções de Assistente Operacional, vindo a ser detectadas várias «divergências» nas caixas das vendedoras, com falhas de dinheiro arrecadado (facto provado n.º 34) e apurado que nas prestações de contas apresentadas pela autora para o referido período, se encontrava em falta o montante global de € 13 378,20 (facto provado n.º 39).

A figura da “cedência de interesse público”, à data em que a autora transitou a esse título para a CMS, era regulada pelo art.º 58.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro  (“ 1- Há lugar à celebração de acordo de cedência de interesse público quando um trabalhador de entidade excluída do âmbito de aplicação objectivo da presente lei deva exercer funções, ainda que a tempo parcial, em órgão ou serviço a que a presente lei é aplicável e, inversamente, quando um trabalhador de órgão ou serviço deva exercer funções, ainda que no mesmo regime, em entidade excluída daquele âmbito de aplicação. 2- O acordo pressupõe a concordância escrita do órgão ou serviço, do membro do Governo respectivo, da entidade e do trabalhador e implica, na falta de disposição em contrário, a suspensão do estatuto de origem deste. 3- A cedência de interesse público sujeita o trabalhador às ordens e instruções do órgão ou serviço ou da entidade onde vai prestar funções, sendo remunerado por estes com respeito pelas disposições normativas aplicáveis ao exercício daquelas funções. 4- O exercício do poder disciplinar compete à entidade cessionária, excepto quando esteja em causa a aplicação de penas disciplinares expulsivas. 5 - Os comportamentos do trabalhador cedido têm relevância no âmbito da relação jurídica de emprego de origem, devendo o procedimento disciplinar que apure as infracções disciplinares respeitar o estatuto disciplinar de origem. (…) 8- O acordo pode ser feito cessar, a todo o tempo, por iniciativa de qualquer das partes que nele tenham intervindo, com aviso prévio de 30 dias”).

Aquele diploma foi revogado pela Lei 35/2014, de 20 de Junho que passou a estipular quanto ao regime jurídico de cedência de interesse público, para o que ora interessa: “ Art.º 241.º 1- Mediante acordo de cedência de interesse público entre empregador público e empregador fora do âmbito de aplicação da presente lei pode ser disponibilizado trabalhador para prestar a sua atividade subordinada, com manutenção do vínculo inicial. 2- O acordo de cedência de interesse público carece da aceitação do trabalhador e de autorização do membro do Governo que exerça poderes de direção, superintendência ou tutela sobre o empregador público e, no caso de se tratar de trabalhador com vínculo a empregador fora do âmbito de aplicação da presente lei, de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública. 3- A cedência de interesse público determina para o trabalhador em funções públicas a suspensão do respetivo vínculo, salvo disposição legal em contrário. (…). 5- O acordo de cedência de interesse público pode ser feito cessar, a todo o tempo, por iniciativa de qualquer das partes, incluindo o trabalhador, com aviso prévio de 30 dias.(…). Artigo 242.º 1 - O trabalhador cedido fica sujeito ao regime jurídico aplicável ao empregador cessionário e ao disposto no presente artigo, salvo quando não tenha havido suspensão do vínculo, caso em que a situação é regulada pelo regime jurídico de origem, incluindo em matéria de remuneração. 2 - A cedência de interesse público sujeita o trabalhador às ordens e instruções do empregador onde vai prestar funções, sendo remunerado, salvo acordo em contrário, pela entidade cessionária. 6- O exercício do poder disciplinar cabe à entidade cessionária, exceto quando esteja em causa a aplicação de sanção disciplinar extintiva. 7- Os comportamentos do trabalhador cedido que constituam infração disciplinar têm relevância no âmbito do vínculo de origem, para todos os efeitos legais. 8- No caso em que a infração imputada possa corresponder, em abstrato, a sanção disciplinar extintiva, o poder disciplinar pode ser delegado expressamente na entidade cessionária e a decisão de aplicação da sanção deve ser tomada pelo cedente e pelo cessionário, devendo o procedimento disciplinar que apure a infração disciplinar obedecer ao procedimento disciplinar do vínculo de origem.”). 

Do referido regime legal, o que importa realçar é que através do mecanismo  “cedência de interesse público”, se opera uma “cisão” na posição jurídica do empregador, na medida em que passa a ser o cessionário a remunerar, a dar ordens e instruções ao trabalhador. Quanto ao poder disciplinar, embora a titularidade continue a caber à entidade (cedente), o seu exercício passa a caber à entidade cessionária, excepto quando esteja em causa a aplicação de penas disciplinares expulsivas, para as quais continua o respectivo exercício a caber à cedente. Nessa linha, de realçar é ainda que os comportamentos do trabalhador praticados junto do cessionário têm relevância no âmbito do vínculo de origem. E que, cabendo à infracção em causa sanção expulsiva o poder disciplinar pode ser delegado expressamente na entidade cessionária, devendo a decisão de aplicação da sanção ser tomada pelo cedente e cessionário, e observar-se o procedimento disciplinar do vínculo de origem. Ou seja, embora o trabalhador fique a desempenhar funções para outra entidade, caso o seu comportamento constitua infracção disciplinar, tal conduta tem relevância no vínculo de origem, para todos os efeitos legais. Competindo ao cedente o exercício do poder disciplinar em caso de sanção disciplinar extintiva, como é o despedimento, salvo se tiver havido delegação expressa do poder disciplinar na entidade cessionária, o que na presente situação não está em causa.

Assim sendo, pese embora a “cedência de interesse público” da autora tenha cessado em 1 de Dezembro de 2016, à ré (entidade cedente) cabia o exercício do poder disciplinar sobre a trabalhadora face às irregularidades contabilísticas (e valor delas) que lhe vieram a ser imputadas. E porque se não apurou, conforme já dito, se/ou em que data teve ré conhecimento da infracção praticada pela arguida, nem tão pouco da instauração dos referidos processos de inquérito, apenas pode concluir-se que o conhecimento da infracção lhe chegou aquando do envio dos referidos inquéritos, o que ocorreu em 17.05.2017. Deste modo, uma vez que a autora foi notificada da nota de culpa em 04.07.2016, mostra-se respeitado o aludido prazo de 60 dias, não ocorrendo a caducidade da acção disciplinar, termos em que procede a presente questão.

iii)Da licitude do despedimento
Como é sabido, impende sobre o trabalhador um conjunto de deveres, onde se contam o de “respeitar o empregador”, “realizar o trabalho com zelo e diligência”, “cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução do contrato”, “guardar lealdade ao empregador …” (alíneas a), c), e) e f), do art.º 128.º do Código do Trabalho).
Ora, da matéria de facto provada, acima transcrita, que pela sua evidência e clareza nos dispensamos de reproduzir, foram infringidos pela autora tais deveres e por várias vezes. A mesma, enquanto assistente operacional, com funções de coordenadora, conhecia as regras decorrentes do “manual de procedimentos de refeitório” (fls. 599 a 611), e inobservou-o em múltiplas ocasiões. Assim, para além das discrepâncias de verbas referidas em inúmeros pontos da matéria de facto (v.g. n.ºs 29, 36-37, 41-43, 53 -54, 59-60, 75 -76), a autora procedeu ao “desvios” de verbas significativas, tendo assumido vários comportamentos fraudulentos com vista a encobrir a sua actuação lesiva
(designadamente os números 90 a 112 dos factos provados). Deu, para além disso, instruções e ordens às vendedoras, ao contrário do determinado pela ré (por exemplo, factos 124 a 138,164 a 173, 178 a 188, 192 a 196), existindo vários valores em falta nas caixas das vendedoras, cujos montantes arrecadados ficaram na posse da autora (v.g. números 213 a 219).

Para além do desvalor objectivo da conduta da autora, deve relembrar-se que a mesma há muitos anos que exercia funções na área dos refeitórios, conhecendo o referidos procedimentos, não desconhecendo que o numerário não lhe pertencia e constituía receita do Município de Sintra e/ou da ré, é muito grave a sua culpa.

A noção de justa causa está contida no n.º 1 do art.º 351.º do Código do Trabalho, onde se prescreve que constitui “justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, pautando-se este juízo por critérios de razoabilidade e exigibilidade. Na ponderação da gravidade da culpa do trabalhador e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonnus pater familie”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto (Acórdãos do STJ de 8.6.84, AD 274, pág. 1205, de 16.11.98 AD, 290, pág. 251, de 8.7.88, AD, 324, pág. 1584 e 6.6.90, Actualidade Jurídica, 10, pág. 24), sendo que a impossibilidade do vínculo laboral deve ser apreciada tendo em consideração todos os interesses que estão na base da relação contratual, existindo sempre que a manutenção do contrato constitua uma insuportável e injusta imposição do empregador (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016, Processo  695/03.3TTGMR.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt). Face à matéria de facto apurada, não restam dúvidas de que a conduta da autora, colocou irremediavelmente em causa a manutenção do vínculo laboral, sendo inexigível à ré a sua continuação, termos em que se conclui pela justa causa de despedimento, julgando-se lícito o despedimento aplicado à autora, procedendo, por conseguinte, a presente questão.

5. Decisão:
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso da ré, revogando-se a sentença recorrida, e conforme exposto, julga-se verificada a existência de justa causa e lícito o despedimento da autora.
Custas pela autora.



Lisboa, 2017-12-21



Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro