Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4102/20.9T8OER-D.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: EXECUÇÃO
INTEGRAÇÃO DO EXECUTADO NO PERSI
COMUNICAÇÃO
SUPORTE DURADOURO
ÓNUS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 – A integração do executado no Procedimento Extrajudicial de Regularização da Situação de Incumprimento (PERSI) e a respectiva extinção devem ser comunicadas ao devedor, em suporte duradouro, ou seja, através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, o que é reconduzível à noção de documento conforme emerge do artigo 362.º do Código Civil, e, tratando-se de declarações receptícias, constitui ónus da exequente demonstrar a existência dessas comunicações, o seu envio e a sua recepção pelo executado, enquanto condição de admissibilidade da própria execução.
2 - Comprovada a existência do “suporte duradouro” contendo o teor da comunicação exigida pelo regime legal do PERSI, é admissível o recurso a qualquer meio de prova para comprovação complementar do cumprimento da obrigação da entidade bancária de levar ao conhecimento do destinatário o seu teor.
3 – Tendo o executado contraditado o envio das cartas simples, a mera junção aos autos de cópia das cartas não atesta o efectivo cumprimento das exigências formais de integração no PERSI e da subsequente extinção do procedimento, por estarem em causa declarações receptícias que implicam a demonstração do envio e recepção desses suportes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, com sede em Boulevard Grande Duchesse Charlote, L, Duchesse Charlote, Luxemburgo apresentou requerimento executivo, com data de 10 de Dezembro de 2020, que deu origem aos autos de execução sumária n.º 4102/20.9T8OER para pagamento de quantia certa contra B, com domicílio à Rua …, Oeiras, com base em título executivo constituído por injunção que o Banco Comercial Português, S. A., Sociedade Aberta intentou contra o executado e correu termos no Balcão Nacional de Injunções, sob o n.º 9097/15.8YIPRT, onde peticionou o pagamento do valor em dívida, resultante de incumprimento contratual, que à data se cifrava em 6.160,35€ e a que foi aposta fórmula executória, em 13 de Abril de 2015, por falta de oposição, não tendo o executado procedido ao pagamento da quantia, sendo que tal crédito lhe foi cedido mediante contrato celebrado em 26 de Setembro de 2018, acrescendo os juros de mora, pelo que a quantia exequenda ascende a 9.636,22€ (cf. Ref. Elect. 17950549 dos autos de execução).
Em 24 de Março de 2022 o executado dirigiu aos autos um requerimento em que concluiu pela sua absolvição da instância executiva, invocando a verificação da excepção inominada e de conhecimento oficioso consistente na falta da sua integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização da Situação de Incumprimento[1], referindo não estar essa invocação sujeita ao prazo concedido para a apresentação da defesa por se tratar de questão de conhecimento oficioso (cf. Ref. Elect. 20729995 dos autos de execução).
Notificada a exequente para se pronunciar, esta, por requerimento de 13 de Maio de 2022, veio dar conta que o executado foi integrado no referido procedimento, que se extinguiu, mantendo-se o incumprimento, juntando duas cartas que alega terem sido remetidas ao executado por correio simples, conforme consta da base de dados do banco cedente (cf. Ref. Elect. 21057911 dos autos de execução).
Notificado desse requerimento, o executado veio defender que os documentos apresentados não fazem prova da sua integração no PERSI, refutando que tais cartas lhe tenham sido efectivamente remetidas, reiterando que não foi integrado nesse procedimento (cf. Ref. Elect. 21071711).
A exequente foi notificada para juntar aos autos o contrato celebrado entre as partes subjacente à obrigação exequenda, o que aquela fez em 19 de Julho de 2022, juntando o contrato de abertura de abertura de conta de depósito à ordem e as respectivas condições (cf. Ref. Elect. 21485363 dos autos de execução).
Em 27 de Setembro de 2022 foi proferido despacho a ordenar a notificação da exequente para demonstrar o valor do crédito sobre o executado que lhe foi cedido, tendo juntado aos autos o documento que consta do requerimento de 17 de Outubro de 2022, dando conta que o valor do crédito é de 5.529,45€ (cf. Ref. Elect. 21968834 dos autos de execução).
Em 10 de Novembro de 2022 foi proferida decisão que indeferiu o requerido sustentando não ser lícito ao executado, após deduzir embargos, pretender deduzir excepções por requerimento avulso na execução (cf. Ref. Elect. 140740118 dos autos de execução).
O executado interpôs recurso dessa decisão, tendo sido proferido por esta Relação o acórdão de 28 de Fevereiro de 2023, que revogou a decisão recorrida e ordenou a baixa dos autos à 1ª instância a fim de, após a realização das diligências tidas por pertinentes, ser apreciada a excepção inominada de falta de integração do executado no PERSI (cf. Ref. Elect. 19671907 do apenso C).
Tendo os autos baixado à 1ª instância, em 16 de Maio de 2023 foi proferido despacho a ordenar a notificação da exequente para se pronunciar quanto ao requerimento de 24 de Março de 2022 (cf. Ref. Elect. 144361484 dos autos de execução).
Por requerimento de 9 de Junho de 2023, a exequente veio reiterar ter o cedente do crédito integrado o executado no PERSI, do que este foi notificado por carta de 26 de Setembro de 2024 e, bem assim, da sua extinção, tendo as cartas sido endereçadas para a última morada conhecida, indicada pelo executado a 6 de Maio de 2014, pelo que a excepção inominada de falta de integração no PERSI deve ser julgada improcedente. Juntou cópia das mencionadas cartas e documento comprovativo da alteração da morada do executado (cf. Ref. Elect. 23530183 dos autos de execução).
O executado pronunciou-se, por requerimento de 19 de Junho de 2023, impugnando os documentos juntos pela exequente e argumentando que não fazem prova da sua integração no PERSI, sendo apenas cópias simples, que não comprovam terem as missivas sido enviadas ao destinatário; negou ter recebido qualquer uma dessas missivas, não estando demonstrada a alegada integração no procedimento, concluindo pela sua absolvição da instância executiva, que deve ser extinta (cf. Ref. Elect. 23587947 dos autos de execução).
Em 13 de Julho de 2023 foi proferida a seguinte decisão (cf. Ref. Elect. 145459712 dos autos de execução):
“Em 24-III-22 o executado veio invocar a falta de integração prévia no PERSI.
Na sequência do acórdão proferido no apenso C, em 9-VI-23 a exequente alega que a execução foi precedida de PERSI – juntando 2ªs vias de alegadas cartas, datadas de 26-IX-14 e 26-XII-14 (que o executado impugnou, em 19-VI-23).
Importa apreciar - verificando-se que o título executivo apresentado em 10-XII-20 é uma injunção (instaurada por ‘B.C.P., S.A.’, invocando “descoberto em conta”) com força executiva desde 13-IV-15.
A causa de pedir da injunção não se enquadra em qualquer dos contratos de crédito previstos no artigo 2º do DL 227/12 de 25-X – pelo que, não sendo aplicável o regime do PERSI, não se compreende por que razão a entidade bancária teria enviado as alegadas cartas.
Motivos por que se julga improcedente a excepção.
Notifique.”
Inconformado com esta decisão, o executado veio interpor o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões (cf. Ref. Elect. 24161657):
A. A decisão recorrida não deve manter-se uma vez que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação da lei.
B. O executado, ora apelante, deduziu embargos de executado à execução intentada pela exequente A, acompanhado de requerimento de Apoio Judiciário que foi indeferido.
C. O executado foi notificado pelo tribunal “quo” para pagar a taxa de justiça devida e não pagou.
D. Por sentença – de referência 135460436 - foi ordenando “…. o desentranhamento da petição de embargo (artº 570º, nº 6, do CPC) e, por impossibilidade da lide, a extinção da presente instância (artº 277.º, alínea e), do CPC.”
E. Não houve, portanto, decisão de mérito sobre o embargo.
F. Nela o executado havia invocado, entre o mais:
- que a presente execução não tinha sido precedida, da integração do executado no Procedimento Extrajudicial de Regularização da Situação de Incumprimento (PERSI);
- que o executado nunca foi informado e/ou notificado/incluído no aludido instrumento para a regularização extrajudicial do incumprimento, que é condição objectiva de procedibilidade da execução consubstanciada na preterição de dever de comunicação ao devedor da integração/extinção do PERSI.
- que, ao não integrar o executado no aludido instrumento a exequente viola norma imperativa que impedia, “ab initio”, a instauração da presente execução.
- o processo executivo está assim ferido de ilegalidade,
- que representa uma excepção dilatória inominada, insanável e de conhecimento oficioso,[2]
N. que não está sujeita ao prazo concedido para a apresentação de defesa, pelo que, atento o artº 573º nº 2 “in fine” do CPC, não está abrangido pelo princípio da preclusão e cujo conhecimento pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados (Cfr. art.º 726º/2, b) e 734º do CPC).
O. E conclui que a execução não pode seguir.
P. No entender do ora recorrente, os autos dispunham de todos os elementos necessários à boa decisão sobre o requerido.
Q. E, os documentos juntos pela requerida nada acrescentam aos já existentes nos autos.
R. Por isso, e salvo o devido respeito por opinião diversa e não se compreende como é que o Mmo Juiz “a quo” concluiu pelo envio das alegadas cartas.
S. Os autos não autorizam tal conclusão.
T. Inexiste nos autos qualquer prova de integração do executado no PERSI nem da extinção do procedimento.
U. Inexiste nos autos qualquer prova de que as alegadas cartas tenham sido remetidas ao executado/recorrente e que tenham sido por este recebidas.
V. Ao não integrar o executado no PERSI, a Exequente/recorrida violou a lei, conduzindo-nos a uma excepção dilatória, inominada, insanável e de conhecimento oficioso, constituindo uma condição objectiva de procedibilidade da própria execução.
X. Por outro lado, o saldo devedor na conta de Deposito à Ordem provocado por movimentos efectuados entre 2014/05/13 e 2014/12/05 e que materializa e fundamenta o efeito pretendido pelo requerente (a causa de pedir da injunção) consubstancia um descoberto bancário e, portanto, perfeitamente integrado na al. e) do n.º 1 do artº 2º do DL 227/2012 de 25 de Outubro.
Y. Pelo que, ao decidir como decidiu, foi violado o citado normativo
Z. Impunha-se considerar procedente a exceção invocada - preterição de integração do executado no domínio do PERSI).
Termina pugnando pela procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue procedente a excepção invocada.
A exequente/recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 24388267).
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[3], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Assim, perante as conclusões da alegação do executado/recorrente há que apreciar da verificação da excepção dilatória inominada decorrente da falta de integração no PERSI.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e ainda o seguinte, que emerge dos documentos juntos aos autos e da posição das partes neles vertida[4]:
1. Com data de 26 de Agosto de 1992, o executado B subscreveu um formulário emitido por Nova Rede Banco Comercial Português intitulado “Abertura de Conta de Depósito à Ordem – Particulares”, também subscrito por um funcionário da instituição bancária, preenchendo o seu nome na ficha de assinaturas dele constante, procedendo à abertura da conta n.º 78036695, Sucursal 708, com movimentação individual, declarando ter tomado conhecimento das Condições Gerais de Depósito em vigor no Banco Comercial Português, constantes da primeira página, as quais declarou aceitar.
2. Consta do ponto 11. das Condições Gerais de Depósito o seguinte:
“11. Débitos
a. O cliente autoriza desde já o Banco a debitar a conta em virtude de quaisquer comissões, portes, encargos e impostos a elas referentes.
b. Se a conta não se encontrar provida com saldo suficiente para que nela seja lançada a débito qualquer transacção, como pagamento de um cheque, uma ordem de transferência dada pelo Cliente, um levantamento de numerário numa Caixa Automática, ou a regularização de responsabilidades perante o Banco, fica este autorizado a debitar esse montante acrescido dos respectivos juros devedores, sobretaxa de mora e imposto de selo em qualquer outra conta de depósito existente no Banco em nome do Cliente.
O Cliente reconhecer ao Banco a faculdade de não permitir a mobilização antecipada de aplicações financeiras a prazo em que perdurem responsabilidades vencidas.
c. Caso não haja provisão suficiente em qualquer outra conta de depósito do Cliente e se o Banco decidir autorizar o pagamento, não tendo a conta um limite de descoberto associado ou ultrapassando o saldo final aquele limite, o Cliente compromete-se a regularizar nesse mesmo dia, até à hora prevista para o encerramento dos estabelecimentos bancários, o descoberto originado pelo débito da sua conta.
d. Os descobertos não regularizados dentro do prazo referido na alínea anterior passarão a vencer juros à taxa mais alta praticada pelo Banco para operações de crédito activas, acrescidas de sobretaxa legal de mora em vigor, ou de qualquer outa que a venha substituir, e do importo de selo que se lhe aplicar.”
3. O Banco Comercial Português S.A., Sociedade Aberta apresentou junto do Balcão Nacional de Injunções, em 15 de Janeiro de 2015, requerimento de injunção requerendo a notificação de B para proceder ao pagamento da quantia de 5 529,45 €, acrescida de 477,90€ de juros de mora vencidos à taxa de 18,50% e 153,00€ de taxa paga, quantia aquela correspondente ao saldo devedor na conta de depósitos à ordem n.º 78036695, a que foi aposta fórmula executória, em 13 de Abril de 2015.
4. Com data de 26 de Setembro de 2018 foi subscrito um documento intitulado "Contrato de Cessão de Créditos” por Banco Comercial Português, S.A., Banco de Investimento Imobiliário, S. A. e Banco Activobank, S. A., na qualidade de vendedores e A., na qualidade de compradora, mediante o qual o primeiro cedeu a esta última o crédito que detinha sobre o executado, incluindo capital, juros, indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias, tendo sido transmitido o contrato n.º 20_78036695_DDA, figurando na carteira de empréstimos que integra o Anexo 6 (mencionado no ponto 3., 1., a) do contrato), o crédito sobre o aqui executado, no montante referido em 3..
5. A cessão de créditos referida em 4. foi notificada ao executado, conforme carta com data de 15 de Outubro de 2018.
6. Em data não apurada, foi elaborado, de modo automático, um documento dirigido a B, com o endereço Tv.  …, Oeiras, nele figurando a data de 26 de Setembro de 2014, sob o Assunto “Responsabilidades em incumprimento”, com a menção no canto superior esquerdo de “2ª via”, com o seguinte teor:
“Como é do conhecimento de V. Exa. encontram-se ainda por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas. Face ao exposto, na data de emissão desta carta, foi V.Exa integrado(a) no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.
Na eventualidade de não ter condições para regularizar integralmente os valores em atraso, deverá V. Exa. enviar-nos no prazo máximo de 10 dias, a documentação abaixo indicada, comprovativa da sua situação financeira, para que se possa proceder a uma avaliação correta da capacidade financeira de V. Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização:
(a) cópia da última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;
(b) comprovativo do rendimento auferido por V. Exa., nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
(c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa. suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.
Mais informamos que a situação de crédito vencido foi comunicada à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
No caso de, entretanto, ter já procedido à regularização dos valores identificados, ou estar em curso a formalização de um acordo de pagamento ou de uma proposta de reestruturação, agradecemos que considere esta carta sem efeito.

Aos valores vencidos acrescem juros de mora à taxa de 3% ao ano, acrescido do respetivo do Imposto Selo de 4% quando aplicável, contabilizados diariamente.
À data de regularização será devida uma Comissão de Processamento de Prestação em Atraso, por cada prestação no valor de 4% da mesma, com o mínimo de 12€ e o máximo de 150 €, quando aplicável.”
7. Em data não apurada, foi elaborado, de modo automático, um documento dirigido a B, com o endereço Tv. …, Oeiras, nele figurando a data de 26 de Dezembro de 2014, sob o Assunto “Responsabilidades em incumprimento”, com a menção no canto superior esquerdo de “2ª via”, com o seguinte teor:
“Vimos por este meio informar que, na sequência de terem decorrido 91 dias da integração de V. Exa. no PERSI Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, consideramos extinto o referido procedimento (*).
Assim, se decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, iremos de imediato e sem precedência de qualquer outra notificação, promover a resolução do(s) contrato(s) e a execução judicial dos créditos.
Sem prejuízo do referido anteriormente, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação através do telefone … .. .. .., com vista à regularização extrajudicial das referidas responsabilidades de crédito.
No caso de, entretanto, estar em formalização uma reestruturação com vista à regularização dos valores identificados, agradecemos que considere esta carta sem efeito e aceite as nossas desculpas pelo incómodo.


Aos valores vencidos, acrescem juros de mora, contabilizados diariamente.”
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Factos Não Provados
a. As cartas descritas em 6. e 8. foram remetidas ao executado em correio simples para a morada do executado.
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Os factos descritos em 1. e .2 basearam-se no conteúdo do documento junto com o requerimento de 19 de Julho de 2022 (cf. Ref. Elect. 21485362 dos autos de execução); os factos descritos em 3., 4. e 5. resultam do conteúdo dos documentos n.ºs 6, 4 e 5, respectivamente, juntos com o requerimento executivo e que não foram impugnados pelo executado (cf. Ref. Elect. 17950549 dos autos de execução).
O descrito nos pontos 6. e 8. constitui reprodução dos documentos apresentados pela exequente juntamente como seu requerimento de 13 de Maio de 2022[5], e, bem assim, com o requerimento de 9 de Junho de 2023, tendo referido que foram emitidas de modo automático.
O facto dado como não provado decorre da circunstância de, como a própria exequente afirmou, tais cartas terem sido, alegadamente, remetidas ao executado em correio simples, sendo que este último, ora recorrente, sempre sustentou não ter recebido qualquer uma dessas comunicações e que a sua junção não tem a virtualidade de provar o efectivo envio dos originais, porque se trata de meras 2ªs vias[6].
A exequente/recorrida, por sua vez, entende que as cartas para integração/extinção no PERSI não têm de obedecer a qualquer formalidade especial, bastando o envio em conformidade com o estabelecido no contrato (carta simples ou correio electrónico, por exemplo) e que as missivas foram enviadas para a última morada conhecida, à data, do executado, como por ele comunicado em 6 de Maio de 2014, pelo que foram cumpridos todos os trâmites legais.
No acórdão de 28 de Fevereiro de 2023 proferido no apenso C ordenou-se a baixa dos autos à 1ª instância para, após a realização de diligências tidas por pertinentes com vista à eventual demonstração da integração do executado no PERSI, ser apreciada a excepção.
Considerou-se que os autos não forneciam, então, todos os elementos necessários a essa análise, havendo que conceder oportunidade à exequente de comprovar o eventual envio das missivas.
Para o efeito teceram-se as seguintes considerações, que aqui se reproduzem:
“Como resulta do disposto nos art.ºs 14º, n.º 4 e 17º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25 de Outubro, a integração do executado no PERSI e a respectiva extinção devem ser devidamente comunicadas ao devedor, em suporte duradouro, ou seja, através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art.º 362.º do Código Civil, sendo que, sendo declarações receptícias, constitui ónus da exequente demonstrar a existência dessas comunicações, o seu envio e a sua recepção pelo executado, enquanto condição de admissibilidade da própria execução - cf. art.ºs 224º e 342º, n.º 1 do Código Civil.
No que se refere à concretização do conceito de comunicação em suporte duradouro, a alínea h) do artº 3.º define-a como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.”.
Certo é que a mera junção aos autos das aludidas cartas simples e a alegação de que foram enviadas ao executado não constituem, por si só, prova do respectivo envio e da consequente recepção por este último (que, aliás, a negou).
Confrontado com a junção de tais documentos, o tribunal recorrido entendeu útil, para apreciar a questão suscitada, solicitar à exequente a junção aos autos do contrato celebrado com o executado subjacente à obrigação exequenda, o que esta veio fazer, para além de posteriormente ainda ter exigido a comprovação do valor do crédito cedido – cf. despachos de 7 de Julho e 27 de Setembro de 2022.
No entanto, como se viu, a 1ª instância acabou por não apreciar a excepção deduzida e, consequentemente, não se pronunciou sobre a virtualidade de as cartas juntas aos autos comprovarem a integração do executado no PERSI.
Ora, tais cartas – que, reitere-se, por si só não demonstram o envio e recepção pelo executado -, não deixam de constituir um princípio de prova desse envio – cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª edição, pp. 298-299 – “Nas demais relações contratuais, é comum que as comunicações entre as partes ocorram pelo envio de carta, simples ou registada. Quando a relação entra em fase litigiosa, é comum que uma das partes negue a receção da carta. Neste contexto, há que valorar o envio da carta como indício da sua receção (indício missio). Ou seja, desde que se prove o facto-indiciário do envio da carta (por testemunhas, tratando-se de carta não registada ou pelo registo, tratando-se de carta registada), haverá que presumir a sua receção. O que fundamenta a presunção é a máxima da experiência no sentido da fiabilidade dos serviços de correios no sentido de que o transporte se efetiva corretamente e a carta chegou em condições ao destinatário. (…). Essa presunção abrange também a recepção de faxes ou e-mails, desde que se prove o seu envio regular(..).”
Ora, tendo a exequente informado que apenas foram enviadas cartas por correio simples e negando o executado que as tenha recebido, dentro do princípio da cooperação previsto no art.º 7º do CPC e na senda da prossecução do apuramento dos factos relevantes por iniciativa do próprio tribunal que este já encetara quanto a outros requisitos, cuja demonstração prosseguiu oficiosamente - em observância, aliás, com a oficiosidade do conhecimento da excepção e do princípio do inquisitório (cf. art.º 411º do CPC) -, incumbia-lhe ainda diligenciar pelo apuramento dos factos que interessam quanto à efectividade da comunicação alegada pela exequente.
Ainda que a exequente se tenha abstido de indicar prova testemunhal para provar a recepção das comunicações (independentemente da ponderação sobre a sua admissibilidade ou não, que no caso não releva), não se pode deixar de considerar outras vias para a sua demonstração, designadamente, através da produção de qualquer outra prova complementar susceptível de ser produzida, como a apresentação de outros escritos coadjuvantes da recepção de tais comunicações (v.g. uma eventual carta/resposta do executado ao banco cedente ou uma sua carta posterior contendo referência tais comunicações) ou ainda, em última instância, através de confissão da parte que possa ter lugar em sede da respectiva audição (a determinar oficiosamente, designadamente, nos termos do n.º 2 do art.º 7º do CPC) – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1 e do Tribunal da Relação de Évora de 22-09-2021, processo n.º 173/21.9T8ENT-A.E1 e de 13-05-2021, processo n.º 2774/18.3T8ENT.E1 – o “(…) conceito “suporte duradouro”, não pode deixar de ser entendido como algo escrito para além do teor da própria comunicação, tal como um registo postal simples, ou, no caso de envio de carta simples como a Apelante alega ter feito, um aviso, um e-mail, ou mesmo uma qualquer outra missiva posterior escrita com referência a tais comunicações, que não tenha sido expressamente impugnada pelos destinatários”.
Atente-se que nos termos do art.º 20º, n.º 1 do DL 277/2012, de 25 de Outubro “As instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos.”
Normalmente, estará em causa documentação registada em sistema informático atestando o cumprimento do procedimento, sendo que a instituição de crédito não poderá provar a integração e cumprimento do PERSI que não através desse suporte duradouro, que apenas poderá ser substituído por confissão (cf. art.º 364º, n.º 2 do Código Civil).
No entanto, a prova da entrega das missivas ao cliente poderá ser efectuada por qualquer meio probatório, sendo que aquelas não têm de obedecer a qualquer formalidade (não exigindo a lei o envio de carta registada com aviso de recepção), bastando, para o cumprimento da lei, o envio em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre a instituição de crédito e o cliente (carta simples ou mensagem de correio electrónico, por exemplo), documentação que deve constar do referido suporte duradouro, pelo que sempre poderá a exequente demonstrar a integração do executado no PERSI através da junção aos autos do processo individual do aqui executado, por reprodução do respectivo suporte duradouro, atestando que tal reprodução é a cópia integral e inalterada das informações armazenadas, no cumprimento do referido art.º 20.º do DL n.º 227/2012 – cf. neste sentido, voto de vencido aposto no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-05-2021, processo n.º 2774/18.3T8ENT.E1.”
Na sequência deste acórdão, e já na 1ª instância, a exequente foi notificada para se pronunciar novamente sobre o requerimento de 24 de Março de 2022, tendo vindo reiterar o já por si aduzido quanto à integração do executado no PERSI, juntando novamente os documentos referidos, acrescidos de um outro, que constitui cópia de uma mensagem de correio electrónico, com data de 6 de Maio de 2014, dirigida pelo executado para o endereço c.farinha@activobank,pt, em que anexou uma factura da PT Empresas a si dirigida, com o endereço Tv. …, Oeiras[7], que foi impugnado pelo executado, que tornou a sustentar que tais documentos não provam a sua integração no PERSI, nem deles resulta lhe terem sido remetidos, negando ter recebido tais cartas.
A exequente não aduziu qualquer outro elemento probatório com vista a comprovar o envio/recepção de tais missivas pelo executado, assim como nada mais alegou.
«Suporte duradouro» pode ser o papel, mas também pode ser um meio electrónico, como uma mensagem de correio electrónico ou outro suporte digital (CD-ROM), pelo que as comunicações podem ser feitas através de carta, e até mesmo através de carta simples, posto que as exigências do DL 227/2012 são apenas de que a comunicação seja feita em “suporte duradouro”, para o que não se torna essencial o envio de carta registada.
Como vem sendo repetido pela jurisprudência, a existência das cartas não coincide com o seu envio ao devedor e respectiva recepção por este, elementos imprescindíveis para que se possa tomar como bom que existiu a comunicação a que aludem os art.ºs 14º, n.º 4 e 17º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25 de Outubro. A concretização de tais comunicações – quer a de inserção do devedor no PERSI quer a de extinção deste, que possibilitam ao credor reclamar judicialmente a satisfação do seu crédito – implica não só a prova da sua existência, como a prova do seu envio ao devedor e respectiva recepção, para o que são insuficientes os documentos apresentados pela recorrida que, se não atestam o envio das missivas, menos ainda comprovam a sua recepção pelo executado.
Veja-se, neste sentido, entre outros:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1[8]“I – A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC). II – Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do CC. III – Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada. IV – A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova.”
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-05-2022, processo n.º 2342/18.0T8ENT-A.E1 – “(…) a simples junção aos autos das comunicações de integração e extinção do procedimento, alegadamente remetidas ao Executado (que negou recebê-las), não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pelo Executado, o que impede que se conclua que a Exequente deu cumprimento ao PERSI, como é sua pretensão. Porém, como se referiu, tal facto não tem que ser provado documentalmente, podendo a referida apresentação dos documentos ser considerada como princípio de prova do envio, a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova, como também se entendeu aresto desta Relação, de 16/12/2021, que vimos seguindo, onde se conclui que: «V) Tendo a instituição de crédito feito a junção aos autos das cartas informando o cliente da sua integração em PERSI e da posterior extinção do procedimento, e provando, com recurso à prova testemunhal o envio das mesmas, que foram dirigidas para a morada do cliente, onde este recebe as comunicações do banco, e onde recebeu as cartas posteriormente enviadas de interpelação para o pagamento e resolução contratual, é de presumir que aquelas comunicações foram também recebidas pelo destinatário.»”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-09-2022, processo n.º 193/22.6T8ELV-A.E1 – “A omissão da informação, a falta de integração do devedor no PERSI pela instituição de crédito ou a ausência de comunicação da extinção do procedimento constituem violação de normas de carácter imperativo. Deste modo, sendo o seu cumprimento verdadeira condição de procedibilidade, o respectivo incumprimento configura excepção dilatória atípica ou inominada e insuprível. II. A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não fazendo prova do seu envio e recepção deve, todavia, ser considerada princípio de prova do envio, podendo ser corroborada por outros meios probatórios.”
Neste caso, não obstante a junção das aludidas missivas – cuja recepção foi oportunamente impugnada pelo executado -, a exequente não comprovou ter comunicado ao executado o respectivo teor, não tendo juntado aos autos qualquer meio de prova documental, nem requerido a produção de outro meio de prova, com vista demonstrar a ocorrência de comunicação.
Ainda que o regime do PERSI não exija o envio da comunicação com aviso de recepção, seguro é que o “suporte duradouro” em que consiste a comunicação – quer a de integração do devedor no PERSI, quer a de extinção deste procedimento – será insuficiente para, sem outros elementos, demonstrar que uma tal comunicação foi levada ao conhecimento do seu destinatário, pelo que deverá ser alegada factualidade pertinente com vista ao seu envio e recepção pelo respectivo destinatário, o que, no caso, não ocorreu.
Comprovada a existência do “suporte duradouro” contendo o teor da comunicação exigida pelo regime legal do PERSI, era admissível o recurso a qualquer meio de prova para comprovação complementar do cumprimento da obrigação da entidade bancária de levar ao conhecimento do destinatário o seu teor e, bem assim, a extracção de ilações sobre a matéria a partir dos factos conhecidos (cf. art.ºs 349.º e 351.º do Código Civil) – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2023, processo n.º 7430/19.2T8PRT.P1.S1; do Tribunal da Relação de Évora de 28-09-2023, processo n.º 609/21.9T8ELV.E1[9] - “(…) a exigência “ad probationem” apenas se reporta ao cumprimento da obrigação procedimental (o documento é exigido apenas para prova da declaração), mas a prova da entrega das missivas ao cliente pode ser concretizada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal».”
Essa prova complementar não foi oferecida pela exequente, pelo que o envio das cartas resultou necessariamente não provado.
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Da verificação da excepção de preterição de integração do executado no PERSI
A decisão recorrida julgou improcedente a excepção entendendo que a causa de pedir da injunção apresentada como título executivo não se enquadra em qualquer dos contratos de crédito previstos no art.º 2º do DL 227/12, de 25 de Outubro, não lhe sendo aplicável o regime do PERSI.
O apelante sustenta que a quantia peticionada advém de um descoberto bancário, que é uma operação de crédito, sob a forma de concessão de crédito em que o banco consente um saldo negativo, estando abrangido pela alínea e) do n.º 1 do DL 227/2012, de 25 de Outubro.
A exequente/apelada veio sustentar, nas suas contra-alegações, que o saldo devedor na conta de depósitos à ordem não consubstancia um contrato de crédito sobre a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês, pois que este é um contrato autónomo e expresso, que deve ser celebrado entre a instituição bancária e o cliente, não se confundindo com a ultrapassagem de crédito/descoberto em conta.
Cumpre notar que o objecto do recurso interposto pelo executado em 16 de Dezembro de 2022 incidiu sobre a possibilidade de a excepção dilatória inominada decorrente da falta de integração no PERSI ser suscitada, a qualquer momento, no processo executivo, sendo de conhecimento oficioso e sobre a reunião dos pressupostos para o conhecimento da excepção, temática que foi abordada no acórdão proferido em 28 de Fevereiro de 2023 no apenso C, onde se discorreu do seguinte modo, que aqui se reproduz:
“O art.º 1º, n.º 1 do DL 227/2012, de 25 de Outubro anuncia, desde logo, que o diploma estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento e na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, referentes aos contratos de crédito mencionados no n.º 1 do artigo seguintes.
Por sua vez, decorre do estatuído no art.º 2º, n.º 1, e) do referido DL 227/2012, no que diz respeito ao âmbito de aplicação deste diploma, que este incide sobre os contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
Face à natureza do crédito contraído pelo executado, tal como se afere dos factos vertidos nos pontos 1. a 3. da matéria assente, o crédito aqui em causa encontra-se, à partida, abrangido pelo campo de aplicação do mencionado diploma legal, pois que está em causa um saldo devedor existente na conta de depósitos à ordem.
Com efeito, a relação bancária estabelecida entre o executado e, inicialmente, o Banco Comercial Português, S. A. cingiu-se à abertura de uma conta à ordem, reconduzido a um contrato de depósito bancário à ordem.
É sabido que o contrato de depósito bancário supõe um outro que o antecede, o de abertura de conta, que corporiza elementos próprios de conta corrente, com a emissão contínua de extractos de conta e correspectivo saldo, que permite a contabilização por parte do cliente.
Quando numa conta-corrente subjacente a uma abertura de conta existe um saldo a favor do banqueiro e negativo para o cliente, ocorre aquilo a que se designa por descoberto em conta. Trata-se de uma operação bancária através da qual o banco permite que o cliente saque para além dos fundos que ali tem disponíveis, até certo limite, por determinado período de tempo, sem depender de prévio e expresso acordo, podendo o banco exigir o seu reembolso a qualquer momento, salvo se foi acordado prazo para tal, situação que é sujeita ao regime do mútuo oneroso.
Assim, normalmente, o descoberto em conta não é formalmente negociado entre as partes, correspondendo a uma situação fáctica em que o cliente vai ordenando ao banco a disponibilização de quantias superiores ao seu saldo e o banco, sem a tal estar obrigado, satisfaz as ordens do cliente, porque confia na sua solvabilidade. Constitui uma operação também designada por facilidades de caixa, que tem em vista obviar a dificuldades de tesouraria do cliente e que se funda em meras relações contratuais de facto, sendo usual afirmar-se que o descoberto resulta de uma tolerância do banco, que permite ao seu cliente o levantamento ou movimentação a débito da conta sem que esta esteja aprovisionada, reconduzível a uma concessão de crédito bancário, que gera a obrigação de restituir a quantia mutuada – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de 9-10-2018, processo n.º 199770/12.7YIPRT.P2; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-10-2010, processo n.º 283/05.0TBCHV.S1 – “(…) o descoberto em conta é também uma operação de crédito, uma forma de concessão de crédito que ocorre, tipicamente, quando se verifiquem dificuldades acidentais de tesouraria para cuja solução o banco consente ou tolera um saldo negativo na conta do cliente. Podendo, também, tal crédito ser concedido no quadro de uma específica relação contratual, em especial a de abertura de crédito. Como pode, frequentemente, a situação de descoberto estar prevista em cláusulas do próprio contrato de abertura de conta. Residindo, porém, como causa mais frequente do descoberto na tolerância do banco em adiantar certa importância, colmatando, assim, a insuficiência do saldo. Sendo um acto da sua iniciativa, embora baseado no pressuposto de que o cliente antes lho solicitara, ou na presunção, quer do posterior consentimento do cliente, quer da defesa dos interesses deste (…) O descoberto em conta apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto: as relações entre o Banco e o cliente resultam de um comportamento típico de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, antes numa proposta tácita de ordem de levantamento por parte do cliente, de sorte que essa operação ficará sujeita ao regime do contrato de mútuo, dado a sua natureza ser semelhante à do contrato de depósito bancário, a que se aplica, conforme doutrina correcta, as disposições relativas ao contrato de mútuo”
Em consonância, tendo presente os factos apurados e que determinaram a existência de um saldo devedor na conta ordem titulado pelo executado, haveria que se considerar a relação subjacente à obrigação exequenda abarcada pelo campo de aplicação do diploma.
No entanto, importa ter presente que o art. 3º do DL 227/2012 introduziu um elenco de conceitos que, para efeitos do presente diploma, devem ser tidos em conta, entre eles o de «Cliente bancário» que, para este efeito, é “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito” – cf. alínea a).
O art.º 2º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor estatui: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
No caso, trata-se da abertura de conta pelo executado, pessoa singular, nada existindo nos autos que permita considerar que esta se não destinou a fim não profissional, pelo que se deve assumir que o executado deve ser tido como consumidor, nos termos do transcrito normativo legal para efeitos de aplicação do DL 227/2012.
Por sua vez, a alínea e) do art.º 3º do DL 227/2012 determina que para efeitos do diploma se entende por «Instituição de crédito» “qualquer entidade habilitada a efetuar operações de crédito em Portugal, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 246/95, de 14 de setembro, 232/96, de 5 de dezembro, 222/99, de 22 de junho, 250/2000, de 13 de outubro, 285/2001, de 3 de novembro, 201/2002, de 26 de setembro, 319/2002, de 28 de dezembro, 252/2003, de 17 de outubro, 145/2006, de 31 de julho, 104/2007, de 3 de abril, 357-A/2007, de 31 de outubro, 1/2008, de 3 de janeiro, 126/2008, de 21 de julho, e 211-A/2008, de 3 de novembro, pela Lei n.º 28/2009, de 19 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 162/2009, de 20 de julho, pela Lei n.º 94/2009, de 1 de setembro, pelos Decretos-Leis n.ºs 317/2009, de 30 de outubro, 52/2010, de 26 de maio, e 71/2010, de 18 de junho, pela Lei n.º 36/2010, de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 140-A/2010, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, e pelos Decretos-Leis n.ºs 88/2011, de 20 de julho, 119/2011, de 26 de dezembro, e 31-A/2012, de 10 de fevereiro (RGICSF)
O art.º 2º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras[10], aprovado pelo DL 298/92, de 31-12, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 242/2012, de 7 de Novembro, com início de vigência a 8 de Novembro de 2012[11], define instituições de crédito como “as empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito”, especificando o art. 3º do mesmo diploma as várias espécies de instituições de crédito e definindo o art. 4º as operações que podem efectuar, onde se deve considerar integrada a instituição bancária, cedente do crédito de que a ora exequente é titular.
Atente-se que a cessão de créditos ocorreu em momento muito posterior ao incumprimento e à alegada integração do executado no PERSI (que alegadamente terá ocorrido em Setembro de 2014) e respectiva extinção.
Não obstante, a apurar-se que à data da cessão de créditos o mutuante (cedente), perante uma situação de mora no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de depósito, não integrou o devedor no PERSI, não tendo dado início ao referido procedimento e, apesar disso, procedeu à cessão dos créditos, tal sempre impediria a interposição da presente execução pela cessionária, pois que, ainda que esta não seja uma instituição de crédito (não estando sujeita às proibições decorrentes do art. 18º do DL 227/2012 e podendo exigir de imediato a satisfação do crédito cedido), sempre se teria de reconhecer essa impossibilidade, porquanto, se assim não fosse, resultaria inviabilizada a finalidade do regime instituído por aquele diploma legal, pois que estaria encontrado um meio de as entidades credoras se furtarem ao cumprimento dessa obrigação, para além do que no âmbito da cessão de créditos o devedor pode opor ao cessionário os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente – cf. art.º 585º do Código Civil; cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-01-2020, processo n.º 5520/18.8T8VNF-A.G1 – “Porém, (…) a instituição de crédito pode ceder créditos para efeitos de titularização (al. b)) ou ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito (al. c)); neste último caso, sendo exigível que a cessionária seja outra instituição de crédito, “fica esta obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual” (n.º 3). A razão de ser desta última exceção (…), justifica-se desde que seja possível dar continuidade à aplicação do referido procedimento (…) pois caso contrário a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime, na medida em que se o cessionário não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação do Regime Geral não estaria obrigado a dar cumprimento ao PERSI (…) Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito (…)”
Significa isto que, à partida e em fase dos elementos carreados para os autos, deve aceitar-se que o banco cedente estava obrigado a integrar o executado no PERSI.”
Não se descortinam razões para modificar este entendimento, nem a argumentação da recorrida se mostra idónea a infirmar o juízo já efectuado de aplicação do PERSI a situações de descoberto em conta, como é o caso dos autos.
Atente-se, aliás, que a definição de “facilidade de descoberto” a que alude a recorrida, convocando o estatuído no art.º 4º, n.º 1, d) do DL 227/2012, de 25 de Outubro apenas se distingue da “ultrapassagem de crédito” referida na alínea e) do mesmo normativo legal porque a primeira resulta de um contrato expresso que permite que o consumidor disponha de fundos que excedem o saldo da sua conta de depósito à ordem e, na segunda, o descoberto resulta de uma aceitação tácita desse excesso no saldo ou da própria facilidade de descoberto acordada, estando ambas sujeitas à disciplina do mútuo, traduzindo, como tal, uma concessão de crédito bancário, que gera a obrigação de restituir a quantia mutuada.
Assim, mantém-se o entendimento de que o cedente do crédito à exequente estava obrigado a integrar o executado no PERSI.
Questão distinta é a de saber se a exequente/recorrida logrou demonstrar - como, aliás, pugnou no seu requerimento de 9 de Junho de 2023 – que essa integração teve lugar.
Resulta da enunciação da matéria de facto e respectiva fundamentação, que a exequente não provou ter procedido ao envio ao executado das comunicações descritas nos pontos 6. e 7..
Extrai-se do estatuído nos art.ºs 14º, n.º 4 e 17º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25 de Outubro, que a integração do executado no PERSI e a respectiva extinção devem ser devidamente comunicadas ao devedor, em suporte duradouro, ou seja, através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada.
Estão em causa comunicações que, para produzirem os respectivos efeitos, têm de chegar ao poder ou ser conhecidas pelo cliente bancário que está em situação de incumprimento do contrato de crédito, ou seja, declarações receptícias, nos termos do art.º 224º, n.º 1 do Código Civil. Assim, além da prova da existência dessa comunicação, importa demonstrar o seu envio ao devedor e a respectiva recepção por parte deste.
Conforme se discorreu no pretérito acórdão e em consonância com a maioria da jurisprudência dos tribunais superiores, a falta de integração no PERSI, verificados que estejam os pressupostos para tanto, impede que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta de tentativa extrajudicial de regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial.
Assim, porque a integração do devedor no PERSI e a respectiva comunicação do início de tal procedimento constituem condição indispensável para o exercício do direito de crédito que a exequente pretende fazer valer, recai sobre esta o ónus da prova desses factos, por se tratar de factos essenciais à admissibilidade desta acção – cf. art.º 5º, n.º 1 do CPC e art.º 342º, n.º 1 do Código Civil; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-09-2022, processo n.º 181/19.0T8ENT.E1.
As declarações de integração do devedor no PERSI e a extinção do plano, ainda que formalizadas em carta simples - como alegadamente terá sucedido na situação sub judice – terão sempre de chegar ao poder do devedor ou dele serem conhecidas.
Tendo-se considerado que a comunicação poderia ser tida como princípio de prova do envio, não deixou de se alertar para necessidade de a demonstração da verificação do envio exigir a coadjuvação desse princípio de prova com recurso a outros meios de prova, cuja requisição ou produção pela exequente não teve lugar.
A simples junção aos autos de cópia das cartas não atesta o efectivo cumprimento das exigências formais de integração no PERSI e da subsequente extinção do procedimento, dado que estão em causa declarações receptícias que adicionalmente implicam a demonstração do envio e recepção desses suportes – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-07-2023, processo n.º 1998/17.5T8SLV-F.E1.
Constata-se, pois, a ausência de demonstração probatória, do onerado com a respectiva prova (a exequente), de que as comunicações de integração e extinção do PERSI foram remetidas e recepcionadas pelo executado, pelo que não se tem por comprovada a sua integração em PERSI, nos termos em que o banco mutuante/cedente do crédito se encontrava vinculado.
Ocorre, assim, a invocada excepção inominada de falta de demonstração da prévia integração do executado em PERSI, o que determina a absolvição da instância do executado e extinção da execução – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-60-2023, processo n.º 3708/22.6T8SNT.L1-7; de 14-07-2022, processo n.º 6804/14.0T8ALM-C.L1-2; do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-06-2022, processo n.º 172/20.8T8VLF-A.C1
Como tal, conclui-se pela procedência do presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e absolvição do executado da instância executiva, que deve ser extinta.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A pretensão que o apelante trouxe a juízo merece provimento.
Assim, as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo da apelada.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida e, em sua substituição, julgar procedente a excepção inominada de falta de demonstração da integração do executado no PERSI, absolvendo-o da instância e declarando extinta a execução.
Custas a cargo da apelada.
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Lisboa, 5 de Março de 2024
Micaela Marisa da Silva Sousa
Diogo Ravara
Rute Sabino Lopes
_______________________________________________________
[1] Adiante designado pelo acrónimo PERSI.
[2] As conclusões seguem da letra F para a N, sendo omissas quanto às letras G a M.
[3] Adiante designado pela sigla CPC.
[4] Segue-se, aqui, a factualidade enunciada no acórdão proferido em 28 de Fevereiro de 2023 (cf. Ref. Elect. 19671907 do apenso C), com o aditamento dos factos pertinentes à questão do envio das missivas.
[5] Cf. Ref. Elect. 21057911.
[6] Cf. Requerimento de 16 de Maio de 2022 com a Ref. Elect. 21071711.
[7] Cf. Documento n.º 3 junto com o requerimento de 9 de Junho de 2023, com a Ref. Elect. 23530183.
[8] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem
[9] Este último disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/217981/.
[10] Adiante designado pela sigla RGICSF.
[11] Considerando ser esta a redacção aplicável tendo em conta que em conformidade com o alegado pela exequente no requerimento de 13 de Maio de 2022 a integração do executado no PERSI ocorreu em Setembro de 2014.