Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2489/11.3TBBRR.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: DIVÓRCIO
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
PRESSUPOSTOS
EQUIDADE
ÓNUS DA PROVA
HERDEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Com as alterações introduzidas pela L. 61/2008 de 31.10 ao regime do divórcio e ao art. 2016º do CC, bem como com o aditamento do art. 2016º-A, a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges passou a ter natureza e pressupostos diferentes da anteriormente prevista.
2. Como decorre dos artigos 2016º e 2016º-A do CC, a regra geral em matéria de alimentos entre ex-cônjuges depois do divórcio passou a ser a de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio, sendo a excepção o direito a alimentos, que, porém, pode ser negado por razões manifestas de equidade.
3. Assim, incumbe ao A. provar a sua incapacidade para prover ao seu sustento, quer através de rendimentos do trabalho ou outros, quer dos bens pessoais.
4. Sendo o A. herdeiro, com outros, de uma herança de que fazem parte vários imóveis, é, apenas, titular de uma expectativa de uma futura realização de partilha dos bens.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
            Maria intentou contra Luís, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 1.200,00, a título de pensão de alimentos, devida desde a propositura da acção, para vigorar durante e depois da acção de divórcio.
            A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
            A A. e o R. casaram entre si no dia ...12.1971, no regime de comunhão geral de bens.
            Em Agosto de 2003, o R. saiu de sua livre vontade da casa de morada de família, à qual nunca mais voltou, e, posteriormente, intentou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra a A., que corre termos neste tribunal.
À excepção de 2 curtos períodos, a A. nunca trabalhou por conta de outrem, dedicando-se ao R. e seus 2 filhos, por vontade daquele, que, assim, se concentrou na sua carreira de médico pediatra, evoluindo com grande sucesso.
A A. tem 68 anos de idade, é pessoa doente, não tendo qualquer rendimento ou pensão, não podendo prover à sua subsistência, gastando, mensalmente, cerca de € 1.100,00, em alimentação, higiene pessoal, vestuário e calçado, assistência médica e medicamentosa, gás, fisioterapia, transportes, limpeza e outros.
O R. aufere uma pensão mensal de € 4.500,00, exercendo actividade médica remunerada em várias clínicas.
A A. intentou procedimento cautelar de alimentos provisórios, no qual foi fixado em € 450,00 mensais a prestação a cargo do R., devidos a partir de 1.5.2011, quantia que se mostra manifestamente insuficiente.
Regularmente citado, o R. contestou, por impugnação, propugnando pela improcedência da acção.

Depois de vário processado, foi proferido despacho saneador, e seleccionou-se a matéria de facto assente e base instrutória, as quais sofreram reclamações, parcialmente procedentes.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, o R. apresentou alegações escritas de direito, vindo, oportunamente, a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou o réu no pagamento de uma pensão de alimentos de seiscentos euros (€600,00), a entregar à autora até ao dia oito do mês a que respeita através de vale postal, depósito ou transferência bancária.

Inconformado com a decisão, dela apelou o R., formulando, no final das respectivas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
(...)
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição.
A A. contra-alegou propugnando pela improcedência da apelação e manutenção da sentença recorrida.

QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
a) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, no que respeita aos arts. 1º, 17º, 31º e 34º da BI;
b) da falta de prova de pressuposto essencial do direito a alimentos da A.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.           

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
            O tribunal recorrido considerou assentes os seguintes factos:
(...)

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Alegando erro na apreciação da prova produzida, pretende o recorrente a sua reapreciação, nomeadamente no que respeita aos artigos 1º, 17º, 31º e 34º da base instrutória.
O apelante cumpriu o estatuído no art. 640º do CPC.
Apreciemos.
Começa o apelante por afirmar que existe uma clara oposição entre a resposta dada ao artigo 1º da BI [1] e a factualidade constante da al. G) dos factos assentes [2], parecendo pretender (uma vez que nada concretiza) que a resposta ao referido artigo seja alterada para “não provado”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não existe a oposição apontada.
Na fundamentação das respostas dadas à BI, o tribunal recorrido teve o cuidado de explicar a resposta dada e afastar, expressamente, eventual contradição que pudesse resultar da mesma com a factualidade já dada por assente na al. G).
Assim, escreveu que “as respostas afirmativas aos factos e 2º resultaram dos depoimentos conjugados das testemunhas F, MF (amigas da autora) e MariaC (irmã da autora) as quais referiram que o réu nunca quis que a autora trabalhasse; estas respostas afirmativas não se afiguram incoerentes com o facto assente G) já que as testemunhas ouvidas disseram que o principal motivo invocado pelo réu para que a autora não trabalhasse radicava na circunstância de auferir remuneração que lhe permitia suportar os encargos do agregado familiar e a autora ficaria a tomar conta dos filhos; assim, tendo em conta os períodos em que a autora trabalhou (após o casamento e entre 2000 a 2003), no primeiro caso em que o casal tinha iniciado a sua vida conjugal (ainda sem filhos e num contexto diferente, em C..., por ocasião do serviço militar prestado pelo réu), e, no segundo caso, numa altura em que os filhos já eram adultos ou se encontravam à beira da autonomização, conforme afirmaram as testemunhas que os filhos “já eram crescidos” quando a autora trabalhou pela segunda vez” (cfr. fls. 268 e 269).
O apelante não pôs em causa a justificação dada pelo tribunal recorrido, nem invocou qualquer fundamento que permitisse afastar tal justificação, nomeadamente por as testemunhas terem dito coisa diferente ou por a justificação assentar em pressupostos errados.
Tanto basta para não poder proceder a impugnação, afastada que se mostra a contradição pelos argumentos referidos que têm assento no depoimento das testemunhas.
Sempre se dirá, ainda, que uma coisa é o réu não querer que a autora trabalhasse e outra, ter, ainda assim, a autora trabalhado em duas ocasiões, por tempo manifestamente curto tendo em conta a duração da vida conjugal (mais ou menos 32 anos).
No artigo 17º da BI perguntava-se se o réu “suporta o valor anual correspondente a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (acrescido do valor retido) de € 3.053,53”.
O tribunal recorrido respondeu negativamente ao mencionado artigo, sustentando o apelante que, embora não tenha provado que paga anualmente € 3.053,53, da resposta resulta que não paga IRS, o que não é nem pode ser verdade, devendo a resposta ser alterada por forma a dar como provado apenas que o réu paga IRS.
Salvo o devido respeito, não assiste razão ao apelante, podendo, mais uma vez, recolher-se o desacerto da sua pretensão na fundamentação do tribunal recorrido à resposta dada.
De facto, justificou o tribunal recorrido a resposta dada ao art. 17º da BI nos seguintes termos: “a resposta negativa ao facto 17º resultou da circunstância do documento de fls. 81 da providência cautelar (datado do 28.04.2011) referir uma liquidação com pagamento de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares no montante de € 3.053,53; contudo, deste documento não se retira que o réu tenha que pagar habitualmente este valor relativo a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, podendo até suceder que, nos anteriores ou posteriores, tenha apresentado rendimentos diversos com pagamentos maiores ou menores ou mesmo com reembolso, sendo apenas possível estabelecer aquele valor em relação à liquidação do ano de 2010, cujo interesse e actualidade para a decisão se revela diminuto ou inexistente” (cfr. fls. 270).
Mais uma vez também, não adianta o apelante argumentos que ponham em causa a justificação apresentada, que nos parece conforme com a realidade e a prova documental produzida [3], sendo certo que, ao contrário do alegado, a resposta negativa a um facto não faz presumir o facto contrário, ou seja, que o réu não paga, habitualmente, o valor anual correspondente a IRS de € 3.053,53, e, muito menos, um facto (mais amplo), não perguntado, ou seja, que não paga IRS.
No artigo 31º da BI perguntava-se se “em Maio de 2011, a autora tinha uma saldo de dezenas de milhares de euros nas contas nº …/…/600 e nº …/…/900, ambas da agência do … da Caixa Geral de depósitos”.
O tribunal recorrido respondeu “não provado”, pretendendo o apelante que a resposta seja alterada para “provado”, tendo em conta o conjunto de documentos juntos pela CGD, que o tribunal recorrido não quis entender.
O tribunal recorrido justificou a resposta negativa ao mencionado artigo nos seguintes termos: “a resposta negativa ao facto 31º resulta exclusivamente do conteúdo dos documentos constantes de fls. 149 a 152 dos quais resulta que a conta nº …/…/500 era titulada pela autora tendo associadas duas outras contas (a conta nº …/…/320 que não apresentava saldos e movimentos para o período solicitado e a conta nº …/…/944 a qual apresentou um saldo médio inferior a cem euros) e que a conta nº …/…/900 era co-titulada pela autora e por R e N tendo associada uma conta de títulos com o saldo contabilístico global de € 29.261,00 (fls. 153)”.
Percorridos os autos, verifica-se que os únicos documentos juntos pela CGD aos autos são os referidos pelo tribunal recorrido, constantes de fls. 149 a 152.
Por outro lado, o que consta dos mencionados documentos é aquilo que o tribunal recorrido fez constar da justificação à resposta negativa ao quesito, que, aliás, segue, muito de perto [4], o que a própria CGD informa.
Ora, assim sendo, nunca o artigo 31º podia merecer a resposta de “provado”, como pretendido pelo apelante, uma vez que da documentação junta não resulta, minimamente, que a autora, em Maio de 2011 tinha um saldo de dezenas de milhares de euros nas referidas contas.
Por último, insurge-se o apelante quanto à resposta positiva dada ao artigo 34º da BI, que se mostra reproduzido no ponto 41) da factualidade provada, pretendendo que a resposta seja alterada para “não provado”.
Fundamentou o tribunal recorrido a resposta afirmativa dada, dizendo que a mesma “resultou do depoimento das testemunhas F, MF, MariaC e ME, afirmando as duas primeiras que a irmã e sobrinhas tinham ajudado a autora, circunstância confirmada pela própria irmã MF e ME relativamente à ajuda prestada, embora tenha havido alguma discordância quanto aos montantes (que não foram alegados) que, no essencial, não afectaram o juízo afirmativo sobre a questão vertida neste facto, uma vez que não estava em causa o montante dessa ajuda”.
Insurge-se o apelante contra a resposta dada, sustentando que, não só o tribunal recorrido não teve em conta, nas contas que fez, os montantes dados pelo réu referidos nos pontos 13) e 24) da fundamentação de facto, bem como as comodidades (habitação, energia, água, luz, telefone, seguros, impostos, conservação) que o réu lhe deu, como não resulta minimamente líquido desde quando necessitou a A. da referida ajuda.
As alegações do apelante merecem-nos, desde logo, algumas observações.
Em primeiro lugar, reproduzindo o art. 34º da BI alegação da A., a factualidade do mesmo constante tem de ser enquadrada com aquilo que a A. alegou na P.I. sobre a questão.
E o que a A. alegou (arts. 48º a 54º) foi que, quando a partir de Setembro de 2007, o R. reduziu a prestação de alimentos que dava à A., esta se viu obrigada a recorrer ao auxílio de familiares, para complementar com a ajuda o valor que recebia do marido (atentas as despesas que alegou ter [5]), o que mais se verificou quando o marido, em Janeiro de 2009, cessou completamente o pagamento de qualquer pensão de alimentos e depois de recorrer às suas parcas economias.
Assim sendo, o período temporal a partir do qual o artigo se referia estava perfeitamente delimitado pela alegação da A. – a partir de Setembro de 2007 [6].
Por outro lado, as contas que o tribunal fez e a que o apelante se refere são contas feitas na sentença, que não na apreciação da prova produzida.
Na resposta dada ao artigo 34º, o tribunal baseou-se, apenas, no depoimento das testemunhas que identificou.
E quanto a estes depoimentos, para além de ser inconsequente o que o apelante alega relativamente ao que a irmã e a sobrinha disseram, os mesmos não foram gravados, pelo que não tem este tribunal a possibilidade de reapreciar a prova testemunhal produzida (em que o tribunal recorrido baseou a sua convicção), por forma a aquilatar se existiu erro de apreciação da prova produzida, nomeadamente ponderando as demais circunstâncias a que o apelante faz referência.
Desconhece-se, em absoluto, o que foi perguntado às testemunhas, se as mesmas foram ou não confrontadas com os rendimentos alegados pelo apelante, ou outras questões relevantes que tenham contribuído para a formação da convicção do tribunal recorrido.
Assim sendo, não pode proceder a pretensão do apelante de ver alterada a resposta dada ao mencionado artigo da BI.
Improcede, pois, totalmente, a apelação, nesta parte.
2. Entremos, agora, na apreciação do mérito.
E, neste âmbito, insurge-se o apelante contra o decidido, por entender que a A. não fez prova, como lhe competia, de não ter condições para se bastar a si própria, pressuposto essencial do direito a receber alimentos do R., uma vez que é detentora de vasto património que, alienado ou rentabilizado, lhe permitiria, de forma mais que suficiente, fazer face aos seus encargos de vida.
Como refere Jorge Duarte Pinheiro in O Direito da Família Contemporâneo, 2ª ed. reimpressão, AAFDL 2009, pág. 84, “o Direito da Família é especialmente permeável à realidade social e às posições ideológicas lato sensu (incluindo visões políticas, religiosas ou concepções da vida laicas e políticas). Esta permeabilidade do Direito da Família ao universo social e ideológico é uma característica que se reflecte, sobretudo, no domínio da actividade legislativa”.
Tal permeabilidade encontra eco nas alterações introduzidas ao CC (de 1966) pela Reforma de 1977, subsequente à Revolução de 25 de Abril de 1974, tal como o encontra nas alterações recentemente introduzidas pela L. 61/2008 de 31.10 ao regime do divórcio, bem como da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges.
Na versão da Reforma de 1977, e no que diz respeito à obrigação de alimentos, “o sistema legal português não regulou a matéria com base em meras preocupações alimentares antes aproveita as circunstâncias em que decorreu o divórcio litigioso para penalizar o cônjuge culpado ou principal culpado ou para favorecer o cônjuge réu, num caso especial” [7], como resulta do nº 1 do art. 2016º na versão introduzida pelo art. 125º do DL. nº 496/77 de 25.11, embora o tribunal possa, excepcionalmente, por motivos de equidade, conceder alimentos ao ex-cônjuge culpado ou principal culpado, ou ao cônjuge autor do pedido com base em alteração das faculdades mentais do outro cônjuge (nº 2).
Na fixação do montante dos alimentos o tribunal devia “ter em conta a idade e o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta” (nº 3).
Perante este normativo, várias posições doutrinais e jurisprudenciais foram sendo tomadas, entendendo uns que a medida dos alimentos teria sempre, em última análise, de ser equacionada segundo as regras gerais sobre a obrigação de alimentos referida no art. 2003º, nº 1 do CC, entendendo outros que a medida da ajuda devia ser maior, procurando-se manter o ex-cônjuge ao nível a que ele se habituou durante a vigência do casamento, e entendendo outros que, pelo menos, o ex-cônjuge podia aspirar a uma ajuda que o colocasse numa situação razoável, acima do limiar da sobrevivência, embora provavelmente abaixo do padrão de vida que o casal atingira [8].
            Com as alterações introduzidas pela L. 61/2008 de 31.10 ao regime do divórcio e ao art. 2016º do CC, bem como com o aditamento do art. 2016º-A, a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges passou a ter natureza e pressupostos diferentes da anteriormente prevista.
            Escreve Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, em Considerações Sobre Alguns Efeitos Patrimoniais do Divórcio na Lei 61/2008, de 31.10: (In)Adequação às Realidades Familiares do Século XXI [9], págs. 163 e 164, que “as alterações sofridas pelo regime jurídico da obrigação de alimentos decorrem, em grande medida, da transição para o sistema do divórcio pura constatação de ruptura e correspondem à opção legislativa de permitir a livre saída do casamento. A possibilidade de sair não deve ser apenas formal, devendo também reflectir-se no direito patrimonial do divórcio. Não apenas e tão-somente a relação conjugal, mas também as consequências patrimoniais por si implicadas devem terminar no divórcio. Por conseguinte aquelas mesmas razões que conduzem à adopção daquele sistema de divórcio levam à preconização de uma nova obrigação de alimentos”.
            Assim, como decorre dos artigos 2016º e 2016º-A do CC, a regra geral em matéria de alimentos entre ex-cônjuges depois do divórcio passou a ser a de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio, sendo a excepção o direito a alimentos, que, porém, pode ser negado por razões manifestas de equidade (art. 2016º, nº 3).
Assentando o fundamento da obrigação de alimentos num princípio de solidariedade pós-conjugal, tal obrigação passou a ser limitada e de natureza subsidiária, explicitando o legislador que a mesma só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência, tendo, apenas, por objectivo fazer face às carências económicas do credor, e sendo certo que, em qualquer caso, este não tem direito a exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (art. 2016º-A, nº 3).
Como se referiu no Ac. da RP de 15.09.2011, P. 11425/08-3TBVNG.p1, rel. Desemb. Filipe Caroço, in www.dgsi.pt, o direito a alimentos “assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante da manifesta carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna”.
Resulta do acima exposto que à A. incumbia provar a sua incapacidade para prover ao seu sustento, quer através de rendimentos do trabalho ou outros, quer dos bens pessoais, sustentando o apelante que não logrou fazer tal prova.
Não põe o apelante em causa que a apelada não pode fazê-lo através de rendimentos do trabalho [10] - quer porque o não tem, há muito tempo, e, em boa verdade, por opção do próprio apelante, quer porque dificilmente o arranjaria atenta a sua idade [11], saúde e situação de desemprego no país -, nem através de outros rendimentos, que também não tem, não auferindo pensão de reforma, nem qualquer outro apoio social, reconhecendo o apelante, nas alegações, que os prédios a que se fará de seguida referência não dão rendimento.
O que o apelante põe em causa é que a apelante não o possa fazer com os seus bens pessoais, atenta a factualidade dada como provada sob os pontos 33) a 39) da factualidade provada.
É certo que, tendo o ex-cônjuge / credor património imobiliário, deverá atender-se não só aos rendimentos que tais bens lhe proporcionam, mas também à possibilidade da sua alienação com vista a obter proventos que possibilitem a sua subsistência.
Tal possibilidade tem, porém, de ser analisada caso a caso, uma vez que, como se entendeu no Ac. do STJ de 23.10.2012, P. 320/10.6TBTMR.C1.S1., rel. Cons. Helder Roque, in www.dgsi.pt., citado pelo apelante, não é exigível que o credor aliene o seu património imobiliário, se tal implicar, a prazo, ficar o credor exaurido de património e, portanto, do rendimento potencial que o mesmo é capaz de proporcionar, e/ou ficar, até, privado do direito à habitação [12].
Uma questão prévia se coloca, porém, no caso em apreço: é que a apelada não é proprietária [13] dos prédios elencados nos pontos 33 a 39 da factualidade provada - 2 prédios urbanos, 4 prédios rústicos e 1 misto, todos sitos no A....
Como o apelante começou por referir e, depois, pareceu esquecer, a apelada é herdeira, com outros, de uma herança de que fazem parte os referidos imóveis, sendo, apenas, titular de uma “expectativa de uma futura realização de partilha dos bens” (para utilizar a expressão utilizada pelo tribunal recorrido).
Não se pode, pois, falar em alienação dos imóveis, que não lhe pertencem, nem sequer lhe foram, ainda, adjudicados e podem nem vir a ser.
Tal como, da mesma maneira, também não se pode falar em rentabilização dos mesmos, tanto mais que a apelada não é, sequer, cabeça-de-casal, como resulta das certidões de teor matricial juntas de fls. 133 a 141.
É certo que assiste à apelada o direito a exigir a partilha da herança, mas tal não significa que os mencionados imóveis lhe venham a ser adjudicados, ou que venha a receber tornas em montante significativo, tanto mais que os valores patrimoniais constantes das certidões referidas são baixos, embora, no que aos urbanos respeita, não se descarte a possibilidade de terem já sido actualizados [14].
Alega o apelante que pelo preço [15] que a apelada recebeu pela venda de dois dos imóveis da mesma herança que foram vendidos [16] é possível equacionar o valor dos restantes imóveis.
Salvo o devido respeito, não se nos afigura que assim seja.
Por um lado, desconhece-se a natureza, dimensão e localização dos referidos imóveis, para podermos comparar com os relacionados de 33) a 39).
Por outro lado, os tempos são outros: tal como se refere na sentença recorrida, as referidas vendas ocorreram num período em que o património imobiliário tinha algum valor, sendo que, actualmente, é mais difícil tornar vantajosa uma alienação de património.
A oferta aumentou substancialmente, os valores baixaram, o investimento na construção, especialmente no A..., diminuiu ou quase desapareceu.
No âmbito em que estamos, tal possibilidade com a concretização da partilha e adjudicação de bens ou recebimento de tornas, apenas terá relevância para efeitos de cessação da obrigação de alimentos, por falta de necessidade do credor.
O que resulta da factualidade provada é a ausência de rendimentos provenientes dos mencionados imóveis e a situação de manutenção da herança indivisa.
Do que se deixa dito conclui-se que a apelada logrou fazer prova da sua incapacidade para prover ao seu sustento, nomeadamente através dos seus bens pessoais, improcedendo, em consequência, a apelação, devendo confirmar-se a sentença recorrida.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
                                                           *
Lisboa, 2014.01.21

Cristina Coelho
Roque Nogueira
Pimentel Marcos
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[1] Reproduzido no ponto 7) da factualidade provada, uma vez que o artigo mereceu a resposta de “provado” – ver fls. 267 dos autos.
[2] Reproduzida no ponto 9) da factualidade provada.
[3] Nenhum outro documento existindo nestes autos que permita alterar o entendimento sufragado pelo tribunal recorrido.
[4] Se tivermos em conta que existe manifesto lapso de escrita ao fazer-se referência à conta nº …/…/500, em vez da conta nº …/…/600.
[5] Nos arts. 36º a 39º da P.I.
[6] O que, aliás, se mostra coincidente com aquilo que o apelante refere ter sido referido pela irmã e sobrinha E....
[7] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, Volume I, Introdução ao Direito Matrimonial, 4ª ed., pág. 694.
[8] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in ob. cit., pág. 696.
[9] In “E Foram Felizes Para Sempre …? Uma Análise Crítica do Novo Regime Jurídico do Divórcio”.
[10] Não obstante chegue a sugerir que a apelada devia trabalhar, como, alegadamente, o apelante ainda faz.
[11] Quase 71 anos.
[12] Em sentido idêntico, cfr. o Ac. do STJ de 28.06.2012, P. 1733/05.0TBCTB.C1.S1, rel. Cons. Távora Victor, in www.dgsi.pt.
[13] Nem sequer comproprietária, como, certamente por lapso, se refere na sentença recorrida.
[14] Por força da actualização extraordinária realizada em 2012.
[15] Sessenta mil euros.
[16] O terceiro referido no ponto 40) da fundamentação de facto pertencia, segundo alegação do apelante, ao dissolvido casal.
Decisão Texto Integral: