Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4233/10.3TBVFX-A.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
AVAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–Tratando-se do vencimento das prestações futuras em que se desdobrava o cumprimento do negócio subjacente, bem como do exercício do direito à resolução do negócio por incumprimento do mutuário, invocado pelo avalista ou pelo subscritor o abusivo preenchimento da livrança entregue em branco, competia ao portador do título demonstrar o pressuposto básico e fundamental que lhe permitiria proceder licitamente ao preenchimento do título, ou seja, a prévia interpelação daqueles.
II–Não provando a exequente que, na relação subjacente à emissão do título e no âmbito das suas relações imediatas (entre portador, subscritor e seus avalistas), realizou efectivamente o acto de interpelação dos devedores subscritores da livrança em branco, procede a oposição de executado deduzida pelo avalista com este fundamento.
III–O preenchimento pelo portador do título antecipadamente entregue em branco, pelo valor de totalidade das prestações previstas no contrato de mútuo e juros, feito neste condicionalismo (sem prévia interpelação dos obrigados no título) é abusivo.
(Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7, do Cod. Proc. Civil).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa .


I–RELATÓRIO:


Por apenso aos autos de processo executivo para pagamento de quantia certa que ... – Instituição Financeira de Crédito, S.A., intentou contra Rui ... ... da ..., veio o executado deduzir oposição.

Alegou essencialmente:
Houve preenchimento abusivo da livrança oferecida como título executivo, uma vez que, poucas semanas depois da assinatura do contrato subjacente à livrança que constitui título executivo, ocorreu, por acordo das partes, a resolução do contrato e entrega do veículo objecto do mesmo à mutuante, o que esta aceitou.

Não lhe foi comunicado qualquer incumprimento, o qual, a ter ocorrido, teria sido em 2007.

Devida e regularmente notificado, o exequente apresentou contestação à oposição onde conclui pela improcedência da oposição à execução.

Procedeu-se ao saneamento dos autos.

Realizou-se audiência de julgamento.

Foi proferida sentença que julgou a oposição à execução improcedente por não provada.

Apresentou o opoente recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação.

Juntas as competentes alegações, formulou o apelante as seguintes conclusões:
1.O recorrente deduziu oposição à execução contra ... – Instituição Financeira de Crédito, S.A., pretendendo a extinção da acção executiva por inexistência de título executivo.
2.Fundou a sua pretensão no preenchimento abusivo da livrança, na resolução do contrato subjacente à relação cambiária e na inexistência de interpelação prévia.
3.Pelo tribunal a quo a acção foi julgada improcedente, considerando o tribunal que o executado não demonstrou que tenha ocorrido a resolução do contrato de mútuo, nem que a obrigação se tenha vencido em 2007. Mais, que dos factos apurados não resulta qualquer facto que corrobore a tese de abuso no preenchimento da livrança.
4.O Tribunal a quo considerou ainda que o executado não fez prova da sua não interpelação.
5.O recorrente discorda da douta sentença recorrida que incorreu em erro de julgamento e padece de erro notório na apreciação da prova.
6.O ponto H da matéria de facto foi incorrectamente julgado, existindo erro de julgamento por parte do tribunal a quo ao dar como provado este facto.
7.A carta datada de 21 de Abril de 2010 a interpelar o devedor para o pagamento da dívida não foi enviada ao executado, ao contrário do que sustenta a sentença recorrida.
8.Para a carta ser dirigida ao ora recorrente, teria de ser primeiramente recebida em qualquer estação dos correios, conjuntamente com o talão de aceitação de correio registado, com código de barras, acompanhado do aviso de recepção, tudo devidamente carimbado pelos Correios.
9.Não pode ser dado como provado que as missivas redigidas pelo Banco tenham sido enviadas ao recorrente e se considere o mesmo interpelado.
10.Os concretos meios probatórios constantes do processo impunham decisão diversa da que foi adoptada pela decisão recorrida.
11.De acordo com o disposto nos artigos 342.º, 343.º e 344.º do Código Civil, quem tem de provar em primeiro lugar que redigiu e enviou a carta tendente a interpelar o devedor é o interpelante credor, pois é a ele que incumbe preencher e endossar o talão de aceitação do registo e o aviso de recepção, bem como dar entrada desta documentação postal na estação dos Correios, o que manifestamente não resultou provado, uma vez que nada foi junto aos processo para prova da dita interpelação prévia.
12.Este ónus é prévio e prejudicial, pois o recorrente só pode provar que não recebeu a carta registada com aviso de recepção se quem a emite provar que previamente a remeteu.
13.A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342.º e 344.º do Código Civil, os quais devem ser interpretados no sentido de caber o ónus da prova da expedição de correio registado com aviso de recepção, respectiva entrada nos CTT ao exequente que tem de fazer prova da interpelação. Só feita essa prova antecedente é que o executado pode provar que inexistiu interpelação.
14.No caso dos autos a interpelação prévia é absolutamente necessária – veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa com o n.º 1847/08.5TBBRR-A.L1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora com o n.º 1470/11.7TBSTB-A.E1.
15.Assim, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como provados, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, podendo anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida pela 1.ª Instância quando considere deficiente, obscura ou contraditória.

16.Devem ser dados como não provados os seguintes factos:
_ Por carta datada de 21 de Abril de 2010 a exequente comunicou ao executado que na sequência do não cumprimento das obrigações estabelecidas no contrato de mútuo n.º 211412, considerava resolvido o contrato. Mais comunicou que ia preencher a livrança pelo valor em dívida à data de 20 de Maio de 2010, acrescido dos juros estabelecidos, no montante total de € 17.749,27, juntando exctrato da conta descriminado.
Na mesma carta a exequente informa que a livrança terá o seu vencimento em 20 de Maio de 2010 e que na qualidade de avalista deverá proceder ao pagamento da quantia em dívida nas instalações da exequente no Porto.

17.Ao ser considerado na íntegra o documento n.º 1 junto com a oposição, documento esse que não foi impugnado pela parte contrária, deverão ser ainda considerados como provados os seguintes factos:
-Que o veiculo com a matrícula 85-76-XC, marca Hyundai, foi adquirido pela testemunha Rui Manuel ... ... ... em 10 de Agosto de 2007;
-Que sobre o referido veículo não se encontrou registada qualquer reserva de propriedade a favor da exequente.

18.Atendendo à prova testemunhal produzida, o tribunal a quodeveria ter dado como provados os seguintes factos:
-Entre Maio de 2007 e Agosto de 2007, os executados entregaram a viatura ao stand, por a mesma se encontrar avariada, considerando resolvido o contrato de crédito;
-O veículo da marca Hyundai, com a matrícula 85-76-XC foi adquirido por um terceiro em Agosto de 2007;
-A livrança venceu-se, no máximo, em Agosto de 2007 e não em 20 de Maio de 2010.

19.O tribunal a quo deu como provado que a livrança se venceu em 20 de Maio de 2010 e que a resolução do contrato de mútuo só ocorreu em 21 de Abril de 2010, mas isso é contrário aos documentos juntos pela exequente aos autos.

20.Se a resolução só ocorreu em 2010 então como é que a exequente justifica a venda da viatura com a matrícula 85-76-XC em 23 de Dezembro de 2009 (veja-se o documento n.º 2 junto como a contestação à oposição)?
21.A exequente vendeu a viatura (cuja propriedade nunca esteve registada em seu nome) antes da resolução do contrato?
22.Além disso, atento o valor da execução, também resulta que nunca foi paga nenhuma prestação. Então, se nunca foi paga qualquer prestação, como é que o incumprimento só se verificou em 2010?
23.Volta assim a colocar-se a questão da prescrição da obrigação cambiária, uma vez que o alegado incumprimento terá ocorrido em 2007 e não em 2010. Terá pois aplicação o disposto na LULL quanto à matéria da prescrição que também já vinha alegado na oposição. Questão em relação à qual a sentença nem sequer se pronúncia.
24.Dúvidas não restam de que inexiste título executivo em relação ao ora recorrente devendo a sentença recorrida ser revogada, reconhecendo-se a procedência da oposição e a consequente extinção da execução.

Não houve resposta.

II–FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado em 1ª instância :
A.A exequente é portadora da livrança n.º 500905479064739864 com data de emissão de 21 de Abril de 2010 e de vencimento de 20 de Maio de 2010, com valor de € 17.749,27, subscrita por Rui ... e ... Construções, Lda., António  ... e Rui ... ... da ....
B.António... e Rui ... ... da ... assinaram os seus nomes no verso da livrança após os dizeres “Bom por aval à firma subscritora”.
C.A livrança referida respeita ao contrato de mútuo n.º 211412 no valor total de € 22.081,08 celebrado entre a exequente e a sociedade Rui ... & ... Construções, Lda., em 16 de Abril de 2007, onde António... e Rui ... ... da ... assumiram a qualidade de fiadores.
D.Por força do aludido contrato de mútuo foi entregue pela exequente a quantia de € 15.500,00 para aquisição de um veículo automóvel de marca “Hyundai”, com a matrícula 85-76-XC.
E.As partes acordaram que o valor emprestado seria pago em 84 prestações mensais no valor de € 262,87, vencendo-se a primeira prestação em 27 de Maio de 2007.
F.Acordaram ainda que o não cumprimento de qualquer obrigação permitia que a exequente resolvesse o contrato por simples declaração escrita e exigisse todo o seu crédito.
G.Para garantir o pagamento das quantias acordadas, a sociedade executada e os executados entregaram a livrança referida em A) em branco, mas com as assinaturas referidas em A) e B) e acordaram que a exequente podia preencher livremente a livrança, designadamente os ... destinados às datas de emissão e vencimento, local de pagamento e valor correspondente aos créditos que seja titular por força do mútuo ou de encargos e despesas dele decorrentes.
H.Por carta datada de 21 de Abril de 2010 a exequente comunicou ao executado que na sequência do não cumprimento das obrigações estabelecidas no contrato de mútuo n.º 211412, considerava resolvido o contrato. Mais comunicou que ia preencher a livrança pelo valor em dívida à data de 20 de Maio de 2010, acrescido dos juros estabelecidos, no montante total de € 17.749,27, juntando extracto da conta descriminado. Na mesma carta a exequente informa que a livrança terá o seu vencimento em 20 de Maio de 2010 e que na qualidade de avalista deverá proceder ao pagamento da quantia em dívida nas instalações da exequente no Porto.
I.A propriedade sobre o veículo 85-76-XC nunca esteve registada em nome dos executados nem da exequente.
 
III–QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1–Impugnação da decisão de facto.
2–Alegado preenchimento abusivo da livrança dada à execução. Falta de interpelação do subscritor e do avalista da livrança. Relações imediatas. Vencimento das prestações vincendas e exercício de direito de resolução do contrato respectivo.

Passemos à sua análise:
1–Impugnação da decisão de facto.
Sustenta o apelante que o ponto H da matéria de facto foi incorrectamente julgado, existindo erro de julgamento por parte do tribunal a quo ao dar como provado este facto, uma vez que a carta datada de 21 de Abril de 2010 destinada a interpelar o devedor para o pagamento da dívida não foi enviada ao executado, ao contrário do que refere a sentença recorrida.

Apreciando:

Refere-se no ponto H dos factos provados:
“Por carta datada de 21 de Abril de 2010 a exequente comunicou ao executado que na sequência do não cumprimento das obrigações estabelecidas no contrato de mútuo n.º 211412, considerava resolvido o contrato. Mais comunicou que ia preencher a livrança pelo valor em dívida à data de 20 de Maio de 2010, acrescido dos juros estabelecidos, no montante total de € 17.749,27, juntando extracto da conta descriminado. Na mesma carta a exequente informa que a livrança terá o seu vencimento em 20 de Maio de 2010 e que na qualidade de avalista deverá proceder ao pagamento da quantia em dívida nas instalações da exequente no Porto”.

Consta da respectiva fundamentação da convicção do julgador:
“O facto 8º (correspondente à dita alínea H) resultou do teor objectivo de fls. 33 e 34, sendo certo que a morada que consta da referida carta de interpelação é a morada constante do contrato de mútuo onde o aqui opoente também foi parte e assinou.
Ora, apesar do opoente ter vindo alegar que não foi interpelado e que a exequente não juntou aos autos prova de que o opoente recebeu a carta, importa sublinhar que o ónus de prova de que não houve interpelação incumbia ao opoente e não à exequente.
Com efeito, fundando-se a execução em título cambiário, não tinha a exequente de alegar no requerimento executivo a factualidade atinente à relação contratual subjacente, aqui se incluindo o incumprimento do contrato de mútuo e a interpelação dos devedores.
A falta de interpelação é matéria de excepção, pelo que, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, cabia ao opoente alegá-la e prová-la, o que não fez, sendo certo que não apresentou qualquer prova sobre essa factualidade”.

Vejamos:

Os elementos probatórios reunidos nos autos – quer a prova testemunhal, quer a prova documental - não habilitam minimamente a que se possa considerar provado o envio pela mutuante das missivas em referência, quer em relação à subscritora do título, quer relativamente ao seu garante.

Nenhuma testemunha foi inquirida sobre este ponto.

Os documentos que a exequente juntou a fls. 31 a 34 constituem meras fotocópias de cartas que terão, ou não, sido enviadas.

Por si só, não provam, como é óbvio, o respectivo envio.

Poderá mesmo, porventura, tratar-se de um simples print, sem qualquer relevância ou significado probatório.

Sobre este ponto, e tendo sido invocado o não recebimento das ditas notificações, competiria à exequente, no âmbito das relações imediatas com os subscritores do título, demonstrar que enviou as missivas interpelativas em referência.

Com efeito, sendo absolutamente fundamental para o vencimento antecipado das prestações previstas até ao termo do contrato de crédito e correspectivo exercício do direito de resolução a prova da interpelação do mutuário e do seu garante, sem o que o unilateral preenchimento da livrança entregue em branco não pode ser tido por legítimo e justificado, impendia sobre a exequente o ónus de diligenciar activamente nesse sentido.

Ora, tal demonstração não pode resumir-se, como é evidente, à simples e inconclusiva junção de cópias de cartas que se podem retirar e imprimir de qualquer computador à disposição.

Note-se que nos encontramos no âmbito das relações imediatas entre sujeitos da relação cartular, sendo nessa medida legítima a livre discussão das vicissitudes relacionadas com a emissão do título e com a respectiva relação subjacente.

Invocado pelo avalista ou pelo subscritor o abusivo preenchimento da livrança entregue em branco, compete ao portador do título demonstrar o pressuposto básico e fundamental que lhe permitiu proceder ao preenchimento do título, ou seja, o vencimento das prestações em que se desdobrava o cumprimento do negócio subjacente. 

Pelo que se elimina o ponto H dos Factos Provados, totalmente desconforme à prova produzida neste processo.

Procede, neste tocante, a presente impugnação.
  
Quanto aos outros factos que o impugnante pretende que se considerem provados: 
O documento junto a fls. 11 (cópia do extracto de informação do registo automóvel), não impugnado na sua veracidade ou genuinidade, indica que a viatura a que se reporta o contrato de mútuo nº 211412, encontrava-se registada, em 10 de Agosto de 2007, em nome de Rui Manuel ... ... ..., o qual foi ouvido nos autos como testemunha e confirmou a dita aquisição em 2007.
A outra testemunha inquirida nestes autos, Vitor B..., comercial, que interveio na qualidade de funcionária da vendedora, referiu lembrar-se que a dita viatura Hyundai, matrícula 85-76-XC, relativamente à qual foi realizado o contrato de crédito em apreço, foi trocada por outra um ou dois meses após a venda, dada ter apresentado avaria.
Segundo disse: “A viatura Hyundai teve alguns problemas e foi trocada; (… ) recordo-me de uma segunda viatura ou de uma adenda da viatura”.

Relembre-se a este propósito que foi dado como provado que: “A propriedade sobre o veículo XC nunca esteve registada em nome dos executados nem da exequente”.

No mesmo sentido, consta do ponto I. dos Factos Provados: “A propriedade sobre o veículo XC nunca esteve registada em nome dos executados nem da exequente”.

Deverá, assim, acrescentar-se aos Factos Provados que:

A viatura a que se reporta o contrato de mútuo nº 211412, encontrava-se registada, em 10 de Agosto de 2007, em nome de Rui Manuel ... ... ....
Entre Maio de 2007 e Agosto de 2007, os executados entregaram a viatura ao stand, por a mesma se encontrar avariada, tendo vindo a ser adquirida em Agosto de 2007, por Rui Manuel ... ... ....
Em contrapartida, não existe qualquer prova de que tal tenha constituído a manifestação de que se considerava resolvido o contrato de crédito.
Relativamente à matéria que se prende com o vencimento da livrança e com o exercício do direito de resolução do contrato de mútuo, a impugnação da decisão de facto não pode, naturalmente, proceder, uma vez que se trata de conclusões de índole jurídica e não de prova de factos verificados.
Procede, apenas nestes termos, a impugnação.

2-Alegado preenchimento abusivo da livrança dada à execução. Falta de interpelação do subscritor e do avalista da livrança. Relações imediatas. Vencimento das prestações vincendas e exercício de direito de resolução do contrato respectivo.
O acto de interpelação prévio a efectuar pela portadora relativamente à subscritora do título e ao avalista, exigindo-lhes o pagamento do montante mutuado e declarando a resolução do negócio por incumprimento definitivo do mutuário, afigura-se-nos imprescindível para que se possam considerar vencidas as obrigações vincendas, o que legitimará, nessas especiais circunstâncias, o preenchimento pelo portador da livrança entregue em branco.
Note-se que nas próprias condições gerais respeitantes ao contrato de crédito que está subjacente à entrega da livrança em branco, se previa expressamente: “O não cumprimento dos mutuários de qualquer das obrigações aqui assumidas, tanto de natureza pecuniária, como de outra espécie, facultará à ... – Instituição Financeira de Crédito, S.A., o direito de resolver o contrato por simples declaração escrita da sua parte[1] e, em consequência, a exigibilidade de tudo quanto constituir o seu crédito” (cláusula 16ª).

Ou seja, o reconhecimento do direito do portador a preencher a livrança em branco em conformidade com o pacto firmado com os subscritores do título de crédito dado à execução dependia da demonstração de que os havia previamente interpelado para procederem ao imediato pagamento das prestações em falta, o que, verificando-se, justificaria então o exercício do direito de resolução do contrato de crédito.

E o certo é que a exequente não provou que, na relação subjacente à emissão do título, no âmbito das suas relações imediatas (entre portador, subscritor e seus avalistas), tivesse efectivamente procedido ao acto de interpelação dos devedores subscritores da livrança em branco, como seria mister.

Especificamente no que se refere à necessidade de interpelação do avalista, enquanto garante, dever-se-á igualmente tomar em especial consideração a regra geral consagrada no artigo 782º do Código Civil, segundo a qual: “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”.

Neste sentido, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29 de Janeiro de 2015 (relator Silva Rato), publicitado in www.jusnet.pt, onde se refere a este propósito: “…mesmo havendo fundamento para resolver o contrato, ou solicitar o pagamento de todas as prestações vincendas, o contrato só ficará resolvido ou só se vencerão antecipadamente as prestações vincendas, se o credor usar desse direito, comunicando à contraparte a sua vontade de os exercer”; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27 de Fevereiro de 2014 (relator Mata Ribeiro), publicitado in www.jusnet.pt, onde se salienta que: “…não tendo sido demonstrada pela exequente, atenta a forma como esta diz ter interpelado o opoente/executado, o envio da aludida carta para o efeito, não pode exigir-se a este o ónus de demonstrar a realidade invocada da não interpelação, uma vez que esta prova de facto negativo só lhe pode ser imposta como ónus desde que previamente se tenha por assente a demonstração por parte do credor da realização de actos tidos por idóneos a consubstanciar uma interpelação”; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Janeiro de 2011 (relatora Manuela Gomes), publicitado in www.jusnet.pt, onde se salienta que. “…os títulos foram entregues em branco, acordando todos que o exequente os preencheria apondo-lhes a data de vencimento e o respectivo montante. E assim aconteceu. Mas nestes casos, para que o avalista não seja surpreendido com o pedido de pagamento numa data por si desconhecida é essencial que o portador, que preencheu o título, proceda à sua interpelação comunicando-lhe os elementos que após no título”; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Novembro de 2012 (relator Vítor Amaral), publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se: “…é necessário a interpelação prévia do avalista quando o título é entregue em branco ao credor (para este lhe apor, designadamente, a data de pagamento e a parte prometida pagar, em termos deixados ao seu critério), pois só assim tal avalista tem conhecimento do montante exacto e da data em que se vence a garantia prestada”; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2006 (relator Bettencourt Faria), publicado in www.dgsi.pt, relativamente à necessidade de interpelação na liquidação de obrigação em prestações, a que alude o artigo 781º, nº 1, do Código Civil; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 2011 (relator Fonseca Ramos), publicitado in www.jusnet.pt, relativamente à possibilidade do avalista que interveio no pacto de preenchimento invocar, no domínio das relações imediatas, o preenchimento abusivo do título com fundamento da ausência de interpelação. 
Pelo que, por força desta argumentação jurídica, a presente oposição terá inevitavelmente que proceder.
Procede, consequentemente, a apelação.
  
IV-DECISÃO : 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e julgando procedente a oposição apresentada pelo executado Rui ... ... da ..., extinguindo-se a execução intentada contra o mesmo.
Custas pela apelada.


Lisboa, 11 de Outubro de 2016.

 
(Luís Espírito Santo).
(Gouveia Barros).
(Conceição Saavedra).


[1]Sublinhado nosso.