Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8249/08.1TBCSC.L2-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
DIREITOS DO LOCATÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Celebrado um contrato de locação financeira, o locatário pode exercer os seus direitos contra o vendedor/fornecedor do bem (art. 13º do Dec. Lei 149/95 de 24 de Junho), aí se devendo incluir o direito de anulação da compra e venda e o direito de resolução desse contrato;
2. Os meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa – no caso, o locatário financeiro investido nessa posição –, não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; a escolha do comprador tem sempre como limite a boa-fé, não sendo juridicamente aceitável uma opção que envolva sacrifício desnecessário e por isso injustificado do interesse do vendedor, impondo-se salvaguardar uma justa composição de interesses.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


  
1. RELATÓRIO:



Farmácia das A., Unipessoal, Lda., pessoa coletiva com sede na Urbanização das A., lote 12, cave direita, intentou a presente ação, que segue a forma de processo ordinário, contra CCEA – Centro de C., Lda, pessoa coletiva com sede na Rua 4, Pavilhão 2, sala 4, M., pedindo que seja “o contrato de venda de coisa defeituosa anulado e a Ré condenada a pagar à autora o montante pecuniário pago”.

Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que:

Em 21/06/2006 celebrou com o “Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” um contrato de locação financeira, com vista à aquisição de equipamentos eletrónicos, pelo valor de 120.554,72€.

Tais equipamentos eletrónicos – hardware, software informático de gestão de senhas de utentes e informação eletrónica das farmácias de serviço – foram fornecidos pela ré,
à data com a designação de “S. – Sistemas Informáticos , Lda.”.

Uma vez instalado, o software começou a funcionar com problemas, avariando-se com frequência, nomeadamente o equipamento denominado “Quiosque com Internet”.

A autora contactou a ré, que enviou à sede da autora uma empresa denominada “LPL Multimédia”, a qual efetuou algumas reparações, após o que o equipamento continuou a não satisfazer a sua função normal.

Por tal razão, e porque a ré nem devolveu o montante despendido, nem procedeu ao levantamento do equipamento, a autora teve de substituir o equipamento fornecido pela ré por outro de outro fornecedor.

Assiste à autora o direito de anular o contrato.

A ré atuou com dolo, porquanto sabia da existência dos defeitos e da persistência dos mesmos.

A ré contestou, por impugnação, invocando que as avarias de equipamento foram sempre no hardware e não no software, e que os erros de equipamento foram assistidos e resolvidos pela sociedade “LPL”, nunca tendo sido solicitado à ré a substituição de equipamento, apenas a sua devolução.

Foi proferido despacho saneador, com seleção da matéria de facto assente e controvertida; realizado o julgamento e proferida sentença, foi interposto recurso.

Na sequência de acórdão proferido por esta Relação a autora deduziu incidente de intervenção principal da sociedade Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A. (atualmente Banco Santander Totta SA), que, citada, não teve qualquer intervenção nos autos nem constituiu mandatário judicial.

Realizou-se o julgamento e proferiu-se sentença, que concluiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente por provada e em consequência.
1-Declaro anulado o contrato de compra e venda celebrado entre a ré C.Lda. e a interveniente principal Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito SA;
2-Declara-se extinto o contrato de locação financeira com efeitos a partir da sua celebração (por força da retroactividade da anulação);
3-Condena-se a ré C., Lda a receber a máquina objecto do contrato e a restituir à Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito SA o preço correspondente;
4-Condena-se a Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito SA a restituir à autora o valor das rendas e demais prestações pecuniárias por si pagas em execução do contrato.
*
Custas a cargo da ré - (cfr. artigos 527.º do CPC).
*
Notifique e registe”.

Não se conformando a ré  apelou, formulou as seguintes conclusões:

“1-Vem o presente recurso interposto da decisão da Meritíssima Juíza a quo que anulou o contrato de compra e venda celebrado entre a aqui Recorrente e a ora Interveniente Principal, declarou extinto o contrato de locação financeira com efeitos a partir da sua celebração, condenou a Recorrente a receber a máquina objecto do contrato e a restituir à Interveniente o preço correspondente e ainda condenou a Interveniente a restituir à A. o valor das rendas e demais prestações por si pagas;
2-Existe na decisão recorrida um manifesto erro na apreciação da matéria de facto, e, consequentemente, na decisão sobre o mérito dos autos;
3-Efectivamente, a sentença recorrida olvidou a prova produzida na audiência e não considerou factos que deveriam ter sido dado como provados;
4-Não atendeu ainda a factos decorrentes do depoimento das testemunhas que imporiam uma decisão de natureza diferente,
5-E ainda à notória falta de elementos de prova fundamentais para a apreciação da presente lide, nomeadamente a factura do equipamento em causa;
6-A sentença recorrida violou os artigos 905º, 908º, 909º, 911º e 913º do C.C;
7-Efectivamente, os vários meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa pelos arts. 913.º e seguintes do Código Civil não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada;
8-A A. não respeitou esse escalonamento;
9-Nunca existiu mesmo por parte da A. nenhuma comunicação de resolução do contrato;
10-A Recorrente, sempre que a A. reclamou, reparou todos os defeitos;
12-A própria A. procedeu à substituição parcial do equipamento, nunca podendo, por via disso, esta peticionar a anulação do contrato, uma vez que esta substituição do equipamento, convalidou o contrato
13-Neste termos, deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por uma que absolva a Recorrente do pedido, ou, quando muito a condene a liquidar o valor despendido pela A. na substituição parcial do equipamento.
Assim decidindo, farão V. Exas. a tão costumada Justiça!”

A interveniente Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A., notificada da sentença, constituiu mandatário judicial e apelou, formulando as seguintes conclusões:

“A) O pressuposto jurídico essencial da decisão recorrida é o reconhecimento ao locatário do direito de anular o contrato de compra e venda do equipamento locado.
B) Ora, no entender do BST, o locatário não dispõe do específico direito em causa.
C) Com efeito, a "atribuição do direito de resolução da compra e venda ... ao locatário equivaleria à frustração dos interesses do locador, o que não parece admissível" - vd. Rui Pinto Duarte, in "O Contrato de Locação Financeira - Uma Síntese", Revista da Faculdade de Direito da UNL, nº 19, 2010.
O) Aliás, admitir-se a solução preconizada na sentença recorrida de atribuir ao locatário o direito de pôr fim ao contrato de compra e venda traria consequências claramente contrárias ao espírito e objectivos do regime legal da locação financeira.
E) Assim, a sentença sob recurso, ao considerar que o locatário tem o direito de anular a compra e venda do bem locado, chegou à seguinte consequência: condenou o BST a restituir à locadora o montante das prestações que recebeu em cumprimento da locação financeira.
F) Ora, a lei protege expressamente o locador, pondo-o a coberto da obrigação de responder perante o locatário pelos vícios da coisa locada (artº12° do citado DL 149/95).
G) Ora, por via da tese da sentença recorrida, chega-se a uma solução que se afigura claramente contrária ao espírito da lei, pois protegendo esta o locador de responder pelos pelos vícios da coisa locada, julga-se que não é compatível com tal protecção vir depois expor o locador à obrigação de, exactamente por causa de tais vícios, ter de restituir ao locatário as rendas que deste recebeu em consequência da anulação do contrato de compra e venda.
H) Sendo que tal protecção não é, obviamente, assegurada pelo facto de a sentença recorrida ter condenado o fornecedor a devolver ao BST o preço recebido, dado o risco de incumprimento/insolvência que então sempre se verificará.
I)Face ao exposto, julga-se que o acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou o disposto nos art.s 1 o, 12 o e 23 o do DL 149/95 de 24/6.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se, por consequência, a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!”

Foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

A primeira instância deu por provada a seguinte factualidade:

1.A autora, em 21 de Junho de 2006, celebrou com o “Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” o contrato de Locação Financeira n.º 160674, com vista à aquisição de equipamentos eletrónicos, cujo fornecedor era a “S., Lda.” – alínea A) dos factos assentes.
2.Tal contrato teve o seu início em 15 de Julho de 2006 e foi celebrado pelo valor total de 120.554,74€ (IVA incluído), e ainda com a opção de compra por 5.977,92€ – alínea B) dos factos assentes.
3.O equipamento em causa consistia em hardware (computadores) e um software informático de gestão de senhas de utentes na farmácia da autora e informação eletrónica das farmácias de serviço, visível aos seus utentes – alínea C) dos factos assentes.
4. Tal equipamento foi fornecido e instalado pela sociedade com a firma “S. – Sistemas Informáticos de Gestão para a Saúde, Lda” em Maio de 2006 – alínea D) dos factos assentes.
5.A empresa fornecedora “S., Lda.” alterou o seu objeto e firma, sendo atualmente designada por “CCEA – Centro de Cirurgia Experimental Avançada, Lda.” – alínea E) dos factos assentes.
6.A autora contactou a ré no sentido de resolver a situação de modo a que o equipamento informático funcionasse devidamente – alínea F) dos factos assentes.
7.Em resposta ao solicitado a ré enviou à morada da autora uma empresa denominada “LPL Multimédia” – alínea G) dos factos assentes.

8.De cada deslocação feita, a “LPL” emitiu folhas de serviço onde se descrevem as reparações efetuadas designadamente:

• Folha de Serviço n.º 09951, onde se substituíram splitters, datada de 09/10/2006;
• Folha de Serviço n.º 09996, onde se desligaram monitores, repararam splitters, atualizaram-se softwares e substituíram-se transformadores, datada de 28/12/2006;
• Folha de Serviço n.º 10518, onde se verificaram problemas de monitores por avaria dos B-68, tendo os monitores sido desligados por avaria dos transformadores, datada de 19/04/2007;
• Folha de Serviço n.º 10776, onde se substituíram dois transformadores, datada de 14/06/2007;
• Folha de Serviço n.º 10569, onde se substituíram dois transformadores do sistema memória, datada de 07/08/2007;
• Folha de Serviço n.º 7495, onde se substituíram leitores CF, montou-se um bastidor e menciona-se a falta de colocação de 8 memória CF que estão avariadas e substituiu-se um splitter VGA, datada de 18/12/2007;
• Folha de Serviço n.º 10659, onde se procedeu à colocação de memórias, datada de 21/12/2007;
• Folha de Serviço n.º 7498, onde se substituíram memórias CF e se configurou o sistema, datada de 23/01/2008;
• Folha de Serviço n.º 10633, onde se procedeu à assistência do sistema e de 3 monitores de publicidade, datada de 20/02/2008;
• Folha de Serviço n.º 11132, onde se procedeu à verificação do sistema “tira-vez” e o computador de quiosque acusou um problema de rede, pelo que foi levado para reparação, datada de 02/04/2008;
• Folha de Serviço n.º 10472, onde se colocou o PC quiosque e se configurou a rede, datada de 09/04/2008 – alínea H) dos factos assentes.

9.A autora remeteu uma carta à ré em 23 de Maio de 2008 a apresentar outra reclamação e ainda a conceder o prazo de 15 dias para que a ré proceda à devolução do montante pago pelo equipamento – alínea I) dos factos assentes.
10.Em resposta a esta carta, a autora rececionou uma carta, datada de 4 de Junho de 2008, da mandatária da ré, a Sra. Dra. Sónia Falcão da Fonseca, onde acusa a receção da referida carta e confessa as intervenções de reparação feitas ao equipamento, menciona a necessidade do equipamento ser desligado e alvo de manutenção e ainda disponibilidade da ré para efetuar toda a reparação do equipamento e celebração de um contrato de manutenção do mesmo – alíneas J) e K) dos factos assentes.
11.Na mesma carta, menciona que a ré novamente se propõe a reparar os defeitos que encontrar no equipamento – alínea L) dos factos assentes.
12.A autora, em 11 de Junho e em resposta à carta rececionada, enviou outra à mandatária da ré esclarecendo que aquando da compra nunca lhe foi mencionada a necessidade de desligar o equipamento e que a assistência técnica necessária seria feita e apenas necessária dois anos após a instalação do equipamento – alínea M) dos factos assentes.
13.Refere também que quando o equipamento é desligado a informação referente às farmácias de serviço não é prestada pelo que tem de ir manualmente colocar um papel na porta a informar as farmácias de serviço e que esta funcionalidade é parte integrante do equipamento adquirido – alínea N) dos factos assentes.
14.Refere também que à data da aquisição, se tivesse sido informada da necessidade de desligá-lo, jamais o teria adquirido – alínea O) dos factos assentes.
15.No que respeita ao contrato de manutenção, a autora menciona que tal contrato não teria de ser celebrado, pois a ré informara-a que por ter sido das primeiras clientes a adquirir este produto teria assistência vitalícia e gratuita – alínea P) dos factos assentes.
16.A autora ainda explica que mesmo após ter começado a desligar o equipamento o mesmo tornou a avariar-se – alínea Q) dos factos assentes.
17.Conclui a sua carta requerendo novamente a devolução do montante pecuniário pago pelo equipamento e a sua remoção do seu estabelecimento – alínea R) dos factos assentes.
18.Nesta sequência, receciona a autora nova carta da mandatária da ré, datada de 22 de Julho de 2008, onde esta acusa a receção da carta de 16 de Junho de 2008 e confirma a existência de um fax remetido pela ré à autora a confessar que a ré atualizaria gratuitamente todas as farmácias da autora, que a mudança do plasma da farmácia seria gratuita e ainda a oferta de Piano de luzes para a autora – alínea S) dos factos assentes.
19.E conclui afirmando que a ré procederá sempre que necessário à reparação do equipamento – alínea T) dos factos assentes.
20.A ré conhecia a gravidade e reiteração dos defeitos e mau funcionamento do equipamento - art. 4.º da base instrutória.
21.A autora, na sequência das avarias, substituiu o dispensador de senhas, o monitor para apresentação de senhas, o programa informático de chamada associado às senhas, e um monitor de informação das farmácias de serviço, no que despendeu cerca de €4.000,00 – arts. 3.º e 5.º da base instrutória
22.Nunca foi pedido à ré a substituição do equipamento – art. 10.º da base instrutória

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.

1.Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelas apelantes (a ré e a interveniente) e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [1] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.

No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
-Do julgamento da matéria de facto;
-Se, celebrado um contrato de locação financeira, o locatário tem o direito de peticionar a anulação da compra e venda do equipamento locado;
-Do exercício dos direitos conferidos ao comprador de coisa defeituosa.

2.A ré indica que os factos constantes dos art. 9º e 11 º da base instrutória deveriam ter sido dado como provados. Para fundamentar essa pretensão procede à transcrição dos depoimentos das testemunhas arroladas pela autora, concluindo que “[a]s testemunhas afirmaram que após as reparações equipamento ficava efectivamente a funcionar de acordo com as suas funcionalidades”.

Está em causa, pois, apurar da seguinte matéria:

-Se “[a] Ré sempre se dispôs a rectificar os erros que foram surgindo, deixando o equipamento a funcionar de acordo com as suas funcionalidades” (art. 7º da contestação, a que se reporta o nº 9 da base instrutória);
-Se “[a] Ré nunca entendeu ser necessário a substituição do equipamento, uma vez que, finda a reparação o equipamento apresentava e funcionava normalmente” (art. 13º da contestação, a que se reporta o nº 11 da base instrutória);

Refira-se que a primeira instância referiu especificamente considerar essa matéria como não provada (enunciando-a sob os números 2 e 3), fundamentando esse juízo valorativo como segue:

“Os factos que se consignaram como não provados resultaram como tal por não ter sido produzida prova ou prova cabal quanto aos mesmos.
Efectivamente, no que em concreto aos factos não provados 2.º e 3.º concerne, atenta a prova produzida quanto a tal matéria, sendo certo que, neste particular, impendia sobre a ré o ónus da prova, apenas se provaram, com segurança, as intervenções realizadas nas datas constantes em 8.º, não se podendo daí extrair, à míngua de prova complementar, que aquando de cada intervenção todo equipamento era deixado a funcionar de acordo com as suas funcionalidades, resultando antes, das regras de experiência comum, dada a diversidade de intervenção e ao nível de vários componentes do equipamento, uma grande probabilidade de tal não ter ocorrido.
Ora, à míngua de prova complementar e atentas as razões aduzidas, deram-se por não provados tais factos”.
Em face da prova testemunhal indicada pela ré apelante não pode deixar de secundar-se este juízo valorativo, afigurando-se-nos que a única conclusão que pode retirar-se do depoimento das testemunhas é que as reparações efetuadas nunca o foram de forma consistente e efetiva, não podendo afirmar-se, com o mínimo grau de segurança, conforme a ré pretende; aliás, demonstrativo disso mesmo é que a autora procedeu à substituição do equipamento nos moldes aludidos no nº 21 dos factos provados, matéria que não foi impugnada.
A apelante limitou-se a proceder à transcrição de depoimentos, sem proceder verdadeiramente a um juízo de análise crítica sobre os mesmos mas – ao contrário do que a autora apelada refere nas contra-alegações e ainda que se reconheça alguma benevolência desta Relação – percebe-se a posição da apelante, ainda que se tenha a mesma como não fundamentada, como se retira de várias passagens dos depoimentos das testemunhas.

Assim:

J...C...A...P..., “empresário”, marido da proprietária da farmácia, notoriamente ligado ao estabelecimento em causa, o que é evidenciado no depoimento – à pergunta da Meritíssima Juiz sobre se tinha “uma empresa sua” a testemunha respondeu que “tenho uma empresa da minha mulher”, “é a farmácia das A.”. Depois de referir, aludindo ao “quiosque com internet”, que “isso nunca funcionou a Internet nesse quiosque nunca funcionou. Nunca. As senhas sim, funcionavam, mas por vezes não funcionavam havia sempre muitos problemas com esse quiosque e o sistema que dá para a rua, para ver as farmácias de serviço, avariava sistematicamente. Tanto que tivemos que o substituir”, a testemunha continuou a aludir, ao longo do depoimento, que a ré não resolvia o problema e que “o equipamento nunca funcionou” ou que “nunca funcionou bem” e que as pessoas que se deslocavam à farmácia “arranjavam sempre uma justificação para a avaria, para nós não nos resolvia, porque nós temos lá agora um hoje que não avaria. Portanto e aquilo era sistematicamente, nós tínhamos sistematicamente avarias, sistematicamente. Agora as justificações eram: não me recordo de todas, mas eram sempre muitas” – refira-se que, a instâncias do mandatário da ré, a testemunha indicou que esteve presente “quase todas as vezes” em que era prestada a assistência.

Na parte final do depoimento, atente-se ao seguinte diálogo:

Juiz: Mas, concretizou essa solução do problema, porque é que a determinada altura, não é, iam lá reparar e mais?
Test.: Eu tinha uma relação simpática, o senhor que me vendeu e sistematicamente ligava-lhe senhora Dra. a pedir ó senhor Paulo por favor resolva-me o problema que eu não posso continuar com isto. E até que não resolveu e foi quando recorri aos meus advogados para tentar resolver o problema com o senhor Paulo Orador.

Juiz: Sim, mas pediu alguma vez .... essa resolução ... o que eu quero saber é que isto de resolver o problema, o problema pode ser resolvido de muitas formas, não é? Mas era concretizado essa resolução, pedindo um equipamento novo, resolvendo o contrato?
Tes.: Sim, sim senhora Dra. eu pedi várias vezes ao senhor Paulo Orador, cheguei até inclusivamente pedir a ele para lá ir ter comigo, cheguei a dizer" ó senhor Paulo orador, resolva-me isto ou leve-me o equipamento de volta e dê-me o dinheiro, ó arranje-me um equipamento que funcione, mas resolva-me, por favor este problema, porque aquilo já se tornava uma coisa, em cima de nós sempre sistematicamente um problema, sempre com aquele problema em cima de nós, não é? Várias vezes e lembro-me perfeitamente, uma vez ele ir ter comigo e eu pedi-lhe por favor resolva-me este problema.

Juiz: Sim senhora! Olhe, e em que é que se concretizava esse mau funcionamento, estas avarias sistemáticas em relação ao quiosque Internet?
Test.: Esse, a Internet nunca funcionou. Aquilo era um quiosque que tinha um ecrã com Internet e depois tinham as senhas que saiam em baixo, a parte de cima do tal ecrã táctil, nunca funcionou.

Juiz: Sim.
Test.: E as senhas avariava com muita frequência a saída da senha .... quando ele chegou a substituir até um motor lá dentro, que deitava a senha cá para fora. Mas nunca resolveram.
(…)
Test.: Senhora Dra. inclusivamente, chegamos a dizer, leve o equipamento, chegamos aqui não é os 120 mil euros, chegamos a um entendimento, não vamos estar aqui em guerras, não vale a pena. Nem isso foi atendido pela parte dele.

Juiz: O que é que lhe fez dar o salto para a substituição?
Test.: Foi o corrermos o risco de pudermos termos multas do INFARMED e estarmos a perder clientes, porque as pessoas quando aquilo estava avariado chegavam lá e iam-se embora, não é! E a preocupação sempre, mais uma vez ligar para a empresa ... mais uma vez ... isto era sistemático, isto era uma coisa que nos estava a chatear, a aborrecer. Tanto que tivemos o equipamento retirado e a pagar o leasinq que tínhamos feito.

Refira-se que a testemunha aludiu que se tratava de um equipamento novo, desenvolvido pela ré para a farmácia e que o equipamento que foi adquirido em substituição, pese embora mais simples, nunca evidenciou qualquer problema de funcionamento [ [2]  ] [ [3] ].

Quanto à M...G...N...E...S... e Sousa – a testemunha conhece os proprietários da farmácia e é proprietária de uma farmácia – e com referência à matéria em causa a testemunha não evidenciou qualquer conhecimento relevante, sendo certo que a ré apelante também não cuidou de explicitar em que medida e em que termos considerou o depoimento desta testemunha.

J...C...S...M... conhece a autora e a farmácia, tendo sido a testemunha quem forneceu à autora o sistema de gestão de filas de espera que substituiu o da ré – segundo a testemunha, “as funções do equipamento são as mesmas” –, tendo a testemunha aludido ao contexto em que procedeu a essa substituição, referindo, nomeadamente, que foi à “farmácia fui instalar um sistema porque o que lá estava, fui contactado pelo senhor J...A... que me disse que o que lá estava, estava quase sempre avariado e portanto, não podia manter aquela situação para eu a substituir”, esclarecendo ainda que a autora não podia manter o equipamento “porque estava sempre avariada. Não ... aliás eu como utente da farmácia, ia lá e via que a maior parte das vezes que lá ia aquilo estava avariado”.

Em suma, a prova produzida suporta a versão da autora e não a da ré – saliente-se que as testemunhas aludidas foram arroladas pela autora, tendo a ré prescindido da produção da sua prova testemunhal –, não olvidando que alegando a ré a factualidade aludida, competia-lhe o respetivo ónus de prova da verificação de tais factos, para além de qualquer dúvida razoável (art.º 346º do Cód. Civil).

*

Noutro contexto a apelante invoca ainda passagens do depoimento das testemunhas mas não os contextualiza em sede de impugnação do julgamento de facto.

Assim, quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas –art. 640º, nº 1, que tem correspondência com o que anteriormente dispunha o art. 685º-B, nº1 da lei processual civil.
 
Ora, para além do que já se deixou exposto, entendemos que a ré/apelante não deu cumprimento ao disposto no referido preceito porquanto não cuidou de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando, com precisão:
-quais os factos que o tribunal deu, indevidamente, como provados, e cuja eliminação pretende;
-quais os factos que o tribunal devia ter dado como provados e erradamente omitiu, com vista ao seu aditamento e consequente ampliação (da factualidade assente);
-quais os factos que, dados como assentes pelo tribunal, o deviam ser em termos diferentes, ou seja, qual o conteúdo de texto que pretende ver modificado.

O que passa pela concreta individualização/descrição desses factos com reporte para a numeração sob a qual são identificados na sentença ou no despacho prévio à mesma, que fixou a factualidade assente e respectiva fundamentação, tendo por base os artigos da petição inicial e da contestação, nas hipóteses em que é dispensada a elaboração da base instrutória.

Particularizando, temos por irrelevante a alegação vertida nas alegações de recurso no que concerne à aludida “substituição parcial” do equipamento e à incompreensível afirmação de que “com essa substituição parcial ficaram resolvidos todos os problemas existentes”, parecendo a ré olvidar que foi a autora e não a ré quem custeou essa substituição, o mesmo se indicando quanto à pretendida “convalidação do negócio” e “sanação do vício”, parecendo evidente que se trata de matéria conclusiva irrelevante em sede de impugnação do julgamento de facto [ [4]  ]. 
O mesmo se diga relativamente à invocação de que “[n]ão consta dos presentes autos a factura do equipamento fornecido pela ora Recorrente” e que “inexiste nos presentes autos a prova efectiva do equipamento adquirido à ora Recorrente, bem como o valor do mesmo”, desde logo porque nunca sequer a ré impugnou os negócios celebrados e invocados pela autora, como resulta da confissão expressa no art. 1º da contestação, matéria que foi dada como assente na fase do saneamento do processo com base na confissão da ré e documentos juntos.

*

Em suma, improcede a impugnação do julgamento de facto feita pela ré apelante.

3.Aprecia-se, agora, o recurso interposto pela interveniente, porquanto se trata de análise que logicamente antecede a questão suscitada pela ré na sua apelação.

Como indica a entidade bancária, pressuposto jurídico essencial da decisão recorrida é o reconhecimento ao locatário do direito de anular o contrato de compra e venda do equipamento locado, considerando a apelante que o locatário não dispõe desse específico direito.

Avançamos que pouco se acrescenta ao que a Meritíssima Juiz indicou na decisão recorrida, retomando aqui o que esta Relação já havia dito no acórdão anteriormente proferido [ [5] ].

Da factualidade assente resulta que a autora celebrou com o Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito SA (atualmente Banco Santander Totta SA) contrato de locação financeira tendo por objeto o equipamento que foi fornecido pela ré ao locador.

Nos termos desse contrato e segundo as condições particulares enunciadas no documento que o titula – junto a fls. 13 a 15 dos autos –, a autora e a sociedade locadora convencionaram o pagamento de 48 rendas, sendo a primeira no valor de 12.396,69€ e as demais no valor de 1.889,45€ cada uma, a par de uma opção de compra pelo valor residual de 5.977,45€, conforme cláusula 7ª das condições particulares e artigo 9º das condições gerais, devendo o locatário restituir o bem se não exercer esse direito.

“A locação financeira postula uma intervenção de três sujeitos: o fornecedor, o locador e o locatário. Infere-se daí que ela surge em união com – pelo menos – um contrato de compra e venda” [ [6] ]   [ [7] ].

A autora é alheia a este contrato de compra e venda – ou de fornecimento –, podendo exercer os seus direitos contra o vendedor/fornecedor do bem, no estrito condicionalismo que decorre do art. 13º do Dec. Lei 149/95 de 24 de Junho [ [8] ]. Dispõe o preceito, sob a epígrafe “relações entre o locatário e o vendedor ou o empreiteiro”, que “o locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada”.

Discute-se se entre os direitos que o locatário financeiro pode exercer, nos termos do citado art 13°, se deve incluir o direito de anulação da compra e venda e o direito de resolução desse contrato, sendo que a posição da primeira instância foi no sentido de que lhe assiste esse direito.

Sinteticamente, e porque se concorda com os fundamentos expressos na decisão recorrida, dir-se-á que o legislador não estabelece qualquer distinção, aludindo apenas à possibilidade do locador exercer “todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada”, sendo que a maioria da doutrina e jurisprudência considera que o locatário financeiro, colocado na posição de um normal adquirente, pode utilizar todos os instrumentos de tutela deste [ [9] ].

“Nestas hipóteses, parece-nos que cabe ao locatário, enquanto proprietário económico da coisa, interessado no seu gozo e eventualmente na sua aquisição – e não ao locador, que não responde pelos vícios da coisa –, o domínio do destino das acções a empreender em caso de desconformidade. O interesse do locatário é de grau superior ao do locador, pelo que se deve sobrepor. É ele que sofre o dano da indisponibilidade da coisa de que deveria gozar plenamente” [ [10]  ].

Sendo que o contrato cuja anulação a autora pretende está indissociavelmente ligado ao contrato de locação financeira que a autora celebrou com a aludida instituição financeira de crédito, ora interveniente, de tal sorte que podemos afirmar que o destino de um compromete irremediavelmente o destino do outro [ [11] ] [ [12] ].

Em suma, improcedem as conclusões da interveniente.

4.A ré apelante insurge-se contra a decisão invocando que “os meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa pelos arts. 913.º e seguintes do Código Civil (diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem) não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada”, e que “no caso em apreço é evidente que não foi respeitada esta estrutura”.

Assentamos que o equipamento entregue à autora padece de vícios, cuja reparação foi sendo solicitada, ao longo do tempo, à ré e a que esta, por intermédio de outra empresa, foi procedendo, embora sem êxito. Donde, a autora, locatária, exigiu da ré vendedora a reparação da coisa, direito que é conferido pelo art. 914º.

Quanto ao direito à substituição da coisa, conferido pelo mesmo preceito, facilmente se intui que não podia estar em causa, não sendo viável a sua substituição pela ré. Efetivamente, demonstrada à saciedade a inoperância do equipamento fornecido pela ré – melhor dizendo, da solução oferecida pela ré, uma vez que se tratou de equipamento que consistiu em hardware e software –, em face das especificidades do estabelecimento da autora e exigências respetivas, que a ré não podia ignorar, essa substituição nenhuma valia teria para qualquer das partes. Saliente-se que a autora invocou que procedeu a uma substituição parcial, recorrendo a outro fornecedor – art. 28º da petição inicial – , matéria de que deram conta as testemunhas José Pais e José Martinho, sendo que a Meritíssima juiz não deu essa expressa indicação, aquando do julgamento de facto, limitando a sua análise ao que consta do número 21 da factualidade assente porquanto parece não ter considerado relevante essa referência. Efetivamente, a alusão à substituição com referência a “outro fornecedor” também não consta da factualidade dada como não provada, o que se compreende porquanto essa matéria resulta do depoimento das testemunhas aludidas, depoimentos que a primeira instância, com razão, ponderou como relevantes.

Acrescente-se que é a própria ré quem indica que a substituição não se justificava, como ressalta do art. 13º da contestação [ [13] ]  pelo que, num juízo de prognose, pode antever-se a recusa da ré se essa tivesse sido a exigência da autora – e não terá sido pelos motivos já assinalados.

O que releva, no entanto – e nisso concorda-se com a ré apelante – é que o exercício do direito pelo comprador não seja feito de forma aleatória ou discricionária.

Como se sabe, perante um contrato de empreitada, o incumprimento por via da execução defeituosa dá azo a uma “variedade de direitos, de exercício complexo” [ [14] ]. Assim, perante a constatação de defeitos na obra, face ao que dispõe o art. 1221º, o dono da obra não pode, motu próprio, proceder, diretamente, à eliminação dos defeitos, a não ser em situações de urgência – em que os valores e interesses a preservar se sobrepõem ao interesse do empreiteiro –, ou nos casos em que se verifica o incumprimento definitivo da obrigação de reparação ou eliminação dos defeitos, por parte do empreiteiro, por força do mecanismo a que alude o art. 808º. Subsidiário (e não alternativo) à eliminação dos defeitos, ou à exigência de nova construção quando aqueles não puderem ser eliminados, está o direito à redução do preço ou à resolução do contrato, nos moldes consignados no art. 1222º. Por último, o exercício destes direitos, de atuação sucessiva, não exclui o direito de indemnização nos termos gerais, verificados que sejam os respetivos pressupostos – art. 1223º. 
   
No caso em apreço e com referência à compra e venda, não decorre do regime fixado nos arts. 905º e seguintes e 913º essa específica estrutura sequencial. No entanto, e como a jurisprudência vem assinalando, a escolha do comprador tem sempre como limite a boa-fé, não sendo juridicamente aceitável uma opção que envolva sacrifício desnecessário e por isso injustificado do interesse do vendedor, impondo-se salvaguardar uma justa composição de interesses.

No processo, o que a autora pretende fazer valer é o direito de anulação do contrato, o que pressupõe a verificação dos requisitos a que alude o art. 905º, aplicável ex vi do disposto no art. 913º, sendo que a ré apelante não questiona a verificação dos requisitos alusivos ao erro. Aliás, a ré apelante também não indica, afinal, em que termos se impunha a resolução do litígio pela autora, ponderando que durante mais de um ano a ré procedeu a constantes intervenções sem qualquer resultado útil – o contrato data de julho de 2006 e foram feitas 11 intervenções até 9 de abril de 2008 –, pelo que se impõe concluir pela inviabilidade dessa opção, não se vislumbrando, igualmente, pelos motivos supra indicados, a possibilidade de substituição e inexistindo elementos que permitam julgar verificados os pressupostos da redução do preço (art. 911).

Também não tem sentido a afirmação, de que “a própria A. procedeu à substituição parcial do equipamento, nunca podendo, por via disso, esta peticionar a anulação do contrato, uma vez que esta substituição do equipamento, convalidou o contrato” [ [15] ], pelos fundamentos corretamente expressos na decisão recorrida, para que se remete e que a apelante, verdadeiramente, não discute [ [16]  ]

Improcedem, pois, as conclusões de recurso da ré apelante.
                                                        *
                                                        *
                                                        *          
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.


Lisboa, 26-01-2016

                                       
(Isabel Fonseca)                             
(Maria Adelaide Domingos)                                      
(Eurico José Marques dos Reis)


[1] Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.
[2] Atente-se na seguinte passagem:
Advogada da autora: E diga-me uma coisa, o senhor Dr. tendo esse problema e tendo esse equipamento a funcionar tão mal, o senhor optou por quê? Por desistir, desse mesmo equipamento?
Test.: Eu primeiro insisti muitas vezes para que me resolvessem esse problema, após não termos o problema resolvido, tive que o substituir, porque esta farmácia é uma farmácia, que atende 400 pessoas por dia e portanto, não podia estar sem ....
Adv. E substitui-o por outro igual ou substitui-o por outro diferente com mais funcionalidades?
Test.: Substitui por um mais simples.
(…)
Test.: Que já tínhamos a experiência noutra farmácia que temos, que funciona e que corre bem e foi o que optamos.
Adv.: E quanto é que esse equipamento lhe custou?
Test.: 4500 euros à volta disso. Não sei!
Advogada: E já está pago?
José Pais: Já está pago, já.
Advogada Já está pago.
(…)
Adv. da autora: Eles falaram-lhe, disse quando o venderam ou depois já no decurso das reclamações é que lhe vieram com essa conversa.
Test.: Foi no decurso, de ... Vamos lá a ver uma coisa, volto a dizer, foi o primeiro, segundo o senhor Paulo Orador, foi o primeiro equipamento destes vendido a farmácias foi o meu. Portanto, quando meteram o problema do tal aquecimento ...
Adv.: Sim.
Test.: Já foi posterior, porque eles não sabiam.
Adv. : Nem eles próprios sabiam.
Tes.: Claro que não.
Adv.: É isso que está a querer dizer?
Test.: Foi a primeira vez. Eles desenvolveram o software e tudo para vender à minha farmácia pela primeira vez, eles nunca tinham vendido nenhum equipamento. Eles faziam equipamentos para centros comerciais segundo o senhor Paulo Orador me disse e queriam entrar neste sector das farmácias. E começaram, a primeira farmácia a ser instalada com o sistema deles foi o meu, segundo o senhor Paulo Orador e eu dou como bom. E ele é que me disse.
[3] E ainda:
Advogado da ré: Senhor Dr. não digo o contrário. O que lhe estou a perguntar é totalmente diferente. O senhor Dr. afirmou aqui que previamente soube que este ia ser o primeiro equipamento desenvolvido, porque a tal firma desenvolvia equipamentos para centros comerciais e foi expressamente desenvolvido para a farmácia
Test.: Sim, sim senhora.
Adv.: Para a Farmácia Areias. Correto?
Test.: Correctíssimo. Correctíssimo.
Adv.: Portanto, o senhor Dr. sabendo disso e sendo um software "bébé" é normal que este Software tivesse falhas?
José Pais: Passado para aí dez ou quinze dias, eu não lhe posso precisar já foi há algum tempo, mas foi logo nos primeiros dias da abertura da farmácia.
Adv.: E depois os técnicos deslocavam-se lá e o problema era resolvido?
José Pais: Sim. Mas voltava-se a repetir muitas vezes. Segundo os técnicos diziam os problemas eram os mesmos. Isto é o que me diziam. Atenção! Não sou técnico não percebo nada.
Adv.: Esteve lá alguma vez quando foi prestada a assistência?
José Pais: Quase todas as vezes.
Advo: Todas as vezes foi substituído o equipamento sempre que era prestada a assistência?
José Pais: Não lhe sei dizer se foi substituída. Havia coisas que eram substituídas, outras que eram verificadas. Eu estava lá no escritório e depois as pessoas chamavam-me a dizer: "Olhe, já está a trabalhar" e eu ia lá verificar.
[4] Pese embora a apelante a tenha estruturado nesses termos, inserindo essa alegação sob a rubrica “da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto”.
[5] Como se compreende, a afastar-se liminarmente esse direito, pouca valia teria a intervenção da entidade bancária, podendo admitir-se, em abstrato, o processamento dos autos exclusivamente com o vendedor do bem locado, nem que mais não fosse por questões de economia processual, considerando que, anteriormente, o processo havia sido tramitado, até ao julgamento/sentença, sem a intervenção do locador financeiro, comprador do bem, tendo a questão processual da legitimidade das partes sido suscitada pelo tribunal oficiosamente e apenas na fase de recurso.    
[6] Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, p.558.
[7] Em face da específica configuração do caso, pode acentuar-se que a locação financeira traduz “uma técnica de financiamento que permite ao interessado obter e utilizar uma coisa sem ter de pagar imediatamente o preço, formando-se de modo sucessivo mediante um processo em várias fases que liga três pessoas: fornecedor da coisa, seu utilizador e financiador da operação”, como aconteceu no Ac. STJ de 14/04/2011, proc. nº 2358/07.17BOAZ-A.P1.S1 (Relator: Garanja da Fonseca); Mas também pode concluir-se que “o contrato de locação financeira não pode ser tratado como operação de simples financiamento de aquisição do bem”, como aconteceu no Ac. STJ de 12/07/2005, proc. 05B1886 (Relator: Neves Ribeiro), todos acessíveis in www.dgsi.pt.  
[8] O diploma sofreu as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n.º 265/97, de 02/10, Rect. n.º 17-B/97, de 31/10, Dec. Lei n.º 285/2001, de 03/11 e Dec. Lei n.º 30/2008, de 25/02.
[9] Neste sentido e com vasta indicação de doutrina e jurisprudência vide Fernando de Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 197-200.
[10] Fernando de Gravato Morais, obr. cit, p. 211.
[11] Cfr. o Ac. STJ de 15/05/2008, proferido no processo nº 08B332 (Relator: Lázaro Faria), acessível in www.dgsi.pt. Pode aí ler-se: “Já atrás se referiu que este contrato - como no caso - pressupõe um contrato de compra e venda válido e eficaz, sendo o bem dado em locação também o seu objecto.
Aquele é a “pedra basilar” deste último. Se, por anulação ou extinção, passa a inexistir o primeiro dos contratos,”ab origine”, então tudo se passa como se o bem locado nunca tivesse sido comprado, e, por isso, sido propriedade da compradora/locadora.
Se em virtude da declaração de nulidade ou de anulação do contrato de compra e venda tem de ser restituído tudo o que tiver sido prestado, com efeito retroactivo (art. 289º nº 1 do C. Civil), e assim foi também decidido, e sendo este o suporte, como que a dita “pedra-base” do contrato de locação financeira, então, esta consequência afecta necessariamente, e com as mesmas consequências, este.
A anulação do contrato de compra e venda origina, assim, a consequente anulação do consequente contrato de locação – vide, neste sentido, também Calvão da Silva, in Locação financeira e Garantia Bancária, p. 24 e Direito Bancário, Coimbra 2001, pág. 426”. 
[12] Vide, ainda, o Ac. STJ de 10-09-2015, processo: 1857/09.5TJVNF.S1.P1 (Relator: Lopes do Rego), acessível in www.dgsi.pt.
[13] Com a seguinte redação: A Ré nunca entendeu ser necessário a substituição do equipamento, uma vez que, finda a reparação o equipamento apresentava e funcionava normalmente.
[14] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2013, 5ª edição Revista e Aumentada, Almedina, Coimbra, p. 107.
[15] Sublinhado nosso.
[16] Refere-se na sentença recorrida:
“Não se pode, consequentemente, configurar dolosa a actuação da ré, designadamente por forma a permitir à autora, com tal fundamento, a anulação do contrato.
Contudo, persiste a possibilidade de anulação do negócio pela autora, se bem que apenas com fundamento no erro.
Com efeito, apesar de se não ter provado o dolo do vendedor, não deixa o comprador de poder reagir contra a venda da coisa materialmente defeituosa. Só que, desta feita, com base no erro acerca das respectivas qualidades: é o que se infere do preceituado nas normas acima enunciadas, designadamente nos arts. 913º, 914º, 905º, 909º e 911º.
O erro que atinja os motivos determinantes da vontade referido à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio torna este anulável, desde que o último conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro (arts 247° e 251° do CC).
In casu, além de todas as intervenções a que o equipamento foi submetido e elencadas em 8., provou-se que, em resposta a uma carta remetida pela autora à ré em 23 de Maio de 2008, aquela recebeu desta, em 4 de Junho de 2008, uma carta da mandatária da Ré, a Sra. Dra. Sónia Falcão da Fonseca, onde acusa a recepção da referida carta e confessa as intervenções de reparação feitas ao equipamento, menciona a necessidade do equipamento ser desligado e alvo de manutenção e ainda disponibilidade da Ré para efectuar toda a reparação do equipamento e celebração de um contrato de manutenção do mesmo.
Na sequência de tal carta, a autora remeteu outra à ré, em 11 de Junho de 2008,onde esclarece que aquando da compra nunca lhe foi mencionada a necessidade de desligar o equipamento e que a assistência técnica necessária seria feita e apenas necessária dois anos após a instalação do equipamento; que quando o equipamento é desligado a informação referente às farmácias de serviço não é prestada pelo que tem de ir manualmente colocar um papel na porta a informar as farmácias de serviço e que esta funcionalidade é parte integrante do equipamento adquirido; e que à data da aquisição, se tivesse sido informada da necessidade de desligá-lo, jamais o teria adquirido.
Daqui se retira que tivesse a autora tido conhecimento, aquando a negociação do contrato, que seria necessário desligar o equipamento, não o teria adquirido, na medida em que tal implica que a informação referente às farmácias de serviço deixe de ser prestada informaticamente.
Ora, tendo em conta o preço do equipamento locado (cerca de €120.000,00), mas também o fim a que o mesmo se destinava - gestão de senhas de atendimento e informação referente às farmácias de serviço - não podia, atentas as regras de experiência comum, de razoabilidade e bom senso, a ré ignorar que as referidas funcionalidades do equipamento eram essenciais para a autora, o qual era usado pela autora no seu comércio o que a ré igualmente não podia deixar de saber, ao que acresce que é do conhecimento geral que é obrigatória a informação visível do exterior da mesma sobre as farmácias de serviço e que, caso o equipamento não cumprisse cabalmente tais funções, a autora não teria celebrado o contrato de locação financeira que efectivamente celebrou.
Estão assim verificados os pressupostos da anulabilidade do contrato de compra e venda com base na existência de erro do autor sobre os motivos determinantes da vontade relativos a determinadas qualidades da máquina conhecidas da 1ª ré. (…)
Assim, e voltando à compra e venda de coisa defeituosa, se o comprador, constatado o defeito, em lugar de fazer prevalecer a anulabilidade, exige do vendedor a reparação da coisa e este, cumprindo a sua obrigação de convalidar o contrato, a repara, eliminando o defeito existente, recupera o contrato a sua validade, ficando o comprador impedido de requerer a sua anulação.
In casu, a autora solicitou, por diversas vezes a reparação do equipamento, pretende, por isso, a manutenção do contrato para a realização do objectivo a que se propôs, no âmbito da sua actividade.
A autora optou, por este caminho e solicitou extra judicialmente a reparação do equipamento.
Contudo, e conforme decorre da factualidade dada por provada, não obstante a solicitação da autora, a ré, pese embora as várias intervenções que realizou, não cumpriu com a sua obrigação de reparação, na medida em que não resultou provado que aquando das referidas intervenções a ré deixou o equipamento a funcionar de acordo com as suas funcionalidades.
Nessa medida, não desapareceu a invalidade que afectava o contrato de compra e venda celebrado, não tendo por isso havido convalidação do negócio.
Não é outrossim razoável exigir à autora que aguarde indefinida e interminavelmente pela reparação do equipamento em causa, atendendo às já inúmeras e sucessivas as interpelações  extrajudiciais efectuadas pela autora à ré com vista à reparação do equipamento.
De facto, o contrato de locação financeira foi celebrado em 21. 06. 2006, com início em 15 de Julho de 2006.
Acresce que, uma vez instalado, o equipamento começou a funcionar com problemas e avariava-se com frequência, tendo o referido equipamento sido intervencionado onze vezes entre 09- 10-2006 e 09-04-2008, não tendo, no entanto as intervenções sido de molde a deixar o equipamento a funcionar de acordo com o fim a que se destinava, facto que determinou, inclusivamente a sua substituição parcial.
Resultou ainda provado que após as intervenções referidas em 8 a autora remeteu à ré, em 23 de Maio de 2008 uma carta, que esta recepcionou, a apresentar outra reclamação e, ainda, a conceder o prazo de 15 dias para que a ré proceda à devolução do montante pago pelo equipamento, o que a autora reitera na carta que novamente enviou à ré em 11 de Junho e que esta igualmente recebeu.
A presente acção deu entrada em 08-11-2008.
A ré continua sem cumprir mantendo a sua passividade e inércia, sendo certo, que além do mais foi citada para apresente acção.
Ou seja, manifestamente não se deu a convalidação do contrato, pese embora as confessadas intervenções realizadas, sendo ainda manifesto que a autora perdeu o interesse na manutenção do negócio.
Não se mostra razoável à luz do principio basilar da boa fé que a autora continue a esperar que a ré proceda à reparação do equipamento, já que esta não demonstra ter agido com a diligência devida no sentido da resolução dos problemas inerentes ao funcionamento do mesmo, problemas esses que determinaram inclusivamente a autora a substituir parcialmente o equipamento adquirido com os inerentes custos.
Pelo exposto, há que concluir que assiste à autora o direito de anular o contrato de compra e venda em causa” (sublinhado nosso).