Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA MENDES | ||
Descritores: | ALIMENTOS A FILHO MENOR INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO MAIORIDADE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO LEGITIMIDADE DO PROGENITOR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/24/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | O progenitor que tenha intentado incidente de incumprimento da prestação de alimentos acordados/fixados em relação ao filho menor e que, no entrementes, tenha tingido a maioridade, tem legitimidade para prosseguir a acção como também formular ampliação do pedido, ainda que esta respeite/contemple o período de maioridade do filho. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa A [ Ana …..] , em representação do menor B [ Pedro ….] , deduziu incidente de incumprimento da regulação do exercício do poder paternal contra C , pedindo a condenação do requerido no valor de € 7.270,00 a título de pensão de alimentos devidos ao menor, meses em dívida, desde o ano de 2006 a 2017, tendo, posteriormente, ampliado o pedido no que concerne ao pagamento das prestações de Fevereiro de 2017 a Novembro de 2018, após a maioridade do filho (31/1/17). O requerido, na resposta, excepcionou a prescrição das prestações alimentícias, ex vi art. 310 f) CC, vencidas antes de 25/12/2011, informando que o menor atingiu a maioridade, em 31/1/17 – fls. 24 e sgs. Na conferência de pais, em 28/6/17, as partes não chegaram a acordo tendo sido julgada improcedente a excepção de prescrição – fls.40. Após a junção dos relatórios sociais teve lugar nova conferência de pais, em 3/11/17, em que não foi possível chegar a acordo, tendo as partes sido notificadas para alegar, ex vi art. 39 RGPTC - fls. 54 e sgs. Em sede de audiência de julgamento, em 28/11/18, foi esta interrompida, com vista à obtenção de acordo. Consta da acta que, retomada a audiência, as partes acordaram, com início no próximo mês de Dezembro de 2018, o pai retomará o pagamento das prestações vincendas devidas ao ora maior, no montante de € 200,00 mensais, o que fará até ao dia 8 de cada mês, a que os alimentos respeitem, por depósito ou transferência bancária para a conta do filho, cujo NIB a Exma. Advogada da mãe juntará aos autos, em 48 horas, até completamento da sua formação profissional – art. 1905/2 CC. Foi facultado o número de telemóvel do filho B acordando também que este informará o pai pelo menos, anualmente, da continuidade da sua formação profissional. Foi ordenada a notificação do filho de ambos para, em 10 dias, ratificar o processado. Foi pedida a ampliação do pedido por parte da requerente, relativamente às prestações de alimentos, desde Fevereiro de 2017 até esta data - data de julgamento (28/11/18) -, por não ter sido paga e o filho frequentar estabelecimento de ensino e não exercer profissão remunerada. O requerido opôs-se à ampliação do pedido sustentando falta de legitimidade da requerente porquanto o Pedro atingiu a maioridade, em 31/1/17. Foi deferida a ampliação do pedido. Os mandatários de ambas as partes estiveram presentes - cfr. acta de fls. 136 a 138. B, ratificou o processado, em 21/12/18 – fls. 145 v e sgs. Em sede de audiência, 8/1/19, foi ratificado o processado –fls. 148. Após julgamento foi prolatada sentença, em 18/1/19, que, quanto aos alimentos devidos ao filho maior, homologou o acordo, julgou improcedente a excepção de ilegitimidade arguida e, julgando parcialmente verificado o incumprimento do requerido/pai relativamente ao pagamento das prestações de alimentos, desde 2006 a Novembro de 2018, condenou-o a pagar à requerente o valor de € 11.020,00, acrescido dos juros de mora e absolvendo-o quanto às despesas relativas ao ano de 2006 a Abril de 2007 – fls. 150 e sgs. Inconformado o requerido apelou formulando as conclusões que se transcrevem: a)-Não houve qualquer acordo entre as partes quanto a alimentos a filho maior, motivo pelo qual não foi o mesmo prontamente homologado. b)-Pelo que a homologação do alegado acordo peca por ilegal. c)-Não devendo o Tribunal postergar os pressupostos de direito processual vigentes, pese embora a natureza dos processos de jurisdição tutelar cível e especialmente do facto de neles prevalecerem os princípios do inquisitório e da equidade, decorra também ser restituído de rigidez a tramitação processual estabelecida legalmente para o decretamento de determinadas providências, sendo lícito ao Tribunal realizar, designadamente, actos ou formalidades não especificamente. d)-Devendo, porém, a actividade do Tribunal processar-se com respeito das regras e princípios do processo civil, que não contrariem os fins da jurisdição de menores - art. 161 OTM. e)-Falta de legitimidade processual activa da Requerente, atenta a maioridade do B , ocorrida a 31/01/2017, quer para prosseguir a acção, quer para a ampliação do pedido. f)-A Requerente só pode representar em juízo o filho, enquanto menor, sendo que os maiores de idade são os únicos que possuem legitimidade para requerer o pagamento dos alimentos alegadamente devidos pelo progenitor, carecendo a Requerente de tal legitimidade. g)-Com a maioridade do Pedro cessaram as responsabilidades parentais – cfr. art. 1877 CC. h)-O menor deixa de estar inibido de exercer direitos, de precisar dos pais ou outra pessoa para o representar e para gerir a sua pessoa e bens. i)-Para que se possa continuar a exigir dos pais a participação no sustento do filho maior há que verificar se existem outros requisitos – que não aqueles que se verificavam na menoridade – para justificar essa participação. j)-São estes, os requisitos que obrigam à instauração de nova acção pois que o direito do filho maior a alimentos é um direito novo, que nasce com a sua maioridade e com a verificação dos requisitos legais. k)-Os requisitos são cumulativos, pressupõem a continuação dos estudos com vista a obter formação académica ou profissional com vista a alcançar a autonomia, o consequente aproveitamento nesses estudos, o cumprimento dos deveres de filho que permita concluir-se pela razoabilidade de se exigir do progenitor não guardião o pagamento de uma pensão; ou a existência de uma cláusula de desculpa caso se constate que o filho não cumpre com os seus deveres (de respeito, de manter o progenitor não guardião informado acerca da sua pessoa e estudos, cordialidade, e visitas), como por exemplo, ter sido o progenitor não guardião a ter dado azo o afastamento do filho. l)-A Requerente não alegou, nem demonstrou que o filho maior se encontrava a estudar, que ano ou curso frequenta, etc. m)-A obrigação da extensão de alimentos para se prolongar, para além do termo da menoridade, alem dos requisitos supra aduzidos terá de ser razoável exigir dos pais a continuação dessas despesas, art. 1880, i fine. n)-Tendo-se por razoabilidade, no caso a comunicação da situação escolar do Pedro e o contacto deste com o pai. o)-O que não sucedeu, o pai desconhece, porque lhe é e foi vedado tal conhecimento, qual o percurso escolar do filho maior. p)-O filho maior despreza o aqui Recorrente. q)-Sendo que o mesmo já conta com 20 anos de idade, não se podendo justificar a quebra destes deveres com base em imaturidade. r)-Em função do deverá ser alterada a decisão recorrida, merecendo provimento o presente recurso, no que à ampliação do pedido se refere, ou seja, condenação em alimentos a filho maior desde a sua maioridade até à data da prolação da sentença. s)-O direito de crédito relativo aos alimentos, por via de acordo homologatório, é um direito de crédito de pagamento de prestações futuras, não vencidas. t)-Não tornado controvertido depois da sua constituição, o respectivo prazo de prescrição é o quinquenal a que se reporta a alínea f) do artigo 310 CC. u)-No caso em apreço não ocorreu nenhuma causa de suspensão ou interrupção da prescrição, salvo a prevista no art. 323 CC, efectuada a 21/03. v)-Assim estão prescritas todas as prestações vencidas antes 25 Dezembro de 2011. w)-Devendo ser julgada procedente a invocada excepção peremptória da prescrição de acordo com a correcta interpretação das normas de direito que decorrem dos arts. 298, 306, 309, 310, 311, 323, 1877, 1878 e 2008 CC e do nº 3 do art. 576, art. 579 e nº 2 do art. 728 CPC, absolvendo-se o Requerido da Instância. x)-O incidente deduzido pela Requerente é absolutamente anómalo e destituído de suporte legal, não lhe assistindo legitimidade para o deduzir, mesmo no quadro da nova lei. y)-Nos termos expostos, a sentença será, antes de mais, nula por contradição entre parte dos fundamentos que constituem o seu corpus e a decisão. z)-A decisão recorrida reconhece que a nova lei introduziu alterações fundamentais no que concerne à legitimidade da progenitora para requerer o pagamento de alimentos, mas depois refere que essa cobrança apenas é possível no âmbito de uma sub-rogação legal, a qual não foi sequer alegada, nem provada pela progenitora. aa)- A Interpretação da que o tribunal a quo faz quer do art. 265 CC, quer da nova lei é inconstitucional, ofendendo o nosso ordenamento jurídico. bb)- Ainda que se considerasse a possibilidade de a Requerente promover um pedido de alimentos, em representação do seu filho, contra o Recorrente, tratar-se-ia sempre de um novo pedido onde se verificasse a sindicância da verificação, ou não, dos pressupostos indispensáveis à prestação de alimentos a filhos maiores. cc)- Ou seja, nunca a Requerida poderia fazê-lo ao abrigo do incumprimento de prestação a menores. dd)- A decisão recorrida seria, também sob este ponto de vista, anómala e ofensiva da lei, quer por promovida no procedimento errado, quer por omissão do procedimento certo em todas as suas indispensáveis etapas, como atrás se invocou. ee)- O tribunal violou, por erro de aplicação e interpretação, designadamente, os arts. 12, 13, 122, 124, 130, 1880 e 1905 CC e 989 CPC, bem como a Lei 122/2015 e o art. 26 CRP. ff)- Não justificando o tribunal a quo, o motivo pelo qual valorou uns depoimentos em detrimento de outros, as declarações de uma das partes em detrimento da outra, é insuficiente afirmar que os fatos não provados resultaram da ausência de prova credível e valorável no sentido de os dar como provados “tudo isto, em síntese, tendo em conta um juízo de experiencia comum”, peca a mesma por falta de fundamentação. gg)- Reportando às gravações no respectivo sistema de gravação da aplicação informática do H@bilus, de todas as sessões de conferencia de pais e julgamento, se requer o julgamento da matéria de facto --- agora solicitado à Relação --- sendo um juízo eminentemente subjectivo, “objectiva-se” nos meios de prova devidamente interpretados, valorados e apreciados que o motivam, e ainda nos termos do nº 2 do art. 712 CPC, sendo que a pode atender, mesmo oficiosamente, a quaisquer elementos probatórios que “hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”, o que desde já se requer. Erros, cometem-se todos os dias. Porém, só se emendam de quando em vez … hh)- Assim e nos demais termos de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência ser revogada a decisão que: Homologou um acordo quanto a alimentos a maior, inexistente; Amplia o pedido formulado pela progenitora; Condena o recorrente no pagamento de prestações de alimentos, de 2006 a Novembro de 2018, no montante de € 11.020,00, acrescido de juros. Factos provados em 1ª instância: 1- B nasceu em 31/1/1999 e é filho de A e de C. 2- Em 31/1/2017 atingiu a maioridade. 3- Tem actualmente 19 anos de idade. Encontra-se actualmente a estudar. 4- Em 24/5/2004 os pais acordaram em que o pai pagaria 200€ mensais a título de alimentos ao então menor. 5- Tal prestação seria actualizada anualmente de acordo com a percentagem de aumento de vencimento do pai. 6- E cada um dos pais pagaria metade das despesas médicas, medicamentosas, escolares e de vestuário do menor. 7- O que foi homologado por Conservador em 22/7/2004. 8- No ano de 2010 o pai pagou mensalmente 150€ de Janeiro a Dezembro. 9- Encontrando-se pois em dívida 600€ de alimentos ao menor do ano de 2010. 10- No ano de 2011 o pai pagou mensalmente 150€ em nove meses desse ano e pagou mensalmente 120€ em três meses. 11- Encontrando-se pois em dívida 690€ de alimentos ao menor do ano de 2011. 12- Com referência ao ano de 2012 o pai pagou mensalmente 120€ em doze meses sucessivos Janeiro a Dezembro. 13- Encontrando-se pois em dívida 960€ de alimentos ao menor do ano de 2012. 14- No ano de 2013 o pai pagou mensalmente 120€ de Janeiro a Dezembro. 15- Encontrando-se pois em dívida 960€ de alimentos ao menor do ano de 2013. 16- No ano de 2014 o pai pagou mensalmente 150€ em 4 meses desse ano e pagou mensalmente 120€ em 8 meses. 17- Encontrando-se pois em dívida 840€ de alimentos ao menor do ano de 2014. 18- Encontram-se pois em dívida €-4.050,00 de alimentos ao menor dos anos de 2010 a 2014. 19- No ano de 2015 o pai pagou mensalmente 150€ de Janeiro a Dezembro. 20- Encontrando-se pois em dívida 600€ de alimentos ao menor do ano de 2015. 21- No ano de 2016 o pai pagou mensalmente 150€ de Janeiro a Dezembro. 22- Encontrando-se pois em dívida 600€ de alimentos ao menor do ano de 2016. 23- No ano de 2017 o pai pagou 250€ de alimentos ao filho. 24- Encontrando-se pois em dívida 2.150€ de alimentos ao menor do ano de 2017. 25- No ano de 2018, de Janeiro a Novembro, o pai não pagou qualquer quantia a título de alimentos ao filho. 26- Encontrando-se pois em dívida 2.200€ de alimentos ao menor de Janeiro a Novembro do ano de 2018. 27- Assim, encontram-se em dívida €-9.600,00 de alimentos ao menor dos anos de 2010 a Novembro de 2018. 28- Em Março de 2007 o pai pagou 200€ a título de alimentos ao menor. 29- Não pagou nos meses de Abril, Maio e Junho de 2007, perfazendo 600€ de dívida de alimentos ao menor desse ano. 30- Não pagou 20€ do mês de Abril, nem Julho e Agosto de 2006, perfazendo 420€ de dívida de alimentos ao menor desse ano. 31- Não pagou 50€ do meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2009, nem os meses de Julho, Agosto e Setembro de 2009, perfazendo 600€ de dívida de alimentos ao menor desse ano. 32- Assim, encontram-se em dívida €11.020,00 de alimentos ao menor dos anos de 2006 a Novembro de 2018. 33- O requerido escreveu missiva (que consta de fls.35) dirigida ao filho, onde questionava se este estudava ou trabalhava, datada do dia em que o filho atingiu a maioridade. Não se apurou que: - Percentagem de aumento de vencimento do pai; - Tenha pago mais qualquer quantia a título de alimentos ao menor para além das supra apuradas; - Tenha pago mais €400; -Tenha pago em numerário, nomeadamente por via da avó paterna do menor; -Tenha feito os apurados pagamentos parciais na sequência de acertos de contas com a requerente; -A requerente tenha dívida perante o requerido e que tenham acordado em amortizá-la em prestações, com dedução na prestação de alimentos; -O requerido nada deva. -Nunca tenha passado férias, dia do pai, fim-de-semana ou aniversário com o menor; -Apenas contactasse com o menor à porta da escola, por vezes levando-o a casa; -Há dois anos que não vê o filho; -Não comunique com o mesmo; -A aludida missiva tenha sido enviada e/ou devolvida; -Que nunca tenha pago o resultante da mencionada cláusula de despesas; -Não tenha pago € 13.900,00 a título de despesas e que a requerente lhas tenha apresentado Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos, cumpre decidir. Vejamos, então: Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se: a)-Nulidade da sentença b)-Modificabilidade da decisão de facto c)-Ilegalidade da decisão homologatória d)-Ilegitimidade da requerente e)-Ampliação do Pedido/Novo pedido f)-Inexistência da obrigação de prestação de alimentos g)-Prescrição das prestações alimentícias Vejamos, então. a)-Nulidade da sentença Pugna o apelante pela nulidade da sentença alicerçada em falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e decisão, ex vi art. 615/1 b) e c) CPC, defendendo ausência de justificação por parte do tribunal ao valorar alguns depoimentos em detrimento de outros, sendo insuficiente afirmar que os factos não provados resultaram da inexistência de prova credível e valorável no sentido de os considerar provados “tudo isto, em síntese, tendo em conta um juízo de experiência comum” e contradição entre os fundamentos e a decisão porquanto, aceita ser a requerente parte legítima para requerer o pagamento de alimentos relativamente ao filho maior, referindo depois que tal cobrança só é possível no âmbito de uma sub-rogação legal que não foi alegada e, por maioria de razão, provada. É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – art. 615/1 b) CPC Esta nulidade tem lugar quando haja falta de motivação, ou seja, julgador não especifica os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão. Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas. A razão substancial reside no facto de que a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando abstracto e geral da lei, o juiz substitui um comando particular e concreto. No entanto, este comando não se pode gerar arbitrariamente, uma vez que o juiz, não tem, o poder de ditar normas de conduta, de impor a sua vontade às vontades individuais que estão em conflito, porque a sua atribuição é unicamente a de extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sujeito à sua decisão, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa, é a emanação correcta da lei. As razões práticas residem no facto de que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão a sentença lhe foi desfavorável; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso – cfr. art. 205 CRP e 154 CPC. Não basta que o juiz decida a questão posta, é necessário e indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. O valor doutrinal da sentença, valor como elemento de convicção, vale o que valerem os seus fundamentos. Acresce ainda que existe uma distinção entre a falta total de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada ou não convincente. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação/fundamentação - consenso entre a doutrina e jurisprudência -, a insuficiente ou deficiente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não acarreta nulidade – cfr. A. Reis CPC Anotado, vol. V – 138 segs., Coimbra Editora, ano 1981. No caso em apreço, a sentença está fundamentada nos aspectos factuais e jurídicos, apurado o não pagamento das prestações de alimentos devidas a o seu filho, condenou o apelante em conformidade pelo que, afastada está a nulidade. A nulidade da alínea c) art. 615/1 CPC ocorre quando os fundamentos estão em contradição com a decisão. Esta contradição é real, assenta numa construção viciosa da sentença, os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. Esta situação/contradição não se verifica na decisão recorrida: a decisão está fundamentada nos aspectos factuais e jurídico e o segmento dispositivo não se mostra em contradição com o desenvolvimento do raciocínio lógico/jurídico aí expendido. Estando o requerido obrigado a pagar os alimentos ao seu filho e tendo este atingido a maioridade, face à admissão da ampliação do pedido, a sentença firmou o entendimento de que a requerente/apelada tinha legitimidade para pedir as prestações de alimentos devidas após a maioridade do filho, estribando a bondade do seu entendimento, na lei e na jurisprudência, tendo condenado o apelante no seu pagamento. Será de relembrar, não só, que a deficiente valoração da prova e/ou o desacerto na aplicação do direito aos factos, a existirem, não consubstanciam nulidade, mas erro de julgamento mas também que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito – cfr. art. 5/3 CPC. Improcede, assim, a arguida nulidade da sentença. b)-Modificabilidade da decisão de facto O Tribunal da Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. art. 640 CPC, a decisão com base neles proferida – art. art. 662 CPC. Importa, desde já, referir que a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 607 CPC. No entanto, esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção. Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso. Sobre o recorrente impende o ónus de, nas alegações, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – art. 639 CPC. Na verdade, as conclusões da alegação de recurso são a única peça processual onde, por obrigação legal, o recorrente deve expor de forma concisa mas rigorosa e suficiente, todas as questões que quer submeter à apreciação do tribunal superior. Versando o recurso sob a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – art. 640 CPC. No caso em apreço, o apelante não deu cumprimento ao exarado nos arts. citados, sendo omissa, nas suas alegações de recurso, a indicação de facto ou factos que pretende ver provados, não provados ou alterada a sua redacção, bem como os meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, nem as passagens da gravação, limitando-se a referir e requerer, em suma, que se proceda ao julgamento não só da matéria de facto, com a audição da prova constante da gravação, estendendo também a audição das gravações no que concerne às conferências de pais que tiveram lugar. Em suma, nas conclusões apresentadas são omissos quer o pedido de alteração da decisão de facto nomeadamente, os arts. cuja resposta pretende ver alterada, bem como os fundamentos subjacentes à pretendida alteração. O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa que um julgamento ex novo e global dessa matéria, mas sim a possibilidade do tribunal de 2ª instância fiscalizar os erros concretos do julgamento já realizado. Dupla jurisdição não significa forçosamente repetição. No preâmbulo do DL 35/95 de 15/2 pode ler-se que o duplo grau de jurisdição visa “apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”. Ora, o exercício desta faculdade fiscalizadora sobre pontos concretos da matéria de facto só é possível, não com o explanado na alegação, mas sim com a rigorosa delimitação desses pontos nas conclusões do recurso. Não tendo o recorrente dado cumprimento aos citados normativos, rejeita-se o recurso da impugnação da matéria de facto, soçobrando a sua pretensão. c)-Ilegalidade da decisão homologatória Sustenta o apelante a ilegalidade da homologação do pedido porquanto, nenhum acordo existiu entre as partes. Conforme extractado supra, consta da acta de audiência de julgamento, 28/11/18, que as partes acordaram com início, em Dezembro de 2018, que o apelante retomaria o pagamento das prestações vincendas devidas ao filho maior, no valor de € 200,00 até este completar a sua formação profissional”. Nessa audiência estiveram presentes os Srs. Mandatários. Na sequência da ratificação do processado por parte do filho B, em sede de sentença proferida, em 8/1/19, foi o acordo homologado. Daqui resulta que, ao invés do defendido pelo apelante, o acordo “inexistente” consta da acta de julgamento. Acresce que, entendendo o apelante que o exarado na acta não traduzia o que se passara, ou seja, não estava conforme ao que se passara e acordara, poderia ter invocado, desde logo, a nulidade do acto (falsidade do constante na acta), podendo fazê-lo até ao encerramento dessa audiência sob pena de preclusão da sua arguição – cfr. arts. 195 e 199 CPC. Não tendo o apelante arguido/reclamado atempadamente qualquer nulidade e estando exarado em acta de audiência de julgamento o acordo efectuado entre as partes, a homologação do mesmo não enferma de qualquer nulidade e/ou ilegalidade. Destarte, soçobra a sua pretensão. d)-Ilegitimidade da requerente Sustenta o apelante que tendo o seu filho atingido a maioridade, em 31/1/17, a requerente carecia de legitimidade activa quer para o prosseguimento da acção, quer para a ampliação do pedido (prestações de Fevereiro de 2017 a Novembro de 2018). Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência, consistindo o dever de assistência na obrigação de prestar alimentos…. – art. 1874 CC. Os pais estão obrigados a prestar alimentos aos seus filhos – art. 2009 CC, 36 CRP e 27 Convenção dos Direitos da Criança. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário bem como a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor - art. 2003 e 2004 CC. Esta obrigação de sustento cessa na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos – art. 1879 CC. Não obstante, se no momento de atingir a maioridade…não houver completado a sua formação profissional, a obrigação de sustento mantém-se na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete – art. 1880 CC. Por seu turno, o art. 1905/2 CC, na redacção dada pela Lei 122/2015 de 1/9, concretizou o conteúdo deste art. 1880, estatuindo que se mantém na maioridade a pensão estipulada/fixada enquanto menor, até aos 25 anos de idade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluída antes dessa altura, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência. A lei confere aos progenitores legitimidade, no âmbito do acordo sobre as responsabilidades parentais do filho menor, para suscitarem o incidente de incumprimento de prestação de alimentos – art. 181 e 189 OTM. Por sua vez, o art. 989/1 e 2 prevê a adaptação do regime previsto para os menores em caso de necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores, nos termos dos arts. 1880 e 1905 CC, estipulando o seu nº 3 que o progenitor que assuma a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores. Daqui decorre a legitimidade activa do progenitor para intentar incidente de incumprimento relativo às prestações de alimentos devidas e não pagas, quer enquanto o filho for menor, quer enquanto maior. Assim, in casu, tem a requerente/apelada, ex vi art. 30 CPC, não só legitimidade para o prosseguimento da acção, como também para formular a ampliação do pedido na qual estavam contempladas as prestações de alimentos devidas, desde Fevereiro de 2017 a Novembro de 2018, ao filho maior (maioridade, em 31/1/17) – cfr. Ac. RL de 20/9/18, relatora Teresa Pardal, in wwwdgsi.pt. Acresce que tal legitimidade também tem suporte no regime previsto no art. 592/1 CC (sub-rogação legal) cfr. Ac. RL de 2/10/14, relator Ilídio Martins in www.dgsi.pt. Destarte, soçobra a pretensão. e)-Ampliação do pedido/ Novo Pedido Sustenta o apelante que, ainda que se entenda ser a apelada parte legítima, nunca este pedido (ampliação) poderia ser efectuado neste processo de incumprimento porquanto, estamos face a um novo pedido. No que à equiparação das pensões a título de alimentos, enquanto filho maior - ampliação do pedido -, não poder ser efectuada em sede deste incidente de incumprimento por se tratar de um novo pedido, dir-se-á que não assiste razão ao apelante. Na verdade, o que se discute neste processo é o não pagamento/incumprimento da pensão de alimentos, incumprimento este não só, aquando da menoridade mas também, extensível ao período em que o filho atingiu a maioridade no decurso do mesmo (processo). Assim sendo, tal pedido não se subsume a um novo pedido e pode ser contemplado, verificados os requisitos da atribuição da pensão. Destarte, falece a pretensão. f)-Inexistência da obrigação de prestação de alimentos Defende o apelante que não há lugar ao pagamento de uma pensão relativamente ao seu filho por este ter atingido a maioridade e não se verificarem os requisitos para a atribuição de pensão, mormente a continuação dos estudos e não ser razoável a sua exigência, pelo não cumprimento dos deveres de respeito, cordialidade e visitas por parte do seu filho para consigo. Ora, in casu, tendo em atenção os factos provados constata-se que Pedro Vieira, apesar de ter atingido a maioridade, continua a estudar, nada se tendo apurado relativamente à conduta que o apelante imputa a seu filho. Assim, soçobra a sua pretensão. g)-Prescrição das prestações alimentícias Conforme relatado supra, o requerido na sequência de ter sido intentado o incumprimento das responsabilidades parentais quanto ao não pagamento dos alimentos devidos ao seu filho, na altura menor, arguiu, desde logo (25/3/17), a prescrição das prestações alimentícias – as vencidas antes de 25/12/11, ex vi art. 310/1 f) CC - . Na conferência de pais ocorrida, em 28/6/17, foi a excepção peremptória de prescrição julgada improcedente. Assim, não tendo o apelante interposto recurso dessa decisão não pode agora, volvidos anos sobre a mesma, pretender novo veredicto porquanto, a decisão sobre esta matéria há muito que transitou em julgado sendo, por isso, insusceptível de apreciação – cfr. arts. 627 e 628 CPC – não sendo despiciendo a omissão da matéria de prescrição na sentença recorrida. Concluindo: O progenitor que tenha intentado incidente de incumprimento da prestação de alimentos acordados/fixados em relação ao filho menor e que, no entrementes, tenha tingido a maioridade, tem legitimidade para prosseguir a acção como também formular ampliação do pedido, ainda que esta respeite/contemple o período de maioridade do filho. Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão. Custas pelo apelante. Lisboa, 24 de OUTUBRO de 2019 Carla Mendes Rui da Ponte Gomes Luís Correia de Mendonça |