Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16754/19.8T8SNT-B.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: EMBARGOS
DÍVIDA LIQUIDÁVEL A PRESTAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Nas situações de dívida escalonada ou liquidável em prestações, a falta de pagamento de uma das prestações acordadas, determina, nos quadros do art.º 781º, do Cód. Civil, a exigibilidade imediata das prestações vincendas, ou seja, a perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor;
II - tal perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor não ocorre ope legis, antes dependendo de expressa manifestação de vontade por parte do credor, que deverá proceder à sua interpelação, no sentido de proceder ao devido cumprimento, sob pena de imediata exigibilidade das prestações escalonadas;
III - a perda do benefício do prazo por parte do devedor principal não se estende, por regra, aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia – cf., o art.º 782º, do Cód. Civil -, donde, se for accionado, exemplificativamente, o fiador, este pode opor a excepção de inexigibilidade do crédito (fidejussório);
IV - o que não pode suceder relativamente ás prestações vencidas, em relação às quais não pode ser invocado o benefício do prazo, sendo que este só opera para as prestações futuras;
V - todavia, esta não extensão da perda do benefício do prazo aos garantes, quer pessoais quer reais, tem carácter ou natureza supletiva, podendo aqueles renunciar validamente ao benefício legalmente concedido, ou seja, podem os co-obrigados, nomeadamente os fiadores, desde logo, vincular-se à perda do benefício do prazo por parte do devedor principal, em detrimento da norma supletiva do art.º 782º, do Cód. Civil;
VI - tal vinculação de renúncia, constituindo um agravamento da sua posição, determina que aquela seja extraível do clausulado de forma expressa e inequívoca (de acordo com a percepção de um declaratário normal) e consonante com as exigências de forma previstas para a validade da declaração fidejussória;
VII - são claramente distintas a renúncia ao benefício da excussão prévia – cf., artigos 638º e 640º, alín. a), ambos do Cód. Civil - e a renúncia ao benefício do prazo, pelo que, inexistindo esta, o credor terá que aguardar o momento em que a obrigação normalmente se venceria;
VIII - o fiador deve igualmente ser interpelado pelo credor para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, de forma a obstar a realização coactiva da prestação;
IX - a não interpelação não deve ser confundível com a citação judicial efectuada em sede de execução para exigir o pagamento da totalidade da dívida, pois esta não permite ao fiador a oportunidade de pagar apenas as prestações vencidas, de forma a obviar à exigibilidade das vincendas;
X - tendo-se concluído pela inexistência de tal prévia interpelação admonitória ao fiador, resta aferir se a sua citação para a execução é susceptível de produzir alguns efeitos, nomeadamente substitutivos daquela interpelação não concretizada, de forma a concluir-se pelo vencimento da totalidade das prestações;
XI - sendo certo, contudo, que no plano da definição dos princípios, os efeitos da citação para os termos da execução, não tendo o valor nem a natureza da interpelação que era exigível, não é susceptível de substituir a falta de interpelação do fiador, necessária em virtude deste não ter renunciado ao benefício do prazo;
XII - parte da jurisprudência concede relevo a tal citação do fiador para a execução, vinculando este, por razões de relevância pragmática, ao pagamento do capital das prestações em dívida, vencidas e vincendas, mas considerando que os juros moratórios apenas são devidos desde a data da citação;
XIII - outro entendimento jurisprudencial, considera apenas ser devido o capital das prestações vencidas à data da execução, acrescido dos juros moratórios devidos desde a data da citação (a elas respeitantes);
XIV - sem prejuízo, neste caso, de recurso à cumulação de execuções que possa vir a deduzir-se, nos termos do art.º 711º, do Cód. de Processo Civil, em relação às prestações que se venham a vencer na pendência da execução;
XV – tendo a interpelação extrajudicial aos co-obrigados fiadores sido efectuada em data em que já havia ocorrido o vencimento da totalidade das prestações escalonadas para amortização do mútuo outorgado, não está sequer estava em causa uma qualquer ou eventual perda do benefício do prazo por parte daqueles;
XVI – pois, o benefício do prazo não pode ser invocado relativamente às prestações vencidas (que, naquele momento, já eram todas), mas antes, e tão-só, no que respeita às prestações futuras (naquele momento já inexistentes).

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do art.º 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I – RELATÓRIO

1 – Por apenso à execução para pagamento de quantia certa sob o nº. 16754/19.8T8SNT-B.L1, intentada em 15/10/2019:
- HR ;
- NF e
- AF,
deduziram oposição à execução, mediante embargos, tendo formulado o seguinte petitório:
a) Deve suspender-se a execução, sem prestação de caução;
b) Deve declarar-se extinta a execução, por manifesta falta de título;
c) Quando assim não for, deve declarar-se igualmente extinta a execução em virtude da inexigibilidade da obrigação exequenda;
d) Caso assim não se entenda, deve declarar-se o crédito peticionado extinto por prescrição, com a consequente extinção da execução;
e) E, caso ainda assim tal não se entenda, deve declarar-se que nada é devido, extinguindo-se a execução.
Alegaram, em síntese, que:
* o contrato de mútuo dado à execução não constitui título executivo;
* as assinaturas apostas na alteração contratual junta cuja autoria lhes é imputada não é da sua autoria;
* não foram interpelados para efetuar o pagamento das prestações vincendas;
* é falso que a exequente tenha posto à sua disposição a quantia de €15.000,00 que afirma ter creditado na conta dos 1.º e 2.º executados em 03.09.2010;
* o crédito reclamado mostra-se prescrito;
* todas as dívidas que tinham para com a exequente ficaram saldadas em julho de 2008 com a venda de uma fração autónoma, tendo o representante da exequente declarado que nada mais era devido à sua representada.
2 – Admitidos liminarmente os embargos e notificada a Exequente/Embargada C………………, S.A., nos termos e para os efeitos do prescrito no n.º 2 do art.º 732º, do Cód. de Processo Civil, veio apresentar contestação, aduzindo, em resumo, o seguinte:
- o contrato dado à execução constitui título executivo;
- a alteração contratual foi celebrada com os executados;
- não ocorre a invocada prescrição;
- reclamou o crédito exequendo em processo de inventário que correu termos no Juízo de Família e Menores da Amadora;
- não ocorre a alegada falta de interpelação;
- a quantia que recebeu na sequência da venda da fração autónoma serviu para liquidar outro empréstimo, tendo pago apenas parcialmente a dívida relativa ao contrato de mútuo dos autos.
Conclui, requerendo que os presentes embargos sejam julgados totalmente improcedentes, por não provados, com as legais consequências, devendo igualmente improceder, por manifestamente infundado, o pedido de suspensão da execução.
3 – Por despacho datado de 26/02/2020, indeferiu-se a requerida suspensão do prosseguimento da execução.
4 – Após prestação de esclarecimentos por parte da Exequente, a solicitação do Tribunal, com observância do contraditório, foi designada data para a realização da audiência prévia.
5 – Tal diligência veio a realizar-se, conforme acta datada de 24/02/2021, na qual:
. foi fixado o valor da causa;
. foi proferido saneador stricto sensu;
. foi identificado o objecto do litígio: apurar se a exequente dispõe de título executivo para cobrança do valor que reclama dos executados e em que medida poderá a execução prosseguir contra eles;
. foram enunciados os temas da prova, nomeadamente apurar se:
I. é do punho do aqui embargante HR a assinatura aposta no final do documento datado de 07.11.2011, intitulado de “Alteração do Contrato de Mútuo, com Procuração Irrevogável celebrado em 3 de Novembro de 2005”, por baixo da expressão “Mutuário(s) (reconhecimento presencial da(s) assinatura(s))”;
II. são do punho dos aqui embargantes NF e AF as assinaturas apostas no mesmo documento, por baixo da expressão “Fiador(es) (reconhecimento presencial da(s) assinatura(s))”;
III. em 03.09.2010 a exequente creditou na conta de depósitos à ordem n.º 0209-007112- 500, titulada pelos executados HR e IG, a quantia de €15.000,00, deduzida do valor do imposto de selo devido, e a que título o fez;
IV. os embargantes foram interpelados pela exequente para pagar as prestações já vencidas e também as que ainda não se haviam vencido, relativas ao contrato de mútuo dado à execução e, na afirmativa, em que data(s);
V. o capital e os juros reclamados se mostram prescritos;
VI. a exequente reclamou no processo de inventário para partilha de bens comuns dos executados HR e IG. o crédito que pretende fazer valer na execução;
VII. a reclamação de créditos apresentada naquele inventário fez interromper o prazo de prescrição da obrigação;
VIII. a dívida exequenda foi paga à exequente, em julho de 2018, com o produto da venda da fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém, sob o n.º 109/20020730, da freguesia do Cacém.
. Foram apreciados os requerimentos probatórios;
. Foi determinada a prestação de informações a junção de vários documentos.
6 – A Exequente/Embargada veio apresentar desistência parcial do pedido, relativamente ao pedido de reembolso do depósito de €15.000,00, efectuado em 03/09/2010, requerendo a redução da quantia exequenda para o valor de € 21.337,38, correspondente ao valor de capital de €10.408,43, e ao valor de €10.928,85 correspondente aos juros calculados desde a data de incumprimento, mormente 03/08/2011, até 03/03/2021, à taxa de 10,950%.
7 – Por despacho de 12/05/2021, foi considerada tal desistência parcial do pedido, determinada, consequentemente, a eliminação do 3º ponto dos temas da prova e designada data para a realização da audiência final.
8 – Procedeu-se á realização da audiência de julgamento, conforme acta datada de 20/01/2022, após o que, datada de 03/03/2022, foi proferida SENTENÇA, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Termos em que, face ao exposto, julgo a presente oposição improcedente, por não provada e, em consequência, determino o prosseguimento da execução.
Custas pelos embargantes (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2).
Registe e notifique”.
9 - Inconformados com o decidido, os Executados/Embargantes NF e AF interpuseram recurso de apelação, em 06/04/2022, por referência à decisão prolatada.
Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES:
“1. numa dívida liquidável em prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas, se isso tiver sido convencionado pelos contraentes ou, não o tendo sido, desde que o credor interpele o devedor para tanto, por qualquer forma legalmente admissível, perdendo este o benefício do prazo.
2. esta perda do benefício do prazo não é oponível aos fiadores do devedor quando os contraentes não convencionaram o afastamento da norma do art.º 782º do CC.
3. neste caso, a perda do benefício do prazo pelo afiançado não ocasiona a exigibilidade antecipada de quaisquer prestações dos fiadores, ainda que, entretanto, vencidas e não pagas até certa data.
4. interpretação diversa do art.º 782º não tem, manifestamente, um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, como exige que tenha o disposto no art.º 9º, nº 2, do CC.
5. se assim não fosse, chegar-se-ia a um resultado hermenêutico irrazoável, qual seja o de que pode exigir-se dos fiadores prestações vencidas e não pagas até certa data, mas não outras, porventura ainda vincendas no quadro do programa contratual.
6. o que para além de incongruente, não tem o menor apoio legal, nem a doutrina subscreve.
7. aliás, se se aceita pacificamente que a citação dos fiadores não é idónea para obviar às consequências não automáticas da mora mesmo quando a regra do art.º 782º é afastada, então seria aberta e frontalmente contraditório admitir que a mesma citação é idónea para deles exigir o pagamento integral de prestações que se venceram até à data da sua realização ou até à data da propositura da correspondente acção executiva.
8. por conseguinte, não dispõe a CGD, no confronto dos apelantes, de título bastante quanto às prestações entretanto vencidas e respectivos juros, nem a quaisquer outras, porventura vincendas, porque totalmente inexigíveis por aplicação do disposto no art.º 782º, que o Tribunal a quo, ressalvado sempre o devido respeito, que é muito, violou.
9. termos em que devem V. Exas. declarar os embargos parcialmente procedentes, com a consequente extinção da execução quanto aos ora apelantes”.
10 – A Recorrida/Embargada apresentou contra-alegações, terminando com a apresentação das seguintes CONCLUSÕES:
“a) Os Recorrentes apresentaram embargos de Executado à execução que lhe move C……………, S.A., Exequente, alegando, entre outros, a inexigibilidade da obrigação exequenda;
b) Alegam, inconformados com a sentença ali proferida, que julgou os embargos totalmente improcedentes, que a perda do benefício do prazo não é oponível aos fiadores do devedor quando os contraentes não convencionaram o afastamento da norma do artigo 782º do CC.; Ora,
c) Resulta dos factos provados que os executados NF e AF, aí identificados como “Fiadores e Principais Pagadores”, outorgaram no aludido “Contrato de Mútuo com Procuração Irrevogável”, apondo as suas assinaturas no final desse documento, por baixo da expressão “O(s) Fiador(es)”, e rubricando as demais páginas do contrato;
d) Que entre 24.05.2013 e 01.10.2019 a executada AF trocou mensagens com a exequente no sentido de saber em que estado estava a questão da dívida referente ao “Contrato de Mútuo com Procuração Irrevogável” e da possibilidade de obter a sua desoneração e a do executado NF;
e) Que em 04.09.2013, numa dessas mensagens, a executada AF escreveu que “ainda hoje recebi sms da C… para ir regularizar valor em atraso”;
f) Que em 14.09.2018, a exequente comunicou à executada AF que não aceitava a proposta de exoneração apresentada;
g) E que os Recorrentes foram interpelados para colocar fim à mora, por missiva datada de 29-03-2019 junta com a Contestação (documento 25);
 Além disso,
h) os Recorrentes nunca colocaram em causa a existência da dívida, tendo pleno conhecimento da mesma e das consequências do incumprimento por parte dos mutuários;
i) Os fiadores, ora Recorrentes, declararam, no contrato, que se responsabilizavam como principais pagadores;
j) Assumindo assim responsabilidade pela amortização da totalidade do empréstimo, no caso de perda do benefício do prazo em relação ao devedor principal, o fiador que se 8 declare responsável por tudo quanto venha a ser devido ao banco em consequência do mútuo;
k) Estavam também cientes da cláusula 17º do contrato, porque o assinaram, da estipulação que permitia a exigibilidade imediata da obrigação de amortização do empréstimo, se houvesse incumprimento de qualquer obrigação assumida pelos mutuários;
l) E tendo sido estipulado que à Recorrente era reconhecido o direito a considerar o empréstimo vencido se houvesse incumprimento de qualquer obrigação assumida pelos mutuários, tal estipulação deve ser interpretada no sentido de implicar a exigibilidade imediata da obrigação de amortização do empréstimo, conducente à caducidade do benefício do prazo;
m) Pois os fiadores que assumiram, na qualidade de principal pagador, a responsabilidade por tudo quanto viesse a ser devido ao banco em consequência do mútuo, e declarando estar cientes da estipulação referente ao vencimento do empréstimo, deve entender-se que os mesmos assumiram também contratualmente, em detrimento da referida regra supletiva, a responsabilidade pela amortização do mútuo no caso de perda do benefício do prazo em relação ao devedor principal, em virtude do incumprimento das obrigações dos mutuários, mormente da falta de pagamento atempada das prestações devidas. Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve ser julgado improcedente o presente recurso, e mantida a sentença proferida pelo Tribunal a quo com todas as legais consequências”.
Conclui, no sentido da improcedência do recurso.
11 – O recurso foi admitido por despacho datado de 06/07/2022, como apelação, a subir nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
12 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
**
II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art.º 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do art.º 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos Recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelos Recorrentes Embargantes, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se, fundamentalmente, no seguinte:
a) se no contrato de mútuo celebrado, onde se convencionou o pagamento faseado por prestações da quantia mutuada, e no qual os ora Embargantes intervieram como fiadores, ocorrendo perda do benefício do prazo relativamente aos mutuários (obrigados principais), determinar se tal perda é extensível ou oponível àqueles, ou se, ao invés, ocorre inexigibilidade da obrigação exequenda.

O que implica, in casu, a análise das seguintes questões:
- Da apreciação da perda do benefício do prazo nas obrigações;
- Da (des)necessidade da interpelação do credor ao devedor no regime da dívida liquidável em prestações.
**
III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença apelada foi CONSIDERADA PROVADA a seguinte matéria de facto:

1- Em 03.11.2005, a exequente concedeu aos executados HR e IG, por crédito na conta de depósitos à ordem com o n.º 0209-007112-500, de que os mesmos eram titulares na C………………, um financiamento de €15.000,00, destinado à liquidação de outros créditos;
2- Nessa sequência, a exequente e os executados outorgaram, nesse mesmo dia, no Notariado Privativo da C…………….., o “Contrato de Mútuo com Procuração Irrevogável” (cuja cópia foi junta com o requerimento executivo como Doc. 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzido), a que a exequente atribuiu o n.º PT 00350209004997684, através do qual os executados HR e IG se obrigaram a devolver à exequente aquela quantia em 120 prestações mensais, de capital e juros, nos termos aí definidos, através de débito na mesma conta bancária;
3- Os executados NF e AF, aí identificados como “Fiadores e Principais Pagadores”, outorgaram no aludido “Contrato de Mútuo com Procuração Irrevogável”, apondo as suas assinaturas no final desse documento, por baixo da expressão “O(s) Fiador(es)”, e rubricando as demais páginas do contrato;
4- Os executados deixaram de provisionar a conta depósitos à ordem com o n.º 0209-007112-500, pelo que se tornou impossível à exequente cobrar a prestação que se vencia em 03.08.2011, assim como as que se venciam em data posterior;
5- Em 21.10.2011, IG intentou contra HR, na sequência do divórcio de ambos, processo de inventário para partilha de bens comuns do dissolvido casal, que correu termos no Juízo de Família e Menores do Tribunal da Grande Lisboa-Noroeste (Amadora), sob o n.º 121/11.4T2AMDA;
6- Nesse inventário, IG foi nomeada cabeça de casal, tendo apresentado, em 20.03.2012, a respetiva relação de bens, fazendo constar da verba n.º 2 do passivo a “Divida ao Banco C…………….., por empréstimo nº 0209.004997.6.84 contraído para aquisição da fracção supra relacionada sob a verba nº 5 do activo, garantido sob hipoteca sobre a mesma, no valor (à data de 23-02-2012) de euros……………………………………………..€22.292,16”;
7- Em 12.10.2012, a aqui exequente foi citada, na qualidade de credora, para os termos desse processo de inventário;
8- Na sequência dessa citação, a exequente reclamou nesse processo, em 12.11.2012, os créditos de que era titular sobre os executados HR e IG, incluindo aquele que derivava do não cumprimento do “Contrato de Mútuo com Procuração Irrevogável”;
9- Tal reclamação de créditos não foi impugnada pelos aqui executados HR e IG;
10- Em 09.04.2013, foi realizada tentativa de conciliação nesse processo de inventário, em que os executados HR e IG chegaram a acordo quanto à partilha dos bens comuns, assumindo ambos o pagamento da dívida decorrente daquele “Contrato de Mútuo com Procuração Irrevogável” a que foi atribuído o n.º PT 00350209004997684, na proporção de metade para cada um;
11- Entre 24.05.2013 e 01.10.2019 a executada AF trocou mensagens com a exequente no sentido de saber em que estado estava a questão da dívida referente ao “Contrato de Mútuo com Procuração Irrevogável” e da possibilidade de obter a sua desoneração e a do executado NF;
12- Em 04.09.2013, numa dessas mensagens, a executada AF escreveu que “ainda hoje recebi sms da CGD para ir regularizar valor em atraso”;
13- Em 07.09.2018, a executada AF dirigiu comunicação à exequente através da qual pediu a sua exoneração e a do executado NF da qualidade de fiadores do contrato dado à execução;
14- Em 14.09.2018, a exequente comunicou à executada AF que não aceitava a proposta de exoneração apresentada;
15- A exequente manteve ainda contactos, até 2019, com os executados HR e IG, inclusivamente com a realização de reuniões, com vista a alcançar uma solução para o pagamento da dívida exequenda.
*
Em acréscimo,  exarou-se que “não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente que os embargantes tenham assinado o documento que foi junto com o requerimento executivo, como Doc. 2, denominado de “Alteração ao Contrato de Mútuo, com Procuração Irrevogável Celebrado em 3 de Novembro de 2005”, ou que a dívida decorrente da celebração do “Contrato de Mútuo com Procuração Irrevogável” tenha ficado integralmente liquidada com a venda de uma fração autónoma em julho de 2018”.
*
Ao abrigo do disposto no nº. 4, do art.º 607º, ex vi do nº. 2, do art.º 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, em virtude de se mostrar com relevância para o conhecimento da questão em controvérsia, adita-se à elencagem da factualidade provada o seguinte:
16 – “Em 29/03/2019, a ora Embargada enviou aos Embargantes NF e AF, comunicação escrita, com a referência 44059/2019, possuindo o seguinte teor:
«ASSUNTO: Procedimento Judicial
Empréstimo nº PT 00350209004997684
           
Exmos. Senhores.
Perante o incumprimento verificado no empréstimo, supra identificado, a C……………… decidiu o recurso à via judicial para cobrança coerciva dos seus créditos.
Não obstante encontrarem-se reunidos todos os elementos para a propositura da ação, informo V. Exas que ainda poderão evitar tal procedimento, mediante a liquidação da totalidade dos valores em atraso, no montante de 45.501,49€, à data de 2019/03/29, ou através de apresentação de proposta de pagamento/regularização, no prazo máximo de 30 dias.
Findo o aludido prazo sem que se verifique a regularização do atraso ou a apresentação de proposta que permita superar a situação de incumprimento, será promovida, sem mais avisos, a inerente ação executiva para cobrança da totalidade da dívida, com a inevitável penhora de bens e rendimentos.
(….)»”.
           
O presente facto, tem por suporte probatório o teor do documento nº. 25 junto com a contestação da Embargada, referenciado no art.º 49º deste articulado.
Notificados do seu teor, os Embargantes, conforme requerimento de 06/03/2020, não o impugnaram, pois apenas o fizeram relativamente aos documentos juntos sob os nºs. 1 e 2, assim aceitando o seu teor.
**
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da perda do benefício do prazo nas obrigações e da (des)necessidade da interpelação do credor ao devedor no regime da dívida liquidável em prestações

Referenciam os Apelantes não concordar com a decisão sob apelo, equacionando, em súmula, o seguinte argumentário:
- nas situações de dívida liquidável em prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento das demais, caso tal tenha sido convencionado pelos outorgantes ou, não o tendo sido, caso o credor interpele o devedor para tanto, por qualquer forma legalmente admissível, perdendo este o benefício do prazo;
- todavia, tal perda do benefício do prazo não é oponível aos fiadores do devedor, caso os contraentes não tenham convencionado o afastamento do previsto no artº. 782º, do Cód. Civil ;
- nesta situação, em que o devedor/afiançado perde o benefício do prazo, tal não determina a exigibilidade antecipada de quaisquer prestações dos fiadores, ainda que, entretanto, vencidas e não pagas;
- a citação dos Embargantes fiadores não é, assim idónea para dos mesmos exigir o pagamento integral de prestações que se venceram até à data da sua realização ou até à data da propositura da correspondente acção executiva;
- pelo que, não possui a Exequente, no que aos Embargantes fiadores concerne, título bastante quanto às prestações entretanto vencidas e respectivos juros, nem a quaisquer outras, porventura vincendas, atenta a sua total inexigibilidade nos quadros do art.º 782º, do Cód. Civil.

A sentença recorrida ajuizou, basicamente, nos seguintes termos:
- existindo incumprimento do devedor, o que quebra a relação de confiança em que assenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justifica-se a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações previstas para o futuro, ficando, assim, o credor com o direito de exigir a realização, não apenas das prestações a que o devedor faltou, mas também das demais, cujo prazo ainda não se tenha vencido ;
- todavia, tal vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se havia vencido, sendo um benefício concedido ao credor, não ocorre ope legis, ou seja, não é legalmente decretada, e não prescinde da interpelação do devedor, para que possa produzir os seus efeitos;
- desta forma, sempre seria necessária uma manifestação de vontade da credora (ora Exequente/Embargada) para que se pudessem considerar vencidas todas as prestações;
- e, tal interpelação foi efectivamente efectuada pela credora/exequente, através da apresentação da reclamação de créditos nos autos de inventário para partilha de bens comuns, por intermédio da qual reclamou o pagamento da totalidade da dívida decorrente do contrato de mútuo;
- pelo que, tendo a credora/exequente, através daquela reclamação, exigido o pagamento da totalidade do mútuo, considera-se perdido o benefício do prazo quanto às prestações devidas para o futuro.
 
Resulta do exposto que o entendimento feito constar na decisão apelada teve basicamente em conta a posição dos mutuários devedores, com base no legalmente estatuído no art.º 781º, do Cód. Civil, situação que, aparentemente, terá tornado extensível aos Embargantes fiadores, sem atentar ao prescrito no art.º 782º, do mesmo diploma.
Assim comecemos por analisar acerca dos pressupostos e requisitos da perda do benefício do prazo por parte dos mutuários devedores, no caso em que a obrigação destes é liquidável em parcelas ou prestações e, posteriormente, aferiremos acerca de idêntica perda do benefício do prazo relativamente aos fiadores Embargantes, garantes do pagamento do mútuo outorgado.

Vejamos.

Prevendo a propósito do beneficiário do prazo, prescreve o art.º 779º, do Cód. Civil, que “o prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando se não mostre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente”.
Estatuindo acerca da perda do benefício do prazo no cumprimento da obrigação, dispõe o art.º 780º, do mesmo diploma, que:
“1. Estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, não obstante, exigir o cumprimento imediato da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada, ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas.
2. O credor tem o direito de exigir do devedor, em lugar do cumprimento imediato da obrigação, a substituição ou reforço das garantias, se estas sofreram diminuição”.
O normativo seguinte – 781º -, prevendo a respeito da dívida liquidável em prestações, aduz que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Por sua vez, o art.º 782º, dispondo acerca da perda do benefício do prazo em relação aos co-obrigados e terceiros, prescreve que “a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”.

Antunes Varela [2] refere prever o art.º 781º, do Cód. Civil, acerca “de obrigações cujo objecto, apesar de globalmente fixado, se reparte em várias fracções, escalonadas ao longo do tempo”, ou seja, “o objecto está fixado desde a constituição da dívida, e só o seu pagamento (cumprimento, ou liquidação como lhe chama o art. 781º), em regra para facilidade do devedor, é repartido por fracções”.
De acordo com a legal previsão, “o credor fica, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido.
Assim se deve interpretar o texto do artigo 781º, e não no sentido de que, vencendo-se imediatamente, ex vi legis, as prestações restantes, o devedor comece desde esse momento a responder pelos danos moratórios.
O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor”.
Pelo que “a interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui[3](sublinhado nosso).
Ora, a aplicação da sanção prevista neste artigo 781º “supõe a mora do devedor”, ou seja, é necessário “que o não cumprimento de uma das prestações lhe seja imputável (art.º 804º, nº. 2)[4].
Todavia, a maioria da doutrina inclina-se para que a redacção do normativo “não queira, só por si, significar que se está perante um vencimento automático, mas, no quadro desta subsecção, perante mais uma circunstância que se reflecte no prazo, mais exactamente na perda do benefício dele pelo devedor. O que tem como consequência que, faltando o devedor ao cumprimento de uma das prestações, possa o credor exigir-lhe (interpelá-lo, de acordo com o nº. 1 do art.º 805º) o cumprimento da totalidade da obrigação”, sendo ainda reconhecido pela generalidade da doutrina “o carácter supletivo da norma[5] (sublinhado nosso).

Jurisprudencialmente, enuncia o douto aresto do STJ de 12/07/2018 [6] que “neste contexto, quadra inteira pertinência e validade a explanação constante do acórdão recorrido quando – louvando-se no ensinamento do Prof. Antunes Varela– diz que “[…] não se pode olvidar o entendimento doutrinário pacífico neste particular no sentido de que estando em causa no art.º 781º do C.Civil um benefício concedido ao credor – que este poderá exercer ou não – não poderá ser dispensada a interpelação do devedor para cumprir, sendo que só com a interpelação – por via da qual o credor exerce o direito ou benefício que a lei lhe concede – poderá ocorrer a mora do devedor relativamente à totalidade da prestação.
Donde, nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no art.º 781º, do C. Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.
Assim, se o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade) […]” (sublinhado nosso).
Em idêntico sentido, começando por efectuar abundantes referências quer doutrinárias, quer jurisprudenciais, aduz o douto aresto do mesmo Alto Tribunal de 18/01/2018 [7] que “a exigibilidade antecipada de dívida liquidável em prestações caracteriza-se por:
i) não ser um regime de vencimento automático;
ii) ser um regime supletivo;
iii) ser um regime que, não tendo sido afastado pelas partes, no âmbito da sua autonomia privada, implicar que o credor interpele o devedor no sentido de a exigibilidade se tornar actuante passando a poder indicar-se que foi “exigida a totalidade da dívida antes dos prazos acordados para cada uma das prestações.
Neste quadro normativo a interpelação do devedor é necessária – pois só dessa forma este pode saber que o credor exerceu a faculdade que lhe é conferida de escolher exigir a totalidade da dívida. Assim:
Sobre a matéria da necessidade de interpelação para o vencimento antecipado, também já se decidiu no Ac. do STJ de 14/11/2006, proc. 06B2911 (BETTENCOURT DE FARIA), entre outros acima citados:
“I - Na liquidação da obrigação em prestações, a que alude o art.º 781º do C. Civil, o vencimento imediato das restantes prestações, quando uma delas não é satisfeita, não exclui a necessidade de interpelação, dado tratar-se de uma faculdade do credor que a exercerá se assim o entender.
II - Significando, pois, a imediata exigibilidade dessas prestações e não que a data do seu vencimento passe a ser a da prestação faltosa.” (sublinhado nosso).
Nesta Relação, pode referenciar-se, entre outros, o douto Acórdão de 07/06/2018 [8], ao mencionar “que tem sido discutido na doutrina e jurisprudência o sentido da expressão legal “vencimento de todas” e assim se o vencimento é imediato e automático, dispensando a interpelação do devedor, ou se o vencimento significa apenas exigibilidade imediata de todas as prestações, sendo necessária a interpelação do devedor.
Galvão Teles (“Direito das Obrigações, Coimbra, 7ª edição, pág. 271) defende, de acordo com o referido artigo e relativamente às dívidas a prestações, que a omissão de uma delas implica o imediato vencimento das restantes prestações independentemente de interpelação. Um dos argumentos dos defensores desta posição assenta na confrontação entre a redação da lei (resultante da 2ª Revisão Ministerial) e o que se encontrava consagrado no art.º 742º do antigo Código Civil e bem assim com o que constava do Anteprojeto e na 1ª Revisão Ministerial onde se estabelecia de forma expressa a mera exigibilidade imediata: “a falta de pagamento de uma delas confere ao credor o direito de exigir o imediato pagamento de todas”.
Pronuncia-se em sentido contrário, entre outros, Almeida e Costa (“Direito das Obrigações”, Almedina, 9ª edição, pág. 950-951) que defende que o referido preceito estabelece a mera exigibilidade antecipada e não o vencimento automático, impondo-se ao credor a interpelação do devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas. Também Antunes Varela ensina que o que resulta do art.º 781º do Código Civil é tão somente a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações devidas para o futuro, ficando o credor, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido, não resultando qualquer vencimento imediato ex vi legis, começando desde esse momento o devedor a responder pelos danos moratórios. Por outras palavras, o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se vencera constitui um benefício que a lei concede, mas não impõe ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação, interpelação que corresponde à manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.
Posicionamo-nos ao lado desta última posição (na senda, entre outros do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/5/2012, proc. 7169/10.4TBALM-A.L1-7, relatora Graça Amaral, que acompanhamos de perto, e ainda Ac. do mesmo Tribunal de 17/11/2011, proc. 1156709.2TBCLD-D.L1.2, relator Ezaguy Martins) de que a expressão legal significa apenas “exigibilidade imediata”, não no sentido de que o prazo de pagamento de todas as prestações seja o da primeira prestação, mas enquanto perda do benefício do prazo ou antecipação de exigibilidades, isto é, o prazo das prestações antecipadas deixou de existir como facto indicativo do vencimento, tornando-se a obrigação pura, dependendo pois o seu vencimento de interpelação.
Porquanto, como frisa Vasco Xavier (RDES, Ano XXI, n.ºs 1, 21, 3 e 4, pág. 201), a interpretação que defende o vencimento automático não só representa uma injustificada violência para o devedor, como se não concilia com o que dispõe o art.º 805º do C. Civil, nos termos do qual aquele fica constituído em mora após ter sido interpelado para cumprir, exceto se a obrigação tiver prazo certo. Como salienta ainda este autor, a harmonização dos dois preceitos apenas seria possível se se considerasse que o prazo das prestações após o incumprimento passaria a ser o prazo da prestação não paga.
Assim, uma vez que em face do não cumprimento de uma das prestações, o prazo para cumprimento das restantes deixou de existir como prazo indicativo de vencimento, cabia ao credor/exequente interpelar o devedor para exigir antecipadamente as restantes prestações (neste sentido ainda Acs. do STJ de 15/3/2005, 17/1/2006, 6/2/2007 e 19/11/2009, estes último versando concretamente sobre Réus constituídos fiadores e principais pagadores, todos in www.dgsi.pt).
Perfilhando idêntico entendimento, refere-se no douto aresto deste Tribunal de 12/09/2017 [9] que o art.º 781º, “na medida em que determina a perda do benefício do prazo, não é de carácter automático mas apenas atribui ao credor uma faculdade, que ele usará ou não se e quando for do seu interesse.
Essa mesma norma tem, no entanto, natureza supletiva, pelo que é lícito às partes (art.º 405º do CCiv) estabelecer a automaticidade da perda do benefício do prazo”.
Donde resulta que “querendo o credor accionar a perda do benefício do prazo em face do não pagamento de uma prestação terá de fazer chegar ao conhecimento do devedor essa sua vontade. “A ausência de automatismo no vencimento antecipado arrasta uma consequência: só pode levar-se a cabo tal exigência (…) depois de interpelação ao devedor para cumprir a obrigação de pagamento que então ganhou novos contornos”.
Por fim, mencionemos, ainda, o aduzido no douto Acórdão deste Tribunal e Secção de 28/05/2015 [10], no qual se defende a necessidade de “efectuar uma interpretação correctiva, posto que no artigo 781º do CPC se confundem os conceitos de exigibilidade e de vencimento, sendo que o credor deve dispor da faculdade de exigir o pagamento imediato de todas as prestações em falta, interpelando o devedor, e da faculdade de não exigir.
Em idêntico sentido propugnam MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, AAFDL, 1986, 2º vol., 193, nota 55 e MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações”, 8ª ed., 941., por justamente se considerar que o vencimento de tais prestações é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo aproveitar-se dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação.
Este tem sido, de resto, o entendimento jurisprudencial maioritário, tendo em consideração a jurisprudência recentemente publicada, e com o qual se concorda, ou seja, do imediato vencimento das prestações futuras, previsto no artigo 781.º do CC, não decorre automaticamente a entrada em mora do devedor relativamente a tais prestações, revelando-se necessária a sua prévia interpelação – v. neste sentido Ac. R.L. de 04.06.2013 (Pº 5366/09.4T2AGD-A.C1) e ampla jurisprudência aí citada” (sublinhado nosso).

Revertendo o supra exposto ao caso concreto, constatamos que tal entendimento tem plena aplicabilidade no que concerne à situação do mutuário/executado/embargante HR, funcionando a reclamação de créditos deduzida pela credora no inventário para partilha de bens do casal de mutuários como concreta e efectiva interpelação ao cumprimento imediato da totalidade da obrigação.
Ou seja, foi nesse processo que comprovadamente a credora, ora Exequente, em 12/11/2012 (cf., facto 8) acionou a perda do benefício do prazo em face do não pagamento das prestações já vencidas, subsistindo esta situação desde 03/08/2011 (cf., facto 4).
Conforme já referenciámos, a falta de pagamento de uma das prestações acordadas, determina, nos quadros do analisado art.º 781º, do Cód. Civil, a exigibilidade imediata das prestações vincendas, ou seja, a perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor, ou seja, e in casu, estabelecido a favor dos identificados mutuários/executados.


- Da perda do benefício do prazo nas obrigações relativamente aos co-obrigados e garantes do crédito, nomeadamente aos fiadores, no regime da dívida liquidável em prestações


Todavia, é esta situação extensível à posição dos co-executados fiadores, ora apelantes?
Conforme decorre do já transcrito art.º 782º, tal perda do benefício do prazo, decorrente do incumprimento, não se estende, prima facie, aos “co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”, ou seja, e no que ora importa, não abrangeria a posição dos Embargantes fiadores.
Efectivamente, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, [11] “[a] perda do benefício do prazo não afecta terceiros que tenham garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos.
Qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria” (sublinhado nosso) [12].
Porém, a aludida não extensão da perda do benefício do prazo aos garantes, quer pessoais quer reais, tem carácter ou natureza supletiva, podendo aqueles renunciar validamente ao benefício legalmente concedido [13] [14].

Vejamos, porém, de forma mais exegética, consoante entendimento jurisprudencial sufragado pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça, a forma como funciona a perda do benefício do prazo em relação aos co-obrigados garantes, de que são exemplo os fiadores, nomeadamente no que concerne á (des)necessidade da sua interpelação, forma ou natureza da efectivação desta e efeitos perante as prestações vincendas.
Sendo certo estarmos, indubitavelmente, perante questão que contende com a efectiva exigibilidade da obrigação exequenda, urgindo, assim, aferir, basicamente:
. Se a Exequente tinha de interpelar os fiadores Embargantes, previamente à instauração da execução, para pagamento do valor em dívida, de forma a que a obrigação lhes fosse exigível;
. Na afirmativa, se deve considerar-se verificada essa interpelação por via da citação para a presente execução.

Sumariou-se no douto Acórdão de 14/01/2021 – Relator: Manuel Capelo, Processo nº. 1366/18.1T8AGD-A.P1.S1, in www.dgsi.pt – que “a perda do benefício do prazo do devedor, não se estendendo ao fiador, torna necessário que também este seja interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação”, sendo que a “interpelação do fiador por parte do credor não se confunde com a citação que lhe haja sido realizada na execução para exigir o pagamento da totalidade da dívida, porque a citação não permite ao fiador a oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas” (sublinhado nosso).

Por sua vez, consignou-se no douto Acórdão de 21/01/2021 – Relator: Oliveira Abreu, Processo nº. 845/19.8T8SRE-A.C1.S1, in www.dgsi.pt -, apreciando-se acerca da perda do benefício do prazo por parte do fiador, decorrer que “como sustenta a propósito, Januário da Costa Gomes, in Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, páginas 619-620 “se acionado pelo credor pode opor a excepção de inexigibilidade do crédito (fidejussório), na medida em que a pretensão “exceda” quantitativamente a medida das prestações resultantes do “calendário” estabelecido. É uma clara medida de proteção do fiador (e de outros coobrigados ou garantes) que corporiza uma excepção à acessoriedade da fiança e que conduz a uma solução equilibrada: se o credor pretende obter logo, uma vez provocado o vencimento da obrigação, a totalidade do seu crédito, terá de o exigir do devedor (…); se, ao invés, optar por exigir sucessivamente as prestações, de acordo com o “calendário” traçado, tem à sua “disposição”, para cada uma delas, os patrimónios do devedor principal e do fiador”, acentuando-se, de todo o modo, que o regime do assinalado art.º 782º do Código Civil não é imperativo, podendo, o fiador, renunciar ao benefício ali concedido, neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018 (Processo n.º 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2018 (Processo n.º 13426/07.0TBVNG-B.P1.S1), ambos desta 7ª Secção, in, www.dgsi.pt.
Podem as partes estipular cláusulas atípicas de perda do benefício do prazo, estabelecer o vencimento imediato e automático das prestações fraccionadas vincendas em derrogação do disposto no art.º 781º do Código Civil, como também podem os coobrigados, nomeadamente, os fiadores, vincular-se, desde logo, à perda do benefício do prazo por parte do devedor principal, em detrimento da norma supletiva do art.º 782º do Código Civil.
É, no entanto, “essencial, uma vez que se trata de cláusula que agrava a sua responsabilidade relativamente ao regime legal supletivo, que a renúncia do fiador à excepção que resulta do art.º 782º seja expressa e obedeça às exigências de forma exigidas para a validade da declaração fidejussória.”, neste sentido, Januário Costa Gomes, in, obra citada, página 620” (sublinhado nosso) [15].

No douto Acórdão de 17/06/2021 – Relator: Vieira e Cunha, Processo nº. 736/19.2T8GRD-A.C1.S1, in www.dgsi.pt -, referenciou-se que o regime legal inscrito no art.º 782º, do Cód. Civil, tem “natureza supletiva, podendo, por aplicação da regra do direito privado, ser afastado por convenção das partes, em função do princípio da liberdade contratual (art.º 405º CCiv)”.
Donde, podem as partes:
- estipular cláusulas atípicas de perda de benefício do prazo;
- estabelecer o vencimento imediato das prestações fraccionadas vincendas em derrogação do disposto no art.º 781º CCiv;
- vincular-se (os co-obrigados) desde logo à perda do benefício do prazo por parte do devedor principal, em detrimento da norma do art.º 782º”.
Todavia, ressalva-se, o afastamento deste regime do art.º 782º, “deve extrair-se do clausulado de forma expressa e inequívoca, aos olhos do declaratário normal”.
Bem como que, “em relação a prestações vencidas no passado, os co-obrigados não podem invocar o benefício do prazo, benefício que só opera para futuro.
É o que se extrai do acórdão recorrido – a execução quanto aos ora Recorrentes prossegue apenas relativamente às prestações passadas e não pagas (sem prejuízo da possibilidade de cumulação sucessiva de execuções)” (sublinhado nosso).

Por sua vez, no douto Acórdão de 14/10/2021 – Relator: Fernando Baptista, Processo nº. 475/04.9TBALB-A.P1.S1, in www.dgsi.pt, que acompanha, de forma próxima, o exarado no Acórdão de 11/03/2021, no Processo nº. 1366/18.1T8AGD-B.P1 – referenciou-se acerca da efectiva necessidade da prévia interpelação dos fiadores, atenta a natureza da fiança e o prescrito no art.º 782º, do Cód. Civil.
Acrescentou que tal solução de necessária interpelação prévia dos fiadores “(ou demais previstos no art.º 782º CC) para lhes ser exigido a totalidade das prestações e demais previsto nos contratos de mútuo com hipoteca celebrados com a devedora principal), já ressaltava dos ditames da boa fé: só assim não serão surpreendidos e injustamente prejudicados pelas desmandas e/ou desleixos do devedor principal que, eventualmente, deixou agravar a dívida de forma francamente censurável, quiçá até para intencionalmente prejudicar os (“ignorantes”) fiadores (dessa forma dando cabo do património destes numa altura em que, eventualmente, o devedor principal já nada teria de seu e, como tal, até já “nada tinha a perder”).
Não se pode olvidar que a ligação – melhor, vinculação – dos fiadores a tais contratos de mútuo foi resultado de solicitação/imposição do banco credor e pedido da devedora principal. Pelo que, nesta perspectiva, bem se compreenderá que, estando, afinal, os fiadores a fazer um “favor” à devedora e, dessa forma, a permitir seja viabilizada a concretização dos contratos de mútuo, quer a devedora, quer o credor fiquem vinculados para com aqueles a certo tipo de condutas, àquilo a que a doutrina designa de deveres acessórios de conduta, como é o caso (no que ora importa) da obrigação do banco credor de informar, tempestivamente, os fiadores sobre o desleixo do devedor principal, da falta de pagamento por este das prestações, com o acumular em catadupa da dívida e…eventual vencimento antecipado de todas as prestações, a repercutir-se no património dos fiadores. Só assim procedendo se pode dizer que agiram em conformidade com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis do homem no comércio jurídico.
Era, de facto, exigível à devedora e ao banco credor que tivessem para com os fiadores (que, afinal, se limitaram a satisfazer interesses daqueles), um comportamento honesto, correcto, leal, não defraudando a legítima confiança ou expectativa que neles os fiadores depositaram. Mas assim não procederam, pois defraudaram essa confiança, o que saiu bem caro aos (quiçá “ingénuos”) fiadores!” (ignoraram-se as notas de rodapé).
E, citando Januário da Costa Gomes - Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, págs. 961/962 -, acrescenta que sendo o credor “parte numa relação contratual com o fiador, está vinculado à adoção de determinados comportamentos, entre os quais se inclui o de informar este, em tempo, das vicissitudes relevantes da relação principal” pois “ainda que se entenda que o regime do art.º 782 é imperativo, o fiador acaba por “sofrer” as consequências da progressiva formação de uma “torrente de dívida” (...) cuja “velocidade” de efetivação depende do credor”. Assim, entende o referido autor que “uma vez iniciada a quebra de pagamentos por parte do devedor, desde que, pela sua frequência, seja objetivamente indiciadora da dificuldade ou impossibilidade económica do devedor cumprir - ou do propósito de não cumprir –, o credor tem o ónus de informar o fiador. Se o não fizer, este, quando instado para pagar, já eventualmente em processo executivo, pode opor ao credor a exceção de inexigibilidade (parcial) da obrigação exequenda(sublinhado nosso).
Impõe-se, deste modo, a necessária prévia interpelação dos fiadores, “pois que a perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações nunca se lhes estende, a não ser que tenha sido convencionado expressamente o afastamento desse regime legal, dada a natureza supletiva do art.º 782º CC – e dos autos não consta que tivesse havido esse acordo contratual.
A interpelação aos fiadores é imposta pelo citado artigo 782º tanto mais que o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não venceu constitui um benefício que a lei não impõe ao credor e por isso este terá sempre que interpelar aquele a quem pretende exigir a totalidade dos pagamentos” (sublinhado nosso).
Todavia, tendo-se concluído no sentido da inexistência daquela interpelação, resta apurar se esta se pode considerar concretizada com a citação dos fiadores para os termos da execução, ou seja, aferir se a interpelação admonitória dos fiadores se pode considerar realizada com a citação para a execução, de forma a concluir-se pelo vencimento da totalidade das prestações.
O mesmo aresto responde de forma afirmativa a tal questão, citando o já referenciado aresto do mesmo Tribunal de 14/01/2021, ao referenciar que “a citação dos fiadores para a execução - para contestar ou pagar a totalidade da dívida resultante da antecipação de vencimento - não pode suprir a falta de tal interpelação, pois, através dela, não é dada oportunidade aos fiadores de procederem ao pagamento das prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas, e só através de interpelação para cumprir a obrigação se pode efectivar tal exigibilidade. Aliás, tal exigência foi sugerida por Adriano Vaz Serra, “Fiança e Figuras Análogas”, Sep. BMJ nº 71, onde propôs, no artigo 10/3 do Anteprojeto: “(…) Quando a obrigação principal só se vencer com a interpelação do devedor, o fiador deve ser igualmente interpelado para que a interpelação seja eficaz em relação e ele” justificando-a no facto de o fiador poder querer cumprir logo, evitando o alargamento da responsabilidade decorrente da mora. Embora não tenha sido feita constar expressamente na lei relativamente aos casos de obrigação pura ou a termo incerto, o legislador fê-lo relativamente aos casos de dívida liquidável em prestações, regulando a questão do reflexo, nos obrigados e terceiros garantes, da perda pelo devedor do benefício do prazo ocorrida nos termos dos artigos 780 e 781 (artigo 782º)”.
Acrescenta, porém, impor-se a questão de determinar “se a falta de interpelação do fiador, necessária por este não ter renunciado ao benefício do prazo, não podendo ser substituída pelos efeitos da citação na execução, impõe a extinção da execução ou se permite relevar aquela citação, vinculando o fiador ao pagamento do capital das prestações em dívida, vencidas e vincendas, apenas com a salvaguarda de a exigibilidade desse montante, datado na citação, tornar devidos os juros de mora a partir desta. Ou, num outro entendimento já sufragado também pela jurisprudência, apenas as vencidas à data da execução, e acrescida dos juros pedidos desde a data da citação.
E, concluindo a transcrição daquele aresto, aduz que “no plano da definição dos princípios, afirmámos a necessidade de interpelação do fiador por parte do credor e que com ela não se confunde a citação que lhe haja sido realizada na execução para exigir o pagamento da totalidade da dívida, porque a citação não permitiria ao fiador a oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas. No entanto, por razões de relevância pragmática, várias são as decisões que, sensíveis a que a citação é em qualquer caso uma comunicação, admitem que esta, não tendo o valor nem a natureza da interpelação que era exigível, possa ter a utilidade para através dela o credor exigir ao fiador a totalidade da dívida (prestações vencidas e vincendas) excepto no que diz respeito aos juros de mora que se contariam desde a citação apenas (sublinhado e realce nosso).
Conclui, na adopção de tal entendimento, “que a citação para a execução constitui interpelação bastante para pagamento, assistindo à Exequente o direito a exigir (solidariamente com a devedora principal) dos fiadores o pagamento da totalidade das prestações que, por força do estatuído no artº 781º, se venceram (e não apenas as já vencidas e não pagas até à data da instauração da execução), com a contabilização dos juros moratórios a partir daquela citação, despesas e comissões devidas” (sublinhado nosso).

Referenciemos, ainda, o douto Acórdão de 11/05/2022 – Relator: Isaías Pádua, Processo nº. 1511/19.0T8STB-A.E1.S1, in www.dgsi.pt -, no qual se referencia constituir actualmente jurisprudência estável e consolidada do Supremo Tribunal de Justiça a que perfilha o seguinte entendimento:
Que qualquer uma das citadas normas dos artigos 781º e 782º tem natureza supletiva, podendo o regime nele consagrado ser afastado por convenção das partes, e à luz do princípio da liberdade contratual plasmado no art.º 405º, nº. 1.
Que a renúncia ao benefício de excussão prévia (consagrado no art.º 640º al. a)) por parte do fiador não se confunde (não lhe sendo por si só extensível) com a renúncia à perda do benefício do prazo de goza, e que se encontra consagrado no art.º 782º.
Que salvo expressa estipulação contratual em sentido contrário, a perda do benefício do prazo por parte do devedor principal à luz do art.º 781º, devido ao seu incumprimento, não se estende (automaticamente) ao fiador, e daí que pretendendo o credor dele exigir/obter ou antecipar o pagamento imediato de todas as prestações futuras em dívida, nomeadamente naquelas situações em que a obrigação de pagamento se encontra escalonada/fracionada no tempo, necessário se torna a sua interpelação (admonitória) prévia para o efeito. Exigência essa que, é desde logo, imposta quer devido à natureza acessória da fiança, quer também pelos próprios ditames da boa fé.
Que essa exigência de interpelação prévia se torna inclusive extensível ao próprio devedor principal, quando se pretenda obter dele o vencimento/pagamento antecipado da totalidade da dívida, e que o disposto no art.º 781º, ao contrário do que à primeira vista poderia ser-se levado a concluir, não funciona ope legis, pois que tal corresponde a um direito potestativo concedido ao credor de desencadear ou não, conforme os seus ponderados interesses do momento, o vencimento antecipado de todas prestações futuras”.
Seguidamente, procurando apurar se no caso concreto ocorreu tal interpelação prévia, enuncia o entendimento doutrinário da figura da interpelação, aduzindo que “como escreve o prof. Inocêncio Galvão Teles, a “Interpelação é o acto pelo qual o credor comunica ao devedor a sua vontade de receber a prestação. É, por outras, a reclamação de cumprimento dirigida pelo primeiro ao segundo” (in “Direito das Obrigações, 4ª. Ed., Coimbra Editora, pág. 184”).
Por sua vez, nas palavras do prof. Batista Machado “a interpelação deve ser integrada por um conteúdo preciso, a saber: (i) a intimação para o cumprimento, (ii) a fixação de termo peremptório para o cumprimento e (iii) a admonição ou a comunicação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.” (“Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, Braga, 1991, págs. 163-165.”).
Como é sabido, a interpelação pode revestir-se de carácter judicial ou extrajudicial (art.º 805º, nº. 1)
A interpelação judicial pode ser concretizada/feita por notificação judicial avulsa (cfr. art.ºs 219º, 256º e 257º do CPC) ou por via de citação para a ação (cfr. art.º 219º, nº. 1, e segts., do CPC).
No que concerne à interpelação extrajudicial, ela não está sujeita a qualquer forma especial, podendo ser feita por qualquer meio/modo, verbalmente ou por escrito (cfr. art.º 219º e, por todos, o prof. Inocêncio Galvão Teles, in “Ob. cit., pág. 186”).
E, concretizando, procura então definir se ela ocorreu por via judicial (que não por notificação judicial avulsa), nomeadamente por via da citação efectuada à fiadora na acção executiva instaurada pela exequente.
Em resposta, e apesar de reconhecer não ser uniforme o entendimento jurisprudencial, considera que tal interpelação não pode ser efectivada através da citação para a execução, pois, reiterando o aduzido por Baptista Machado, tal “interpelação deve ser integrada por um conteúdo preciso, a saber: (i) a intimação para o cumprimento, (ii) a fixação de termo perentório para o cumprimento e (iii) a admonição ou a comunicação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo”.
Assim, acrescenta que “a citação levada a efeito pela credora/exequente na ação executiva à fiadora foi, no fundo, tão só para lhe dar conhecimento que contra ela foi instaurada a referida ação através da qual a exequente lhe exige/reclama a quantia exequenda referida no requerimento executivo (que engloba, além do mais, como capital, a totalidade do montante considerado em dívida, desde que os mutuários/devedores principais entraram em incumprimento, neles se incluindo a quantia correspondente a todas as prestações cuja obrigação de pagamento estavam escalonadas no tempo mas que, por via desse incumprimento, se venceram antecipadamente, bem como dos respetivos juros de mora) e para proceder ao seu pagamento, ou lhe deduzir oposição, sob pena de se proceder à cobrança coerciva na mesma, com a penhora do seu património.
Ora, tal citação, e salvo o devido respeito por outra opinião, não comporta em si o conteúdo (em termos de pressupostos) atrás referido de que deve conter ou revestir-se uma verdadeira interpelação (prévia) para cumprir.
Por outro lado, a citação não permite, em tais circunstâncias, ao fiador (seja ele subsidiário, seja ele solidário – como nos parece acontecer no caso destes autos com a fiadora demandada) a oportunidade de pagar as prestações vencidas e evitar, pondo termo à mora, desse modo, a imediata exigibilidade das prestações vincendas, vendo-se, assim, o mesmo confrontado, perante a citação para a ação executiva, com a obrigação de ter de pagar (de imediato), de uma só vez, a totalidade da dívida - que atinge, neste caso, largas dezenas de milhares de euros - (englobando não só as prestações vencidas como também aquelas que só se venceriam, em princípio, no decurso de longo anos, agravadas ainda pelos acréscimos previstos contratualmente para tais situações), sob pena de ver o seu património executado coativamente, quando o poderia fazer, se antes fosse interpelado para o efeito pelo credor, no decurso do período tempo em que as mesmas haviam sido (no acordo contratual) escalonadas no tempo, suavizando, nessa medida, esse pagamento (da dívida a que está obrigado, por força do incumprimento daqueles que afiançou).
E não se invoque o facto de o vencimento antecipado e imediato de todas as prestações futuras ser imposto pelas disposições conjugadas dos art.ºs 780º e 781º do CC e 91º, nº. 1, do CIRE, sendo a fiadora (como devedora solidária) responsável também pelo seu pagamento, ou seja, pela totalidade da dívida, pois que, como supra deixámos expendido e à luz da doutrina fixada no art.º 782º, essa exigência de pagamento apenas poderá, em princípio, ser feita em relação aos devedores principais (os mutuários) que perderam o benefício do prazo de que gozavam de esse seu pagamento poder ser escalonado/fracionado no tempo, pois que essa perda desse benefício do prazo não se estende aos co-obrigados, ou seja, neste caso à fiadora, que dele continuará a gozar (já que nada em contrário foi convencionado nesse sentido) até, como vimos, ser expressamente interpelada pela credora para pôr termo à mora e/ou proceder ao pagamento da divida”.
Aduz, ainda, em contraponto com o decidido no aresto anteriormente referenciado, que tendo em atenção os interesses em confronto e a argumentação jurídica aduzida, “não se invoquem razões pragmáticas, como o faz alguma jurisprudência, para atribuir relevância jurídica à citação judicial para efeitos de interpelação”.
Conclui, então, que “a citação judicial da fiadora, levada a efeito credora/ora exequente na ação executiva que contra si instaurou, não tem a virtualidade, por não ser o meio idóneo para o efeito, de substituir a interpelação (prévia) que, no caso, se impunha que aquela levasse a efeito junto da última, no sentido de a mesma perder o benefício de prazo de que goza (à luz do art.º 782º). Neste sentido, vide, entre outros, o Ac. do STJ de 29-11-2016, proc. n.º 100/07.6TCSNT-A.L1.S1 – e demais jurisprudência nele citada – disponível em www.dgsi.pt.
Sendo assim, e sem essa interpelação, está vedado à exequente exigir à fiadora/executada/embargante a totalidade da quantia que englobe a antecipação das prestações cujo prazo de vencimento ainda não tivesse decorrido à data da instauração da execução.
Nessa medida, e por outras palavras, a execução apenas deverá prosseguir para cobrança da quantia correspondente às prestações vencidas (pelo decurso do prazo contratualmente estabelecido), e não pagas, aquando da instauração da execução a que se reportam os presentes autos, acrescida dos respetivos juros de mora a elas respeitantes, e isto sem prejuízo da cumulação de execuções que vir a deduzir-se, à luz do disposto no art.º 711º do CPC, em relação às prestações cujo prazo de vencimento tenha, entretanto, decorrido” (sublinhado nosso).

Aqui chegados, enunciemos os principais critérios ou pressupostos de ponderação:
-  nas situações de dívida escalonada ou liquidável em prestações, a falta de pagamento de uma das prestações acordadas, determina, nos quadros do art.º 781º, do Cód. Civil, a exigibilidade imediata das prestações vincendas, ou seja, a perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor;
- tal perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor não ocorre ope legis, antes dependendo de expressa manifestação de vontade por parte do credor, que deverá proceder à sua interpelação, no sentido de proceder ao devido cumprimento, sob pena de imediata exigibilidade das prestações escalonadas;
-  a perda do benefício do prazo por parte do devedor principal não se estende, por regra, aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia – cf., o art.º 782º, do Cód. Civil -, donde, se for accionado, exemplificativamente, o fiador, este pode opor a excepção de inexigibilidade do crédito (fidejussório) ;
- o que não pode suceder relativamente ás prestações vencidas, em relação às quais não pode ser invocado o benefício do prazo, sendo que este só opera para as prestações futuras;
- todavia, esta não extensão da perda do benefício do prazo aos garantes, quer pessoais quer reais, tem carácter ou natureza supletiva, podendo aqueles renunciar validamente ao benefício legalmente concedido, ou seja, podem os co-obrigados, nomeadamente os fiadores, desde logo, vincular-se à perda do benefício do prazo por parte do devedor principal, em detrimento da norma supletiva do art.º 782º, do Cód. Civil;
- tal vinculação de renúncia, constituindo um agravamento da sua posição, determina que aquela seja extraível do clausulado de forma expressa e inequívoca (de acordo com a percepção de um declaratário normal) e consonante com as exigências de forma previstas para a validade da declaração fidejussória;
- são claramente distintas a renúncia ao benefício da excussão prévia – cf., artigos 638º e 640º, alín. a), ambos do Cód. Civil - e a renúncia ao benefício do prazo, pelo que, inexistindo esta, o credor terá que aguardar o momento em que a obrigação normalmente se venceria;
-  o fiador deve igualmente ser interpelado pelo credor para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, de forma a obstar a realização coactiva da prestação;
- a não interpelação não deve ser confundível com a citação judicial efectuada em sede de execução para exigir o pagamento da totalidade da dívida, pois esta não permite ao fiador a oportunidade de pagar apenas as prestações vencidas, de forma a obviar à exigibilidade das vincendas;
-  tendo-se concluído pela inexistência de tal prévia interpelação admonitória ao fiador, resta aferir se a sua citação para a execução é susceptível de produzir alguns efeitos, nomeadamente substitutivos daquela interpelação não concretizada, de forma a concluir-se pelo vencimento da totalidade das prestações;
- sendo certo, contudo, que no plano da definição dos princípios, os efeitos da citação para os termos da execução, não tendo o valor nem a natureza da interpelação que era exigível, não é susceptível de substituir a falta de interpelação do fiador, necessária em virtude deste não ter renunciado ao benefício do prazo;
- parte da jurisprudência concede relevo a tal citação do fiador para a execução, vinculando este, por razões de relevância pragmática, ao pagamento do capital das prestações em dívida, vencidas e vincendas, mas considerando que os juros moratórios apenas são devidos desde a data da citação;
- outro entendimento jurisprudencial, considera apenas ser devido o capital das prestações vencidas à data da execução, acrescido dos juros moratórios devidos desde a data da citação (a elas respeitantes);
-  sem prejuízo, neste caso, de recurso à cumulação de execuções que possa vir a deduzir-se, nos termos do art.º 711º, do Cód. de Processo Civil, em relação às prestações que se venham a vencer na pendência da execução.

Exposto tal quadro matricial, impõe-se a sua aplicabilidade ao caso concreto em apreciação, tendo em atenção o manancial fáctico provado.
Considerou a sentença apelada que, tendo ocorrido incumprimento por parte dos devedores mutuários ou principais, e efectuada que foi a devida interpelação admonitória por parte da credora, ocorreu, relativamente àqueles, perda do benefício do prazo, tendo-se vencido as demais prestações vincendas.
Todavia, conforme evidenciámos, a mesma sentença nada conheceu acerca da posição dos co-obrigados fiadores (ora Apelantes), ou, ainda que implicitamente, retirou idênticos efeitos relativamente aos mesmos.
Ora, não sendo a perda do benefício do prazo extensível aos co-obrigados fiadores, nos quadros do citado art.º 782º, do Cód. Civil, impõe-se, num primeiro momento, atenta a natureza ou carácter supletivo de tal norma, aferir se os fiadores (ora Apelantes) se vincularam à perda de tal benefício, na decorrência da concretizada perda por parte dos devedores principais.
Compulsado o teor do contrato de mútuo, outorgado em 03/11/2005, constata-se nada constar nesse sentido, sendo que a referenciada cláusula 17 não se reporta minimamente a tal previsão, pois apenas alude à possibilidade da credora poder “rescindir o contrato no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pelos MUTUÁRIOS”.
Todavia, para além da indevida figuração da figura jurídica da rescisão, e da estrita alusão a alegado incumprimento dos mutuários, nada é referenciado relativamente a uma voluntária renúncia dos fiadores quanto à garantia tutelar que lhes é concedida pelo aludido art.º 782º, do Cód. Civil.
Por outro lado, acrescenta-se, injustifica-se qualquer abordagem ou aferição do teor da mencionada “alteração ao contrato de mútuo, com procuração irrevogável celebrado em 3 de Novembro de 2005” – doc. Nº. 2, junto com o requerimento executivo -, atenta a não prova da sua outorga por parte dos Embargantes/Executados.
Assim, concluindo-se pela inexistência de renúncia ao benefício do prazo por parte dos fiadores (ora apelantes), impunha-se à credora Exequente a prova de os ter admonitoriamente interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, ou seja, intimando-os para colocar termo à mora (no pagamento da dívida), de forma a obstarem ao vencimento antecipado de todas as prestações e ao seu consequente pagamento.
Ora, conforme resulta do aditado facto 16, provou-se que a credora, em 29/03/2019, enviou aos fiadores NF e AF, comunicação escrita, com a referência 44059/2019, possuindo o seguinte teor:
«ASSUNTO: Procedimento Judicial
Empréstimo nº PT 00350209004997684
           
Exmos. Senhores.
Perante o incumprimento verificado no empréstimo, supra identificado, a C…………….. decidiu o recurso à via judicial para cobrança coerciva dos seus créditos.
Não obstante encontrarem-se reunidos todos os elementos para a propositura da ação, informo V. Exas que ainda poderão evitar tal procedimento, mediante a liquidação da totalidade dos valores em atraso, no montante de 45.501,49€, à data de 2019/03/29, ou através de apresentação de proposta de pagamento/regularização, no prazo máximo de 30 dias.
Findo o aludido prazo sem que se verifique a regularização do atraso ou a apresentação de proposta que permita superar a situação de incumprimento, será promovida, sem mais avisos, a inerente ação executiva para cobrança da totalidade da dívida, com a inevitável penhora de bens e rendimentos.
(….)»”.
Ou seja, tal interpelação integra um conteúdo preciso e determinado, intimando ao cumprimento com indicação de preciso valor, fixa um termo peremptório para que este ocorra e adverte que, caso inexista regularização do atraso ou apresentação de proposta que permita superar a situação de incumprimento, executar-se-á a cobrança da totalidade da dívida, o que traduz concreta declaração admonitória conducente a declaração de efectivo não cumprimento.
Pelo que, provada tal interpelação admonitória aos fiadores por parte da credora, sem que existisse cumprimento por parte destes, a perda do benefício do prazo por parte dos devedores principais (mutuários) sempre lhes seria extensível, impossibilitando que, com sucesso, possam opor ou invocar a excepção de inexigibilidade do crédito fidejussório executado.
Acresce que, no caso concreto, tal interpelação extrajudicial aos fiadores (ora Recorrentes) possui a particularidade de ter sido efectuada em data em que já havia ocorrido o vencimento da totalidade das prestações escalonadas para amortização do mútuo outorgado, pelo que já nem sequer estava em causa uma qualquer ou eventual perda do benefício do prazo por parte de tais co-obrigados fiadores.
O que resulta do facto do mútuo ter sido contratualizado em 03/11/2005, a ser liquidável em 120 prestações mensais, de capital e juros, ou seja, pelo período de 10 anos, que naquela data já se encontrava largamente excedido.
Efectivamente, conforme aduzimos, o benefício do prazo não pode ser invocado relativamente às prestações vencidas (que, naquele momento, já abrangia a totalidade das prestações), mas antes, e tão-só, no que respeita às prestações futuras (naquele momento já inexistentes).
Ademais, ainda que assim não se entendesse, mas antes se considerasse que a aduzida notificação aos fiadores, datada de 29/03/2019, não possui potencialidade suficiente para consubstanciar interpelação admonitória ao cumprimento, conducente à perda do benefício do prazo – o que claramente não se reconhece -, fazendo-se ponderar acerca dos efeitos da sua citação para os termos da presente acção executiva, sempre se teria que concluir pela sua vinculação ao pagamento da totalidade das prestações, desde logo pelo facto de todas já se encontrarem vencidas, inexistindo qualquer alegada perda do benefício do prazo a tutelar na esfera jurídica dos co-obrigados fiadores, relativamente a inexistentes prestações vincendas.

Por todo o exposto, e sem ulteriores delongas, decai a pretensão constante das conclusões recursórias, conducente, ainda que com diferenciada fundamentação, a juízo confirmatório da sentença apelada/recorrida.
*
Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo os Apelantes Embargantes no presente recurso, são responsáveis pelo pagamento das custas da presente apelação.
***
IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Apelantes/Executados/Embargantes NF e AF, em que surge como Apelada/Embargada/Exequente C………………;
b) Em consequência, confirma-se – ainda que por diferenciada fundamentação – a sentença apelada;
c) Custas da presente apelação a cargo dos Embargantes/Apelantes – cf., art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.

--------
Lisboa, 30 de Março de 2023
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco

_______________________________________________________
[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª Edição, 1990, Almedina, pág. 51.
[3] Idem, pág. 52 e 53.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 32.
[5] Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, Almedida, 2017, pág. 979 e 980.
[6] Relator: Hélder Almeida, Processo nº. 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1, in www.dgsi.pt .
[7] Relatora: Fátima Gomes, Processo nº. 2351/12.2TBTVD-A, in www.dgsi.pt .
[8] Relatora: Cristina Neves, Processo nº. 22574/13.6T2SNT, in www.dgsi.pt .
[9] Relator: Rijo Ferreira, Processo nº. 6691/11.0TBVFX-A.L1-1, in www.dgsi.pt.
[10] Relatora: Ondina Carmo Alves, Processo nº. 1859/11.1TBVFX-A.L1-2, in www.dgsi.pt .
[11] Ob. cit., pág. 33.
[12] No mesmo sentido, referiu-se em douto aresto do STJ de 10/05/2007, citado no douto Acórdão supra mencionado de 12/07/2018, que “[a] perda do benefício do prazo de pagamento de obrigações a prestações emergente do não pagamento de uma delas não vale quanto ao fiador.
[13] Nas palavras do já citado aresto do STJ de 18/01/2018, efectuando a clara destrinça entre renúncia ao benefício da excussão prévia, e renúncia ao benefício do prazo, “assim, salvo estipulação contratual em sentido diverso, a perda do benefício do prazo, instituída no artigo 781º do CC, não se estende aos coobrigados do devedor, entre os quais se inclui o seu fiador, nos termos do referido artigo 782º do CC, pelo que, querendo agir contra estes, o credor terá de aguardar o momento em que a obrigação normalmente se venceria.
A renúncia pela fiadora ao benefício de excussão e a constituição da mesma como «principal pagadora» não importa renúncia ao benefício do prazo, como bem refere a recorrente. De facto, daqui apenas decorre que a fiadora opoente, porque renunciou a tal benefício, responde, em solidariedade com a devedora, pelo cumprimento das obrigações desta última. A sua responsabilidade, que seria subsidiária relativamente à da devedora principal, passou a ser, com a renúncia ao benefício da excussão, solidária com a desta última, podendo o credor exigir de qualquer um deles a totalidade da dívida (nos termos do artigo 640.º do CC, o fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores: «a) Se houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador” (sublinhado nosso).
[14] Vimos seguindo, de perto, o aresto desta Relação e Secção, datado de 11/12/2018 – Processo nº. 12518/15.6T8LRS-A.L1 -, relatado pelo mesmo Relator e subscrito pelo mesmo 1º Ajunto
[15] Este Acórdão foi citado no recente douto aresto do STJ de 29/11/2022 – Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo nº. 12754/19.6T8SNT-A.L1.S1, in www.dgsi.pt -, no que concerne à possibilidade dos co-devedores poderem vincular-se à perda do benefício do prazo por parte do devedor principal, em derrogação do prescrito no artº. 782º, do Cód. Civil.