Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10688/2007-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: DENÚNCIA DE CONTRATO
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I - A comunicação escrita a que alude o art. 447.º, nº 1 do Cód. Trab. é uma formalidade ad probationem, não produzindo a sua falta a invalidade da denúncia

II - O princípio do favor laboratoris constitui uma técnica de resolução de conflitos entre lei e convenção colectiva e não tem qualquer aplicação quando está em causa uma questão de interpretação da declaração negocial.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
      Relatório

      A... instaurou, em 15 de Junho de 2007, acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra B..., pedindo que o Tribunal declare o seu direito ao lugar do quadro de pessoal da ré com base no contrato individual de trabalho, válido e vigente, celebrado em 1.04.86.
      Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese o seguinte:
      - foi admitida para, sob as ordens e direcção da ré, desempenhar funções na Secretaria desta, na …., em 1 de Abril de 1986;
      - em 28.09.2006, na parte da tarde o Provedor da ré entrou na Secretaria, onde a autora se encontrava a exercer a sua actividade profissional e aí iniciou com ela (autora) uma discussão que lhe causou profunda perturbação psíquica;
      - em resultado da qual a autora saiu das instalações da ré e foi procurar apoio médico;
      - com base neste facto a ré tem vindo a alegar que a autora se “auto-despediu”;
      - o que a autora rejeita vigorosamente, por não corresponder minimamente à verdade;
      - desde o dia 28.09.2006, após a referida discussão, que a autora se encontra de baixa por motivo de doença;
      - a autora justificou a sua ausência ao serviço desde o incidente ocorrido com o Sr. Provedor, em 28.09.2006, como comprovou mediante o envio oportuno dos referidos certificados de incapacidade para o trabalho, por doença;
      - a ré considera que a autora não tem direito ao seu lugar correspondente ao seu posto de trabalho por alegadamente ter cessado a relação laboral;
      - embora no momento presente a autora se mantenha de baixa por doença devidamente certificada, o seu médico poderá em qualquer altura dar-lhe a respectiva alta;
- ora, quando tal ocorrer, manifesto é que a ré não irá aceitar o seu trabalho, como decorre das repetidas declarações escritas que tem feito em tal sentido quando das devoluções dos atestados médicos a que tem procedido;
- pelo que a autora carece que o Tribunal declare o seu direito ao lugar do quadro de pessoal da ré com base no contrato individual de trabalho, válido e vigente, celebrado em 1.04.86.
      Apensos os autos de providência cautelar comum instaurada pela autora, realizou-se a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar, o que ela fez concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
      Para tal alegou, que:
- a autora, em 28 de Setembro de 2006, por sua iniciativa e sem justa causa fez cessar o contrato de trabalho celebrado com a ré;
- tendo-o feito verbalmente perante C..., Provedor e legal representante da ré naquela data;
- com efeito, no dia 28 de Setembro de 2006, na sequência da deliberação proferida pela Mesa Administrativa da ré, esta através do seu legal representante informou a autora que a partir daquela data e em tudo o que dissesse respeito ao normal funcionamento do Centro D..., ficaria na dependência hierárquica da Directora Delegada do referido Centro conforme a Ordem de Serviço que foi afixada na Secretaria dos Serviços Administrativos da ré;
- a autora dirigindo-se ao Provedor, em voz alta e aos berros, disse-lhe que não obedeceria a qualquer ordem dada, muito menos ordens de serviço e que não estava ali para “aturar” a conversa do Provedor;
- sem qualquer motivo que o justificasse, a autora pegou no telefone da Secretaria e ligou para o posto da GNR da E…. pedindo que se deslocassem à sede da ré;
- e, na presença dos agentes da GNR, que entretanto haviam chegado ao local, a autora voltou a repetir que não estava para aturar mais a conversa do Provedor e deitando as chaves da Secretaria para cima do balcão, disse: “eu despeço-me e não quero voltar mais a esta casa”, abandonando de seguida o seu posto de trabalho;
- a autora foi bem clara e não deixou quaisquer dúvidas à ré ao ter-lhe comunicado, por palavras, que se despedia e não queria voltar mais àquela entidade, ora ré;
- tal situação configura a rescisão do contrato de trabalho por parte da autora, sem precedência do aviso prévio a que estava obrigada.
      Saneada, instruída e julgada a causa foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.
      Inconformada, a autora veio interpor recurso de apelação dessa decisão, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
      Termos e que deve anular-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a censura jurídica movida à sentença, revogando-a, e, em consequência, declarar-se em vigor o contrato de trabalho celebrado pela Alegante com a Ré em 1/4/1986, com todas as implicações legais, designadamente:
a) Condenar-se a Ré a pagar Alegante todas as retribuições desde a data em que deixou de receber o subsídio de doença, a que tem direito, vencidas e vincendas.
b) Condenar-se a Ré a pagar juros de mora, à taxa legal, calculadas sobre as retribuições referidas na alínea anterior.
     A ré nas suas contra-alegações pugnou pela manutenção da sentença recorrida.
      O Ex.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer a fls. 211, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
      Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
      Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
      Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
      No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
      A única questão colocada no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil – consiste em saber se a conduta da autora, traduz em declaração susceptível de fazer cessar, por denúncia, o vínculo laboral que a unia à ré.
      Fundamentação de facto
      A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto não objecto de impugnação e que, aqui, se acolhe:
Dos factos assentes:
1. A autora foi admitida para, sob as ordens e direcção da ré, desempenhar funções na Secretaria desta, na E…, em 1 de Abril de 1986.
2. As condições de trabalho obedecem ao clausulado do Contrato Individual de Trabalho, junto aos autos a fls. 7, cujo teor de dá por reproduzido.
3. A autora remeteu à ré os certificados de incapacidade temporária para o trabalho, juntos aos autos a fls. 12 a 43, tendo a ré procedido à sua devolução.
Certificado de 29/09/2006 a 10/10/2006 - Devolução da ré datada de 6/10/2006; Certificado de 11/10/2006 a 31/10/2006 - Devolução datada de 13/10/2006; Certificado de 1/11/2006 a 28/11/2006 - Devolução de 31/10/2006; Informação clínica datada de 9/11/2006; Certificado de 29/11/2006 a 19/12/2006 - Devolução datada de 30/11/2006; Certificado de 20/12/2006 a 9/01/2007 - Devolução datada de 21/12/2006; Certificado de 10/01/2007 a 30/01/2007 - Devolução de 18/1/2007; Informação clínica de 25/01/2007; Certificado de 31/01/2007 a 27/02/2007 - Devolução de 2/2/2007; Certificado de 28/02/2007 a 27/03/2007 - Devolução de 5/3/2007; Certificado de 28/03/2007 a 24/04/2007 - Devolução de 2/4/2007; Certificado de 25/04/2007 a 22/05/2007 - Devolução de 30/04/2007: Certificado de 23/5/2007 a 21/06/2007 - Devolução de 30/5/2007.
Da base instrutória:
4. Em 28.09.2006, na parte da tarde o Provedor da ré e a autora, na Secretaria da ré, tiveram uma discussão, durante e em consequência da qual, a autora ficou muito nervosa.
5. Na sequência da referida discussão, a autora saiu das instalações da ré.
6. A autora, em 28 de Setembro de 2006, na sequência da discussão que manteve com o Provedor da ré, arremessou as chaves da Secretaria ao chão, enquanto dizia: eu despeço-me e não quero voltar mais a esta casa.
7. Tendo-o feito perante C..., Provedor e legal representante da ré naquela data.
8. No dia 28 de Setembro de 2006, na sequência da deliberação proferida pela Mesa Administrativa da ré, esta através do seu legal representante informou a autora que a partir daquela data e em tudo o que dissesse respeito ao normal funcionamento do Centro D..., ficaria na dependência hierárquica da Directora Delegada do referido Centro.
9. Conforme a Ordem de Serviço que foi afixada na secretaria dos serviços administrativos da ré (documento junto aos autos a fls. 106).
10. A autora, perante terceiros, referiu-se à sua colega de trabalho, E..., chamando-lhe “garota”.
11. Durante a referida discussão, a autora dirigindo-se ao Provedor, em voz alta, disse-lhe que não obedeceria à ordem de serviço (junta aos autos a fls. 106), e que não estava ali para aturar a conversa do Provedor.
12. A autora pegou no telefone da Secretaria e ligou para o posto da GNR da E… pedindo que se deslocassem à sede da ré.
13. Na presença dos agentes da GNR, que entretanto haviam chegado ao local, a autora declarou que não estava para aturar mais a conversa do Provedor e arremessou as chaves da Secretaria para o chão, enquanto dizia: eu despeço-me e não quero voltar mais a esta casa.
14. Abandonando de seguida as instalações da ré.
15. As testemunhas que presenciaram a parte final da discussão (E..., e os três guardas da GNR), ficaram convencidas de que a autora, quando saiu, após arremessar as chaves da secretaria para o chão, enquanto dizia: eu despeço-me e não quero voltar mais a esta casa, tinha a intenção de não voltar.
      Fundamentação de direito
      A denúncia é, como decorre do art. 384.º do Cód. Trab., uma das formas de cessação do contrato de trabalho, que corresponde à antes designada rescisão sem justa causa por iniciativa do trabalhador – arts. 38.º e 52.º, nºs 5 e 7 do Regime Jurídico de Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (RJCCIT) – e define-se como uma declaração dirigida por uma das partes à outra com vista a pôr termo a um contrato de duração indeterminada ou evitar a renovação de um contrato que sem ela se operaria, declaração essa que não carece de qualquer justificação (Galvão Telles “Manual dos Contratos em Geral”, 4.ª ed., Coimbra, 2002, págs. 380 a 383).
      Dispõe o nº 1 do art. 447.º do Cód. Trab., à semelhança do que já dispunha o art. 38.º do RJCCIT, que o trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação escrita enviada ao empregador com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.
      Embora a lei prescreva que a comunicação da denúncia deve assumir a forma escrita essa exigência é ditada, sobretudo, por razões de segurança probatória, nomeadamente no que concerne à existência do facto em si, quer a observância do prazo de aviso prévio.
      Efectivamente, o princípio da liberdade da forma, segundo o qual, a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir – art. 219.º do Cód. Civil -, acha-se, igualmente consagrado no domínio laboral: o contrato de trabalho não está sujeito a qualquer formalidade salvo quando a lei determinar expressamente o contrário – art. 102.º do Cód. Trab..
      Ora se a celebração de um contrato de trabalho sem prazo não está sujeita à forma escrita não se compreenderia que a respectiva denúncia impusesse tal formalidade, havendo, por isso, que encontrar quais os objectivos e interesses pretendidos pelo  legislador  que, com a referência à comunicação por escrito com aviso prévio quis salvaguardar.
      E o que se pretendeu foi precisamente garantir a organiza-ção produtiva da empresa, possibilitando o oportuno preenchimento da vaga provocada pela anúncio da saída de um elemento daquela e o dever atribuído ao trabalhador de comunicar por escrito a sua vontade de denunciar o contrato visa somente evitar dificuldades de prova, ficando com um meio probatório de eficazmente se defender do eventual pedido de indemnização a que se refere o art. 448.º do Cód. Trab..
      Por isso se entende que a formalidade escrita mencionada não pode deixar de ser entendida como ad probationem, não produzindo, consequentemente, a sua falta a invalidade da denúncia: o efeito desvinculatório produz-se sempre ainda que não tenha sido utilizada a forma escrita.
      No sentido acabado de expor podem ver-se os Acs. da RE de 14.11.89 (CJ, Ano XIV, T. V, pág. 286) e de desta Relação de 22.01.92 (CJ, Ano XVII, T. I, pág. 191) e de 30.04.2003 (www.dgsi.pt) e, na doutrina, Furtado Martins (RDES 1993, nºs 1 a 4, págs. 344 e segs.) e Albino Mandes Baptista (“Jurisprudência do Trabalho Anotada”, 3.ª edição, pág. 860).
      Assim será relevante e eficaz qualquer manifestação de vontade inequívoca, assumida pelo trabalhador, declarando a intenção de denunciar o contrato de trabalho, mesmo que essa manifestação de vontade assuma a forma meramente verbal.
      No caso em apreço ficou provado que durante a discussão que teve com o Provedor da ré, a autora, a dada altura, dirigindo-se ao Provedor, em voz alta, disse-lhe que não obedeceria à ordem de serviço que determinava que tudo o que dissesse respeito ao normal funcionamento do Centro D..., ficaria na dependência hierárquica da Directora Delegada do referido Centro e que não estava ali para “aturar” a conversa do Provedor e, depois, na presença dos agentes da GNR, que entretanto haviam chegado ao local, declarou que não estava para aturar mais a conversa do Provedor e arremessou as chaves da Secretaria para o chão, enquanto dizia “eu despeço-me e não quero voltar mais a esta casa”, abandonando de seguida as instalações da ré.
      Em nosso entender, o que a autora quis ao dizer “eu despeço-me e não quero voltar mais a esta casa” foi terminar naquele momento o vínculo laboral.
      Esse o sentido claro, digamos mesmo inequívoco, que um declaratário normal, colocado na posição da ré, retiraria do teor do comportamento da autora, e que, por isso, é o atendível, nos termos do disposto no art. 236.º, nº 1 do Cód. Civil segundo o qual a declaração negocial não vale com o sentido correspondente à vontade real do declarante, nem vale com o sentido que lhe foi dado pelo seu destinatário. Vale, sim, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, teria inferido do comportamento do declarante, salvo se este não pudesse razoavelmente contar com esse sentido.
      Provou-se, é certo, que em consequência da discussão a autora ficou muito nervosa mas esse facto não permite extrair a ilação de que a vontade real da autora não coincidia com a declaração que emitiu de pôr termo ao contrato.
      Não se esquece, também, que no dia seguinte, a autora foi ao médico e entrou de baixa por doença e que remeteu à ré os sucessivos certificados de incapacidade temporária para o trabalho.
      Sucede que a declaração de denúncia já havia produzido efeitos: produziu efeitos a partir do momento em que foi do conhecimento do destinatário – art. 224.º, nº 1 do Cód. Civil – e, neste caso, produziu efeitos, imediatamente, porquanto a denúncia foi transmitida, verbalmente, ao Provedor da ré, não estando na disponibilidade do autora tomar, por si só e sem outras formalidades, a decisão de reatar a relação laboral.
      Nada na lei impede que, depois de se auto despedir, o trabalhador proceda ao reatamento das relações laborais.
      Acontece, porém, que tal facto ou seja o reatamento da relação laboral só pode concretizar-se, como é óbvio, com o acordo da entidade patronal.
      Na verdade, o contrato de trabalho, como relação jurídica que é, está dependente da mútua vontade de ambos os contraentes – art. 10.º do Cód. Trab. -, de modo que o restabelecimento de uma relação laboral não pode ficar à mercê da vontade de apenas um deles.
      Reatar significa prosseguir, continuar, reestabelecer.
      Os autos não dão conta de quaisquer indícios positivos de reestabelecimento da relação laboral, de modo que o envio dos sucessivos certificados de incapacidade temporária para o trabalho, não tem a virtualidade de reatar a relação laboral, uma vez que, do comportamento da ré, não se pode extrair que a essa decisão unilateral do autora de tenha dado o seu acordo. Bem pelo contrário, visto que, como ficou demonstrado, a ré devolveu sucessivamente aqueles certificados à procedência, tendo aquando da primeira e segunda devoluções, considerando expressamente extinto o vínculo laboral - cartas de 6.10.2006 e de 13.10.2006 (fls. 8 e 13., respectivamente).
      Se a autora queria exercer o designado “direito de arrependimento” a via a percorrer era a revogação da sua declaração de cessação do contrato de trabalho, revogação essa que poderia ter lugar por qualquer forma até ao 7.º dia seguinte à data em que denunciou o contrato – art. 449.º, nº 1 do Cód. Trab..
      Mas como se viu, não foi isso que a autora fez e só em 30 de Outubro de 2006 – mais de 30 dias depois de ter posto termo à relação laboral - em resposta às cartas da ré declarou que não efectuou “qualquer tipo de auto-despedimento” (fls. 19).
      O Ac. do STJ de 6 de Julho de 2005, disponível em www.dgsi.pt, que, em abono da sua tese, a autora cita nas alegações de recurso, teve, naturalmente, em consideração a factualidade que lhe serviu de suporte bem diversa da que está aqui em causa, desde logo porque a trabalhadora proferiu as expressões que levariam a concluir ter emitido uma declaração de denúncia do contrato – “vou-me embora, não trabalho aqui nem mais um minuto, nunca mais aqui pondo os pés” – na ausência da entidade patronal e na presença de uma colega e de uma outra pessoa, o que foi entendido como expressão do desalento que a discussão tida com a entidade patronal momentos antes lhe tinha provocado.
      Finalmente, também não procede a argumentação produzida pela autora com base no princípio do favor laboratoris.
      De facto, como refere João Leal Amado (“Tratamento mais favorável e art. 4º nº 1 do Código do Trabalho”, in “A Reforma do Código do Trabalho” CEJ/ Coimbra Editora, pág. 112), o “favor laboratoris” perfila-se como uma técnica de resolução de conflitos entre lei e convenção colectiva, pressupondo que, em princípio, as normas jus-laborais possuem um carácter relativamente imperativo, isto é, participam de uma imperatividade mínima ou de uma inderrogabilidade unidireccional. Em idêntico sentido se pronuncia Romano Martinez (“Direito do Trabalho”, Almedina, págs. 217 e 218).
      Ora, sendo assim, como entendemos que é, o referido princípio não tem qualquer aplicação ao caso em apreço em que não está em causa um conflito hierárquico de normas, mas apenas uma questão de interpretação da declaração negocial, que nada tem a ver o princípio do favor laboratoris.
      Tal princípio inspira o legislador laboral no âmbito das soluções por este consagradas na lei com vista a suprir a desigualdade substancial que em regra se verifica entre as partes de um contrato de trabalho, mas não altera (nem contende com) as regras de interpretação da declaração negocial estabelecidas na lei civil.
      Não são estas que vão equilibrar a natureza estruturalmente assimétrica da relação de trabalho, mas as concretas soluções substantivas que a lei laboral consagra para este específico tipo contratual.
      Aqui chegados, mister, é pois, concluir pela improcedência do recurso.
      Decisão
      Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
      Custas pela apelante.
      Lisboa, 27 de Fevereiro de 2008

      Isabel Tapadinhas
      Natalino Bolas
      Leopoldo Soares