Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2132/19.2T8CSC.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PREDISPOSIÇÃO PATOLÓGICA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1-O acidente de trabalho caracteriza-se como um evento súbito, inesperado, mas não necessariamente instantâneo ou violento, exterior à vítima, que ocorre no tempo e local de trabalho e que produz directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulta redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2- A predisposição patológica do sinistrado num acidente só exclui o direito à reparação integral se tiver sido ocultada.
3- Não se enquadra no conceito de negligência grosseira a que se refere o artigo 14.º n.º 1 al. b) e 3 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, o comportamento da trabalhadora que, para limpar o vidro de uma janela, subiu a bancada da cozinha utilizando, para tanto, um escadote e que, ao descer dessa bancada, colocou, novamente, o pé no escadote que deslizou provocando a sua queda e entorse do tornozelo esquerdo.
(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
AAA, … apresentou participação nos serviços do Ministério Público na qual dava conta que, no dia 15.05.2019, na casa do empregador, BBB residente à …, sofreu um acidente que consistiu em “ Quando estava em cima de uma bancada da cozinha a limpar vidros e quando fui descer caí do escadote”.
Em 8.1.2020 realizou-se a tentativa de conciliação na qual o empregador aceitou a sua responsabilidade em função da retribuição anual de €14.000 x 14, mas não reconheceu o acidente dos autos como acidente de trabalho, nem o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas pela Sinistrada, bem como declarou não estar de acordo com a avaliação da incapacidade feita pelo perito médico, não aceitando pagar as quantias propostas pelo Ministério Público, pelo que as partes foram consideradas não conciliadas.
Veio, então, a Sinistrada intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra o empregador, pedindo que esta seja julgada procedente e que, em consequência:
- o acidente seja descrito como acidente de trabalho;
- Que sejam reconhecidas as lesões descritas e sofridas pela Autora, bem como todas as que vierem a ser apuradas e que o Réu seja condenado no pagamento:
- do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €196,00;
 - da quantia de € 4.264,04, a titulo de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária atribuídos;
- da quantia de €629,80, a título de despesas médicas e medicamentosas despendidas pela Autora em consequência do acidente de trabalho sofrido;
-da quantia de €10,00 despendidos em transportes com as deslocações efectuadas ao Tribunal;
-de todas as verbas desde 10/01/2019 a 31/03/2019, pela falta de contrato de trabalho; e
- da quantia de 3.000,00€, pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora pela falta de assistência, pelas dificuldades em manter o alimento no seio familiar e por ter o nome registado no Banco de Portugal.
Para tanto invocou, em síntese, que iniciou a sua actividade como Empregada Doméstica para o Réu no dia 10/01/2019, mas só em 27/03/2019 foi comunicado ao Instituto de Segurança Social um contrato de trabalho de serviço doméstico a partir de 01/04/2019, que no dia 16 de Maio de 2019, no seu local de trabalho e quando estava em cima de um escadote a limpar a vidraça da cozinha, sofreu uma entorse no tornozelo esquerdo, na sequência do que foram-lhe concedidas várias baixas médicas, que o Réu não tinha seguro de acidentes de trabalho, não lhe tendo sido prestado qualquer auxílio, que por estar a passar dificuldades económicas, contraiu um empréstimo para sustentar a família, mas já se venceram várias prestações e a Autora viu o seu nome inscrito no Banco de Portugal e que, em consequência do acidente, ficou com dores e com limitações físicas.
Concluiu que os factos descritos configuram um acidente de trabalho, assistindo-lhe o direito à reparação dos danos sofridos na sequência do mesmo.
Citado, o Réu contestou invocando, em resumo, que há erro na forma de processo relativamente ao pedido de condenação em “todas as verbas desde 10.01.2019 a 31.03.2019, pela falta de contrato de trabalho”, que apenas a partir de 01.04.2019 o Réu celebrou um contrato de serviço doméstico com a Autora, que a Autora, no dia 16.05.2019, dirigiu-se calmamente à esposa do Réu, que se encontrava na sala e pediu para ir ao hospital, pois estava a sentir um pouco de dor no tornozelo, dor essa que a Autora há muito se queixava e admitia existir antes de ser contratada pelo Réu, que a Autora tinha por hábito trabalhar com o telefone na mão, que o Réu sempre se disponibilizou a custear as despesas apresentadas pela Autora e as decorrentes do episódio médico relatado nos autos, que aquando da ocorrência do evento a 16.05.2019, e após a assistência da Autora na Urgência do Hospital …, resultou de observação médica a existência de edema do tornozelo esquerdo, sendo igualmente referido que o período de recuperação não excederia as duas semanas, que a Autora prolongou a baixa médica duas vezes, por períodos de 10 e 21 dias, períodos esses que não foram acompanhados pelo Réu, desconhecendo, inclusive, se a Autora contribuiu de alguma forma para um agravamento da sua condição ou atraso na recuperação, que, atenta a demora na recuperação, a Autora foi, por recomendação do Réu, a uma consulta na Clínica … e, de acordo com o relatório clínico emitido nessa consulta, na sequência da realização da ecografia do tornozelo esquerdo, foram observados sinais de tendinite a nível dos tendões peroniais o que poderá revelar uma lesão prévia ao alegado incidente, ela sim, eventualmente, determinante/justificativa de uma eventual incapacidade temporária para o trabalho, que não aceita que qualquer movimento ou acção da Autora no âmbito da actividade normal de serviço doméstico possa ser a origem de tal lesão, que o sinistro, tal como vem configurado pela Autora não ocorreu nos termos pela mesma alegado, que caso se conclua pela ocorrência do episódio de queda nos termos relatados pela Autora, o mesmo não constitui um acidente de trabalho, que, não obstante a alegada queda ter ocorrido no local e no tempo de trabalho, a mesma não produziu nenhuma lesão corporal, perturbação funcional ou doença da qual resultasse uma redução na capacidade de trabalho nos termos relatados pela Autora, não se encontrando, assim, verificado o nexo de causalidade exigido, que as sucessivas baixas médicas posteriores ao período inicial, assim como a alegada incapacidade atribuída, não apresentam nexo de causalidade com o ocorrido a 16.05.2019, decorrendo sim, eventualmente, de uma outra prévia patologia sofrida pela Autora ou de um eventual incumprimento das indicações médicas dadas e que, nesse sentido, contribuíram para um agravamento da sua condição ou atraso na sua recuperação e que, caso se conclua pela existência de acidente de trabalho, poderá estar em causa uma descaracterização do mesmo por ter advindo exclusivamente de uma situação de negligência grosseira da sinistrada, caso se apure que a Autora estava a trabalhar com o telefone na mão ou que estava “empoleirada” na bancada da cozinha.
Pediu, a final, que a excepção dilatória de erro na forma de processo seja julgada procedente e o Réu absolvido da instância e que a acção seja julgada improcedente e o Réu absolvido de todos os pedidos.
O Réu requereu a realização de junta médica e formulou quesitos
A Autora respondeu invocando que o Réu falta à verdade relativamente à relação laboral e que fará prova dos demais factos impugnados na contestação.
Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual o Réu foi absolvido do pedido de condenação no ressarcimento da Autora por danos morais decorrentes do acidente sofrido pela mesma, bem como foi absolvido da instância quanto ao pedido de indemnizar a Autora de todas as verbas desde 10/01/2019 a 31/03/2019, pela falta de contrato de trabalho.
Foi fixada a matéria de facto assente, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Foi determinado o desdobramento dos autos e criação de apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, tendo sido fixada à Autora uma IPP de 2%.
Inconformada com o despacho saneador na parte em que absolveu o Réu do pedido de condenação nos danos não patrimoniais, a Autora recorreu, recurso que foi rejeitado por extemporâneo.
Procedeu-se a julgamento.
Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, decide-se:
- Condenar o Réu BBB a pagar à Autora AAA o montante de 4.269,04€ (quatro mil, duzentos e sessenta e nove euros e quatro cêntimos), devida desde a data do acidente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;
- Condenar o Réu BBB a pagar à Autora AAA o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia 196,00€ (cento e noventa e seis euros), devida desde 23-10-2019, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até à efectiva e integral entrega do capital;
- Condenar o Réu BBB a pagar à Autora AAA o montante de 452,62€ (quatrocentos e cinquenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos), desde a notificação da petição inicial até integral pagamento, absolvendo do demais peticionado;
- Fixar o valor da causa em 7.941,59€ (sete mil, novecentos e quarenta e um euros e cinquenta e nove cêntimos), nos termos do art. 120.º, n.º 1 e 2, do CPT;
- Condenar o Réu BBB nas custas do processo.
Registe e notifique.
Após trânsito em julgado, proceda-se de acordo com o disposto no art. 149.º do CPT.
Inconformado com a sentença, o Réu recorreu e sintetizou as alegações nas conclusões seguintes:
(…)
Não consta do histórico do processo que tenham sido apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu elaborado parecer no sentido de o recurso não merecer provimento e de dever ser mantida a sentença recorrida.
Notificadas as partes do teor do mencionado parecer, respondeu o Recorrente reafirmando que houve erro na apreciação da prova e a existência de predisposição patológica da Recorrida, o que excluiria o direito à reparação integral do acidente e que, a não se entender assim, a responsabilidade do empregador sempre seria excluída face ao disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC), no presente recurso importa apreciar as seguintes questões:
1.ª-Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
2.ª- Se concluindo-se pela existência de uma queda, esta não constitui um acidente de trabalho.
3.ª-Se concluindo-se pela existência de um acidente de trabalho este deve ser descaracterizado.
4.ª- Se ao valor de € 442,62 deverá ser descontada a quantia de €19,10 por dizer respeito ao valor de uma factura já paga pelo Recorrente.
Fundamentação de facto
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1. No dia 16-05-2019, pelas 18h20, a Autora AAA encontrava-se a desempenhar as funções de serviço doméstico sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu BBB na habitação deste;
2. À data, a Autora auferia a retribuição anual de € 14.000,00 (catorze mil euros);
3. O Réu, à data, não havia transferido a responsabilidade emergente de acidente de trabalho, através de qualquer contrato de seguro de acidente de trabalho que abrangesse a Autora;
4. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, a Autora subiu, com ajuda de um escadote, à bancada da cozinha da habitação do Réu, com vista a efectuar a limpeza de uma janela;
5. De seguida, pretendendo descer para o solo, com apoio do mesmo escadote, este objecto deslizou, provocando a queda da Autora e uma entorse no tornozelo esquerdo;
6. A Autora esteve impedida de trabalhar, por incapacidade temporária absoluta, durante 159 dias, de 17-05-2019 a 22-10-2019;
7. A Autora despendeu, em tratamentos, consultas médicas e medicação, o valor de 442,62€;
8. Após a assistência da Autora na Urgência do Hospital ,,,, resultou de observação médica a existência de edema do tornozelo esquerdo, sendo igualmente referido que o período de recuperação não excederia as duas semanas;
9. A Autora prolongou a baixa médica duas vezes, por períodos de 10 e 21 dias, até 28-06-2019;
10. Na sequência da realização da ecografia do tornozelo esquerdo, foram observados sinais de tendinite a nível dos tendões peroniais;
11. A sinistrada despendeu 10,00€ (dez euros) em despesas de deslocação a Tribunal.
*
Foram considerados não provados os seguintes factos:
A. A Autora, no dia 16-05-2019, dirigiu-se calmamente à esposa do Réu, que se encontrava na sala, e pediu para ir ao hospital, pois estava a sentir um pouco de dor no tornozelo;
B. Dor essa que a Autora há muito se queixava e admitia existir antes de ser contratada pelo ora Réu;
C. A Autora tinha por hábito trabalhar com o telefone na mão;
D. O Réu não possui qualquer escadote na sua habitação
Fundamentação de direito
Comecemos por apreciar se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
(…)
Em conclusão, improcede a impugnação da matéria de facto.
*
Uma vez que não foi alterada a decisão relativa à matéria de facto, apreciemos, agora, se a queda da Autora não constitui um acidente de trabalho.
Sobe a caracterização do evento como acidente de trabalho concluiu o Tribunal a quo nos seguintes termos:
“(…).
Com efeito, na situação em apreço, provou-se que a sinistrada, que se encontrava no local e tempo de trabalho, desequilibrou-se e sofreu uma entorse no tornozelo, o que consubstancia um facto imprevisível, alheio à sua vontade, e do qual resultaram danos físicos (edema no tornozelo) e perda de capacidade de ganho (ITA e IPP de 2%).
Existe assim relação de causalidade adequada entre a lesão, e as sequelas do acidente, sendo o evento que resulta do acervo factual causa adequada para a lesão e as sequelas do mesmo.
Dispõe contudo o art. 11.º que a existência de uma predisposição patológica do sinistrado não exime o responsável da reparação do acidente, a menos que o sinistrado tenha ocultado essa predisposição; do mesmo modo, se a lesão ou doença consecutiva ao acidente é agravada por doença ou lesão anterior ou se esta for agravada pelo acidente, a incapacidade deverá ser avaliada como se tudo tivesse resultado do acidente – ressalvando-se a circunstância de o sinistrado já auferir pensão pelo acidente (ou ter recebido o capital de remição respectivo), assim prevenindo a susceptibilidade de cumulação de prestações pela mesma perda de ganho ou de capacidade de trabalho.
Ora, ao contrário do que defende o Réu, a predisposição patológica da sinistrada não exclui o direito à reparação, conforme deflui do art. 11.º, n.º 1, da LAT, porquanto não se provou que a mesma tenha ocultado a predisposição, nem que a sinistrada houvesse auferido pensão por acidente prévio.
Afigura-se ainda irrelevante, e ademais desprovido de estribo legal, a eventualidade de o tempo de recuperação ter excedido a previsão inicial do mesmo.
Não se provou qualquer facto que possa assumir relevância do ponto de vista da descaracterização do acidente, nos termos e para os efeitos do art. 14.º da LAT, nem da culpa do empregador, nos termos e para os efeitos do art. 18.º da LAT.
Nestes termos, o acidente em causa, ocorrido no tempo e local de trabalho, é um acidente de trabalho (art. 8.º), tendo a sinistrada direito à reparação pelo mesmo, nos termos dos arts. 2.º e 23.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, pela qual é o Réu responsável, ao abrigo dos arts. 7.º, 79.º e 81.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, competindo, aqui chegados, verificar e calcular as prestações emergentes do acidente.
Discordando do entendimento do Tribunal a quo defende o Recorre que, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil, cabia à Recorrida fazer prova dos factos que alegadamente constituem o incidente que pretende demonstrar, que o sinistro, tal como vem configurado pela Recorrida, não ocorreu nos termos pela mesma alegados porquanto da prova produzida não é possível concluir nesse sentido, que a Recorrida não cumpriu com o ónus probatório que lhe incumbia e que, no que respeita à queda em discussão nos autos, a mesma não constitui um acidente de trabalho.
Vejamos:
Tendo o acidente dos autos ocorrido no dia 16.05.2019, como bem entendeu o Tribunal a quo, ao caso é aplicável o regime previsto na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (LAT).
Dispõe o artigo 2º da LAT: “ O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei.”
O conceito de acidente de trabalho está previsto no artigo 8.º da citada Lei que reza assim:
“1- É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2- Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a)«Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.
b)«Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçadas de trabalho.”
Assim, como elucida o sumário do Acórdão do STJ de 30.05.2012, in www.dgsi.pt, cujo entendimento temos sufragado “I- O acidente de trabalho pressupõe uma cadeia de factos, em que cada um dos relativos elos está interligado por um nexo causal. Assim, o evento naturalístico que ele pressupõe há-de resultar duma relação de trabalho; a lesão corporal, perturbação funcional ou doença tem de resultar desse evento; e a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho devem ter por causa a lesão corporal, perturbação funcional ou a doença.
II- - Contudo, o acidente de trabalho em termos naturalísticos pode não ser instantâneo nem violento.
(…).”
No mesmo arresto e com pertinência para a caracterização de um acidente como acidente de trabalho ainda lemos: “Por isso e citando Cruz de Carvalho, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pgª 26, e Melo Franco, in Direito do Trabalho, BMJ (suplemento) de 1979, pgª 62, o conceito de acidente de trabalho está ainda hoje delimitado pela existência cumulativa dos seguintes elementos:
a) Um elemento espacial (local de trabalho);
b) Um elemento temporal (tempo de trabalho); e,
c) Elemento causal que consiste na existência dum nexo de causa/efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença e não propriamente uma relação de causalidade entre o trabalho e o acidente, pois esta já resulta dos dois elementos anteriormente citados.
De qualquer forma e a montante da verificação cumulativa destes pressupostos, torna-se imperioso que ocorra um evento que possa ser havido como “acidente”, que a doutrina e a jurisprudência definem como o evento anormal, em geral súbito, ou pelo menos de duração curta e limitada, com origem externa, e que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano[3].
 Por isso, e como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 8/2/95[4], o acidente de trabalho pressupõe uma cadeia de factos, em que cada um dos relativos elos está interligado por um nexo causal. Assim, aquele evento naturalístico há-de resultar duma relação de trabalho; a lesão corporal, perturbação funcional ou doença tem de resultar daquele evento; e a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho devem ter por causa a lesão corporal, perturbação funcional ou a doença.
Tem por isso que se tratar dum evento lesivo, isto é, dum facto anormal, produtor de lesão física ou psíquica, aparente ou não aparente, interna ou externa, profunda ou superficial [5].
Feliciano Tomás de Resende [6], a propósito do texto que acabou por ser adoptado no conceito de acidente de trabalho constante do nº 1 da base V da Lei 2127, refere que …”parece depreender-se da discussão havida que se reputou a palavra evento de significado inconvenientemente amplo, preferindo-se, com prejuízo do rigor formal da definição (tautologia), o termo acidente, com o sentido em geral aceite pela doutrina e jurisprudência de acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa”.
Também Melo Franco (citando Sachet) [7] define o acidente como o acontecimento anormal, em geral súbito, ou pelo menos de uma duração curta e limitada, que acarreta uma lesão à integridade física ou à saúde do corpo humano.
Do mesmo modo Vítor Ribeiro [8], para quem a noção de acidente há-de ser entendida no sentido naturalístico, devendo ele coincidir com um acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado.   
Carlos Alegre [9] refere que a doutrina aponta como características do acidente naturalístico tratar-se dum evento exterior à constituição orgânica da vítima, em geral súbito e que causa uma acção lesiva sobre o corpo humano.
No entanto, continua este autor, esta caracterização está longe de ser completa, pois “nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias. Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente”.
Por isso, sustenta este autor que a violência não constitui, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial do acidente de trabalho. E quanto à subitaneidade, que constitui uma característica importante que permite a possibilidade de localizar no tempo o evento lesivo, e por isso distinguir o acidente de trabalho da doença profissional, também este critério não resolve, sozinho, todas as situações da vida real (obra citada, 36 e 37). 
Efectivamente, já Veiga Rodrigues sustentava que o carácter repentino do acidente naturalístico não quer dizer que este deva ser instantâneo, pois pode tratar-se dum acontecimento que coincida com o dia de trabalho [10]. E continuando a citar este autor, acidente é qualquer facto ou ocorrência modificadora de um estado físico anterior, sendo que “essa modificação há-de objectivar-se na produção de uma lesão ou doença física ou psíquica, aparente ou não, interna ou externa, profunda ou superficial, de evidenciação imediata ou mediata”[11].
Donde podermos concluir que o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência dum acidente, entendido, em regra, como evento súbito, imprevisto, exterior à vítima e que lhe provoque uma lesão na saúde ou na sua integridade física e que este evento ocorra no tempo e no local de trabalho.
(…).”  
Em suma, atendo-nos ao disposto no artigo 8.º da LAT, o acidente de trabalho caracteriza-se como um evento súbito, inesperado, mas não necessariamente instantâneo ou violento, exterior à vítima, que ocorre no tempo e local de trabalho e que produz directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulta redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
Por seu turno, estatui o artigo 10.º da LAT:
“ 1- A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
2- Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.”
Sobre esta norma, escreve-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6 de Outubro de 2016, in www.dgsi.pt, “Estabelece este preceito presunções a favor do sinistrado e dos seus beneficiários legais, bastando-lhes para tanto, alegar e provar que a lesão considerada causa da morte ou da incapacidade de trabalho ou de ganho foi constatada no local e tempo de trabalho.
Da citada disposição legal resulta que o requerente fica dispensado da prova relativa ao nexo de causalidade ente o acidente e a lesão, contudo incumbe-lhe demonstrar a ocorrência do evento em si.
Trata-se de um presunção juris tantum que a parte contrária pode ilidir mediante prova em contrário. Competirá, assim, à parte contrária, para destruir a prova feita através da presunção, fazer prova do contrário, no que respeita ao facto que serve de base à presunção, ou no que respeita ao próprio facto presumido, caso obtenha êxito, será a parte favorecida pela presunção legal que passa a ter o ónus de rebater essa prova do contrário, mediante a produção de contraprova.”
Regressando ao caso, tendo ficado provado que, no dia 16-05-2019, pelas 18h20, a Autora AAA encontrava-se a desempenhar as funções de serviço doméstico sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu BBB, na habitação deste (facto 1), nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, a Autora subiu, com ajuda de um escadote, à bancada da cozinha da habitação do Réu, com vista a efectuar a limpeza de uma janela (facto 4), de seguida, pretendendo descer para o solo, com apoio do mesmo escadote, este objecto deslizou, provocando a queda da Autora e uma entorse no tornozelo esquerdo (facto 5), após a assistência da Autora na Urgência do Hospital … resultou de observação médica a existência de edema do tornozelo esquerdo, sendo igualmente referido que o período de recuperação não excederia as duas semanas (facto 8) e a Autora esteve impedida de trabalhar, por incapacidade temporária absoluta, durante 159 dias, de 17-05-2019 a 22-10-2019 (facto 6), é de concluir que a Autora provou os elementos que integram a noção de acidente de trabalho, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao qualificar o acidente dos autos como acidente de trabalho.
*
Configurando o acidente dos autos um acidente de trabalho importa, agora, analisar se o mesmo está descaracterizado.
Para sustentar a descaracterização do acidente de trabalho estribou-se o Recorrente na seguinte ordem de considerações:
1- Não obstante a alegada queda ter ocorrido no local e no tempo de trabalho, a mesma não produziu nenhuma lesão corporal, perturbação funcional ou doença da qual resultasse uma redução na capacidade de trabalho nos termos relatados pela Autora, não se encontrando consequentemente verificado o nexo de causalidade;
2-As sucessivas baixas médicas apresentadas pela Recorrida, posteriores ao período de recuperação inicialmente prescrito, e a consequente percentagem de incapacidade atribuída, não resultaram do evento ocorrido a 16.05.2019, mas resultaram sim de uma de duas causas possíveis:
i. De uma patologia prévia sofrida pela Autora, mais precisamente uma tendinite dos peroneais, que exime, in casu, o responsável da reparação do acidente, porquanto a Recorrida sempre ocultou essa predisposição, apenas sabendo e conhecendo o Recorrente que a Recorrida, por vezes, sofria de dores no tornozelo, sendo comum esta queixar-se;
 ii. De um eventual incumprimento das indicações médicas dadas e que, nesse sentido, contribuíram para um agravamento da sua condição ou atraso na sua recuperação;
3- A única forma que o Recorrente concebe como possível para a Recorrida ter sofrido o episódio que relata seria em resultado da mesma se ter “empoleirado” na bancada da cozinha de forma nada prudente, o que constitui uma falta grave e indesculpável ou, no mínimo, grosseiramente negligente ou reprovável pelo mais elementar senso comum, tendo sido esta conduta negligente que contribuiu em exclusivo para a verificação do acidente, pelo que, nos termos do artigo 14.º, n.º 1 alínea b) da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, o Recorrente não tem de reparar os danos decorrentes do acidente porquanto provieram exclusivamente de negligência grave da Sinistrada.
Apreciando:
Os casos de descaracterização do acidente estão previstos no artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro e apenas o fundamento invocado pelo Recorrente que identificámos sob 3, a provar-se, é que descaracterizará o acidente.
Quanto aos demais fundamentos invocados pelo Recorrente importa referir o seguinte:
Em relação ao que enunciámos sob 1, prende-se este com os elementos caracterizadores do acidente de trabalho. E como já concluímos supra, resultou provado que a queda sofrida pela Sinistrada produziu-lhe lesão corporal (entorse do tornozelo esquerdo), lesão esta que lhe determinou vários dias de incapacidade para o trabalho, sendo patente o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas e entre estas e a incapacidade sofrida.
Relativamente ao fundamento que identificámos sob 2, há que salientar o seguinte:
Em primeiro lugar, da factualidade provada não se consegue extrair, como pretende o Recorrente, que as sucessivas baixas médicas, posteriores ao período de recuperação previsto (2 semanas) e a consequente incapacidade que foi atribuída à Sinistrada pela Junta Médica (2%) não resultaram do evento ocorrido em 16.05.2019 mas sim, de uma das causas que apontou: de uma patologia prévia (tendinite nos peroneais), ou de um eventual incumprimento das indicações médicas dadas e que terão contribuído para o agravamento da condição da Sinistrada e para o atraso na sua recuperação.
Com efeito, dos factos provados apenas resulta que a Autora esteve impedida de trabalhar, por incapacidade temporária absoluta, durante 159 dias, de 17-05-2019 a 22-10-2019 (facto 6), após a assistência da Autora na Urgência do Hospital …, resultou de observação médica a existência de edema do tornozelo esquerdo, sendo igualmente referido que o período de recuperação não excederia as duas semanas (facto 8); a Autora prolongou a baixa médica duas vezes, por períodos de 10 e 21 dias, até 28-06-2019 (facto 9) e que na sequência da realização da ecografia do tornozelo esquerdo, foram observados sinais de tendinite a nível dos tendões peroniais (facto 10).
Acresce que, mesmo que se considerasse que o facto provado 10 indicia uma predisposição patológica da Sinistrada, o certo é que, de acordo com o artigo 11.º da Lei n.º 28/2009, de 4 de Setembro, “ A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação, salvo quando tiver sido ocultada.”
Sobre esta norma afirma-se no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01.06.2006, in www.dgsi.pt, o qual, embora versando sobre a anterior LAT, expressa entendimento actual posto que o artigo 9.º n.º 1 da anterior LAT corresponde ao actual n.º 1 do artigo 11.º: “I – Nos termos do artº 9º, nº 1, da LAT, a predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.
II – Perante este preceito e ao contrário do que acontecia com o estatuído no nº 1 da Base VIII da Lei nº 2127, de 3/08/65, mesmo que a predisposição patológica tenha sido causa única da lesão ou doença, não fica excluído o direito à reparação, apenas ocorrendo tal exclusão quando, além de existir a predisposição patológica, ela tenha sido ocultada.
III – Cabe à entidade responsável demonstrar que o trabalhador não só conhecia a sua predisposição patológica, de forma clara e inequívoca, como a ocultou da entidade empregadora, no momento em que celebrou o contrato de trabalho ou equivalente, ou no momento em que dela teve conhecimento.
(…).”
Sucede que não ficou provado que a Sinistrada conhecia a sua predisposição patológica (caso existisse) e, muito menos, que a ocultou do Recorrente. E, segundo afirmou o Recorrente, era comum a Sinistrada queixar-se de dores no tornozelo, pelo que, dificilmente poder-se-ia concluir que esta escondeu do empregador uma predisposição patológica.
Por outro lado, dispõe o n.º 2 do citado artigo que “ Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da lei.”
No caso, não se provou que a Sinistrada esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição em consequência de lesão ou doença anterior. Donde, a considerar-se a existência de uma predisposição patológica da Sinistrada, ou a existência de lesão anterior, estas não excluiriam o direito à reparação integral, pelo que, esta pretensão do Recorrente não pode proceder.
Em segundo lugar, nada nos autos aponta no sentido de que a Recorrida não observou as prescrições médicas e que, nessa medida, contribuiu para o agravamento da sua situação e atraso na recuperação, pelo que também não procede esta pretensão do Recorrente.
Apreciemos, agora, se o acidente deve ser descaracterizado por alegadamente ter resultado exclusivamente de negligência grosseira da Sinistrada.
Nos termos do artigo 14.º n.º 1 al.b) da LAT, o empregador não tem de reparar os danos decorrentes de acidente que “ Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.”
E de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, “Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.”
Sobre a negligência grosseira escreve-se no sumário do Acórdão do STJ, de 19.11.2014, pesquisa em www.pt, “(…) III – A negligência grosseira, prevista na alínea b) da norma enquanto causa exclusiva descaracterizadora do acidente, preenche-se na assunção, pelo sinistrado, por acção ou omissão, de um comportamento temerário em alto e relevante grau, causalmente determinante da eclosão do evento infortunístico, considerando-se como tal a actuação perigosa, audaciosa e inútil, reprovada por um elementar sentido de prudência
(…)”
E como também elucida o Acórdão do mesmo Tribunal, de 11.02.2013, igual pesquisa, “(…)3. A “negligência grosseira”, que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo, deve ser apreciada não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta, mas em concreto, em face das condições da própria vítima – segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais”
Por fim, embora versando sobre a anterior Lei dos acidentes de trabalho, mas expressando entendimento actual, veja-se, ainda, o Acórdão do mesmo Tribunal, de 17.09.2009 também disponível em www.dgsi.pt em cujo sumário lemos: “I - Para excluir o direito à reparação de acidente de trabalho, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), é indispensável que o evento seja imputado, em termos de causalidade adequada, exclusivamente, a comportamento temerário em alto e relevante grau do sinistrado (n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril), o que implica, por um lado, a prova de que o acidente se deveu a conduta inútil, indesculpável, sem fundamento, e de elevado grau de imprudência, da vítima, e, por outro lado, a prova de que nenhum outro facto concorreu para a sua produção.”
Regressando ao caso em análise constata-se que ficou provado que, no dia 16-05-2019, pelas 18h20, a Autora AAA encontrava-se a desempenhar as funções de serviço doméstico sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu BBB, na habitação deste (facto 1), que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, a Autora subiu, com ajuda de um escadote, à bancada da cozinha da habitação do Réu, com vista a efectuar a limpeza de uma janela (facto 4) e que, de seguida, pretendendo descer para o solo, com apoio do mesmo escadote, este objecto deslizou, provocando a queda da Autora e uma entorse no tornozelo esquerdo (facto 5).
Entendemos que os factos em causa não consubstanciam um comportamento temerário em alto e relevante grau, nem revelador de um elevado grau de violação do dever de cuidado pois, no quadro descrito, mostra-se compreensível que a Sinistrada, para aceder à janela que pretendia limpar, tivesse subido a bancada da cozinha utilizando, para tanto, um escadote e que, para descer da bancada utilizasse, novamente, o dito escadote. É que, no caso, não se provaram quaisquer circunstâncias que nos levem a concluir que era altamente previsível que o escadote iria deslizar, como deslizou e, assim, provocar a queda da sinistrada.
Por outro lado, se é certo que, num quadro de normalidade, a utilização de um escadote para subir a uma bancada da cozinha a fim de limpar o vidro de uma janela não é o meio adequado e seguro a realizar essa tarefa, também é certo que, nesse mesmo cenário de normalidade, não seria de esperar que o escadote deslizasse só porque a Sinistrada colocou o pé ao descer da bancada.
Consequentemente, resta concluir que não merece censura o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que o acidente não está descaracterizado, sendo o Réu responsável pela reparação dos danos dele decorrentes.
*
Analisemos, por fim, se ao valor de € 442,62 deverá ser descontada a quantia de €19,10 por dizer respeito ao valor de uma factura já paga pelo Recorrente.
Invoca o Recorrente que ao valor da condenação de € 442,62 deverá ser descontado o montante de € 19,10, na medida em que este diz respeito ao valor de uma factura já paga por si, conforme resulta da página 8 do Documento n.º 5 junto com a P.I., documento que também foi junto aos autos pelo Recorrente e no qual consta que se encontra pago, através das siglas “Pg”, apostas pela própria Recorrida.
Vejamos:
No ponto 7 dos factos provados consta que a Autora despendeu, em tratamentos, consultas médicas e medicação, o valor de 442,62€.
O Recorrente não impugnou o mencionado facto no sentido de ser considerado provado que, daquele valor, €19,10 foram pagos por si. Por isso, não pode vir agora pedir que ao valor de €442,62 seja descontado o montante de €19,10.
Por conseguinte, também não procede esta pretensão do Recorrente.
Em suma improcede, na totalidade, a apelação.
Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade do Recorrente.

Decisão
Face ao exposto, acorda-se em:
- Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto nos termos supra mencionados.
- Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 27 de Abril de 2022
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Filomena Maria Moreira Manso
Decisão Texto Integral: