Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PAULA GRANDVAUX | ||
Descritores: | DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA BUSCA DOMICILIÁRIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/27/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | O consentimento do visado, livre esclarecido, tem de preceder a busca, podendo, todavia, ser prestado de forma verbal, impondo-se quando assim sucede que, ulteriormente, tal consentimento seja documentado. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. No âmbito do Processo nº 88/17.5SULSB, a correr termos no Juízo Local Criminal de Loures – Juiz 11 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi submetida a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, a arguida T________, solteira, estudante, nascida em ____, natural de Lisboa (concelho de Lisboa), a quem o Magistrado do Ministério Público imputou a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida p.p. nos termos do artigo 86º nº 1 al. d), por referência ao disposto no art.º 2º nº 1 al. o) e nº 5 al. g), art.º 3º nº 7 al. b), todos da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção dada pela Lei nº 50/2013, de 24/07. A arguida requereu a abertura de instrução alegando a nulidade da prova por realização de busca domiciliária não autorizada. Realizada a instrução, veio a ser proferido despacho de pronúncia e indeferida a nulidade invocada. A arguida apresentou contestação, a qual foi indeferida por extemporaneidade. *** 2. Realizado o julgamento, o Tribunal a quo, por sentença proferida e depositada em 12.07.2019 (fls 187 a 195 e fls 197), julgou a acusação procedente, por provada, e consequentemente condenou a arguida como autora material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, numa pena de 180 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €900,00, pena essa susceptível de conversão em 120 dias de prisão subsidiária. 3. Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida (fls 254 a 278) retirando da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: A.Foi a recorrente condenada “...pela prática de um crime de detenção de arma proibido, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, alínea d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, numa pena de 180 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €900,00, susceptíveis de conversão em 120 dias de prisão subsidiária. B. Foi também condenada no pagamento de 2 UC’s de taxa de justiça. C. O Tribunal a quo chegou a esta decisão, após ter considerado como provado o ponto 1 dos Factos provados: “...a arguida tinha em seu poder... um sistema portátil alimentado por fonte energética e destinado unicamente a produzir descarga eléctrica...” D. A arguida nunca negou estar na posse de tal equipamento. E. A arguida afirmou que não sabia ser proibida a posse de tal equipamento. F. Esclareceu ainda que a busca realizada à sua casa foi nula, por não ter sido autorizada. G. No decorrer do julgamento não ficou provado, nem o dolo da arguida, nem a legalidade da busca, H. Razões pelas quais deveria a mesma ter sido absolvida da prática do crime de que vinha acusada. I. Por interessar à apreciação do recurso importa diz-se, na “motivação de facto” que “o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento dos agentes LL, ST e TG, os primeiros explicaram os motivos da deslocação à residência da arguida... e que a sua deslocação ao interior da casa foi autorizada pela arguida em termo de busca por si assinado” (sublinhado nosso) J. Mais se diz que “a arguida confirmou a propriedade da arma, a sua aquisição através de um site da internet e a assinatura do termo de busca nega contudo que tivesse autorizado a busca domiciliária e que o documento que assinou lhe fosse explicado o seu conteúdo ou dado a conhecer tal conteúdo, uma vez que assinou com a mão do agente em cima da folha em branco a exigir que o fizesse”... “alega contudo a arguida que não sabia da sua proibição” (sublinhado nosso). K. E que: “Nestes termos e concluindo-se por uma conduta dolosa a única questão que se coloca reporta-se ao valor da busca domiciliária enquanto meio de obtenção de prova, ou seja enquanto realidade que esteve na génese da apreensão levada a cabo nos autos e por susceptível de ser invalidada se não respeitar determinados ditames legais. Trata-se de matéria avaliada em sede de instrução onde a arguida, pelos argumentos ali aduzidos viu tal pretensão indeferida...”, resulta contudo do art.º 310, n.º 2 do CPP que o tribunal de julgamento não fica inibido de apreciar e excluir as provas proibidas” L. No entanto, conclui-se que não foi feita prova nem da conduta dolosa, nem da validade da busca domiciliária, pelo que se conclui que mal andou o Tribunal a quo, ao condenar a recorrente. M. Conclui-se que laborou em erro o Tribunal a quo, em primeiro lugar porque tendo a arguida alegado desconhecer a ilicitude da posse daquele tipo de arma, não podia o Tribunal a quo ter concluído, sem mais, pela existência de dolo. N. Em segundo lugar, o Tribunal a quo conclui erradamente (referindo-se à invalidade da busca): “Trata-se de matéria avaliada em sede de instrução onde a arguida, pelos argumentos ali aduzidos viu tal pretensão indeferida” (sublinhado nosso). O. Ora, se o Tribunal a quo tivesse atentado no despacho de 14/11/2018, que admitiu a abertura de instrução, teria verificado que “tal pretensão” não foi indeferida “pelos argumentos ali aduzidos”, mas TÃO SÓ porque o Mmo. Juiz de Instrução entendeu – mal – indeferir as diligências de prova requeridas, mediante o referido despacho: “Em face da prova documental e ao exame já referidos nos autos, ponderando o teor do requerimento para a abertura da instrução apresentado, considero não ser necessária a realização de qualquer diligência instrutória, designadamente as requeridas pela arguida por ultrapassarem a natureza indiciária da presente fase processual (art. 291.º, n.º1, do Código de Processo Penal)”. (sublinhado nosso) P. Conclui-se, pois que a nulidade da busca domiciliária não foi apreciada pelo Mmo. Juiz de instrução, que considerou “não ser necessária a realização de qualquer diligência instrutória”, o que se não entende. Q. Aliás, seria a Instrução o momento processualmente adequado a aferir da validade ou nulidade das buscas, conforme invocado pela Recorrente. R. Mais se conclui que, com o despacho supra, se “esvaziou” por completo a fase processual da Instrução, que se resumiu a um debate instrutório, sem qualquer apreciação de prova que sustentasse os motivos do RAI... S. Não tendo sido admitida nenhuma diligência de prova, não se estranha que tivesse sido proferido despacho de pronúncia, nos seguintes termos: “Assim sendo, entende este Tribunal que estão demonstrados indiciariamente os factos constantes da acusação, sendo provável condenação da arguida em julgamento pelos factos constantes e segundo a incriminação referida no mesmo texto”. T. No entanto, o Tribunal a quo tinha a oportunidade e o dever de apreciar séria e criticamente a validade ou invalidade da busca domiciliária, também se limitou a concluir pela sua validade, sem que tivesse sido produzida prova nesse sentido. U. Foram ouvidos 2 agentes da PSP, que participaram na busca domiciliária, os quais não conseguiram sequer afirmar, com certeza, que a recorrente autorizou a busca e assinou o respectivo termos de autorização antes da realização da mesma. V. Ambos, quando perguntados quanto ao caso concreto, sobre terem visto a Arguida assinar o termo de autorização ou ser-lhe explicado o seu conteúdo, antes da entrada em casa, responderam que não se lembram em concreto, limitando-se a explicar como se deve fazer uma busca, na teoria. W. Na verdade, a Arguida não negou ter assinado um documento (que veio a verificar-se ser o termo de autorização), mas esclareceu tê-lo feito após a busca, já fora da residência, junto ao carro da patrulha, sem que lhe tivesse sido explicado o que assinava. Foi-lhe dito tratar-se de um documento para sua identificação, sendo que, só nessas circunstâncias acedeu a assinar. X. Refere o Tribunal a quo, “...trata-se de documento que a arguida não tinha que assinar caso não concordasse com o seu teor” – Concordamos com esta afirmação. Mas para assim ser, a recorrente teria que conhecer o seu teor. Y. Refere ainda o Tribunal a quo: ...”não resultou dos autos que estivesse numa situação de vis absoluta que a impossibilitasse de obstar a tal assinatura, aliás nem se percebe porque motivo e com que legitimidade se pode exigir a alguém que assine um documento em branco...” – NÓS TAMBÉM NÃO ENTENDEMOS, MAS A VERDADE É QUE FOI O AGENTE LL QUE “CONFESSOU” TER SIDO ELE A PREENCHER O DOCUMENTO E SÓ DEPOIS DE O MESMO TER SIDO ASSINADO PELA ARGUIDA! Z. Importa ainda contextualizar, por não ser despiciendo, as circunstâncias da busca, o que, aliás, foi feito pela arguida e pelas testemunhas, agentes da PSP: os senhores agentes da PSP foram a casa da arguida face à denúncia do furto de um Iphone que teria acabado de ocorrer. AA. Foi nesse pressuposto que pelo menos 3 agentes da PSP entraram de rompante em sua casa – onde a arguida estava com seu irmão menor de idade – para procurarem o Iphone supostamente furtado... BB. Na casa da mãe da recorrente (onde esta reside com a mãe e irmão menor de idade) estava a recorrente e seu irmão menor. CC. Foram ambos apanhados de surpresa pelos agentes da PSP, tendo tudo sido muito rápido uma vez que, – supostamente – tratar-se-ia de um furto acabado de acontecer, o que acabou por se verificar ter-se tratado de uma mentira do denunciante. DD. Após a busca, um dos agentes pediu à arguida que o acompanhasse à rua, e pediu-lhe o Cartão de Cidadão para a identificar, tendo-a informado que teria que o acompanhar à esquadra. EE. A arguida disse que acompanharia, mas que tinha que ir a casa avisar o seu irmão menor de que ficaria sozinho até que a mãe chegasse. O agente autorizou a arguida a subir, mas disse-lhe que teria que assinar nesse momento o documento para sua identificação. FF. Tal documento, que a Recorrente aceitou assinar, não era mais do que a autorização de busca, que ainda estava em branco... GG. Conclui-se como o Tribunal a quo quando diz “...estamos perante uma jovem que se encontra a frequentar um curso de acção social que lhe dará equivalência ao 12º ano de escolaridade...”, mas esse facto NADA diz acerca da literacia ou dos conhecimentos jurídicos dos cidadãos em geral ou da Arguida em particular... HH. Conclui ainda o Mmo. Juiz a quo: “ademais os agentes explicaram quais os seus procedimentos, realidades que nos levam a ter por inverosímil a versão da arguida” I. Mas é aqui que falha o Tribunal a quo! Na verdade, os agentes explicaram quais devem ser os procedimentos a ter, em caso de buscas, na teoria, mas nada souberam dizer sobre o particular caso daquela busca em concreto. JJ. Mal andou, pois, o Tribunal a quo que não podia ter concluído da forma como o fez, mas antes deveria ter avaliado criticamente a prova produzida e não produzida, não podendo considerar como provado o consentimento da Arguida, para a realização da busca. KK. Conclui-se que nenhum dos agentes ouvidos em audiência de julgamento conseguiu confirmar que o teor da autorização de busca foi explicado à arguida, que ela assinou o termo de autorização, antes de entrarem em sua casa. NENHUMA TESTEMUNHA CONFIRMOU ESTE FACTO! LL. Nenhuma das testemunhas conseguiu afirmar com certeza ter visto a recorrente assinar o termo de autorização. MM. Por esse motivo se conclui que o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o consentimento da recorrente. NN. Conclui-se que o Tribunal a quo deveria ter declarando nula a busca e, em consequência, deveria ter absolvido a arguida, como era de Justiça e de Direito! OO. Acresce ainda que ambos os agentes ouvidos na audiência de julgamento disseram não terem sido eles a explicar o teor do documento ou a recolher a sua assinatura, tendo afirmado que se tratara do comandante de operações, Ricardo Barata. PP. Conclui-se que andou bem o Tribunal a quo quando, no final da audiência de julgamento realizada em de 04/06/2019 proferiu despacho a determinar a inquirição do Sr. Comandante, por ser imprescindível à descoberta da verdade material. QQ. Mas já andou mal o Tribunal a quo quando, não tendo o comandante Ricardo Barata comparecido ao julgamento e tendo sido requerida pela defesa a sua audição, ao abrigo do artigo 340º CP, tal requerimento foi indeferido pelo Tribunal a quo. RR. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo não poderia ter prescindido de ouvir de viva voz, da boca do interveniente que poderia sanar qualquer dúvida quanto à validade ou invalidade da busca, tendo preferido extrair a conclusão de que a busca foi válida, CONTRA TODA A PROVA PRODUZIDA, o que se lamenta. SS. Relativamente à questão da autorização da busca, nenhuma das 2 testemunhas ouvidas conseguiram dissipar as dúvidas, contrariamente ao que veio o Tribunal a quo a concluir. TT. Nesse sentido, o depoimento da testemunha LL, na gravação do dia 04/06/2019 (114715), a partir do minuto 3:26h: Ministério Público (MP): O senhor agente visualizou o momento em que a senhora assinou? LL: não me recordo. A situação ali... estávamos três. MP: tem a certeza que a senhora assinou antes de entrarem? LL: fiquei com essa noção. MP: com essa noção ou com essa certeza? LL: com essa noção. MP: muito bem! Mas foi o senhor que entregou a autorização de busca? LL: Não me recordo. MP: mas não foi o senhor que bateu à porta? LL: quem bateu à porta fui eu e o ST ou eu e o comandante, já não me recordo. Felizmente ou infelizmente são tantas situações... MP: mas olhe, presenciou o momento em que foi explicado à senhora que para entrarem e fazerem a busca a senhora teria que autorizar? LL: Lembro-me de o comandante estar a falar. MP: O que eu lhe pergunto é, esse termo não foi depois de os senhores terem feito a busca, terem encontrado a arma... LL: que eu me recorde, não. Senão a busca também ficava sem efeito, ficava nula. (A requerimento do MP, a testemunha foi confrontada com o termo de autorização de busca, de fls. 20.) MP: esse termo foi preenchido onde, concretamente? LL: eu penso... MP: essa letra é de quem? LL: a letra é minha. Estou convicto que foi preenchido à porta da casa dela e o comandante explicou os termos. (sublinhado nosso) ... Defensora da arguida (DA): tem a certeza absoluta? LL: não. O que eu disse é: se está o comandante, ele dirige a ocorrência, não sou eu que me vou pôr à frente. Eu preenchi e o comandante fala com as demais partes. DA: Preencheu antes e deu-lhe a assinar ou preenche depois? LL: preencho antes e assina depois. E o comandante Barata explica. UU Depoimento da Testemunha ST: Gravação do dia 08/07/2019 (152951), a partir do minuto 00:56 Mmo. Juiz (MJ): recorda-se desta situação? ST: recordo-me vagamente da situação. Isso foi autorizado por ela, foi consentido por ela... Salvo erro o comandante Barata também lá estava. MJ: esta busca domiciliária... foi pedido à D: T________ e ela autorizou a busca domiciliária e depois é que foram fazer a busca domiciliária... ST: Exaaacto... eu digo exacto porque às vezes no terreno não é possível assinar logo esse termo de autorização e busca MJ: quanto à arma, a senhora ficou espantada? ST: a senhora disse que não sabia que era ilegal ter esse tipo de arma, uma vez que a aquisição é fácil, na internet. DA: o consentimento foi feito a si pessoalmente a si ou a quem? ST: Essa questão em pormenor não me recordo. DA: viu ser prestado o consentimento? ST: Não me recordo exactamente como é que foi feito, mas a polícia trabalha... nós entramos em casa, se não temos mandado, mediante o consentimento da pessoa. A pessoa abre-nos a porta, explicamos porque é que lá estamos... DA: e quem é que explicou? ST: Nós funcionamos em equipa, ninguém tem uma função própria. Não me recordo dessa situação em concreto. VV. Conclui-se, pois, que ambos os agentes ouvidos pelo tribunal foram muito precisos a explicar como – em teoria – se processa uma busca, mas – em concreto – nenhum deles viu a arguida prestar o consentimento, nem sequer souberam dizer a quem foi o consentimento prestado! WW. Face ao exposto, tem que concluir-se que o Tribunal a quo não podia ter condenado a arguida, como o fez, porque após ter sido invocada a nulidade da busca, nenhuma prova foi feita da sua regularidade. XX. Fez, portanto, o Tribunal a quo errada apreciação da prova. YY. Conclui-se que a realização da busca, porque feita em total violação ao disposto nos artigos 174º e 177º CPP é nula, conforme artigo 126º, n.º 3 CPP, razão pela qual a lei estabelece tratar-se de métodos proibidos de prova. ZZ. Em consequência dessa nulidade, conclui-se que a Arguida deveria ter sido absolvida da prática do crime de que vinha acusada. AAA. Sem conceder, por dever de patrocínio, sempre se dirá que, ainda que se admitisse que o Tribunal a quo não desse como provada a falta de dolo da Recorrente, nem a nulidade da busca e optasse por condenar a arguida, considera-se que a douta sentença recorrida merece reparos também, no que à medida da pena diz respeito, por se considerar gravosa e desproporcionada. BBB. O crime de que vinha a recorrente acusada prevê uma pena de prisão até 4 anos ou uma pena de multa até 480 dias. À Recorrente foi aplicada um apena de multa de 180 dias de multa à taxa diária de €5,00, perfazendo €900,00. Mais foi condenada em 2 UC de custas. CCC. Ora, a recorrente apresentou requerimento de protecção jurídica, que juntou – em tempo – aos autos, pelo que deverá ser absolvida do pagamento de custas. DDD. A Recorrente é uma jovem integrada social e familiarmente, que se encontra a estudar. Vive com a mãe e um irmão menor, sendo que não tem fonte de rendimento própria e, muito embora tenha “antecedentes criminais mas de pouca relevância por se tratar de ilícito absolutamente distinto do destes autos” EEE. Assim, in casu, face às circunstâncias da recorrente, sempre seria suficiente, adequada e proporcional, a aplicação de pena no mínimo legal, em obediência ao artigo 40º CP. FFF. Pelo exposto considera a recorrente terem sido violados, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso, tendo por justa e adequada a aplicação ao recorrente de uma pena igual ao mínimo legal. GGG. Decidindo, dessa forma, entendemos que a decisão aplicável seria mais justa e sempre preencheria os fins das penas. Nestes termos e nos melhores de direito deverá ser concedido suprimento ao presente recurso e, em consequência, deverá a Douta decisão recorrido ser revogada, substituindo-se por outra que declare nula a busca realizada e absolva a recorrente, nos termos das presentes alegações, por ter sido feita errada valoração da prova, já que se não provou nem o dolo, nem a autorização à busca domiciliária, resultando num acto proibido de prova. Sem prescindir, assim não entendendo, por dever de patrocínio, sempre a pena aplicada à ora Recorrente deverá ser no mínimo legal, mais devendo ser absolvida das custas a que foi condenada, face à Protecção Jurídica requerida e já comunicada aos autos, assim se fazendo Justiça! 4. O M.P apresentou resposta na 1ª instância (fls 307 a 331), no sentido do não provimento do recurso da arguida, pugnando consequentemente pela manutenção da sentença recorrida, concluindo a sua resposta nos termos a seguir transcritos: 1. Por sentença proferida a 12 de Julho de 2019, T________, recorrente nos presentes autos, foi condenada numa pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), num total de 900,00€ (novecentos euros), pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro. 2. Foi ainda condenada no pagamento 2 (duas) UC de taxa de justiça (cfr. artigos 513º do Código Processo Penal e artigo 8o, nº5 e tabela III. do Regulamento das custas processuais aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro). 3. Não se conformando com o teor da decisão, veio a Recorrente interpor recurso com base: - Vício de erro de julgamento/impugnação da matéria de facto (artigo 412º, nº 3 do Código Processo Penal), no que concerne à alegada: i)- Nulidade da busca domiciliária; e ii)- Falta de consciência da ilicitude. - A impugnação da medida da pena aplicada, por violação do artigo 40º do Código Penal. 4. Sucede, porém, que a Recorrente não deu cumprimento à obrigação de impugnação especificada que impende sobre a mesma, limitando-se a alegar genericamente a prova produzida (artigo 412º, nº 3 e 4 do Código Processo Penal). 5. Por consequência, deve o presente recurso ser rejeitado nesta parte, nos termos do disposto nos artigos 412º, nº 3 e 431º, alínea b), ambos do Código Processo Penal. Do alegado vício de erro de julgamento/impugnação da matéria de facto (artigo 412º, nº 3 do Código Processo Penal) 6. A Recorrente alega, além do mais, que nenhuma prova foi feita que permitisse concluir da regularidade da busca domiciliária e, por consequência, a mesma devia ser considerada nula, de acordo com o disposto nos artigos 126º, n.º 3, 174º e 177º, todos do Código Processo Penal. 7. Para tanto alega que os agentes policiais que presenciaram a busca não conseguiram circunstanciar em que momento a visada prestou o consentimento e se a mesma teve conhecimento do conteúdo do termo de autorização. 8. No entanto, e como bem refere o texto da sentença recorrida: não resultou dos autos que (a arguida) estivesse numa situação de vis absoluta que a impossibilitasse de obstar a tal assinatura, aliás nem se percebe porque motivo e com que legitimidade se pode exigir a alguém que assine um documento em branco, ademais estamos ante uma jovem que se encontra a frequentar um curso de acção social que lhe dará equivalência ao 12º ano de escolaridade, ou seja não estamos ante uma pessoa iletrada e de um meio eminentemente rural que viva aquém de todo este tipo de realidades infelizmente comuns em grandes meios urbanos, ademais os agentes explicaram quais os seus procedimentos, realidades que nos levam a ter por inverosímil a versão da arguida. 9. O Tribunal de julgamento estribou a validade da busca domiciliária, ademais, nos depoimentos dos agentes LL e ST, no auto de notícia por detenção de fls. 1 a 3 e no termo de autorização de busca de fls. 9. 10. Então, parece ser manifesto que a discordância da Recorrente não resulta de depoimentos ou prova documental evidenciadoras do contrário, mas tão só, da forma como a prova foi apreciada pelo Tribunal a quo, colocando assim em crise a livre apreciação da prova e a convicção do Tribunal. 11. Por outro lado, e no que concerne à falta de consciência de ilicitude, o Tribunal de Julgamento afirmou o seguinte: alega, contudo, a arguida que não sabia da sua proibição, ora se é certo que o dolo se reporta a uma realidade interior do agente resulta da materialidade da infracção que a arguida não podia deixar de saber do caracter proibido da sua conduta (...). 12. Tratando-se de um facto interno ou subjectivo a sua prova resultou da análise conjugada de todos os factos objectivos assentes, apreciados segundo as regras da experiência comum e da normalidade social e à luz do princípio da livre apreciação de prova, previsto no artigo 127º do Código Processo Penal 13. Pelo que, novamente, afirmamos que a pretensão da Recorrente baseia-se, tão-só nos seus próprios interesses, subvertendo os princípios processuais penais no que concerne aos princípios da livre apreciação de prova, da imediação e da oralidade. 14. Em suma, e como decorre da motivação probatória da decisão de facto da sentença, verifica-se que a mesma indicou os meios de prova, com exame crítico, a razão da credibilidade desses mesmos meios de prova e o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se tivesse valorado no sentido em que o fez (em cumprimento do artigo 374º, nº 2 do Código Processo Penal e 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa). 15. Assim sendo, somos do entendimento que a decisão recorrida não merece censura e o recurso interposto é manifestamente improcedente por contrária à lei, o que conduz à sua rejeição parcial, nos termos do disposto no artigo 420º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal. Da medida da pena aplicada 16. A Recorrente tem por justa e adequada a aplicação ao recorrente de uma pena igual ao mínimo legal. 17. No entanto, o Tribunal a quo atendeu e indagou sobre todos os elementos circunstanciais do caso, fixando a medida concreta da pena ligeiramente acima de um terço, o que se coaduna com a fortes exigências de prevenção geral que o caso comporta, bem como as exigências de prevenção especial que, pese embora a Recorrente não apresente condenações pela prática de crimes da mesma natureza, o certo é que a mesma não demonstrou arrependimento, nem censura pelos factos praticados. 18. Pelo exposto, também não merece censura a decisão recorrida, não se mostrando violados os artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal, devendo, por conseguinte, improceder as motivações apresentadas pela Recorrente. 19. Finalmente, e no que concerne à condenação do pagamento das custas processuais, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, sendo certo que existindo apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça, esta especificidade irá ser espelhada na conta final do processo. Termos em que, julgando improcedente o recurso, Vossas Excelências farão, como sempre, a acostumada Justiça! 5. O recurso foi admitido por despacho de fls 303. 6. Nesta Relação, a Digna Procuradora Geral Adjunta quando o processo lhe foi com vista, nos termos e para os efeitos do art.º 416º/1 do C.P.P, emitiu o parecer de fls 338 e fls 339, subscrevendo a argumentação apresentada pela Exma. Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância que vai no sentido da defesa do decidido em 1ª instância, conforme passagem a seguir transcrita: “(...) Acompanhamos o entendimento e as considerações expendidas pela Magistrada do M.P na 1ª Instância, na resposta ao recurso que apresentou, bem como os fundamentos constantes da decisão recorrida quer quanto à questão da validade da busca domiciliária, quer quanto à prova dos factos integradores do crime pelo qual a recorrente foi condenada e também as subjacentes à determinação da medida da pena de multa fixada.” 7. Foi oportunamente cumprido o art.º 417º/2 do C.P.P, não tendo sido apresentada qualquer resposta. 8. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (artº 410º nº 2 e 3 do C.P.Penal). Por outras palavras, do art.º 412º/1 do C.P.P resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso (neste sentido vide Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal”, III, 2ª edição, 2000, pág. 335 e Acs do S.T.J de 13.5.1998 in B.M.J 477-263; de 25.6.1998 in B.M.J 478º-242 e de 3.2.1999 in B.M.J 477º-271), exceptuando aquelas que são do conhecimento oficioso (cf Artº 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do C.P.P e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J de 19.10.1995 in D.R, I - série de 28.12.1995). Assim, as questões a apreciar por este Tribunal ad quem, são as seguintes: A) Nulidade da busca domiciliária; B) Impugnação da matéria de facto – não existem factos que sustentem o dolo e/ou a consciência da ilicitude por parte da arguida. C) A determinação da medida da pena concreta. 2. A Decisão recorrida Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): 1. No dia 3 de Agosto de 2017, pelas 19h 15, na R. …, 8º B, em Lisboa, a arguida tinha em seu poder e disponível para uso imediato, na mesa de cabeceira do seu quarto: - um sistema portátil alimentado por fonte energética e destinado unicamente a produzir descarga eléctrica, momentaneamente neutralizante da capacidade motora humana, não podendo, pela sua apresentação e características, ser confundida com outras armas ou dissimular o fim a que se destina, vulgarmente conhecida como “arma eléctrica”; em condições de funcionamento e em mau estado de conservação. 2. A arguida não justificou a posse de tal objecto, sendo certo que não tinha quaisquer motivos para o deter naquele circunstancialismo de tempo, modo e lugar, bem sabendo as características do mesmo. 3. A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, ciente de que não lhe era autorizada a detenção da referida arma, por ser penalmente proibida e punida. 4. A arguida está a frequentar um curso de acção social que lhe dará equivalência ao 12º ano de escolaridade. 5. Reside com a mãe e um irmão com 16 anos de idade. 6. Conta com o auxílio da mãe para o seu sustento. 7. Do certificado de registo criminal da arguida mostra-se averbada uma condenação transitada em 20.06.2016, devida pela prática em 04.05.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 50 dias de multa à taxa diária €5,00, num total de €250,00, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, (processo n.º 462/16.4PHLRS do Juízo Local dc Pequena Criminalidade de Loures, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte). Quanto aos factos não provados ficou consignado na sentença: Nenhuns com relevância para a causa. Relativamente à fundamentação da decisão de facto, ficou expresso na decisão recorrida: “O tribunal formou a sua convicção com base no depoimento dos agentes os primeiros explicaram os motivos da deslocação à residência da arguida, o facto de terem encontrado a arma eléctrica na sua casa que a mesma reconheceu como sendo sua e que a sua deslocação ao interior da casa foi autorizada pela arguida em termo de busca por si assinado. O agente TG explicou o funcionamento da arma e o seu caracter proibido. A arguida confirmou a propriedade da arma, a sua aquisição através de um site da internet e a assinatura do termo de busca nega contudo que tivesse autorizado a busca domiciliária e que o documento que assinou lhe fosse explicado o seu conteúdo ao dado a conhecer tal conteúdo, uma vez que o assinou com a mão do agente em cima da folha em branco e a exigir que o fizesse. Reportou-se ainda á sua situação pessoal. O tribunal ateve-se ainda no teor do auto de notícia por detenção, fls. 1 a 3, termo de autorização de busca, fls. 9, auto de apreensão, fls. 10 e 11, auto de exame e avaliação, fls. 12 a 15, relatório pericial de fls. 92 a 94, CRC de fls. 136. * Face ao teor da prova documental e testemunhal não há a menor duvida que a arguida estava na posse de uma arma e que a mesma, como infra se referirá é proibida, alega contudo a arguida que não sabia da sua proibição, ora se é certo que o dolo se reporta a uma realidade interior do agente resulta da materialidade da infracção que a arguida não podia deixar de saber do caracter proibido da sua conduta, na realidade trata-se de um dispositivo que emite descargas eléctricas cujo único propósito é o de atordoar momentaneamente uma pessoa colocando-o na impossibilidade de resistir, ou seja trata-se de um objecto claramente bélico sem qualquer outra aplicação conhecida e que é sobejamente conhecido tratar-se de objecto usado pelas forças de segurança, realidades que não podiam deixar de ser do conhecimento da arguida, não se trata de uma arma de ornamentação, nem de outro uso ou aplicação definida susceptível de causar duvidas sobre a proibição da sua posse. Nestes termos e concluindo-se por uma conduta dolosa a única questão que se coloca reporta-se ao valor da busca domiciliária enquanto meio de obtenção de prova, ou seja, enquanto realidade que esteve na génese da apreensão levada a cabo nos autos e por susceptível de ser invalida se não respeitar determinados ditames legais. Trata-se de matéria avaliada em sede de instrução onde a arguida, pelos argumentos ali aduzidos viu tal pretensão indeferida, resulta contudo do art.º 310º n.º 2 do CPP que o tribunal de julgamento não fica inibido de apreciar e excluir as provas proibidas. Como é sabido no processo penal vigora o princípio da legalidade dos meios de prova, distinguindo-se as regras de produção da prova e as proibições de prova. As primeiras têm por objectivo disciplinar o modo e o processo de obtenção da prova, não determinando, se infringidas, a proibição de valoração do material probatório. Já as proibições de prova dão lugar a provas nulas de acordo com o artigo 38º, nº 2, da CRP, proibindo a lei portuguesa as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente e as provas que violem ilicitamente a privacidade. Trata-se, contudo, de um direito que não é absoluto uma vez que a nossa Lei Fundamental permite nos termos do disposto no art.º 34º, nº2 e 3 a violabilidade do domicílio de qualquer cidadão sempre que se verifiquem os pressupostos legais a que alude o CPP. Conforme decorre do art.º 174º e 177 do CPP as buscas podem ter lugar através de despacho judicial fundamentado, além do mais, em casos excepcionais de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou condutas que dolosamente se dirijam contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas, em que a entidade policial perante o grave risco para a vida ou integridade física de qualquer pessoa pode intervir sem qualquer mandato para tanto, acto cuja validação depende da imediata comunicação ao JIC para apreciação e validação, bem como em situações em que o visado nisso o consinta, devendo este ser documentado por qualquer forma. Ora in casu a arguida confirma que assinou o documento de busca domiciliária, mas que desconhecia o seu conteúdo e que não lhe foi comunicado ou explicitado o teor da busca que ocorreu de rompante sem a sua autorização, trata-se de documento que a arguida não tinha de assinar caso não concordasse com o seu teor e não resultou dos autos que estivesse numa situação de vis absoluta que a impossibilitasse de obstar a tal assinatura, aliás nem se percebe porque motivo e com que legitimidade se pode exigir a alguém que assine um documento em branco, ademais estamos ante uma jovem que se encontra a frequentar um curso de acção social que lhe dará equivalência ao 12º ano de escolaridade, ou seja não estamos ante uma pessoa iletrada e de um meio eminentemente rural que viva aquém de todo este tipo de realidades infelizmente comuns em grandes meios urbanos, ademais os agentes explicaram quais os seus procedimentos, realidades que nos levam a ter por inverosímil a versão da arguida. Acresce que, conforme decorre da economia do C.P.P, mormente do preceituado nos art.ºs 119º e 120º do mencionado diploma o legislador estabeleceu dois tipos de nulidades, as insanáveis e as que dependem de arguição oportuna sob pena de sanação. A lei não nos fornece um conceito de nulidade, referindo que a violação ou inobservância das disposições legais do processo penal pode determinar a nulidade do acto mas apenas se esta for expressamente cominada na lei. Em matéria de nulidades vigora, pois, o princípio da taxatividade, ou seja só existem nulidades sanáveis, ou não, desde que previstas em normativo. Relativamente às insanáveis estas estão taxativamente indicadas no art.º 119º do C.P.P. E aí, na parte que ora nos interessa, prevê-se como nulidade insanável a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a comparência do arguido (al. c) do citado normativo). Quanto às sanáveis estão enumeradas no art.º 120ºdo CPP e no que ao caso importa serão nulidades dependentes de arguição a omissão de actos obrigatórios em inquérito, situação que deve ser arguida antes do acto estar terminado (nº l, nº 2 d) e n.º 3 a) do referido preceito. Ora in casu a arguida assinou o documento em causa, nada alegou sobre esta matéria e quando, com defensor já constituído, lhe foi proposto a suspensão provisória do processo, em momento algum se reportou a tal realidade. Trata-se, por isso, sob este enfoque, de alegação absolutamente extemporânea, aliás conforme já decidiu o STJ in Ac STJ de 8.2.95, CJ ano III, tomo I, pág. 194, a inobservância do disposto no nº l do art.º 177, no que respeita à falta de mandato do juiz para a busca domiciliária configura-se como nulidade relativa, cuja arguição está sujeita a prazo, nos termos do art.º 120º nº3 do CPP, isto porque a nulidade da busca domiciliária, não se integra no art.º 119 daquele diploma legal. Termos em que se indefere a nulidade invocada dando-se como provados os factos imputados à arguida.” *** 3. Analisando A) Da (alegada) nulidade da busca domiciliária. Veio a arguida invocar que a sentença assentou em prova que não é válida porque a busca à sua residência é nula, por não ter sido por ela autorizada, acrescentando ainda que tal questão já antes havia sido por ela suscitada perante o Tribunal de Instrução, aquando da abertura da instrução, defendendo, contudo, que não foi por aquele TIC suficientemente averiguada a veracidade da sua pretensão. Apreciemos então a questão do valor da busca domiciliária, enquanto meio de obtenção de prova. Será a sentença da 1ª instância nula, por assentar em prova proibida, obtida através de uma busca domiciliária ilegal, por não ter sido consentida pela arguida? Vejamos. A busca domiciliária é uma excepção ao princípio constitucional da inviolabilidade de domicílio, consagrado no art.º 34º CRP, pelo que, a sua realização é rodeada de determinadas precauções e está sujeita a um regime próprio. A admissibilidade de restrições a este princípio constitucional tem em vista a salvaguarda de outros bens jurídicos de grande valor, igualmente objecto de protecção constitucional. Deste modo, a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei, bem como, ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento (cfr. n.º 2 e 3 do art.º 34º, CRP). Assim, nos termos do disposto no art.º 174º do CPP, quando houver indícios de que quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca. Quando esta busca tem de ser efectuada em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as sete e as vinte e uma horas, sob pena de nulidade (cfr. art.º 177º, nº 1, do CPP). A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade (nº 1 do art.º 177º do Código do Processo Penal. Nos termos do nº 2 daquele preceito: “Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de: a)Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada; b)Consentimento do visado, documentado por qualquer forma; c)Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos. Visto genericamente o regime das buscas domiciliárias e da preterição das formalidades legais, retornemos ao ambiente fáctico evidenciado nos autos. Entendemos tal como o M.P, que a argumentação da arguida nesta parte, afinal de contas apenas traduz a diferente leitura que ela própria faz, da prova produzida em audiência de julgamento. Como é consabido, o artigo 374º, nº2 do C.P.P. exige que depois da enumeração dos factos provados e não provados, a sentença contenha uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do Tribunal. Deste modo, uma decisão será nula quando se verifique qualquer das situações referidas nas alíneas a) a c) do nº 1 do art.º 379º do C.P.P ou seja: - não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art.º 374º do mesmo diploma legal (fundamentação, enumeração dos factos provados e não provados, decisão); - quando condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora das condições previstas nos art.ºs 358º e 359º do C.P.P. - alteração substancial ou não substancial -; ou quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Assim sendo, só a ausência total de referência às provas que serviram para fundamentar a decisão ou a omissão da indicação dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, é susceptível de integrar, a violação do comando ínsito naquele normativo legal e a consequente nulidade a que alude a alínea a) do nº 1 do art.º 379º do C.P.P., o que não se verificou no caso em apreciação. Por outro lado, facilmente se constata também que Sr. Juiz do Tribunal da 1ª instância explicita, de forma inequívoca, quais foram os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a sua convicção se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (para citar Marques Ferreira, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, pág. 228 e ss ). Mais, indicou igualmente quais foram as razões de direito que estiveram subjacentes à sua decisão. E, por último, todos estes elementos permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional que esteve na base da decisão do Tribunal recorrido. Apelamos, pois, aqui para a jurisprudência sobre a questão do exame crítico da prova, com a qual concordamos inteiramente: “(...) O que se pretende com a vinculação do tribunal à indicação das provas que serviram de base à sua convicção e ao seu consequente exame crítico, é a comprovação, por um lado, que o tribunal se não serviu de provas ilegais e, pelo outro, que a sua decisão não é arbitrária, ilógica, discricionária ou caprichosa (cfr. Ac. do STJ de 12.1.98, BMJ 474, I, 321)”. “Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico/mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (cfr. Ac. STJ de 13.11.97, processo nº 1002/97) (...)” Sem embargo, importa notar que a fundamentação não tem de se conformar com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada consoante as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias ou de pontos que hajam de ser esclarecidos, de forma a que sejam perceptíveis os motivos pelos quais a convicção do Tribunal se orientou num sentido e não noutro. O que se exige é que o Tribunal, a partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a sua convicção, enuncie as razões de ciência extraídas destas, os motivos porque optou por uma das versões em confronto, quando as houver, os motivos da credibilidade dos depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, de forma a permitir a reconstituição e análise crítica do percurso lógico que seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados. Em resumo, lendo a decisão recorrida, repete-se, é fácil constatar que ela cumpre minimamente os supra citados desideratos legais, sendo claramente perceptível o motivo pelo qual foi dado como provado que a arguida no circunstancialismo de tempo e de lugar descritos na sentença estava na posse de uma arma e que a mesma era proibida, bem sabendo a arguida dessa proibição e que a mesma era censurada penalmente. Por isso, voltando ao caso sub judice e tudo ponderado, também nós podemos concluir tal como o M.P, não assistir qualquer razão à arguida recorrente. Quanto ao valor da busca domiciliária, o T.I.C já tinha apreciado a questão levantada pela arguida, indeferindo a nulidade por ela suscitada e o Tribunal de Julgamento voltou a fazê-lo posteriormente, nos seguintes termos: “(…) Como é sabido no processo penal vigora o princípio da legalidade dos meios de prova, distinguindo-se as regras de produção da prova e as proibições de prova. As primeiras têm por objectivo disciplinar o modo e o processo de obtenção da prova, não determinando, se infringidas, a proibição de valoração do material probatório. Já as proibições de prova dão lugar a provas nulas de acordo com o artigo 38.º, n.º 2, da CRP, proibindo a lei portuguesa as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente e as provas que violem ilicitamente a privacidade. Trata-se, contudo, de um direito que não é absoluto uma vez que a nossa Lei Fundamental permite nos termos do disposto no art.º 34º, n.ºs 2 e 3o a violabilidade do domicílio de qualquer cidadão sempre que se verifiquem os pressupostos legais a que alude o CPP. Conforme decorre do art.º 174º e 177 do CPP as buscas podem ter lugar através de despacho judicial fundamentado, além do mais, em casos excepcionais de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou condutas que dolosamente se dirijam contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas, em que a entidade policial perante o grave risco para a vida ou integridade física de qualquer pessoa pode intervir sem qualquer mandato para tanto, acto cuja validação depende da imediata comunicação ao JIC para apreciação e validação, bem como em situações em que o visado nisso o consinta, devendo este ser documentado por qualquer forma. Ora in casu a arguida confirma que assinou o documento de busca domiciliária, mas que desconhecia o seu conteúdo e que não lhe foi comunicado ou explicitado o teor da busca que ocorreu de rompante sem a sua autorização, trata-se de documento que a arguida não tinha de assinar caso não concordasse com o seu teor e não resultou dos autos que estivesse numa situação de vis absoluta que a impossibilitasse de obstar a tal assinatura, aliás nem se percebe porque motivo e com que legitimidade se pode exigir a alguém que assine um documento em branco, ademais estamos ante uma jovem que se encontra a frequentar um curso de acção social que lhe dará equivalência ao 12º ano de escolaridade, ou seja não estamos ante uma pessoa iletrada e de um meio eminentemente rural que viva aquém de todo este tipo de realidades infelizmente comuns em grandes meios urbanos, ademais os agentes explicaram quais os seus procedimentos, realidades que nos levam a ter por inverosímil a versão da arguida. Acresce que, conforme decorre da economia do C.P.P, mormente do preceituado nos art.ºs 119º e 120º do mencionado diploma o legislador estabeleceu dois tipos de nulidades, as insanáveis e as que dependem de arguição oportuna sob pena de sanação. A lei não nos fornece um conceito de nulidade, referindo que a violação ou inobservância das disposições legais do processo penal pode determinar a nulidade do acto mas apenas se esta for expressamente cominada na lei. Em matéria de nulidades vigora, pois, o princípio da taxatividade, ou seja, só existem nulidades sanáveis, ou não, desde que previstas em normativo. Relativamente às insanáveis estas estão taxativamente indicadas no art.º 119º do C.P.P. E aí, na parte que ora nos interessa, prevê-se como nulidade insanável a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a comparência do arguido (al. c) do citado normativo). Quanto às sanáveis estão enumeradas no art.º 120º do CPP e no que ao caso importa serão nulidades dependentes de arguição a omissão de actos obrigatórios em inquérito, situação que deve ser arguida antes do acto estar terminado (nº 1, nº 2 d) e nº 3 a) do referido preceito). Ora in casu a arguida assinou o documento em causa, nada alegou sobre esta matéria e quando, com defensor já constituído, lhe foi proposto a suspensão provisória do processo, em momento algum se reportou a tal realidade. Trata-se, por isso, sob este enfoque, de alegação absolutamente extemporânea, aliás conforme já decidiu o STJ in Ac STJ de 8.2.95, CJ ano III, tomo I, pág. 194, a inobservância do disposto no nº 1 do art.º 177º no que respeita à falta de mandato do juiz para a busca domiciliária configura-se como nulidade relativa, cuja arguição está sujeita a prazo, nos termos do art.º 120 nº 3 do CPP, isto porque a nulidade da busca domiciliária, não se integra no art.º 119º daquele diploma legal. Termos em que se indefere a nulidade invocada dando-se como provados os factos imputados à arguida. (…)” Concordamos na íntegra com esta apreciação acabada de transcrever, nada havendo a censurar à mesma. Apesar de ter sustentado que não autorizou a busca realizada em sua casa, ou seja que não autorizou a deslocação dos senhores agentes da autoridade policial a entrarem na sua casa, onde em 3.8.2017 seria apreendida a arma proibida, a arguida não invocou essa alegada “irregularidade” atempadamente, isto é, não o invocou ainda no decurso do próprio acto antes de o mesmo findar, devendo e podendo fazê-lo, uma vez que a arguida estava presente (art.º 120º /3 /a ) do C.P.P). E tão pouco logrou trazer aos autos quaisquer factos que indiciassem não ter a mesma autorizado essa busca ou que permitisse abalar a convicção do Tribunal sobre o modo livre e esclarecido como a sua assinatura foi aposta no auto de busca – assinatura essa cuja validade e eficácia intrínseca não foram sequer em boa verdade, aqui postas em causa. Não tendo sido atribuída qualquer credibilidade à versão da arguida, pelas razões que ficaram expressas na decisão recorrida, não encontrou por isso o T.I.C razões para realizar quaisquer outras diligências de prova durante a instrução, sendo que aquele Tribunal é livre de as realizar ou não, podendo indeferir determinados actos de instrução que entenda não serem pertinentes para o apuramento da verdade, ao abrigo de um poder que lhe é conferido por lei (art.º 288º, 289º, 290º e 291º do C.P.P). Se a arguida não concordou com a decisão do T.I.C, deveria oportunamente ter dela reclamado hierárquicamente, o que não fez (art.º 291º/1/2 do C.P.P). Assim não nos afigura dever ser objecto de censura a decisão que o Tribunal de julgamento, em sede de sentença, formulou sobre esta matéria. *** Constatamos que a arguida baseia esta sua pretensão de ver declarada nula a busca domiciliária realizada, em considerações pessoais que ela própria formula quanto ao contexto em que a mesma teve lugar (considerações essas não traduzidas em qualquer facto julgado assente na matéria de facto provada) e quanto à autenticidade/credibilidade do depoimento prestado pelos agentes da P.S.P ST e TG (o que traduz já uma valoração da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, também ela inócua, porque inteiramente subjectiva). Mas podemos observar da simples leitura da sentença recorrida, que os agentes da P.S.P (ouvidos em audiência de julgamento a propósito da busca domiciliária) “explicaram os motivos da deslocação à residência da arguida, o facto de terem encontrado a arma eléctrica na sua casa que a mesma reconheceu como sendo sua e que a sua deslocação ao interior da casa foi autorizada pela arguida em termo por si assinado” Esses depoimentos foram analisados pelo Tribunal a quo de forma crítica e conjugada e foram considerados inteiramente credíveis, não tendo a arguida ora recorrente, logrado carrear para os autos qualquer facto susceptível de colocar em causa a credibilidade atribuída a tais depoimentos, a qual se mantém por isso intacta. Por outro lado, resulta da análise da prova documental existente nos autos (vde no processo, o auto de notícia por detenção de fls 1 a 3, o termo de autorização de busca de fls 9, o auto de apreensão de fls 10 e 11, e o auto de exame e avaliação de fls 12 a 15) que o consentimento para a realização da busca domiciliária prestado pela arguida foi completamente livre e esclarecido, pelo que a busca podia licitamente ter sido realizada no circunstancialismo que se mostra documentando nos autos, não existindo qualquer acto de intromissão na vida privada da arguida ou de terceiras pessoas (artigo 177º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal). Acresce ainda, que mesmo que na 1ª instância se tivesse comprovado (o que não foi o caso) ter a assinatura da arguida sido aposta no termo de autorização para a busca, em momento posterior e imediatamente subsequente à realização da busca isto é, o consentimento escrito ter sido prestado pela arguida num momento posterior à realização da mesma, tal poderia não ser relevante e não obstar à validade daquela busca, desde e quanto tivesse a referida busca sido autorizada pela arguida verbalmente. Com efeito, o que sucede na prática, segundo nos ensinam as regras da experiência, é que os arguidos normalmente antes do início da diligência prestam verbalmente o seu consentimento para a busca e só após a realização dessa busca e de terem prestado o seu consentimento de forma verbal, são solicitados a assinar o termo de autorização de busca, sem que esse procedimento torne a busca domiciliária nula. O consentimento do visado, livre esclarecido, tem de preceder a busca, podendo, todavia, ser prestado de forma verbal, impondo-se quando assim sucede que, ulteriormente, tal consentimento seja documentado. Neste sentido, por mais significativos: vde acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Dezembro de 1992 (Colectânea de Jurisprudência XVII-4-90); - acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Janeiro de 2000 (Colectânea de Jurisprudência XXV-1-137); - Paulo Pinto de Albuquerque (no «Comentário do Código de Processo Penal», Universidade Católica Editora, 2007, pp. 471/472, nota 15 ao artigo 174.º); - Cons. Santos Cabral (no «Código de Processo Penal Comentado», Almedina, 2014, pág. 736). Resulta da sentença recorrida (motivação da matéria de facto) que os agentes da P.S.P ST e TG afirmaram em juízo que a arguida T________ não foi convencida a assinar nada, e que a mesma autorizou a busca, sem levantar qualquer objecção, tendo assinado livremente, colaborando com a autoridade. Por isso, mesmo que a sua assinatura tivesse sido aposta no termo de autorização da busca a posteriori, isto é após a deslocação dos agentes da autoridade ao interior da sua casa (o que nem sequer ficou aqui demonstrado) entendemos que tal não iria inquinar a validade da busca realizada no contexto em que a mesma teve lugar, como acima já se referiu - veja-se neste mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 14.07.2015 Com esta sua alegação, o que no fundo a arguida vem fazer, reitera-se, é afinal a colocar em causa a valoração que foi feita pelo Tribunal a quo da prova produzida, esquecendo-se que no nosso sistema penal vigora um sistema de prova livre, em que ao julgador cabe a faculdade de poder apreciar e valorar a prova e fundar a sua convicção livremente, de acordo com o art.º 127º do C.P.P e não de prova vinculada. Melhor dizendo, analisada a sentença recorrida constata-se que nela estão indicados os factos provados e os não provados, as provas em que o Tribunal a quo se baseou para dar como assentes os factos, a análise critica dessas mesmas provas e, de seguida, os motivos de direito que fundamentam a condenação. Tudo em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 al. a) e b) do art.º 374º do C. P. Penal. Por seu turno, a decisão recorrida também não condenou a recorrente por factos diversos daqueles descritos na acusação e não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento. Não padece, pois, a decisão recorrida da apontada nulidade ou de qualquer outra. Improcede assim o recurso da arguida neste segmento. B) Da Impugnação da matéria de facto – vícios do art.º 410º/2 do C.P.P. A arguida veio ainda impugnar a matéria de facto provada, alegando não se ter feito qualquer prova de que a actuação da arguida tivesse sido dolosa e também que tivesse actuado com consciência da ilicitude da sua conduta. Por isso defende que a matéria de facto se encontra incorrectamente apreciada e que os meios de prova apresentados em juízo deveriam ter levado o Tribunal a quo a uma conclusão diversa, argumentando que a “arguida confirmou a propriedade da arma, a sua aquisição através de um site da internet e a assinatura do termo da busca, (…) alega contudo que não sabia da sua proibição afirmando que não sabia ser proibida a posse do equipamento que lhe foi apreendido nos autos” Sustenta, pois, que o Tribunal a quo laborou em erro, porquanto tendo a arguida alegado desconhecer a ilicitude da posse daquele tipo de arma não podia esse Tribunal ter concluído sem mais pela existência do dolo e como não ficou provado o dolo da arguida deve a mesma ser absolvida. Não assiste, porém, razão à recorrente. Com efeito, convém lembrar que “Na valoração da prova testemunhal deve o julgador aferir cuidadosamente da idoneidade daquele que depõe ou presta declarações, sendo imperioso proceder a um “ (... ) tratamento a nível cognitivo (...) , mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante as regras de experiência comum e conhecimentos científicos (...)” (ac. RC de 05.05.1999, www.dgsi.pt). E foram estas as regras seguidas pelo Tribunal a quo quando julgou a arguida ora recorrente conforme se pode extrair da leitura da sentença recorrida na parte relativa à fundamentação de facto e sua motivação. Na verdade, resulta da simples leitura da sentença que toda a prova constante dos autos e produzida em audiência de julgamento, foi analisada em obediência a critérios de experiência comum e de lógica do homem médio e é suficiente para fundamentar a decisão de facto que foi proferida. Sublinha-se também que “O Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (ou outra prova acrescentamos nós, nomeadamente documental e pericial) pode exibir perante si” (Ac. R.C. de 03.10.2000, C.J. ano 2000, Vol. IV, pág. 28). Recorde-se que o recurso da matéria de facto vem concebido pela lei como remédio jurídico e não como instrumento de refinamento jurisprudencial, como se o julgamento na primeira instância não tivesse existido. Isto é, o recurso em matéria de facto não visa a obtenção de um segundo julgamento sobre aquela matéria, sendo antes e apenas uma oportunidade para remediar eventuais males ou erros cometidos pelo Tribunal recorrido. Ou seja, a intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção “cirúrgica” no sentido de delimitada, restrita à indagação ponto por ponto da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação. Dito de outra forma, o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, antes sendo a forma de sanar os vícios de julgamento em primeira instância, como sejam, erro manifesto no julgamento nomeadamente no caso em que se dê como provado facto com base em depoimento de testemunha que não o afirmou, ou com base em depoimento de testemunha que declarar ter-lhe sido relatado por terceiro, com base em valoração de prova proibida. O recurso da matéria de facto não se destina, assim, a postergar o princípio da livre apreciação da prova, com consagração expressa no artigo 127º do C. Processo Penal. A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade e imediação presentes no decurso do julgamento em primeira instância. Aquela tem por limites as regras da experiência comum e a obediência à lógica, sendo que, se face à prova produzida, for possível mais do que uma conclusão, a decisão do Tribunal que, devidamente fundamentada, se basear numa das possíveis, é válida. Efectivamente, só o contacto directo com os depoentes na audiência de julgamento permite formar uma convicção que não pode ser reproduzida na documentação da prova, e logo, reproduzida em recurso. Nestes termos, importa sintetizar então que o erro de julgamento pode suscitar dois tipos de recurso: - um com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art.º 410º/2 do C.P.P (impugnação da matéria de facto em sentido restrito); - e outro que visa a reapreciação da prova produzida em audiência, ao abrigo do art.º 412º/3 do C.P.P (impugnação da matéria de facto em sentido lato). Dispõe o nº 3 do artigo 412º, do Código de Processo Penal, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas. Da análise do supra mencionado normativo resulta que o recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art.º 412º do C.P.P, tem que especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como indicar as provas que, no seu entendimento, impunham decisão diversa da recorrida e aquelas que devem ser renovadas. No caso presente, na sua motivação, a arguida ora recorrente embora se expresse no sentido de impugnar a matéria de facto provada que considera mal julgada, não indique de forma especificada quais os factos que considera mal julgados, nem indica de forma descriminada e especificada, quais as provas que em seu entender justificam decisão diversa (sendo certo que o depoimento da arguida não constitui um meio de prova com essa virtualidade, pelas especificidades próprias do seu estatuto já que não estão sujeitos a juramento e quando prestam declarações, podem não falar com verdade) e por fim tão pouco indica as provas que pretende ver renovadas, isto é reapreciadas. Ou seja, a recorrente apenas se referiu à matéria de facto que considerou incorrectamente julgada, limitando-se a fazer referências genéricas e considerações várias sobre as declarações proferidas pela própria quanto ao elemento subjectivo do tipo de crime que lhe foi imputado (aludindo de forma desenquadrada a “algumas frases” do seu depoimento as quais no seu entender deveriam ter sido valorados de outra forma), para defender não ter ficado provado o dolo. Com tais alegações, visou afinal a recorrente pôr em causa o processo de valoração da prova, efectuado pelo Tribunal a quo, pretendendo, no fundo, que a mesma prova seja valorada de acordo com a sua própria apreciação, esquecendo-se, contudo, que a prova é apreciada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade que julga – art.º 127º do C. P. Penal – e não de acordo com a apreciação que dela fazem os destinatários da decisão. Livre apreciação essa que não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objectivos, expressos através da motivação. Por isso, tudo visto, constata-se que in casu, não foi formulado qualquer pedido de impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412º/3 do C.P.P nem foram respeitados os requisitos de que depende tal pretensão. Não tendo a arguida cumprido o imposto pelo art.º 412º nºs 3 e 4 do C. P. Penal, está este Tribunal de Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (art.º 431º do CPP), a não ser no âmbito dos vícios a que alude o nº 2 do art.º 410º do C. P. Penal, matéria que se analisará infra. Vejamos então se assiste razão à arguida e se a decisão recorrida padece de qualquer um dos vícios do art.º 410º/2 do C.P.P. Como resulta da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do art.º 410º do C. P. Penal tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece. É unânime a jurisprudência no sentido de que só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º, nº 2, alínea a) Código de Processo Penal quando os factos declarados, provados forem insuficientes para a decisão fixada; ou, dito de outro modo, quando do acervo de factos vertido na sentença se constata faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados e julgados (provados ou não provados), são necessários para se formular um juízo seguro de condenação ou absolvição; ou, ainda, noutra formulação, quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal recorrido deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo, tal como este está configurado pela acusação e pela defesa. Ora tal como resulta claramente do texto da decisão recorrida, foram apurados todos os factos objectivos e subjectivos necessários para o preenchimento pela arguida do tipo de crime de detenção de arma proibida p.p no art.º 86º/1 alínea d) da Lei nº 5/2006 de 23.2 Como vem sendo orientação dos Tribunais superiores, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde como uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão de facto tomada e a demonstração de tal insuficiência não pode emergir da mera discordância em relação à forma como o Tribunal recorrido terá apreciado a prova produzida. Porém como se vê das conclusões do recurso da arguida, o que esta arguida recorrente manifesta é, exclusivamente, a discordância em relação à valoração que o Tribunal a quo fez dos diversos elementos de prova para neles alicerçar a decisão sobre os factos provados e não provados. Nestes termos, não se apontando em concreto qualquer omissão da matéria de facto, que pudesse impedir a decisão jurídica, tal como ela foi proferida, não padece a decisão recorrida deste vício, uma vez que ficaram demonstrados todos os factos objectivos e subjectivos que integram o tipo de ilícito em causa, conforme o descrito na matéria de facto provada sob os pontos 1. a 3 da sentença recorrida. Por sua vez, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição ocorre entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão (alínea b) do nº 2 do art.º 410º do C.P.P). Analisada atentamente o texto da decisão recorrida não vislumbramos em nenhuma parte qualquer destas contradições. O erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410º nº 2 c) do C.P.P, configura-se quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum. O erro notório na apreciação da prova tem pois que resultar impreterivelmente do próprio teor da sentença, existe este erro, quando considerado o texto da decisão recorrida por si só ou conjugado com as regras de experiência comum se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal. Ocorre este vício quando se dão por provados factos que face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzem uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e por isso incorrecta, quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do “in dubio” (cfr Ac. do S.T.J de 24.3.2004 proferido no processo nº 03P4043 em www.dgsi.pt, Ac. do S.T.J 3.3.1999 in proc 98P930 e Ac. da Rel. Guimarães de 27.4.2006 in proc. 625/06) ou quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de “leges artis” (cfr Ac. da Rel.Porto de 2.2.2005 no proc.0413844 e da Relação de Guimarães de 27.6.2005 no proc. 895/05-1ª). Ora a arguida não apontou à decisão recorrida qualquer falha ou deficiência que determine a existência deste vício, limitada à letra da sentença, nem ele aí se encontra numa apreciação oficiosa, pelo que também terá de improceder a impugnação da matéria de facto, assim configurada. O que afinal a arguida refere, na realidade, é que discorda da forma como a prova foi considerada a propósito dos factos apurados e julgados assentes. Mas a decisão da matéria de facto tem de resultar da análise conjunta e avaliação crítica de toda a prova produzida em audiência (testemunhal/documental e pericial) e não apenas de segmentos fragmentados dessa mesma prova. Por outro lado, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova que domina o nosso sistema (por oposição ao regime da prova legal) não existem normas que determinam o valor ou a eficácia probatória a atribuir a cada meio probatório. Nessa medida a atribuição de maior força a um meio de prova depende apenas da convicção do julgador, desde que se mostre de acordo com a experiência comum. Assim, as declarações produzidas em audiência de julgamento pela arguida, foram livremente valoradas pelo Tribunal de 1ª instância, o qual decidiu que a sua conduta ilícita (de detenção livre e voluntária do sistema portátil alimentado por fonte energética e destinado a produzir descarga eléctrica que lhe foi apreendido em 3.8.2017, bem sabendo a arguida ser não autorizada essa detenção e por isso penalmente censurada a mesma), se encontrava comprovada pela análise crítica e conjugadas de todos os meios de prova produzidos em julgamento. Na realidade, será sempre o Tribunal a quo o mais apto para apreciar a prova, pois é este que ouve e vê as testemunhas, as suas reacções, as suas pausas, os seus gestos. O local e o momento onde por excelência se aferem e podem ser apreciadas valorativamente e criticamente as provas, é a audiência e julgamento em que o julgador dispõe de melhores condições para apreciar de perto a prova que se vai produzindo (princípio da imediação da prova), ou a falta dessa prova. Por isso, sempre que a convicção do julgador seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova. Exactamente na medida em que a prevalência deve ser dada à decisão que foi proferida numa relação de maior imediação, proximidade e espontaneidade com a sua própria produção e porque os recursos de facto apenas se destinam realmente a suprir os erros de julgamento, não basta que aquela versão alternativa proposta pelo arguido igualize em termos de convencimento e de justificação a do Tribunal de 1ª instância, antes se exige que a suplante. No caso em apreço, a decisão recorrida, encontra-se suficientemente fundamentada, oferecendo um raciocínio linear, lógico e perceptível, não se vislumbrando qualquer incorrecta apreciação da prova, nomeadamente quanto à medida e extensão da credibilidade que mereceram (ou não) as declarações prestadas pela arguida e pelas testemunhas ouvidas em julgamento, em conjugação com a prova documental produzida. O exame crítico das provas tem como finalidade impor que o julgador esclareça quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, para que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. Ora no caso presente, afigura-se-nos resultar da simples leitura da sentença que toda a prova constante dos autos e produzida em audiência de julgamento, foi analisada em obediência a critérios de experiência comum e de lógica do homem médio e é suficiente para fundamentar a decisão de facto que foi proferida, conforme passagem a seguir transcrita (com sublinhados nossos): “O tribunal formou a sua convicção com base no depoimento dos agentes LL, ST e TG, os primeiros explicaram os motivos da deslocação à residência da arguida, o facto de terem encontrado a arma eléctrica na sua casa que a mesma reconheceu como sendo sua e que a sua deslocação ao interior da casa foi autorizada pela arguida em termo de busca por si assinado. O agente TG explicou o funcionamento da arma e o seu carácter proibido. A arguida confirmou a propriedade da arma, a sua aquisição através de um site da internet e a assinatura do termo de busca nega contudo que tivesse autorizado a busca domiciliária e que o documento que assinou lhe fosse explicado o seu conteúdo ao dado a conhecer tal conteúdo, uma vez que o assinou com a mão do agente em cima da folha em branco e a exigir que o fizesse. Reportou-se ainda á sua situação pessoal. O tribunal ateve-se ainda no teor do auto de notícia por detenção, fls. 1 a 3, termo de autorização de busca, fls. 9, auto de apreensão, fls. 10 e 11, auto de exame e avaliação, fls. 12 a 15, relatório pericial de fls. 92 a 94, CRC de fls. 136. * Face ao teor da prova documental e testemunhal não há a menor duvida que a arguida estava na posse de uma arma e que a mesma, como infra se referirá é proibida, alega contudo a arguida que não sabia da sua proibição, ora se é certo que o dolo se reporta a uma realidade interior do agente resulta da materialidade da infracção que a arguida não podia deixar de saber do caracter proibido da sua conduta, na realidade trata-se de um dispositivo que emite descargas eléctricas cujo único propósito é o de atordoar momentaneamente uma pessoa colocando-o na impossibilidade de resistir, ou seja trata-se de um objecto claramente bélico sem qualquer outra aplicação conhecida e que é sobejamente conhecido tratar-se de objecto usado pelas forças de segurança, realidades que não podiam deixar de ser do conhecimento da arguida, não se trata de uma arma de ornamentação, nem de outro uso ou aplicação definida susceptível de causar duvidas sobre a proibição da sua posse.(…) Esta valoração da prova feita pelo Tribunal a quo é perfeitamente legítima quanto a nós, não sendo violadora das regras da experiência e da lógica sendo que o S.TJ tem vindo a entender ser a prova indirecta admissível em determinado circunstancialismo, desde que conjugada com outros meios de prova, o que sucedeu no caso presente. Assim, no caso presente e contrariamente ao invocado pela recorrente não vislumbramos que da prova produzida em julgamento, pudessem resultar outros factos que não aqueles que o Sr. Juiz deu como assentes na 1ª instância. Julgamos que os factos provados e descritos na fundamentação da sentença foram suficientes, para que se pudesse concluir ter a arguida T________ , com a sua actuação preenchido objectiva e subjectivamente todos os elementos do tipo de ilícito de detenção de arma proibida, pelo qual foi condenada, não restando dúvidas quanto à natureza dolosa da sua conduta. O valor da prova testemunhal, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado à arguida, foi, em nosso entender, bem apreciada face à sua credibilidade intrínseca, ou seja, a sua idoneidade e autenticidade. E toda esta prova testemunhal foi conjugada com a análise da prova documental que se encontra mencionadas na sentença (nomeadamente o auto de notícia por detenção de fls 1 a 3 , o termo de autorização e busca de fls 9, o auto de apreensão de fls 10 e 11, o auto de exame e avaliação de fls 12 a 15, o relatório pericial de fls 92 a 94 e o C.R.C de fls 136), na parte dedicada à fundamentação da matéria de facto. Desta forma se constata que toda a prova produzida foi analisada criticamente e de acordo com as regras da experiência comum, e é, repete-se, suficiente, para fundamentar a factualidade dada como provada pelo Tribunal de 1ª instância, e ainda que a T________ agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo proibida por lei a sua conduta. Na verdade, o crime de detenção de arma proibida é um crime de realização permanente e de perigo abstracto, em que o que está em causa é a própria perigosidade das armas, visando-se, com a incriminação da sua detenção, tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas. O que se pune, através da disposição incriminadora violada é a detenção – fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente – de armas de fogo, de munições ou de instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão – art.º 86º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei 5/2006, de 23/2. Voltemos então ao caso concreto e à análise da questão de saber se a conduta da arguida preencheu ou não os elementos subjectivos do crime em causa. Veio alegar a arguida que desconhecia o carácter proibido do sistema portátil alimentado por fonte energética e destinado unicamente a produzir descarga eléctrica, momentaneamente neutralizante da capacidade motora humana, vulgarmente conhecido por “arma eléctrica”. Não sendo o crime em causa punível a título de negligência (art.º 13º do Código Penal), importa situar-nos na análise do tipo subjectivo do crime doloso de acção e/ou de omissão, que se desdobra, muito sinteticamente, nas bem conhecidas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional, respectivamente correspondentes, ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto, sendo esta a estrutura do crime, especificamente no que ao dolo diz respeito, de todo o crime, por mais simples ou menos grave que seja, incluindo, aquele pelo qual a arguida estava acusada. Ao se dar como provado que a arguida sabia que a posse da referida arma apreendida em 3.8.2017, era proibida por lei, tal implica que o supra referenciado elemento cognoscitivo ou intelectual do dolo, correspondente ao conhecimento do desvalor do facto, está presente no espírito da arguida e foi dado como provado – consideramos por isso algo redundante, sob o ponto 3 da sentença, vir depois dar ainda como assente que a mesma “actuou livre, consciente e deliberadamente”, até porque tal expressão vem a ser seguida da expressão “ciente de que não lhe era autorizada a detenção da referida arma, por ser penalmente proibida e punida”. Ficou, pois, claramente assente em julgamento que a arguida bem sabia que a detenção dessa arma acima identificada era proibida e punida por lei e não obstante quis detê-la. O que redunda como suficiente para cumprir as exigências de descrição do facto (doloso e numa das modalidades mais gravosas previstas no art.º 14º do Código Penal) passível de sanção penal. E nem se queira convencer este Tribunal ad quem, como pretendeu a arguida fazer, que apesar de ser conhecedora das características da arma e do seu funcionamento, não tinha consciência de que tal arma era proibida – porquanto na data dos factos, a arguida tinha 20 anos estava a frequentar um curso que lhe daria equivalência ao 12º ano, e assim sendo, a sua instrução era seguramente acima da média para a sua idade, não sendo como tal plausível invocar em seu benefício tal ignorância (tal como se pode ler na sentença “(…)não estamos perante uma pessoa iletrada e pertencente a um meio rural que viva aquém de todo este tipo de realidades infelizmente comuns em grandes meios urbanos (…).) Pensamos pois que o elemento da consciência da ilicitude não deixa de estar enunciado na formulação que foi adoptada pela acusação e confirmada pelo Tribunal em julgamento: “A arguida não justificou a posse de tal objecto, sendo certo que não tinha quaisquer motivos para o deter naquele circunstancialismo de tempo, modo e lugar, bem sabendo as características do mesmo” e ainda “agiu deliberada, livre e conscientemente, ciente de que não era autorizada a detenção da referida arma, por ser penalmente proibida e punida”. Nesse sentido, na sentença encontramos a descrição desse elemento subjectivo do tipo que ficou provado, o qual resultou do facto de o agente querer e saber que comete o crime pelo qual vem acusado, devendo por isso a base factual abranger esses domínios estruturantes do dolo – a intenção do cometimento do facto típico e ilícito e o conhecimento desse cometimento nesses moldes – sem os quais se tornaria impossível a consequente imposição do direito. Tudo visto, no entendimento deste Tribunal de recurso a consciência da ilicitude está presente, para a natureza do crime de mera detenção aqui em causa, no conhecimento, para a arguida, das características do objecto (arma) em causa, em a mesma saber que essa detenção era proibida e punida por lei e na vontade manifesta dessa intenção (“não obstante quis detê-lo”). Em todas essas dimensões subjectivas de conhecimento e vontade, está presente a aludida consciência da ilicitude. Pelo que não se aceita a invocação de que o Tribunal a quo errou quando deu como provado o dolo e a referida consciência da ilicitude. Assim, a conclusão que o Sr. Juiz “a quo” alcançou quanto à verificação dos factos imputados à arguida e que a conduta desta preencheu todos os elementos típicos do crime aqui em presença é logicamente aceitável e, como tal, não nos merece qualquer censura. A sentença recorrida cumpre quanto a nós, todos os requisitos legalmente exigíveis, evidenciando capacidade de síntese e de concisão na descrição dos factos e sua qualificação jurídica, bem como na indicação dos meios de prova que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal. A sentença foi elaborada de acordo com a prova produzida em julgamento, sem qualquer insuficiência, erro, contradição ou outra nulidade, nele se fazendo correcto enquadramento jurídico-penal dos factos dados como assentes, fixados estes em conformidade com os depoimentos e demais prova constante dos autos. E de acordo com a já mencionada regra consagrada no art.º 127º do Código de Processo Penal, o Sr. Juiz do Tribunal de 1ª instância é livre – obviamente, com as condicionantes resultantes da necessária coerência da própria decisão, da conformidade desta com a prova produzida em julgamento e em obediência às regras normais da experiência – de apreciar e valorar a prova, dando credibilidade, ou não, ao que no decurso das sessões é dito por arguidos e testemunhas. In casu, não se vislumbra qualquer contradição entre os factos dados como provados e os não provados ou com os depoimentos ouvidos no julgamento; as conclusões a que chegou o Tribunal a quo mais não são do que o corolário lógico da análise dos elementos de prova recolhidos ao longo do inquérito e produzidos em audiência. Em suma, os agentes da PSP ouvidos como testemunhas em audiência, viram o suficiente e prestaram um depoimento consistente e coerente entre si, para que o Tribunal de 1ª Instância se convencesse da culpabilidade da arguida ora recorrente. Reitera-se pois que a decisão da matéria de facto tem de resultar da análise conjunta e avaliação crítica de toda a prova produzida em audiência (testemunhal e documental) e não apenas de segmentos fragmentados dessa mesma prova – ou seja, as declarações proferidas pela arguida e pelas testemunhas não podem ser apreciadas de forma isolada e desgarrada, como a recorrente faz neste seu recurso, mas sim na sua globalidade e de forma conjugada. Por outro lado, tal como já acima ficou dito, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova que domina o nosso sistema (por oposição ao regime da prova legal) não existem normas que determinam o valor ou a eficácia probatória a atribuir a cada meio probatório. Nessa medida a atribuição de maior força a um meio de prova depende apenas da convicção do julgador, desde que se mostre de acordo com a experiência comum. No caso em apreço, a decisão recorrida, encontra-se pois suficientemente fundamentada, oferecendo um raciocínio linear, lógico e perceptível, não se vislumbrando qualquer incorrecta apreciação da prova, nomeadamente quanto à medida e extensão da credibilidade que mereceram (ou não) as declarações prestadas pela arguida e agentes da P.S.P durante o julgamento, em conjugação com todos os outros elementos de prova. É pois claro para nós, conforme se pode ler no texto da sentença recorrida, que o Tribunal a quo formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, declarações da arguida, prova testemunhal e documental. Estamos, pois, em sede de um certo poder discricionário do Juiz, que “só pode ser atacado em função de vícios típicos endógenos da sentença ou erros de direito, ou claros erros de julgamento”, os quais no caso presente não existem. Nada, pois, a apontar ao processo de valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, mais concretamente no que se refere às declarações dos agentes da P.S.P ouvidos em audiência, o qual é perfeitamente compatível com as regras da experiência comum - pelas razões enunciadas na sentença e supra referidas às quais aderimos por inteiro. Nada a apontar, pois, portanto, quanto aos factos provados e não provados os quais se mostram, bem julgados, de acordo com a apreciação crítica das provas produzidas em audiência e analisadas conjugadamente com as regras da experiência comum. Concluindo, face a tudo o acima exposto, o que no fundo transparece do recurso da arguida da sua respectiva fundamentação, repete-se, é que esta discorda da leitura ou apreciação da prova que foi feita pelo Tribunal a quo e como é sabido, essa simples discordância não pode servir de fundamento para motivar um recurso. A discordância do recorrente, acerca dos termos em que o Tribunal recorrido formou a convicção determinante da aquisição do provado e do não provado, não procede porque citando a jurisprudência constante do Ac. da Relação de Coimbra de 6.3.2002 in C.J II, 44: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum” A arguida socorreu-se não do texto da decisão para fundamentar esta impugnação, mas de considerações acerca daquilo que entende ter sido a prova produzida, confundindo o “erro notório na apreciação da prova” com “valoração da prova” que constituem realidades completamente distintas, para concluir ter existido por parte do Tribunal a quo, uma “valoração deturpada” dessa prova. Porém, como acabámos de ver, não se vislumbra da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido e da respectiva fundamentação acima reproduzidas, qualquer apreciação de prova que resulte ser manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, denunciando a existência de um erro notório evidente para um cidadão comum ou um jurista com preparação normal. Ou que tivesse sido dado como provado algum facto com recurso a provas proibidas ou a métodos proibidos de prova, violando qualquer das regras que disciplinam esta matéria nos artigos 124º a 139º do C.P.P e conduzindo por essa via a uma prova ilegal. Pelo contrário, entendemos, sublinhando o acima já expresso, que a fundamentação da matéria de facto está estruturada de forma respeitadora dos diversos critérios legais e designadamente do art.º 127º do C.P.P, não sofrendo de vício algum, nomeadamente dos vícios previstos nas várias alíneas do nº 2 do art.º 410º do C.P.P ou de qualquer outro. Bem andou assim o Tribunal a quo, quando decidiu depois de valorada toda a prova de forma crítica, dar como assente que a arguida preencheu objectiva e subjectivamente com a sua conduta, da forma que ficou descrita na sentença recorrida, todos os elementos do tipo de crime de detenção de arma proibida pelo qual foi condenada. Mostram-se assim bem julgados os factos que integram essa conduta típica e ilícita, de acordo com as provas produzidas e analisadas conjugadamente com as regras da experiência comum. Improcede, assim na íntegra, a impugnação da matéria de facto. C) Da determinação da medida concreta da pena No que respeita à fundamentação da escolha e determinação da medida da pena o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão do seguinte modo (com sublinhados nossos): “A escolha e determinação da medida da pena obedece às disposições dos art,ºs 40.º, 70.º e 71,º, do Código Penal. Dispõe o art.º 70º do Cód. Penal que “se ao crime foram aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” Impõe assim o legislador que existindo alternativa entre a medida privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dê preferência à segunda sempre que esta proteja os bens jurídicos e permita a reintegração do agente na sociedade. No presente caso as necessidades de prevenção geral não podem deixar de ter-se como acentuadas, em face do grande número de crimes desta natureza são praticados com elevado sentimento de impunidade. Quanto às necessidades de prevenção especial atenta a situação pessoal da arguida, estas não se revelam acentuadas, pelo contrário, motivos pelos quais o tribunal opta pela pena de multa. Na determinação concreta da pena deve o tribunal atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente (cfr. art.ºs 47.º, n.º 1, e 71.º, do Código Penal). Assim tomar-se-á em consideração, as circunstâncias em que correram os factos, o facto de a arguida deter um objecto cuja característica conhecia, tendo perfeito conhecimento que a utilização da mesma é um facto propiciador de alarme social, mostrando-se por isso elevadas as razões de prevenção geral. A existência de antecedentes criminais, mas de pouca relevância por se tratar de ilícito absolutamente distinto do destes autos, a sua inserção social e familiar, o dolo que é directo e se queda adentro da mediania. * Tudo ponderado, entende-se ser fixar à arguida uma pena de 180 dias de multa. A segunda operação com vista à determinação do quantum pecuniário da pena de multa prende-se com a fixação do quantitativo diário, através do qual, porque se trata de uma pena pecuniária, se dá tradução ao “princípio da igualdade de ónus e sacrifícios” (Figueiredo Dias, Direito, cit., p. 128). O quantitativo diário de cada dia de multa fixa-se em função da situação económico - financeira do arguido e dos seus encargos pessoais (art.º 47º, nº 2, do Código Penal), não devendo, contudo “ser doseada por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13- 07-1995, in Colectânea de Jurisprudência, ano XX, tomo IV, p. 48). Ora no caso dos autos face à situação económica da arguida (nº2 do art.º 47), se fixa-se esse valor à taxa diária de €5,00, num total de €900,00.” A arguida defende que o Tribunal a quo ao decidir aplicar-lhe uma pena de multa de 180 dias, à taxa diária de cinco euros (5 €) violou o preceituado no art.º 40º/2 71º/2/a) do C.P, traduzindo-se tal sanção numa pena demasiado severa, atenta a factualidade apurada, a culpa do agente, a ilicitude, os seus antecedentes, as suas perspectivas de reinserção social, bem como o universo de condenações em Portugal, por estes e outros crimes cfr sustenta nas suas conclusões, e a seguir aqui se deixa transcrito (com sublinhado nosso): “A Recorrente é uma jovem integrada social e familiarmente, que se encontra a estudar. Vive com a mãe e um irmão menor, sendo que não tem fonte de rendimento própria e, muito embora tenha “antecedentes criminais, mas de pouca relevância por se tratar de ilícito absolutamente distinto do destes autos”. Assim, in casu, face às circunstâncias da recorrente, sempre seria suficiente, adequada e proporcional, a aplicação de pena no mínimo legal, em obediência ao artigo 40º CP. Pelo exposto considera a recorrente terem sido violados, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso, tendo por justa e adequada a aplicação à recorrente de uma pena igual ao mínimo legal. Decidindo, dessa forma, entendemos que essa decisão aplicável seria mais justa e sempre preencheria os fins das penas.” Pede assim que seja alterado o quantum da pena de multa e lhe seja fixada a mesma no ponto mínimo da respectiva moldura legal abstracta, por tal sanção se adequar mais à medida da sua culpa. O M.P quer na 1ª instância, quer neste Tribunal da Relação concordam com a medida concreta da pena que foi aplicada pelo Tribunal a quo, a qual consideram justa, adequada e bem fundamentada. Quid Juris? Este crime é punível, em abstracto, com pena de prisão de 30 dias até 4 anos ou com pena de multa de 10 até 480 dias. Na realidade tal como se pode ler na sentença “A Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro que aprovou o novo regime jurídico das armas e munições e que entrou em vigor nos 180 dias subsequentes à sua publicação, já foi alterada pelas leis nºs 17/2009, de 6 de Maio (in DR Série 1, nº 87) e 12/201 1. de 27 de Abril (in DR Série I, n.º 81) tendo sofrido nova alteração em 2013, por via da Lei nº 50/2013, de 24 de Julho Trata-se de objecto qualificado como arma eléctrica de classe E, e é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, tudo nos termos nos art.ºs 86.º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência ao art.º 2º, nº 1, alínea o), com as alterações introduzidas pela Lei nº 17/2009, de 6 de Maio e Lei nº 12/2011, de 27 de Abril e pela Lei nº 50/2013, de 24 de Julho.” Constituem finalidades das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art.º 40º nº 1 do mesmo diploma legal. A determinação da medida da pena será efectuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em vista a protecção do bem jurídico em causa e a reintegração do agente na sociedade. Atender-se-á igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Em caso algum a pena ultrapassará a medida da culpa do agente, esta vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da acção praticada (art.ºs 40º e 71º, ambos do Código Penal). Serão tidas em conta as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial. A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada. A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente. O Sr. Juiz do Tribunal a quo, optou pela aplicação à arguida de uma pena não privativa da liberdade que graduou sensivelmente abaixo do ponto médio da respectiva moldura legal abstracta, por entender que tal pena satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial que o caso suscita e é adequada à culpa da arguida. E nestes termos, a arguida T________ foi condenada, como se disse, pela prática em 3.8.2017 de um crime de detenção de arma proibida p.p no art.º 86º/1 alínea d) da Lei nº 5/2006 de 23.2 na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de cinco euros (5 €). No que respeita à medida da pena, tendo presentes os factos provados e as considerações jurídicas acima reproduzidas, entendemos que a pena de multa graduada em 180 dias – um pouco acima de 1/3 do limite máximo previsto na lei – mostra-se bem doseada, em função da culpa da arguida e das exigências de prevenção geral e especial, e o Tribunal a quo na fixação do quantum da pena concreta teve em atenção todos os factores que nos termos legais devem ser ponderados, nomeadamente as circunstâncias a que alude o nº 2 do art.º 71º do C. Penal. Na verdade, como circunstâncias que depõem contra a arguida temos o dolo directo e de intensidade mediana e as elevadas razões de prevenção geral atento o modus operandi: a arguida declarou ter adquirido na net a referida arma, bem sabendo que a mesma pelas suas características era susceptível de colocar em perigo a segurança das pessoas e que a sua utilização constitui um factor propiciador de alarme social, sendo elevado o número de casos que essas aquisições são praticadas do mesmo modo, com elevado sentimento de impunidade por parte dos agentes (que abdicam dessa forma do contacto directo com um fornecedor/vendedor físico); as reduzidas exigências de prevenção especial (dada a sua jovem idade, inserção social e familiar e antecedente criminal por condenação em crime de distinta natureza) cfr resulta do C.R.C de fls 136 - a arguida já respondeu em Tribunal, tendo sido condenada numa pena de 50 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, substituída por prestação e trabalho a favor da comunidade, por sentença transitada em julgado em 20.6.2016 referente à prática em 4.5.2016 de um crime de condução sem habilitação legal, não apresentando condenações pela prática de ilícitos da mesma natureza do tipo de crime objecto destes autos); e por fim a sua postura em julgamento, não tendo aí revelado qualquer arrependimento, nem elaborado qualquer juízo de censura pelos factos praticados. A favor da arguida temos, pois, unicamente a ausência de antecedentes por crimes da mesma natureza e a sua situação de vida em termos pessoais e económicos (integração social e familiar cfr. o provado sob os pontos 4. a 7). Tudo visto e ponderado, em relação à medida concreta da pena de prisão, conclui-se que a mesma se mostra adequadamente fixada, sendo conforme ao grau de culpa por ela manifestada no caso presente, conforme supra referido, respondendo plenamente às exigências de prevenção geral e especial que o caso suscita, sendo de manter em qualquer circunstância, pelo que improcede também nesta parte o recurso da arguida. Improcede, assim na íntegra, o presente recurso. III. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes nesta Relação de Lisboa, em: a) Julgar não provido o recurso interposto pela arguida T________, mantendo-se integralmente o decidido em 1ª instância. b) Custas a cargo da arguida recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs. Lisboa, 27 de Maio de 2020 Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final (art.º 94º, nº 2 do CPP). Ana Paula Grandvaux Barbosa Maria Perquilhas |