Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
359/18.3JELSB.L1-3
Relator: MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS SILVA
Descritores: PENA DE EXPULSÃO
TRÁFICO
CORREIO DE DROGA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS
Sumário: A pena de expulsão é de apreciação casuística.
Tal pena impõe-se, por regra, na situação de tráfico de estupefacientes por estrangeiros não residentes em Portugal, na medida em que a sua deslocação ao país foi unicamente destinada ao cometimento de um crime.
Em causa está a defesa da saúde pública dos cidadãos nacionais, interesse prevalecente face ao direito de livre circulação
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório:
Em processo comum, com intervenção do Tribunal colectivo, foram julgadas as arguidas:
- YJ…, solteira, vendedora, filha de JI… e de TC…, nascida em …/10/1995, em Mérida, Venezuela, de nacionalidade venezuelana, residente em …, Mérida, Venezuela, e presa preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional de Tires; e
- JL…, solteira, vendedora, filha de JR… e de MG…, nascida em …/01/1989, em Cúcuta, Colômbia, residente em Avenida …, n.° …, La Merced, Cúcuta, Colômbia, e presa preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional de Tires.
- MA…, solteira, manicura, filha de AE… e de ME…, nascida em …/04/1998, em Varina, Venezuela, residente em Calle …, entre … e …, Centro Socopó, Venezuela, e presa preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional de Tires.
As arguidas não apresentaram contestação.
Todas as arguidas recorreram do acórdão proferido.
Y… e J… concluíram o recurso nos seguintes termos:
« A- As recorrentes foram condenadas pela prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.° 21.°, n.° 1, do DL n.° 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B ao mesmo anexa, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de expulsão de Portugal pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do disposto nos arts. 34.°, n.° 1, do DL n.° 15/93, de 22.01, e 151.°, n.° 1, da Lei n.° 23/2007, de 04.07.
B- Foram dados como provados, nomeadamente, os seguintes factos:
"1. Na sequência do acordado com indivíduos cuja identidade se ignora, as arguidas aceitaram transportar cocaína desde o Brasil até Lisboa por, para tanto, ter sido prometida a cada uma a entrega de quantia correspondente a cerca de €2.000,00;"
"11. As arguidas conheciam a natureza e características estupefacientes do produto que introduziram em Portugal pela forma antes descrita;"
"15. As arguidas tinham conhecimento dos factos acima descritos e, ainda assim, quiseram agir pela forma mencionada, sabendo que a respectiva conduta era proibida e punida por lei;"
C- Dando cumprimento à normatividade plasmada no n.° 3, als. a) e b) do art.° 412° do C.P.P., consideram as ora recorrentes, que existe violação do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.° 127° do C.P.P..
D- Nenhuma das Recorrentes confessou integralmente, sem reservas e de livre vontade os factos constantes da acusação, pondo em causa os factos relativos ao conhecimento de estarem a transportar droga/cocaína.
E- O tribunal a quo refere uma contradição nos depoimentos das Arguidas quanto ao facto de estarem juntas ou não quando abriram um dos pacotes de café.
F- Segundo, o tribunal a quo, "esta contradição, conjugada com o local de onde as três arguidas eram provenientes, com os concretos contornos da proposta de transporte que lhes foi feita e com a forma de acondicionamento da substância em causa, em pacotes de café (...) aquelas tinham necessariamente de saber que transportavam produto estupefaciente".
G- Não entendem as recorrentes a relevância da contradição.
H- Estando as três arguidas presentes ou não, este facto não tem relevância na medida em que as três tinham conhecimento de que a arguida J… tinha aberto o referido pacote e que o produto contido cheirava a café, tinha cor e textura de café. (Cfr. gravação 20190625105236_19786585_2871059, minuto 10'18 a 10'43, minuto 10'58 a 15'13).
I- As recorrentes nunca falaram em cocaína entre elas (Cfr. gravação 20190625105236_19786585_2871059, minuto 15'17 a 15'25).
J- As recorrentes não pensaram em produto estupefaciente.
K- As recorrentes sempre falaram em "algo de errado", "algo de mal", "algo de ilícito" (Cfr. gravação 201906251 03735_19786585_2871059, minuto 8'12 a 9'00 e minuto 9'16 a 9'59, gravação 20190625105236_19786585 _2871059, minuto 11'27 a 11'45),
L- As recorrentes sempre puseram em causa o facto de conhecerem a natureza e características estupefacientes do produto.
M- As recorrentes não conseguiram concretizar nem mencionar o que poderia estar dentro dos pacotes de café porque as recorrentes não têm conhecimento do meio do tráfico de estupefacientes, dos modos de dissimulação ou dos vários tipos de tráfico que possam existir, nem têm que ter.
N- As recorrentes não tiveram plena consciência da ilicitude das suas condutas.
O- De acordo com o raciocínio da motivação da decisão, as recorrentes tinham necessariamente que saber o que se encontrava nos pacotes de café.
P- A argumentação vaga da motivação da decisão de facto serve para todo o tipo de tráfico independentemente do produto escondido, o que não é aceitável.
Q- Qualquer tráfico tem contornos parecidos ou semelhantes.
R- A verdade é que as recorrentes não sabiam que transportavam cocaína e por isso não "aceitaram transportar cocaína".
S- Desta forma, o facto 1. foi erradamente dado como provado.
T- Não é comum correios de droga, que saibam o que transportam, abrirem pacotes onde se encontra acondicionado o produto estupefaciente, para se certificarem do seu conteúdo.
U- O produto que se encontrava dentro dos pacotes cheirava a café, tinha a cor do café e sua textura,
V- As recorrentes não tiveram plena consciência do alcance da gravidade da sua conduta.
W- Perante o que foi dito, as declarações das recorrentes impõem decisão diferente quanto ao facto 11 que foi dado como provado, bem como no tocante ao facto 15.
X- A arguida MA… declarou aquando do seu primeiro interrogatório judicial que não sabia que era cocaína, mas que sabia que o produto era droga.
Y- Considerando as declarações da referida arguida como verosímeis, o tribunal a quo estendeu às recorrentes as mesmas conclusões.
Z- Essa conclusão viola as regras da experiência comum.
AA- Com efeito, cada uma das arguidas tem capacidades cognitivas diferentes.
BB- Se a referida arguida sabia que se tratava de droga, não significa que as recorrentes tinham de o saber.
CC- Se a arguida sabia que se tratava de droga, a verdade é que a mesma nunca comunicou tal facto às recorrentes, até porque as três arguidas nunca falaram de cocaína entre elas.
DD- O tribunal a quo devia ter em consideração a versão das recorrentes cujas declarações são credíveis.
EE- Se uma das arguidas declarou saber que se tratava de droga, não se pode estender, automaticamente, às recorrentes, as afirmações daquela que apenas lhe diziam respeito.
FF- Assim, o tribunal a quo valorou a declaração de uma arguida que só concerne a própria, contra as recorrentes sem direito ao contraditório.
GG- A livre convicção não pode ser confundida com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido de responsabilidade e bom senso.
HH- O art.° 127° do C.P.P. indica um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
II- A decisão de facto mostra-se no entender das recorrentes ilógica e violadora das regras da experiência comum.
JJ- As recorrentes consideram que a convicção do tribunal a quo violou as regras da experiência comum.
KK-Assim, por ter sido violado o art.° 127° do C.P.P., os factos 1, 11 e 15 deveriam ter sido dados como não provados.
Da Nulidade da Sentença.
LL- A recorrente Y… declarou que no dia da sua chegada a Lisboa, a mesma foi alvo, ainda na alfândega, de revista por uma pessoa que parecia ser um agente (Cfr. gravação 20190625103735_19786585_2871059, minuto 6'57 a 8'06).
MM- O tribunal a quo nem sequer se pronunciou sobre este facto que era relevante para a determinação da sanção.
NN- Mesmo que o modus operandi seja conhecido das entidades competentes, o mesmo pode ter êxito até sob vigilância de um técnico.
OO- O facto em apreço demonstra que é difícil saber se um produto é estupefaciente quando bem dissimulado, mesmo por um agente de alfândega.
PP- Seria possível obter provas documentais (vídeos do aeroporto) que poderiam confirmar ou infirmar as declarações da recorrente Y….
QQ- Teria incidência na medida da pena e determinação da suspensão da execução da pena, dado que o dolo das recorrentes não reveste a forma de dolo directo mas sim de dolo eventual.
RR- O tribunal a quo nem sequer se pronunciou sobre este facto, o que constitui, enquanto facto relevante, uma violação do art.° 374°, n.° 2 do C.P.P., e do art.° 379°, n.° 1, al. a) do C.P.P..
Da Medida Concreta da Pena
SS- O tribunal a quo graduou a pena concreta a aplicar às recorrentes em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
TT- O tribunal a quo teve em consideração o grau de ilicitude do facto, o dolo que considerou revestir a forma de dolo directo, as condições pessoais e a situação económicas das recorrentes e a ausência de antecedentes criminais.
UU- No caso em apreço, o dolo não é directo mas sim eventual.
VV- Da prova obtida em julgamento, as recorrentes não sabiam o que transportavam ao certo, apenas que se tratava de "algo de errado", "algo de ilícito" ou "algo de mal".
WW- O resultado, portanto, na cabeça das recorrentes, não é tão certo como o é no dolo direto, mas apenas representado como possível.
XX- Admitir como possível e querer podem até se assemelhar, mas jamais serão considerados um só, não se tratando, portanto, de mero problema linguístico.
YY- A medida da pena aplicada às recorrentes ser reduzida até aos limites legais.
Da Suspensão da Execução da Pena
ZZ- O tribunal a quo decidiu não suspender às recorrentes a execução da pena aplicada a cada uma delas
AAA- O tribunal a quo afirma que a aplicação às recorrentes da suspensão da execução da pena seria uma mensagem clara enviada aos traficantes de que compensa tentar a introdução da droga através de Portugal.
BBB- Os traficantes não estão minimamente interessados ou preocupados com as penas aplicadas aos correios de droga
CCC- Os meios de actuação das autoridades e, mais ainda, as condenações dos correios de droga pelos tribunais, não têm impacto no tráfico de droga.
DDD- Para além disso, não compete aos tribunais definir ou participar em estratégias de prevenção e combate à criminalidade,
EEE- Também, existe a possibilidade da suspensão da execução das penas de prisão até aos 5 anos, sem qualquer ressalva relativamente ao crime de tráfico de estupefaciente na modalidade do art.° 21°.
FFF- O legislador quis que às penas de prisão aplicadas por tráfico de droga se aplicassem os mesmos critérios que aos restantes crimes
GGG- Por outro lado, é muito frequente a aplicação de penas de prisão suspensas a delinquentes que pratiquem crimes de roubo, nomeadamente nos casos de "roubo por esticão", desde que o agente seja primário e, por vezes, mesmo sem que seja primário ou tenha confessado o crime.
HHH- Este tipo crime, além de ser dos que mais sensação de insegurança gera na população, é muito mais frequente do que o de tráfico de droga, pelo que relativamente a ele se mostram muito acrescidas as necessidades de prevenção geral.
III- As recorrentes são primárias, prestaram declarações com credibilidade, demonstraram preocupação com as consequências do tráfico na sociedade e até um certo alívio pelo facto de o produto não ter chegado a destino.
JJJ- As recorrentes não evidenciam nenhum sinal que demonstre existirem exigências de prevenção especial.
KKK- Deverá este Venerando Tribunal julgar procedente o recurso e determinar a suspensão da execução da pena aplicada, por período igual à mesma (art.° 50°, n.° 5 do C.P.), sem regime de prova, apesar do disposto no art.° 53° do C.P., uma vez que as recorrentes não residem em território nacional português, onde esse regime pudesse ser executado.
Da Pena Acessória de Expulsão
LLL- De tudo o que se acaba de expor, a ser a execução da pena suspensa, conforme se requer, não será possível aplicar às recorrentes a pena acessória de expulsão nos termos do art.° 151°, n.° 1, da Lei 23/2007, de 04 de Julho.
MMM- Deverá a pena acessória de expulsão aplicada às recorrentes ser revogada.
Nestes termos e nos demais de Direito que, decerto, V. Exas., Venerandos Juízes, suprirão, deverá o presente recurso ser julgado provido, e, consequentemente,
a) Declarar-se a nulidade do Acórdão, nos termos do art.° 379°, n.° 1, al. a) do C.P.P:, em violação do art.° 374°, n.° 2 do mesmo diploma legal; ou caso assim não se entenda,
b) Que seja reenviado o processo para correcção dos erros de julgamento invocados com a necessária alteração da matéria de facto dada como provada;
c) Que seja a medida da pena fixada em 4 (quatro) anos de prisão, cuja execução seja suspensa por igual período; pelo que
d) Deverá ser revogada a pena acessória de expulsão aplicada às recorrentes.».
***
A arguida M… recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
« As três questões fundamentais que a recorrente invoca no seu recurso são:
1- a de que a execução da pena de prisão em que foi condenada deve ser suspensa.
2 - Atenuação especial a que se alude no art° 31 do DL 15/93.
3 - Atenuação especial a que alude o artigo 4° do DL 401/82, de 23.09, que aprovou o Regime Especial para Jovens Delinquentes.
1. A recorrente possui nacionalidade Venezuelana.
2. No dia ….10.2018 a recorrente desembarcou no Aeroporto de Lisboa no voo TP 36 proveniente de Fortaleza, no Brasil.
3. Em seguida e nas instalações do Aeroporto de Lisboa foi seleccionada para fiscalização da sua pessoa.
4. No decurso da operação foi detectado, no interior da mala de viagem da requerente, dissimulada em três embalagens de café cocaína, com o peso liquido total de 1.826,96 gramas.
5. Pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. no artigo 21.°/1 do DL 15/93 de 22/1, a recorrente foi condenada na pena de prisão efectiva de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
6. Mostra-se, pois, verificado o pressuposto formal da suspensão da execução da sua pena de prisão.
7. Desde a sua detenção que tem adoptado um comportamento institucional adaptado, isento de qualquer registo disciplinar.
8. A recorrente desde o momento da sua detenção colaborou com as entidades policiais, bem como prestou todos os esclarecimentos sobre quem e a forma como havia sido “contratada” para fazer este transporte de droga, bem como, ainda, em sede de audiência de julgamento, confessou matéria da acusação.
9. Demonstrando o seu total e sincero arrependimento.
10. A recorrente não tem antecedentes criminais (é primária).
11. A sua sequência de vida não faz perigar a comunidade nacional.
12. Mostra-se, pois, verificado o pressuposto material (razões de prevenção) especial da suspensão da execução da pena de prisão.
13. Quanto às razões de prevenção gerais, o legislador, nos termos do disposto no artigo 9. ° do Cód. Civil, consagrou a possibilidade de às penas de prisão aplicadas por tráfico de droga se aplicam os mesmos critérios que aos restantes crimes, para aferir da possibilidade de suspensão da sua execução.
14. Mostra-se, pois, verificado o pressuposto material (razões de prevenção) geral da suspensão da execução da pena de prisão.
15. Ora, face ao exposto, pode ser suspensa a execução da pena de prisão aplicada, em medida não superior a 5 anos, por crimes de tráfico de estupefacientes, nomeadamente, nos casos dos “correios de droga”, desde que, para tal, sejam primários e confessem integralmente os factos.
16. São sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena.
17. Assim sendo, a recorrente entende que, atentas as circunstâncias dos factos, bem como o efeito dissuasor que certamente terá tido a prisão já sofrida, é possível fazer um juízo de prognose positivo quanto à sua reinserção social, pelo que é de concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, em consequência do que, nos termos do disposto no art.° 50° do CP.
18. Atenuação especial a que se alude no art° 31 do DL 15/93
Dispõe-se neste preceito legal que se, nos casos previstos nos artigos 21.°, 22.°, 23. ° e 28.°, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.
19. No caso em apreço provou-se que a arguida MA…, logo após a sua detenção, nas circunstâncias acima referidas, assumiu integralmente as suas responsabilidades e disponibilizou-se, de imediato, e na medida das suas possibilidades - que eram limitadas porque regra geral os “correios de droga” têm acesso a pouco ou nenhuma informação sobre os responsáveis pela actividade que estão a desenvolver - para colaborar com os agentes da Polícia Judiciária.
20. É manifesto que a colaboração prestada às forças policiais pela arguida foi relevante.
21. Veja-se que bastaria que a arguida tivesse feito uma referência a personagens virtuais, tantas vezes feitas por “correios de droga” colocados em idênticas circunstâncias, para não tivesse sido possível uma identificação tão rápida desses responsáveis.
22. A arguida ML… colaborou de imediato com as autoridades, prestando todos os esclarecimentos e informações em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, bem como em sede de julgamento.
23. Donde se conclui que, não obstante as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de actividade, dado o papel essencial dos denominados “correios de droga” na conformação dos circuitos de tráfico, ainda assim, em face do relevante auxílio prestado às autoridades na recolha de provas para a identificação e captura dos outros responsáveis, deve a pena a aplicar-lhe ser especialmente atenuada, como se prevê no já citado art° 31 do DL 15/93.
24. E assim sendo a moldura penal aplicada à arguida será balizada entre um mínimo de 9 meses e 6 dias de prisão e um máximo de 8 anos de prisão.
25. Atenuação especial a que alude o artigo 4° do DL 401/82, de 23.09, que aprovou o Regime Especial para Jovens Delinquentes.
A aqui recorrente não pode aceitar a argumentação apresentada pelo Tribunal a quo no Ponto II.4.2 - B.
26. Na verdade, pela argumentação apresentada supra, se entende que a arguida beneficiaria no seu processo de reinserção social de uma pena mais curta, porque merecidamente especialmente atenuada nos termos legais.
27. Para uma jovem de tão tenra idade, com apenas 19 anos à data da prática dos factos, o mantimento em reclusão em estabelecimento prisional, afastada do seu país e dos seus familiares que lhe prestam apoio incondicional, só servirá para constituir entraves a esse mesmo processo de sociabilização.
28. Pena Concreta:
No caso presente, há a considerar as seguintes circunstâncias gerais:
28.1 O dolo em todos os casos directo e intenso, ou seja, na sua modalidade mais grave.
28.2 O grau de ilicitude, elevado face a quantidade de substância apreendida, transacionada e transportada e à sua natureza - é das mais nocivas e nefastas para a saúde pública e para a saúde dos consumidores.
28.3 O modus operandi utilizado, sofisticado, traduzido em transportes de droga por via aérea, com elevados custos, demonstrativos de grande capacidade financeira dos organizadores e principais responsáveis, e que implicava um retorno financeiro muito elevado.
28.4 A duração da actividade dos arguidos que, nos casos dos “correios de droga” esgotou-se numa viagem.
28.5 As consequências, as que são típicas no crime em questão e que só não foram mais graves devido à intervenção das autoridades policiais que ao longo da investigação, contribuíram decisivamente para a detenção dos “correios de droga” impedindo que a droga transportada chegasse ao seu destino e fosse comercializada e disseminada pelos consumidores.
28.6 As exigências de prevenção geral que são muito intensas. O crime de tráfico de estupefacientes é um crime grave, de acentuada ilicitude, com sequelas incalculavelmente graves, designadamente, ao nível da saúde pública e do aumento da criminalidade.
As exigências de prevenção e reprovação são, por isso, especialmente acentuadas.
28.7 Nesta operação de tráfico de estupefacientes, as arguidas detidas, e em concreto a arguida recorrente, desempenharam as funções de “correios de droga” ou transportadores.
28.8 Como todos os correios de droga aceitaram fazer o transporte a troco de uma determinada quantia que certamente lhes seria entregue no final. Constituem os elos mais fracos da cadeia do tráfico.
28.9 No entanto, o facto da arguida ter sido “correio de droga”, só por si, não diminui de forma considerável a ilicitude da sua conduta pois se é certo que o “correio de droga” não é o dono do negócio e se limita a transportar o produto estupefaciente tendo em vista a sua colocação no mercado alvo, a verdade é que se trata de uma actividade essencial, pode dizer-se mesmo imprescindível, ao desenvolvimento e concretização desse mesmo tráfico e os correios têm disso consciência (neste sentido, entre muitos outros, acórdão do STJ de 26/1/2005 proferido no âmbito do processo n° 2376/04 da 3a secção).
29. Sobre as circunstâncias em que a arguida realizou este transporte e as suas condições de vida apurou-se que:
29.1 Aderiu à proposta que lhes foi feita por estar desempregada e pelas circunstâncias de vida no seu país de origem, a Venezuela, vivenciando condições de pobreza extrema.
29.2 A mesma apresenta um bom enquadramento familiar contando com o apoio incondicional das respectivas famílias como ficou bem patenteado no julgamento.
29.3 Em termos profissionais, apresenta hábitos de trabalho muito favoráveis, e desenvolvendo várias actividades profissionais.
29.4 Confessou integralmente os factos e, nas condições já referidas, prestou um relevante auxílio às entidades policiais, demonstrando ter interiorizado, na sua plenitude, as consequências e a gravidade das suas condutas.
29.5 Não tem antecedentes criminais.
Tudo ponderado, e tendo presentes os critérios jurisprudenciais para este tipo de actividade, afigura-se justa e adequada a seguinte pena: - pelo crime de tráfico de estupefacientes - 3 anos e 3 meses de prisão.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deverá ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, determinar- se aplicação de atenuação especial da pena, da qual resulte a fixação da pena em 3 anos e 3 meses de prisão, bem como determinar-se a suspensão da execução da pena pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses, com ou sem regime de prova.».
***
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
Quanto ao recurso das arguidas Y… e J…
« a) O tribunal não deu como provados indevidamente quaisquer factos, fundando a sua decisão, como previsto no art. 127 do CP
b) O acórdão recorrido não enferma de qualquer nulidade, designadamente da prevista nos arts. 374 n.° 2 e 379 n,° 1 a) do CPP.
c) Ponderando as circunstancias em que os factos ocorreram - transporte internacional por « correio de droga », a quantidade de droga na posse das arguidas, representando um valor económico importante, bem como as elevadas necessidades de prevenção geral expressas no perigo que representa o tráfico de estupefacientes nestas circunstancias, em que os « correios de droga » assumem um papel essencial, permitindo a disseminação de um produto que produz consequência nocivas em termos sociais, entendemos que a pena concreta aplicada a pecar, peca por diminuta, devendo quanto a nós ser fixada em maior número de anos, nunca inferior a 5 anos.
d) O juízo de prognose a fazer face à personalidade, condições de vida, conduta anterior e posterior aos factos, circunstancias deste, dadas como provadas, em que se incluem, para além do mais as concretas circunstâncias do crime pela prática do qual agora as arguidas foram condenadas, não permitem concluir de forma diferente daquela que foi decidida pela Tribunal « a quo », ao decidir não suspender a execução da pena de prisão em que foram condenadas, por não se verificarem os pressupostos expressos no art. 50 n.° 1 do CP
e) A condenação das arguidas na pena Acessória de Expulsão de Território Nacional não merece qualquer reparo, na medida em que o argumento invocado pelas arguidas não deve ser atendido, por não dever também a pena de prisão em que foram condenadas ser substituída por outra que as condene em menor número de anos de prisão
f) O acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelas arguidas».
***
Quanto ao recurso da arguida M…:
« a) No caso concreto não se verificam os pressupostos para a atenuação especial da pena nos termos do art. 31 do DL 15/93 de 22/01
b) Os requisitos para aquela atenuação não se bastam com a confissão da arguida ou com o esclarecimento dos factos, relativamente à sua intervenção nos mesmos, tal como aconteceu no caso em apreço
c) O regime especial para jovens delinquentes previsto no DL n.° 401/82 de 23/09 não é de aplicação automática
d) A sua aplicação depende de se verificarem os requisitos expressos no art. 4° daquele diploma legal
e) O Tribunal não deve expressar as razões pelas quais não aplica o regime, antes devendo, ao optar por ele, concretizar as «sérias razões» que se verificam no caso, e das quais a lei faz depender a sua aplicabilidade
f) Ainda que se entenda que deve sempre o Tribunal justificar a razão da não aplicação do regime, no caso concreto, fê-lo de forma clara e devidamente fundamentada, não se vislumbrando que exista falta de fundamentação
g) No caso, as condições pessoais da arguida não são de molde a preencher o conceito de « sérias razões » exigido pela lei
h)O juízo de prognose a fazer, face à personalidade, condições de vida, conduta anterior aos factos, circunstancias destes, dadas como provadas, em que se incluem, para além do mais as concretas circunstancias do crime pela prática do qual a arguida foi condenada, não é, tal como entendeu o Tribunal « a quo » favorável à suspensão da execução da pena de prisão em que a arguida foi condenada
i) Pena concreta de 4 ( quatro ) anos e ( seis ) meses que se mostra adequada ao caso concreto
j) O acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal ».
***
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto aderiu ao conteúdo das respostas aos recursos e pugnou pela manutenção das penas com fundamento em acórdão do STJ, cujo sumário transcreveu 
***
II- Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
As questões colocadas pelas recorrentes Y… e J… são:
- Nulidade do Acórdão, nos termos dos artigos 379°/1, al. a) e 374°/2  do CPP; Subsidiariamente:
- Reenvio do processo para alteração da matéria de facto dada como provada;
- Redução da pena para 4 anos de prisão, suspensa por igual período;
- Revogação da pena acessória de expulsão.
As questões colocadas pela recorrente M… são:
- Aplicação de atenuação especial, nos termos dos artigos 31º/DL 15/93 e 4°/DL 401/82, de 23.09;
- Suspensão da pena aplicada.
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III- Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1. Na sequência do acordado com indivíduos cuja identidade se ignora, as arguidas aceitaram transportar cocaína desde o Brasil até Lisboa por, para tanto, ter sido prometida a cada uma a entrega de quantia correspondente a cerca de €2.000,00;
2. No dia ….10.2018, a arguida Y… chegou ao aeroporto de Lisboa no voo TP … procedente de Fortaleza, no Brasil;
3. Nesta ocasião, a arguida Y… transportava uma mala de viagem, no interior da qual se encontrava dissimulada em embalagens de café, cocaína com o peso líquido total de 2.202,82 gramas;
4. A arguida Y… tinha ainda em seu poder:
-  1 telemóvel de marca LG;
-  € 900,00;
-  R$ 313,00 reais;
-  4.000,00 pesos colombianos;
-  200.305,00) bolívares venezuelanos;
-  Uma reserva no Hostel …, em Lisboa, em nome da arguida, para os dias 23 a 25 de Outubro de 2018;
5. No dia ….10.2018, a arguida J… chegou ao aeroporto de Lisboa no voo TP … procedente de Fortaleza, no Brasil;
6. Nesta ocasião, a arguida J… transportava uma mala de viagem tipo trolley, de cor preta, marca Polo Club, no interior da qual se encontrava dissimulada em 4 pacotes de café cocaína com o peso líquido total de 1.961,62 gramas;
7. A arguida J… tinha ainda em seu poder:
-  1 telemóvel de marca Huawei;
-  €900,00;
-  R$109,00 reais;
-  50.000,00 pesos;
-  1 voucher de reserva no Hotel … para os dias 24 a 27 de Outubro de 2018 em nome de JL…;
8. No dia ….10.2018, cerca das 10h10, a arguida M… chegou ao aeroporto de Lisboa no voo TP … procedente de Fortaleza, no Brasil;
9. Nesta ocasião, a arguida M… transportava uma mala de viagem no interior da qual se encontrava dissimulada em 3 embalagens de café cocaína com o peso líquido total de 1.826,96 gramas;
10. A arguida M… tinha ainda em seu poder:
-  1 telemóvel de marca Samsung;
-  €900,00;
-  R$347,00 reais;
-  1.860,00 bolívares;
-  2.000,00 pesos colombianos;
-  1 voucher de reserva no Hotel … para os dias 25 a 28 de Outubro de 2018 em nome da arguida;
11. As arguidas conheciam a natureza e características estupefacientes do produto que introduziram em Portugal pela forma antes descrita;
12. E sabiam que o mesmo se destinava à cedência a terceiros;
13. Os telemóveis que as arguidas tinham em seu poder destinavam-se a permitir-lhes contactar e serem contactadas pelo ulterior destinatário da cocaína;
14. As quantias monetárias que as arguidas tinham em seu poder destinavam-se a fazer face às despesas da viagem;
15. As arguidas tinham conhecimento dos factos acima descritos e, ainda assim, quiseram agir pela forma mencionada, sabendo que a respectiva conduta era proibida e punida por lei;
16. As arguidas Y… e M… são naturais da Venezuela e a arguida J… é natural da Colômbia, não possuindo residência, emprego estável ou qualquer outra ligação pessoal ou familiar a Portugal;
No que respeita à inserção familiar e sócio-profissional da arguida Y… apurou-se que:
17. A arguida vive na Venezuela com o pai, que não trabalha, e com um filho de 9 anos de idade;
18. A arguida deslocou-se para a Colômbia em meados de Julho de 2018, tendo trabalhado num negócio de venda de bebidas;
19. Aquando da deslocação da arguida para Portugal, o patrão da mesma havia deixado de lhe pagar salário;
20. O progenitor do filho da arguida nunca contribuiu para o sustento deste;
21. A arguida frequentou o ensino secundário;
22. A arguida pretende regressar à Venezuela para junto do seu pai e do seu filho;
No que respeita à inserção familiar e sócio-profissional da arguida J… apurou-se que:
23. A arguida nasceu na Colômbia, sendo a mãe de uma família abastada, empresária e proprietária de minas de carvão, e o pai empregado de uma das minas;
24. A relação entre os progenitores durou seis anos e terminou quando a arguida tinha 2 anos de idade, sendo esta a terceira filha de uma fratria de cinco irmãos, fruto de três relações afectivas diferentes;
25. Apesar da separação, o pai da arguida foi sempre uma figura presente até ter falecido há cinco anos;
26. Face às convulsões sociais vividas na Colômbia, a mãe da arguida acabou por perder os negócios e as propriedades, incluindo as minas e, quando esta tinha 9 anos de idade, fugiram para a Venezuela;
27. Na Venezuela, a mãe da arguida sempre trabalhou, também como empresária na área do comércio, investindo alguns dos bens possuía, atravessando contudo dificuldades económicas;
28. A arguida frequentou o ensino primário na Colômbia e terminou o ensino secundário na Venezuela;
29. Contudo, quando com 18 anos de idade a arguida regressou à Colômbia, teve de voltar a estudar para poder terminar o ensino, já que não obteve equivalência;
30. Quando regressou à Colômbia, a arguida foi viver para casa de uma das irmãs mais velhas, que a apoiou, arranjando-lhe trabalho numa loja de telemóveis de que era proprietária e nos estudos;
31. Um ano mais tarde, a arguida acabou por abrir uma loja do mesmo ramo e conheceu o futuro companheiro, que era vendedor, e fazia negócios entre a Colômbia e a Venezuela;
32. Mais tarde, a arguida vendeu a loja e, juntamente com o seu companheiro, passou a explorar um pequeno hotel, ao mesmo tempo que este continuava a ir à Venezuela comprar carros que revendia na Colômbia;
33. Aos 24 anos, a arguida foi mãe de uma menina e a situação económica e familiar encontrava-se estabilizada;
34. Dois anos mais tarde, numa viagem de negócios à Venezuela, o companheiro da arguida desapareceu, tendo esta mais tarde, após muitas investigações particulares e muito investimento financeiro, descoberto que o mesmo foi morto;
35. A partir desse acontecimento, apesar do apoio familiar, a arguida passou a atravessar dificuldades económicas;
36. A arguida acabou por vender o hotel e passou a dedicar-se ao comércio de roupa entre a Colômbia e a Venezuela, tendo-se os problemas financeiros daquela agravado com o encerramento da fronteira entre aqueles países;
37. Em termos de saúde, a arguida sofreu uma paralisia, cuja causa foi atribuída a stress e a excesso de trabalho, que a imobilizou durante cerca de três meses e que criou um sobre-endividamento;
38. Nesta altura, a arguida trabalhava como motorista da Uber e vendia produtos de limpeza;
39. Um dos irmãos da arguida que ainda estava a viver na Venezuela regressou à Colômbia e passou a viver na casa daquela e, mais tarde, a namorada do irmão, a arguida M…, também foi viver para a mesma casa, ali se mantendo mesmo depois de terminar a relação afectiva;
40. No estabelecimento prisional onde se encontra a ser executada a medida de coacção de prisão preventiva a que está sujeita, a arguida tem mantido um comportamento globalmente adequado, relacionando-se de forma ajustada com os serviços e os pares, não apresentando registos disciplinares;
41. A arguida não se encontra colocada a trabalhar, mas já o solicitou, aguardando colocação;
42. A arguida tem mantido contactos telefónicos regulares com a família;
43. A arguida pretende regressar à Colômbia e integrar o agregado familiar;
No que respeita à inserção familiar e sócio-profissional da arguida M… apurou-se que:
44. A arguida tem nacionalidade venezuelana, mas antes de se deslocar para Portugal estava a viver na Colômbia;
45. A arguida cresceu no seio de uma família modesta, sendo a mais nova de uma fratria de dois;
46. O pai da arguida trabalha por conta própria, como técnico de reparação de electrodomésticos, e a mãe foi sempre doméstica;
47. A arguida viveu a maior parte da sua vida em casa dos avós maternos, que tinham melhores condições para a acolher, e que viviam perto dos pais;
48. A infância da arguida, embora considerada por esta feliz, foi marcada pelas dificuldades económicas da família;
49. O percurso escolar da arguida decorreu de forma regular, apesar de algumas interrupções, tendo terminado o equivalente ao ensino secundário aos 16 anos de idade;
50. A arguida pretendia continuar a estudar, no curso de medicina veterinária, não o conseguindo devido às dificuldades económicas da família;
51. A arguida começou muito jovem a ajudar a economia doméstica, vendendo na rua, ao mesmo tempo que prosseguia os estudos;
52. Aos 17 anos de idade, a arguida iniciou uma relação afectiva com o irmão da arguida J… acabando por se mudar para a Colômbia em busca de uma vida melhor;
53. A arguida ficou a viver em casa da referida co-arguida, mesmo depois de a relação afectiva que manteve ter terminado;
54. Apesar de ter conseguido um emprego num armazém, o trabalho era mal pago e muito exigente, acabando por ser despedida após ter ido de férias à Venezuela por altura do Natal de 2017;
55. Os pais da arguida, bem como o irmão e os avós, continuam a viver na Venezuela, cada vez mais com uma situação social difícil e vivendo com muitas privações;
56. Aquando da sua deslocação para Portugal, a arguida exercia trabalhos ocasionais e mal remunerados, nomeadamente como manicure e num bar, onde servia bebidas;
57. No estabelecimento prisional onde se encontra a ser executada a medida de coacção de prisão preventiva a que está sujeita, a arguida tem mantido um comportamento globalmente adequado, relacionando-se de forma adequada com os serviços e os pares;
58. A arguida encontra-se a trabalhar na faxina;
59. A arguida pretende regressar à Venezuela e continuar a viver em casa dos avós maternos;
60. A arguida Y… não tem antecedentes criminais;
61. A arguida J… não tem antecedentes criminais;
62. A arguida M… não tem antecedentes criminais.
***
Factos não provados:
Não se provou que:
a) A arguida J… tenha transportado para Portugal cocaína com o peso líquido global de 5.475,500 gramas;
b)Na sequência de indicações dadas pela arguida J…, veio a Polícia Judiciária a apurar que a arguida Y… tinha viajado para Lisboa no dia ….10.2018, por ter sido recrutada, tal como a primeira e a arguida M…, para efectuarem o transporte de cocaína do Brasil para Lisboa;
c) A arguida Y… transportou para Portugal cocaína com o peso liquido global de 5.496,00 gramas;
d) A arguida M… transportou para Portugal cocaína com o peso líquido total de 4.501,10 gramas;
e) As importâncias em dinheiro que as arguidas tinham em seu poder eram parte do pagamento que iriam receber pelo transporte da cocaína.
***
IV- Fundamentação probatória:
O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
« A convicção do tribunal quanto à factualidade provada e não provada assentou, no geral, na conjugação de:
- Declarações prestadas pelas três arguidas em sede de audiência de discussão e julga mento e ainda pelas declarações prestadas pela arguida e MA… em sede de interrogatório judicial;
- Autos de apreensão de fls. 11, 27/28 e 153;
- Documentos de fls. 4, 12 a 14, 20 a 22, 29 a 32, 147, 148 e 154 a 157;
- Relatórios de exame pericial de fls. 5, 19, 146, 289, 292 e 295;
- Certificados do registo criminal constantes de fls. 547 a 549; e
- Relatórios sociais de fls. 564 a 567 e 570 a 574.  (…)
Importa agora concretizar a motivação da decisão de facto.
Factos provados constantes dos pontos 1. a 15. e factualidade não provada:
Nas declarações que prestaram em sede de audiência de discussão e julgamento, as três arguidas admitiram que efectuaram o transporte da substância em apreço nos autos, do Brasil para Lisboa, bem como que para tanto lhes foi prometido o pagamento de quantia correspondente a cerca de €2.000,00. As três arguidas referiram ainda que todas as quantias monetárias que tinham em seu poder estavam destinadas a fazer face às despesas da viagem. Por seu turno, de acordo com o afirmado pela arguida YJ…, a pessoa que as contactou no sentido de efectuarem o transporte em causa disse-lhes que a substância a transportar se tratava de café, tendo aquela acrescentado que “sabia que havia mais qualquer coisa errada”. A propósito do mesmo contacto, também as arguidas JL… e MA… referiram que a aludida pessoa afirmou que só estava em causa o transporte de café, tendo a última acrescentado que “pensou que era algo esquisito, mas não sabia o que era”, bem como que “ninguém paga para se transportar café”. As três arguidas referiram ainda que antes da deslocação para Lisboa a arguida JL… abriu uma das embalagens onde se encontrava acondicionada a substância transportada e que constataram que aparentemente se tratava de café. Contudo, enquanto a arguida JL… afirmou que quando abriu tal embalagem não estava na companhia das arguidas YJ… e MA…, estas referiram que quando tal sucedeu estavam presentes. Esta contradição, conjugada com o local de onde as três arguidas eram provenientes, com os concretos contornos da proposta de transporte que lhes foi feita e com a forma de acondicionamento da substância em causa, em pacotes de café, levou a que o tribunal considerasse que aquelas tinham necessariamente de saber que transportavam produto estupefaciente. Conforme a arguida MA… afirmou, “ninguém paga para se transportar café”. As referidas declarações contraditórias das arguidas surgem como uma tentativa falhada de mostrarem que não tiveram forma de concluir que estavam a transportar droga. No entanto, tal como a arguida MA… referiu em sede de interrogatório judicial a que foi submetida, tendo tais declarações sido reproduzidas no decurso da audiência de discussão e julgamento, embora não soubesse que a substância que transportava era concretamente cocaína, sabia que se tratava de droga. Em face do que se afirmou, são estas declarações que se mostram verosímeis, verificando-se relativamente às restantes arguidas as mesmas razões para a arguida MA… ter concluído que estava a transportar produto estupefaciente.
No que tange à prova da natureza e quantidade da droga transportada pelas arguidas, atendeu-se ao teor dos relatórios de exame pericial de fls. fls. 5, 19, 146, 289, 292 e 295. Resulta destes relatórios que a “cocaína pura” transportada pelas arguidas foi dissimulada num “pó de cor escura” (cf. fls. 5, 19 e 146), bem como que a percentagem deste pó que constitui cocaína corresponde ao “grau pureza (%)” a que se alude a fls. 289, 292 e 295. De resto, os relatórios de exame pericial de fls. 289, 292 e 295 vieram confirmar o que já decorria do teor dos relatórios de exame pericial preliminares de fls. 5, 19 e 146, ou seja, que o “pó de cor escura” cujo peso líquido é indicado a fls. 289, 292 e 295 somente é constituído por cocaína na percentagem também aí indicada como “grau pureza (%)”. Em suma, atento o exposto, não se considerou estar provado que as arguidas transportaram a quantidade de cocaína a que se faz referência na acusação pública, mas somente aquela que corresponde à percentagem indicada a fls. 289, 292 e 295.
Assim, com base na conjugação entre si de todos os referidos meios de prova, o tribunal não teve qualquer dúvida em considerar provados os factos acima descritos.
Factos provados constantes dos pontos 16. a 59.:
As condições pessoais e a situação económica das arguidas provaram-se com base nas declarações prestadas por estas em sede de audiência de discussão e julgamento, em conjugação com o teor dos relatórios sociais constante de fls. 564 a 567 e 570 a 574.
Factos provados constantes dos pontos 60. a 62.:
A prova relativa à ausência de antecedentes criminais das arguidas baseou-se no teor dos certificados do registo criminal constantes de fls. 547 a 549.».
***
V- Fundamentos de direito:
1- Das questões colocadas pelas recorrentes Y… e J…:
A- Da nulidade do acórdão, nos termos dos artigos 379°/1, al. a) e 374°/2  do CPP:
 As recorrentes entendem que o acórdão é nulo porque não se pronunciou sobre um facto que a arguida Y… declarou, de que no dia da sua chegada a Lisboa foi alvo, na alfândega, de revista por uma pessoa que parecia ser um agente, que abriu os pacotes de café, verificou o conteúdo e provou o produto e, não tendo reparado nada de suspeito, deixou a recorrente seguir e sair. Entendem que o facto era relevante para a determinação da sanção, porque demonstra que a dissimulação da droga é cada vez mais elaborada, reforçando a ideia que as recorrentes não tinham necessariamente conhecimento de que o produto que transportavam era estupefaciente, o que teria incidência também na medida da pena e na determinação da suspensão da sua execução, dado que o dolo das recorrentes não reveste a forma de dolo directo mas sim de dolo eventual.
Desconhece-se qual o raciocínio que leva as recorrentes a entenderem que a falta de pronúncia sobre essa sua afirmação determina nulidade de sentença, porque a norma para que se remete contém múltiplos fundamentos passíveis de constituir tal nulidade, sendo que nenhum deles foi identificado e nenhum deles se adequa à consequência pretendida, de inexistência de dolo directo – único fundamento possível, em face dos termos da questão, para relevar na fixação da medida da pena.
A questão da modalidade do dolo radica nos factos assentes, pelo que a pretensão de alteração implicaria um pedido de reapreciação desses factos, que não é formulado, e que se rege pelo disposto no artigo 412º/CPP. A fundamentação exarada jamais se subsumirá a uma questão de nulidade de sentença.
A questão da medida da pena só se colocaria perante a alteração do provado, pois só então podem ter relevo ao nível da alteração da factualidade pertinente para a fixação do tipo de dolo, pelo que também por esta via não há fundamento de nulidade de sentença.
***
B- Da violação do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.° 127°/CPP:
As recorrentes entendem que perante os depoimentos que prestaram não se pode considerar provado que sabiam que transportavam cocaína e que a prova de tais factos viola o princípio da livre valoração da prova. Entendem que se deve considerar não provados os factos contidos nos pontos 1, 11 e 15 do provado.
Ora, por força do princípio, previsto pelo artº 127º/CPP, salvo quando a lei dispuser de forma diferente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e livre convicção do julgador.
Regras de experiência são regras que se colhem, ao longo dos tempos, da sucessiva repetição de circunstâncias, factos e acontecimentos que se sedimentam no espírito do homem comum como juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.
Livre convicção é um meio de descoberta da verdade, através da livre apreciação, subordinada à razão e à lógica, mas isenta de prescrições formais exteriores. Não se confunde com uma afirmação infundamentada da verdade, puramente impressionista ou emocional.
Contudo, está assente que o referido princípio «não deve traduzir-se em mais que não aprisionar o juiz em critérios preestabelecidos pela lei para formar a sua convicção, mas não para o isentar de obediência às regras da experiência e aos critérios da lógica. Neste sentido, um elemento de legalidade entra de novo no problema da apreciação da prova. Ainda que não fixadas pela lei, ele implica, na verdade, que certas regras de direito (nas quais podem transformar-se as leis da lógica e da experiência) presidam à avaliação da prova pelo juiz, mesmo onde falamos de livre convicção. Ideia que implica, por um lado, a possibilidade de apreciar em via de recurso a violação de tais leis na apreciação da prova e, por outro lado, (…) conduz à necessidade de motivar as decisões em matéria de facto» ([3]).
No caso, o Tribunal recorrido entendeu que as arguidas tinham que saber que transportavam estupefaciente na modalidade de cocaína nos termos que constam da fundamentação da aquisição probatória, que nos dispensamos de repetir.
Ainda que se não considerasse, para efeitos de obtenção da referida conclusão, a invocada contradição entre o depoimento da arguida J… e os das demais - quanto ao facto de estarem ou não presentes quando aquela abriu uma embalagem que lhe pareceu café - é evidente que os demais argumentos contidos na apreciação da prova se mostram conformes com os dados da experiência comum e apontam, inexoravelmente, para o conhecimento por parte das arguidas de que transportavam droga, na única modalidade que permite os lucros que gerariam os valores que lhes foram prometidos, ou seja, cocaína.
Como uma das arguidas bem referiu, não se paga a ninguém para transportar café entre o Brasil e Portugal. Muito menos se oferece de recompensa o montante de dois mil euros para o efeito e se despende com três viagens quantias da ordem daquelas que foram apreendidas às arguidas. O que quer que fosse tinha que dar um rendimento que justificasse tais pagamentos e bem assim que se pagasse a três pessoas transportar o mesmo produto.
As arguidas sabem, porque é da experiência comum do cidadão do mundo, que só o transporte de cocaína se faz nestes termos, mediante correios, em doses comedidas mas suficientemente lucrativas para justificar a distribuição de dinheiro que estava envolvida.
E sabem-nos melhor do que ninguém, porque são oriundas de países da América Latina, grande fornecedor de cocaína para a Europa, partindo do Brasil, de onde chegam a Portugal quantidades impressionantes de correios de cocaína.
Por força, precisamente, do princípio da livre apreciação da prova, é que o Tribunal considerou assentes os factos em causa, numa apreciação em tudo conforme com os ditames do referido princípio, designadamente, do uso das regras de experiência comum.
A questão que colocam, no fundo, é a de que discordam da não atribuição de crédito aos seus depoimentos. Só que essa discordância não fundamenta a violação do referido princípio nem tão pouco qualquer reapreciação de prova – que não foi pedido mas que sempre seria improcedente em face do não cumprimento dos ónus de que depende, contidos no artigo 412º/3 e 4 do CPP.
***
2- Dos recursos de todas as arguidas:
A- Da medida concreta das penas:
As recorrentes Y… e J… entendem que a pena lhes deve ser reduzida porque o dolo com que praticaram os crimes não é directo mas sim eventual.
Uma vez que os factos provados integram precisamente a prática dos crimes com dolo directo, decai o argumento e, consequentemente, improcede o pedido.
A recorrente M… entende que a pena lhe devia ser especialmente atenuada nos termos dos artigos 31º do DL 15/93 e 4° do DL 401/82, de 23.09.
Reza o artigo 31º do DL 15/93 que «Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena».
A recorrente argumenta dizendo que no «caso em apreço provou-se que a arguida MA…, logo após a sua detenção, nas circunstâncias acima referidas, assumiu integralmente as suas responsabilidades e disponibilizou-se, de imediato, e na medida das suas possibilidades - que eram limitadas porque regra geral os “correios de droga” têm acesso a pouco ou nenhuma informação sobre os responsáveis pela actividade que estão a desenvolver - para colaborar com os agentes da Polícia Judiciária.
É manifesto que a colaboração prestada às forças policiais pela arguida foi relevante.
Veja-se que bastaria que a arguida tivesse feito uma referência a personagens virtuais, tantas vezes feitas por “correios de droga” colocados em idênticas circunstâncias, para não tivesse sido possível uma identificação tão rápida desses responsáveis.
A arguida ML… colaborou de imediato com as autoridades, prestando todos os esclarecimentos e informações em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, bem como em sede de julgamento.
Donde se conclui que, não obstante as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de actividade, dado o papel essencial dos denominados “correios de droga” na conformação dos circuitos de tráfico, ainda assim, em face do relevante auxílio prestado às autoridades na recolha de provas para a identificação e captura dos outros responsáveis, deve a pena a aplicar-lhe ser especialmente atenuada, como se prevê no já citado art° 31 do DL 15/93.».
A verificação dos pressupostos legais da atenuação especial decorre da ocorrência de circunstâncias que diminuam a culpa ou a ilicitude do facto de forma acentuada, ou a necessidade da pena.
As circunstâncias enumeradas no preceito fornecem critérios mais precisos do que aqueles que se poderiam conter na cláusula genérica contida no artigo 72º; por outro não funcionam objectivamente. Só relevam quando determinantes de uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente, ou da necessidade da pena ([4]).
A propósito do assunto vejam-se os seguintes arestos do STJ:
- «É na acentuada diminuição da ilicitude e/ou da culpa e/ou das exigências da prevenção que radica a autêntica ratio da atenuação especial da pena. Daí que, as circunstâncias enunciadas no nº 2 do artigo 72º do Código Penal, não sejam as únicas susceptíveis de desencadear tal efeito, nem este seja consequência necessária ou automática da presença de uma ou mais daquelas circunstâncias» ([5]).
- «A atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, considerando-se como antiquada a solução de consagrar legislativamente a cláusula geral de atenuação especial como válvula de segurança, pois que dificilmente se pode ter tal solução por apropriada para um Código como o nosso, “moderno e impregnado pelo princípio da humanização e dotado de molduras penais suficientemente amplas” » ([6]);
- «Justifica-se a aplicação do instituto de atenuação especial da pena, que funciona como instrumento de segurança do sistema nas situações em que se verifique um afastamento crítico entre o modelo formal de integração de uma conduta em determinado tipo legal e as circunstâncias específicas que façam situar a ilicitude ou a culpa aquém desse modelo» ([7]).
- «A atenuação especial da pena só pode ser decretada (mas se puder deve sê-lo) quando a imagem global do facto revele que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, seja pela menor dimensão e expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena - vista a necessidade no contexto e na realização dos fins das penas» ([8]);
- «A atenuação especial da pena depende do concurso de circunstâncias anteriores, posteriores ou concomitantes ao crime, que façam diminuir de forma acentuada a culpa, a ilicitude e a necessidade de pena, elencando de forma não taxativa o n.º 2 do art. 72.º do CP os seus factos índices, ligados a uma imagem global do facto favorecente do agente criminoso» ([9]).
- «O verdadeiro pressuposto material da atenuação são exigências de prevenção, na forma de reprovação social do crime e restabelecimento da confiança na força da lei e dos órgãos seus aplicadores e não apenas a ilicitude do facto ou a culpa do agente. Ao decréscimo ligeiro da pequena e média criminalidade, entre nós, contrapõe-se um aumento da criminalidade violenta, mediante o recurso a armas de fogo, em situações manifestamente ilegais, como o presente caso mais uma vez confirma; impõe-se uma pena, com efeito dissuasor, fora do quadro da atenuação especial, em nome de fortes e sentidas necessidades de prevenção geral, sendo certo que nem a culpa, nem a ilicitude ou as necessidades da pena se mostram esbatidas de forma acentuada. (…) Esclarece Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 302/307,(…) princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção. A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, em que a imagem global do facto resultante da actuação da (s) atenuante (s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Daí - e continuamos a citar - estarmos perante um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa, com redução de um terço no limite máximo da moldura prevista para o facto e várias hipóteses na fixação do limite mínimo» ([10]).
A atenuação especial radica não no efeito da soma de todas as circunstâncias atenuantes concorrentes na acção, mas na ocorrência de circunstância(s) modificativa(s) que, tendo um fundamento comum, autónomo das demais que se possam verificar, se revele(m) adequada(s) ao preenchimento da previsão normativa. «O funcionamento sucessivo das atenuantes concorrentes só está justificado se e na medida em que a razão da atenuação seja diferente em cada uma, isto é, quando cada uma delas possua um fundamento autónomo (…) Se o fundamento da atenuação for o mesmo deverá funcionar somente a atenuante modificativa cujo efeito for mais forte, em virtude do princípio da proibição da dupla valoração em matéria de determinação da pena»([11]).
Voltando aos factos em apreço, os fundamentos invocados como determinantes da atenuação especial não revelam a aptidão modificativa pretendida. A confissão, a ausência de antecedentes criminais e bom comportamento prisional não diminuem, de forma acentuada, nem a culpa, nem a ilicitude do facto nem se enquadram em qualquer das circunstâncias previstas no normativo. Quanto aos demais fundamentos invocados, eles não resultam dos factos considerados provados.
No que concerne à atenuação especial decorrente do regime dos jovens delinquentes o Tribunal recorrido fundamentou a não aplicação nos seguintes termos: « À data da prática dos factos, a arguida MA… tinha 19 anos de idade. Estabelece o art. 4.° do Dec.-Lei n.° 401/82, de 23.09, que aprovou o Regime Penal Especial para Jovens Delinquentes, que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos arts. 73.° e 74.° do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, o que não sucede no caso sub judice quanto àquela arguida. Tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17.01.2018, “em vista à aplicação do regime jurídico dos jovens delinquentes, o que releva é o juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, no sentido de saber se o desenvolvimento psico-psicológico do jovem ainda consente uma qualquer intervenção de ajustamento e de consolidação da personalidade que funcione como «uma vantagem para a sua reinserção social»”. 6 E, na verdade, apesar de a arguida MA… ser primária, as prementes exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, espelhadas nas precárias condições económicas daquela, que a conduziram à prática da factualidade acima descrita, fazem com que da atenuação especial da pena de prisão a aplicar-lhe não resultem quaisquer vantagens para a reinserção social da mesma.».
Ora, salvo devido respeito, as más condições económicas não determinam, ipso facto, a tendência para a criminalidade. E, no fundo, foi este o único fundamento aduzido para a não aplicação da atenuação.
É certo que no caso temos uma arguida primária mas muito nova e que tem pouca ligação com o país pelo que o facto não é de especial relevo positivo. Mas também não releva negativamente.
A arguida praticou o crime por motivos económicos, num acto temerário, ao qual provavelmente não foi indiferente a pouca experiência de vida e alguma convicção inerente de que nada lhe acontecia. Já cumpriu parte da pena. Está numa idade em que a reclusão é muito mais penosa porque a noção da passagem do tempo é mais longa do que num adulto e é, ainda, uma idade de formação pessoal e profissional. Não tem qualquer ligação com o país, sendo que tem pendente uma pena de expulsão. Não há fundamento que inquine a expectativa de que uma pena especialmente atenuada constitua uma vantagem para a sua reinserção social que é precisamente o fim visado pela norma.
Em face do exposto, aplica-se à arguida o referido regime, que determina que a pena aplicável se situe entre 9 meses e 6 dias e 8 anos.
Na escolha da medida da pena o Tribunal recorrido ponderou os seguintes itens:
«No caso concreto, há assim que considerar os seguintes factores (sem esquecer a ambivalência de que podem gozar para efeitos de apreciação em sede de culpa e de prevenção), comuns às três arguidas:
- O grau de ilicitude do facto, que se apresenta mediano para uma conduta que integre os elementos típicos do crime de tráfico;
- O dolo das arguidas, que reveste a forma de dolo directo, cuja intensidade se mostra mediana;
- As condições pessoais e a situação económica das arguidas que, antes de estarem presas preventivamente à ordem destes autos, estavam familiarmente inseridas, mas não tinham profissão certa, apresentando uma condição económica deficitária;
- A ausência de antecedentes criminais das arguidas.
No que concerne às exigências de prevenção, as de prevenção geral fazem-se sentir de forma elevada, sentindo a comunidade de forma acentuada a prática do crime de tráfico de estupefacientes. Face ao aumento vertiginoso da criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, nomeadamente dos crimes contra as pessoas e contra o património, bem como, do próprio crime de tráfico, são particularmente intensas as exigências de prevenção geral positiva.
A culpa das arguidas, por se estar perante o que usualmente se designa por “correio de droga”, situa-se abaixo do grau de ilicitude do facto e, atendendo também aos factores mencionados, situa-se no nível mínimo das necessidades de prevenção geral.».
Aplicando estes precisos fundamentos à moldura penal especialmente atenuada, entendemos que a arguida M… deve ser punida com a pena de 3 anos e 8 meses de prisão.
***
B- Da Suspensão da Execução da Pena:
Todas as arguidas entendem que as penas devem ser suspensas.
Nos termos do artº 70º/CP «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição»; nos termos do artº 50º/1, do mesmo diploma, «o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
«O sistema sancionatório do nosso Código Penal assenta na concepção básica de que a pena privativa de liberdade (…) constitui verdadeiramente a ultima ratio da política criminal. Desta concepção derivam consequências a dois níveis, que o Código procura levar tão longe quanto possível. Consequências, desde logo, quanto à reconformação da própria pena de prisão, no sentido de, em toda a medida possível, limitar o seu efeito negativo e criminógeno e oferecer-lhe um sentido positivo, prospectivo e socializador: por isso (…) o Código consagra uma pena de prisão única e simples (…).Consequências, por outro lado, quanto à limitação da aplicação concreta da prisão, advogando a sua substituição, sempre que possível, por penas não institucionais (…) Com tudo isto bem pode afirmar-se que o Código Penal vigente deu realização (…) aos princípios político-criminais da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da pena de prisão, relevando ao mesmo tempo a sua oposição de princípio à execução contínua de penas curtas de prisão» ([12]).
Visando a pena a promoção da reinserção social do delinquente, há muito que se desenha uma clara opção pela abolição da penas curtas ([13]) ou médias, de prisão, que não terão, por regra, a duração suficiente para permitir a realização desse objectivo mas, antes pelo contrário, «não poucas vezes, corrompem o condenado, fazendo-lhe perder o seu trabalho e rompem os seus vínculos familiares, expondo-o ao contágio criminal, habituando-o à vida prisional e estigmatizando-o com o labéu de [ter estado na prisão]» ([14]).
Enforma o nosso direito penal, na concordância com esse movimento europeu, o princípio da preferência pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas, a par dos princípios da legalidade, da necessidade e subsidiariedade, da culpa e da socialidade ([15]). O princípio emerge, desde logo, da CRP – artºs 30º/1, 27º e 28º - e encontra espaço na lei ordinária no artº 70º/CP.
A suspensão da execução da pena apresenta-se como medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, que dá expressão à opção legislativa de que a execução de uma pena prisão constitui a “ultima ratio” da punição (artº 18º/2, da CRP). 
Do ponto de vista dogmático, a substituição da pena apresenta-se como uma «pena de substituição», revestindo a natureza de verdadeira pena, com carácter autónomo, com campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios.
A prevenção geral assume, por regra, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, entendida como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida ([16]) e não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos.
A aplicação de uma pena suspensa resulta da atribuição, no caso concreto, de preponderância ao fim da prevenção especial, face ao da prevenção geral: «o que aqui sucede – apenas – é que se altera a ponderação legal dos factores preventivos gerais e especiais presentes no acto de aplicação da pena. Enquanto, nos casos normais, o legislador se preocupa em fazer com que seja aplicada uma pena que, no caso concreto, representa o óptimo de um ponto de vista de prevenção geral - sendo essa, sempre (…) a pena da culpa -, confiando que as finalidades preventivas especiais se alcancem, nos casos referidos de substituição da pena de prisão, o legislador permite que se aplique uma pena diversa daquela que corresponde, no caso concreto, à culpa do agente – por ser claro que a aplicação dessa pena teria, no caso, um efeito des-socializador -, confiando então (…) que o efeito de prevenção geral possa ser alcançado em alguma medida. (…) Ou seja: não oferecerá assim qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (artº [70º, por força da L. nº 59/2007])» a partir da ideia de que um orientamento de prevenção – e esse é o de prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo juiz; sendo igualmente um orientamento de prevenção – agora de prevenção geral, no seu grau mínimo – o único que pode (deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial» ([17]).
As exigências de prevenção geral, na operação de escolha sobre a pena suspensa ou efectiva, funcionam apenas como cláusula de ultima ratio, representam apenas o grau mínimo de subsistência do sistema jurídico perante a hipótese de suspensão: há que aferir se, suspensa a execução da pena, o ordenamento jurídico claudica, perde subsistência, enquanto garante do efeito preventivo geral, ou seja, se a sociedade tolera ou não aquela suspensão sem a considerar como prova da fraqueza do sistema penal face àquele crime; se a pena suspensa é, ou não, ainda, entendida como uma mal imposto ao agente, ainda que visando um bem futuro.
A sua aplicação funda-se, necessariamente, em critérios de legalidade, os quais, no essencial, se reconduzem à ideia da existência de prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do agente. A finalidade político-criminal que a lei visa através do instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, carecendo, a aplicação medida, de ser adequada a uma prognose de prevenção especial, já que os fins da prevenção geral aqui devem fazer-se sentir unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico. A confiança da comunidade na validade das normas, se não pode ceder, em limites que lhe retirem sentido, na ponderação e concordância prática das finalidades e exigências em presença, não poderá, igualmente, constituir impedimento à realização das finalidades de política criminal que conformam o regime penal.
São, pois, unicamente considerações de prevenção - especial e geral - e não de culpa, que devem conduzir, ou não, à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena ([18]).
Para aplicação desta pena de substituição é condição que o julgador se convença, face ao facto e ao agente, de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delituosas ([19]), atingindo as finalidades da protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade. A este juízo de prognose é essencial a consideração da personalidade do agente, das suas condições de vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias que rodearam o crime. Não são considerações de culpa que devem ser atendidas, mas juízos sobre o modo como o arguido se irá comportar em liberdade, considerando a sua personalidade, as suas condições de vida, o seu comportamento e as demais circunstâncias do caso, tudo determinando que o juízo de prognose do julgador seja favorável à suspensão, por esta se revelar adequada e suficiente. É certo que o Tribunal corre um risco, porque a decisão de suspender não assenta em certezas, mas trata-se de um risco calculado, prudente, porque a perspectiva no momento da decisão é, tem que ser, positiva.
Como ensina Jescheck, citado pelo acórdão do Supremo Tribunal de 30/06/93 ([20]) «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas, se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa, o que supõe, de facto, um in dubio contra reo».
No caso é indubitável a existência do pressuposto formal da suspensão, uma vez que as arguidas foram condenadas em penas inferiores a 5 anos de prisão.
Quanto ao pressuposto material, há que considerar que as arguidas praticaram os factos nas mesmíssimas circunstâncias de vida que detém neste momento, salvaguardando as decorrentes do facto de se encontrarem presas. São naturais de pais estrangeiro, encontram-se em Portugal de passagem - vieram apenas para transportar cocaína, ou seja, para praticar o crime – verificando-se que as condições de vida que detinham anteriormente não foram incentivo suficiente a evitar a prática do crime. Nada indicia que o sejam, agora, face às características específicas da acção criminosa: obtenção de grandes lucros com simples viagens intercontinentais.
A confissão dos factos nos termos em que foi feita não assume relevo, na medida em que foram apanhadas em flagrante delito. Não há factos provados onde se possa ancorar um juízo de prognose favorável quanto ao facto de a ameaça de pena ser bastante para as afastar do negócio do tráfico de estupefacientes.
A tanto se opõe a gravidade das suas condutas, o facto de terem sido praticadas num país estranho, relativamente ao qual nada as impede de voltar delinquir se entenderem o comportamento das autoridades como permissivo.  Em causa está o recebimento de lucros fáceis - que proporcionam rapidamente a melhoria de vida que é a determinante para a prática de crimes desta natureza - a dimensão marginal dos casos em que semelhantes condutas são detectadas e punidas e as consequentes disseminação deste tipo de criminalidade e imperiosa necessidade de o combater de forma eficaz.
O tipo de conduta que configurou os tráficos – vulgarmente designada por “correios de drogas”  - aliado às personalidades reveladas, não permitem concluir que a suspensão da pena seria adequada aos fins de prevenção especial que se impõem e muito menos aos fins de prevenção geral.
São particularmente intensas, as necessidades de prevenção geral nesta área, que só excepcionalmente se satisfazem com uma pena de substituição. Trata-se de uma actividade altamente organizada, disseminada através de grupos com dimensão internacional dotados de elevados meios, com os quais as autoridades não conseguem competir, que gera facilmente grandes lucros e, nessa medida, é muito apelativa, mas é extremamente danosa para a saúde pública.
Os crimes de tráfico são instigadores da divulgação do flagelo social do consumo de tóxicos, hábito que se encontra na génese de pelo menos, oitenta a noventa por cento dos crimes cometidos contra a propriedade privada, neste país. Isto, sem esquecer os efeitos arrasadores para a saúde física e mental que as drogas produzem em quem as consome e os reflexos familiares e sociais que lhes estão associados.
São igualmente grandes as necessidades de prevenção especial, pelos fundamentos atrás referidos.
A Resolução do Conselho de Ministros n.° 46/99, de 26 de Maio, aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga e fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, como opção estratégica fundamental para Portugal, com fundamento em que «as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas,  empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que  atinge não apenas a vida dos jovens mas também a vida das famílias e a  saúde e segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se  torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico  com redobrada determinação...No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação de controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia».
A posição que sobre o assunto o Supremo Tribunal de Justiça vem tomando reflecte esta tomada de posição e acentua as necessidades de especial atenção à prevenção geral.
Na conformidade, apenas se vem admitindo a suspensão da execução da pena em situações especialissimas, em que a ilicitude do facto se mostra acentuadamente diminuída e  o sentimento de reprovação social substancialmente esbatido. Só mediante a demonstração de que, na precisa situação concreta, a prognose é especialmente consistente se vem decretando a suspensão da execução de pena de prisão, pois que se entende que só nessas circunstâncias é exigível impor a esses interesses uma compressão proporcional à salvaguarda de outras finalidades das penas, como a prevenção especial, na vertente ressocializadora. Tem sido orientação pacífica no Supremo Tribunal de Justiça a de que «a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, (…), seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral» ([21]).
Os efeitos nocivos para a saúde resultantes do tráfico - especialmente  quando se trata de drogas duras, como a cocaína, que era a droga transportada pelas arguidas - o prolongamento no tempo, tipico da dependência que provocam, o elevado número de pessoas  que atingem, despertam um sentimento de reprovação social do crime especialmente violento, o que leva a que a suspensão da execução da pena , em regra, ponha «em causa a crença da comunidade na validade (da)  norma e, por essa via, os sentimentos  de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais»  ([22]).
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C- Da Pena Acessória de Expulsão:
Improcedente a pretensão de suspensão da execução da pena resulta desnecessária a análise do pedido de revogação da pena de expulsão, porque foi feita depender da procedência da questão anterior da suspensão da execução da pena. Mas, de qualquer modo, convenhamos que nada nos autos apontaria para a procedência da revogação de semelhante pena.
Nos termos do artº 34º do DL 15/93, ao arguido estrangeiro condenado pela prática de crime relativo a estupefacientes, pode ser imposta pena de expulsão por período não superior a 10 anos.
Trata-se de uma pena acessória, a ser aplicada pelo Tribunal que condena o estrangeiro pela prática de crime p. e p. pelo diploma supra referido.
O STJ fixou jurisprudência no sentido de que «a imposição a estrangeiro da pena de expulsão prevista no nº 2 do artigo 34º do DL 430/83, de 23 de Dezembro (anterior lei da droga) não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação por qualquer dos crimes previstos nos seus artigos 23º, 24º, 25º, 26º, 28º, 29º e 30º, devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação» ([23]).
A pena de expulsão, mesmo quando aplicada como pena acessória, pode colidir com direitos fundamentais, protegidos pelos artigos 3° e 8° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A decisão de expulsão, que constitui sempre uma ingerência na vida da pessoa expulsa, pressupõe, necessariamente uma avaliação do justo equilíbrio, da razoabilidade, da proporcionalidade entre o interesse público, a prossecução das finalidades referidas no artigo 8º/2 da Convenção Europeia e os direitos do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e nas relações familiares. Importa, pois, averiguar, casuisticamente, se a expulsão é imposta por necessidades sociais imperiosas que, na ponderação da proporcionalidade, sobrelevem aos interesses individuais ([24]).
No caso as arguidas não têm qualquer relação com Portugal.  Limitaram-se a vir até cá transportar cocaína. O tráfico de estupefacientes é que permite o consumo. O consumo de drogas dizima a dignidade de vida a milhares de cidadãos portugueses e às respectivas famílias. É verdadeiramente um motivo de alarme social desde há décadas. Potencia a miséria material e moral de famílias inteiras e de bairros inteiros, a delinquência, a existência de crianças desvalidas, com pais incapazes de exercer a sua paternidade, com condutas desviantes que geram padrões de repetição ao longo de gerações.
A expulsão das arguidas não interfere rigorosamente no seu modo de vida, porque não viviam no país, e é exigida pelo respeito que o povo português merece à sua sanidade mental.
O espírito humanista que deve presidir ao acolhimento de indivíduos de outras nações, no país, tem que ver com o respeito pelo direito à melhoria de nível de vida e à mobilidade geográfica de cada “cidadão do mundo”, mas exige como contrapartida o respeito pelas leis locais e, de sobremaneira, por aquelas que tutelam precisamente a subsistência da sanidade física e mental dos cidadãos do próprio país. Não se entende devido o acolhimento a quem, de forma tão dolosa, infringe as leis do país, na busca do lucro fácil, descurando completamente a ilicitude e as consequências das suas actuações.
A pena de expulsão, fundamentada e radicada na prática delituosa atentatória dos valores penalmente relevantes não se configura, no caso, como inconstitucional, bem antes pelo contrário, visa a efectiva tutela dos direitos dos cidadãos nacionais à saúde pública e à defesa do estado de Direito.
Impõe-se, portanto, a manutenção da pena acessória.
***
Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento aos recursos, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas por cada uma das recorrentes, com taxas de justiça respectivas de 4 ucs.
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Lisboa, 25 /09/2019                                                            
Maria da Graça M. P. dos Santos Silva
A.Augusto Lourenço
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[1] Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[2] Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.
[3] Cf. Eduardo Correia, em «Les Preuves en Droit Penal Portugais», na RDES, XIV, Janeiro-Junho/ 1967, 1-2, 29.
[4] Neste sentido, acs. do STJ, de 18/10/2001, no proc. 2137/01-5ª e de 7/12/199, em SASTJ, nºs 54 e 36º, pág. 122e 57, respectivamente.
[5] Cf. ac. de 23/02/2000, no proc. 1200/99-3ª, em SASTJ, nº 38, 75.,
[6] Cf. ac. de 30/10/2003, CJ-STJ, 2003, III, 220.
[7] Cf. ac. de 03/11/2004, CJ, STJ 2004, III, 217.
[8] Cf. ac. de 25/05/2005, CJ-STJ, 2005, II, 207.
[9] Cf. ac. de 07-06-2006, em CJ, STJ 2006, II, 207.
[10] Cf. ac do STJ, de 21/10/2009, no proc. nº 360/08.5GEPTM.S1, em www.dgsi.pt.
[11] Cf.. Maia Gonçalves, obra citada, 272.
[12] Figueiredo Dias, em «O Sistema Sancionatório do Direito Penal Português», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, Coimbra, 1984, pág.789.
[13] A lei italiana (Lei nº 689, de 24/11/1981) distingue penas curtas («brevi») – até seis  meses de prisão - e penas curtíssimas – («brevíssima») – até três meses ou um mês.
[14] Cf. Anabela Miranda, em «Critério de escolha das penas de substituição», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, Coimbra, 1984, pág. 30, que defende, mesmo, a total abolição das penas curtas de prisão
[15] Cf. Figueiredo Dias, obra citada, pág 817-818.
[16] Figueiredo Dias, em «O Sistema Sancionatório do Direito Penal Português», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, Coimbra, 1984, pág.815.
[17] Cf. ac. do STJ, de 20.02.2008, no proc.nº.08P295, em www.dgsi.pt
[18] Cf. ac. do STJ, de 20.02.2008, no proc.nº.08P295, em www.dgsi.pt
[19] Cf. ac. STJ supra citado.
[20] Cf. ac. STJ supra citado.
[21] Por todos, cf. Ac. do STJ, de 15 /11/ 2007, em www.stj.pt.
[22] Cf. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 243.
[23] Cf. Ac do STJ, de 07/11/1996, nº 14/96, no DR, I-A, de 27/11.
[24] cfr., v. g., inter alia, os acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, MEHEMI c. França, de 26 /09/ 1997, "Recueil" 1997- VI, p. 1971; BOULTIF c. Suíssa, de 2/11/ 2001, e JAKUPOVIC c. Áustria, de 6 /02/ 2003.