Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
877/12.7TVLSB.L1-1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLAUSULA EM APREÇO É RELATIVAMENTE PROIBIDA
NULIDADE
DEVER DE INFORMAR
ÓNUS DA PROVA
INEXISTENCIA
COMPETENCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
PACTO PRIVATIVO DE JURISDIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Sendo a negociação das partes complexa e composta por um conjunto de documentos que incorporam outros, por remissão, resultando destes a atribuição de competência a um determinado tribunal, as regras da boa-fé na celebração e na execução dos contratos impõe a vinculação das partes ao assim acordado.
II. Tendo as partes derrogado por acordo escrito algumas das normas dos documentos incorporados na concreta negociação e não tendo afastado a norma da qual resulta a atribuição de jurisdição aos Tribunais Ingleses, que aceitaram por via de incorporação do documento onde a mesma se encontra prevista, são aplicáveis todas as demais regras previstas nesses documentos, incluindo essa.
III. Entende-se, assim, que existe, ainda que por via da remissão, incorporação e aceitação do “....” (na parte não derrogada), na concreta negociação das partes, uma aceitação escrita, clara e precisa, de uma cláusula geral atributiva de competência exclusiva aos Tribunais Ingleses, encontrando-se preenchidos os pressupostos do artigo 23.º, n.º1, alínea a), do Regulamento n.º 44/2001.
IV. Tendo sido colocada em causa a validade substancial de uma das cláusulas do contrato, entende-se que o tribunal nacional deve apreciar a sua validade, já que a procedência dessa invocação pode afetar a eficácia da mesma cláusula, tratando-se, consequentemente, de matéria de conhecimento oficioso.
V. Porém, a alegação não deixa de poder ser interpretada, no contexto do litígio, no sentido de existir um pacto privativo de jurisdição assente numa cláusula elaborada de antemão, que as partes se limitaram a aceitar, cujo conteúdo não foi previamente elaborado e que o destinatário não pode influenciar, remetendo-nos, assim, para a apreciação do regime das cláusulas contratuais gerais e para a necessidade de ponderar a proteção do aderente a este tipo de negociação pré-formulada, sejam as cláusulas gerais elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros (artigo 1.º, nºs 1 e 2, e artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 446/85).
VI. Competia ao réu, por ser um facto constitutivo do seu direito, o ónus de alegar e provar a existência de prévia negociação, não se satisfazendo o cumprimento desse ónus com a mera alegação de que a cláusula consta de um documento incorporado no contrato (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
VII. No corpo da alegação, a apelante invoca que a cláusula é absolutamente proibida por se enquadrar no circunstancialismo previsto na alínea h) do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 446/85, alegadamente por a lei inglesa não conceder tutela judicial a situações como a descrita nos autos, por considerar que a flutuação das taxas de juros da Euribor a 3 meses não constitui um risco do contrato, logo não constituiu fundamento da resolução do negócio.
VIII. Assim, a validade de uma cláusula que elege um foro como sendo o competente para dirimir um litígio (o que igualmente se aplica ao estabelecimento da jurisdição competente por maioria de razão, argumento consentido pelo caráter não taxativo da norma), tem de ser analisada à luz dos inconvenientes que a mesma envolve para os potenciais aderentes.
IX. Uma cláusula que resulta de um contrato-padrão que se aplica a uma multiplicidade de aderentes e que estabelece, com exclusividade, como competentes os Tribunais de um país que é o da sede de um dos aderentes, apesar do mesmo ter representação permanente em Portugal, apenas e porque o contrato é sujeito à lei inglesa, sendo a contraparte uma sociedade portuguesa, com sede em Portugal, cria graves inconvenientes para esta parte, atenta a distância a que se encontra do foro elegido, criando inevitáveis dificuldades de litigância perante uma jurisdição estrangeira, sem que se veja, no caso concreto, atenta a representação permanente da outra parte em Portugal, interesse justificativo e prevalecente para tal opção.
X. Entende-se, assim, que a escolha de uma determinada lei estrangeira para reger um contrato não se afigura como um critério prevalecente no estabelecimento da jurisdição competente.
XI. Ademais, a distância da sede da apelante em relação foro estabelecido, num país estrangeiro, em que prevalece um sistema juridicamente diametralmente oposto ao vigente no país da nacionalidade e sede da parte aderente, litigando contra uma entidade bancária de nacionalidade e com sede nesse país estrangeiro, cria graves inconvenientes e é potencialmente dissuasora do recurso aos tribunais pelos aderentes que não sejam nacionais ou não tenha sede ou representação nesse país estrangeiro.
XII. Donde se conclui que a cláusula em apreço é relativamente proibida e, consequentemente, nula (artigos 12.º e 19.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 446/85).
XIII. Não resultando dos factos alegados que o dever de informação tenha sido cumprido, já que o réu nada alegou nesse sentido, tornar-se-ia impossível a prova do contrário. Sendo assim, a questão tem der decidida contra ele (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 516.º do CPC 1961, com correspondência no artigo 414.º do CPC 2013).
XIV. Consequentemente, a cláusula atributiva de jurisdição aos Tribunais Ingleses deve ser excluída do contrato por violação do dever de informação, mantendo-se o demais convencionado (artigos 1.º, 6.º, 8.º, alínea b), 9.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10).
XV. O vício em causa determina a inexistência da cláusula que logicamente prevalece sobre a nulidade da mesma.
Donde decorre, em face do disposto nos artigos 1.º, n.º1, primeira parte, 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 44/2001, a competência internacional dos Tribunais Portugueses para apreciarem e decidirem o presente litígio (cfr. também artigo 7.º do CPC 1996, com correspondência no artigo 13.º do CPC 2013).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A (também designada na documentação junta aos autos por ...) intentou, em 23/04/2012, nas Varas Cíveis de Lisboa, ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B. (que passaremos a designar por ....), pedindo que se declare resolvido o contrato celebrado com o réu, por força da alteração das circunstâncias negociais que levaram à contratação, com base no artigo 437.º do Código Civil.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em suma, que:
- Em 26/10/2007, celebrou com o ....um “Contrato de Permuta de Taxa de Juro” [1], com data de início a 30/10/2007 e data de vencimento a 30/10/2012, tendo como valor de referência €5.000.000,00;
- Na mesma data, a sociedade C celebrou igual contrato com o ...., tendo como valor de referência €1.000.000,00;
- A sociedade C celebrou com a autora A o contrato de cessão de posição contratual, com conhecimento e intervenção do ....;
- Os dois contratos “Swaps” têm a mesma arquitetura que assentam na taxa Euribor a 3 meses;
- Por razões relacionadas com a conjuntura económico-financeira, que alteraram drasticamente as circunstâncias existentes à data da negociação, pondo em causa o equilíbrio negocial e as regras da boa-fé no cumprimento dos contratos, atualmente não possibilitam qualquer ganho para a autora e garantem avultados ganhos ao ....;
- Os contratos geraram à autora prejuízos que ascendem já a €503.482,97 e continuarão a gerar perdas até ao final da sua execução que, tendo em conta a atual taxa de juro e os termos do contrato, se estimam em cerca de €320.000,00.

Citado o réu, contestou, por exceção e por impugnação.
Releva na apreciação deste recurso, a defesa por exceção, porquanto o ....arguiu a incompetência dos Tribunais Portugueses, por violação do pacto de jurisdição, pedindo que seja absolvido da instância.
Na fundamentação apresentada, destaca-se, em suma, o seguinte:
- Os contratos em causa são compostos por:
- Um contrato quadro denominado “1992 …”, elaborado pela “....” que contem as condições contratuais gerais;
- Um conjunto de definições elaboradas pela mesma entidade com vista a interpretar o “…”, conjuntamente designados por “2006 …”;
- As condições individuais concretamente acordadas entre as partes, constantes das “…”;
- A cessão da posição contratual operada entre a C e a B. rege-se pela “Novation Confirmation”, que especifica as particularidades da referida cessão, e pelas “2006 …Definitions” e “2004 .. … Definitions”;
- As partes receberam o “....de 1992”, como o modificaram expressamente, constando tais modificações dos “Amendment Agreements” celebrados em 31/12/1007, entre a autora A e o réu ....e a C e o ....;
- Na Secção 13 (b) (i) do “....” está escrito que “…no que concerne a qualquer litígio, processo ou procedimento relacionado com este contrato (“litígios”), ambas as partes acordam, irrevogavelmente, submetê-los à jurisdição dos Tribunais Ingleses, se as partes expressamente determinarem que este contrato é regido pela lei inglesa, (…)”;
- Os dois contratos Swaps estabeleceram, nas respetivas “Confirmations” que o contrato e esta “Confirmation” serão regidas e interpretadas de acordo com a lei inglesa;
- Dessa estipulação decorre a atribuição da competência exclusiva aos Tribunais Ingleses para dirimirem o presente litígio;
- A admissibilidade dos pactos de jurisdição é assegurada pelo artigo 99.º, do Código do Processo Civil (CPC).

Não foi apresentada réplica.
O Tribunal conheceu da exceção e decidiu o seguinte:
“…julga-se procedente a exceção dilatória da incompetência relativa dos Tribunais Portugueses por infracção do estipulado na convenção prevista no artº 99º do Cód. Proc. Civil, e, em consequência, absolve-se a ré da instância.”
Inconformada, apelou a autora.
Foram apresentadas contra-alegações pelo apelado .....
Conclusões da apelação:
01. A Recorrente celebrou com a Ré um contrato de “Permuta de Permuta de Taxa de Juro” denominado por “Rate Swap Confirmation”, tendo subscrito adicionalmente o documento denominado por “Novation Confirmation”, bem como o documento denominado por “Amendment Agreement” sendo que em nenhum dos documentos subscritos pela Recorrente consta qualquer Pacto Privativo e Atributivo de Jurisdição.
02. Dos documentos subscritos pela Recorrente consta remissão para um outro documento denominado por "Amendment Agreement" cujo clausulado inclui a expressão “deverá ser regido e interpretado à luz da lei inglesa” que a Sentença a quo decidiu tratar-se de um pacto de jurisdição válido e eficaz.
03. Tal expressão, para além de não estatuir de forma clara e expressa que a lei reguladora do negócio jurídico é a lei inglesa, não se refere ao foro competente para a resolução de litígios emergentes do mesmo.
04. Ainda que mencionasse expressamente a jurisdição competente, tal remissão, não pode à luz da regime regulador das cláusulas contratuais gerais, ser interpretado como um Pacto Privativo e Atributivo de Jurisdição.
05. Por outro lado, porque o alegado pacto celebrado no âmbito do negócio jurídico sub judice mais não é que uma mera alusão à legislação potencialmente aplicável aos litígios emergentes da relação jurídica nascida do negócio, a Recorrente não aceitou expressamente e sem reservas qualquer pacto de jurisdição e, a existir esse pacto, o mesmo seria uma pura manifestação de oportunismo por parte da Ré, violadora da mais elementar boa-fé negocial, factos que à luz do disposto no artigo 99.º do CPC obstam à validade de um hipotético pacto de jurisdição.
06. Por último, à luz do Regulamento (CE) N.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, o Tribunal a quo decidiu reconhecer uma cláusula geral, viciada e irregular, destinada a favorecer a Ré e a lesar de forma substancial e irreversível os direitos da Recorrente como um pacto de jurisdição.
07. A Sentença a quo violou, portanto, o DL 446/85, de 25 de Outubro, o artigo 99.º do Código de Processo Civil e o Regulamento (CE) N.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000 pelo que deverá ser revogada.
 
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a questão essencial consiste em determinar se as partes estabeleceram um pacto privativo e atributivo de jurisdição aos Tribunais Ingleses, por via do qual resulta a incompetência internacional do Tribunal Português.

B- De Facto
A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes elementos fácticos, que reproduzimos:
1. A autora dedica-se à fabricação de produtos de papel e alimentares;
2. Autora e ré subscreveram o instrumento particular denominado “Rate Swap Confirmation”, cuja cópia consta a fls. 24/31 (tradução a fls. 326/328), onde consta, para além do mais, “(…). Esta Confirmação constitui uma “Confirmação” tal como referido no Acordo Principal … por si referido abaixo. As definições e disposições contidas nas Definições .... de 2006 (as “Definições 2006”), tal como publicadas pela ...., Inc. (“…”) estão incorporadas nesta Confirmação. (…). Além disso, V. Exºs e nós concordamos em fazer todos os esforços razoáveis para negociar, executar e entregar um acordo forma do Acordo Principal … (Multicurrency-Cross Border) (o “Formulário …”), com as modificações que concordemos de boa fé. Após a execução de tal acordo pela nossa parte e por parte de V.Exª. esta confirmação será um suplemento a, formará parte de, e estará sujeita a esse acordo. (…). Até executarmos e entregarmos esse acordo, esta confirmação, juntamente com todas as outras confirmações referentes ao Formulário .... que confirmem transações entre nós, serão suplemento a, farão parte de, e estarão sujeitas a um acordo na forma de Formulário .... tal como se tivéssemos celebrado um acordo em tal forma (mas sem calendário) na data da transação da primeira transação do tipo entre nós, sob a vigência da lei inglesa, sendo a moeda de terminação GBP e incluída a secção 6(f) assim as disposições da secção V(A) do Guia do utilizador .... do Acordo Principal de 1992. (…)”;
3. Autora e ré subscreveram o instrumento particular denominado “Novation Confirmation”, cuja cópia consta a fls. 34/38 (tradução fls. 555/557), e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). 1. As definições e disposições contidas nas Definições de Novação 2004 da .... (as Definições de Novação), bem como as definições e disposições das Definições 2006 da .... (as “Definições 2006”), respetivamente nos termos publicados pela International …(“....”) e com as alterações oportunamente introduzidas, são dadas como parte integrante desta Confirmação de Novação. (…)”;
4. A autora subscreveu o instrumento particular denominado “Acceptance and Understanding Structured Interest Rate Derivatives”, cuja cópia consta a fls. 32/33 (tradução a fls. 320/322) dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). Vimos por este meio confirmar que lemos, concordámos e entendemos os termos finais da transação de troca de fluxos com taxa de juro estruturada (a “transação”) a ser estabelecida entre … e B descrita no Termo de Compromisso anexo. (…)”;
5. A autora subscreveu o instrumento particular denominado “Amendment Agreement”, cuja cópia consta a fls. 237 (tradução a fls. 316/317) dos autos, onde consta, apara além do mais, “(…). Através deste Acordo de Alteração, as partes acordam por este meio alterar os termos do Acordo-Quadro .... de 1992 (Multimoedas-transfronteiriço) (Acordo ....”) estabelecido entre as partes ou de outro modo inserido por remissão nas confrimações comprovativas das transações derivativas (cada qual uma “transação”) introduzidas pela Contraparte e pelo ...., nos seguintes termos: (…). Diversos: (…); (b) Este Acordo de Alteração constitui todo o acordo e entendimento das partes no que diz respeito ao assunto em questão aqui contido. O Acordo de Alteração deverá ser regido e interpretado à luz da lei inglesa, e pode ser executado em contrapartes, cada uma das quais sendo considerada original e todas em conjunto constituirão um único instrumento. (…)”;
6. A C subscreveu o instrumento particular denominado “Amendment Agreement”, cujo teor se dá por reproduzido e cuja cópia consta a fls. 238 (tradução a fls. 318/319) dos autos, onde consta, apara além do mais, “(…). Através deste Acordo de Alteração, as partes acordam por este meio alterar os termos do Acordo-Quadro .... de 1992 (Multimoedas-transfronteiriço) (Acordo ....”) estabelecido entre as partes ou de outro modo inserido por remissão nas confirmações comprovativas das transações derivativas (cada qual uma “transação”) introduzidas pela Contraparte e pelo ...., nos seguintes termos: (…). Diversos: (…); (b) Este Acordo de Alteração constitui todo o acordo e entendimento das partes no que diz respeito ao assunto em questão aqui contido. O Acordo de Alteração deverá ser regido e interpretado à luz da lei inglesa, e pode ser executado em contrapartes, cada uma das quais sendo considerada original e todas em conjunto constituirão um único instrumento. (…)”;
7. O “Master Agreement-....” que é referido nos instrumentos particulares subscritos pelas partes, como parte integrante, encontra-se a fls. 133/144 (tradução a fls. 293/315) dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). 13. Lei aplicável e Jurisdição: (a) Lei aplicável: O presente acordo será regido e interpretado de acordo com a lei especificada no Anexo. (b) Jurisdição: Em relação a cada ação judicial, ação ou processos relativos ao presente Acordo (“processos”) cada parte irrevogavelmente: (i) aceita sujeitar-se à jurisdição dos tribunais ingleses, se no presente Acordo for designado como sujeito à lei inglesa ou, à jurisdição não exclusiva dos tribunais do Estado de Nova Iorque, se o presente Acordo for designado como sujeito às leis do Estado de Nova Iorque. (…)”;
8. As “2006 .... Definitions” referidas nos acordos subscritos pelas partes como fazendo parte integrante encontram-se a fls. 145/224 (tradução a fls. 361/538), cujo teor se dá por reproduzido;
9. As “2004 .... Novation Definitions” referidas nos acordos subscritos pelas partes como fazendo parte integrante encontram-se a fls. 227/236 (tradução a fls. 329/346) dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO
1. Previamente à apreciação do objeto do recurso, importa analisar a invocação do apelado ....relativamente ao princípio da preclusão processual.
Defende o ....que devem ser desconsideradas as alegações da recorrente por violação dos artigos 489.º, 490.º, 502.º e 505.º do CPC, porquanto a apelante não respondeu à exceção de incompetência dos Tribunais Portugueses, não lhe assistindo o direito de o fazer agora em sede de recurso.
A alegação do apelado ....não tem, contudo, qualquer fundamento legal, uma vez que o princípio da preclusão processual reporta-se apenas aos factos, não ao direito. Ou seja, o que está em causa neste recurso é se, perante a não impugnação da autora relativamente aos factos em que o réu consubstancia a arguição da exceção de incompetência do tribunal demandado (não impugnação direta ou por via da defesa considerada no seu conjunto), resulta da lei a (in)competência internacional dos Tribunais Portugueses para apreciarem o presente litígio.
Não estando sequer o juiz adstrito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664.º do CPC 1961, com correspondência no artigo 5.º, n.º 3, do CPC 2013), nada obsta à apreciação dos fundamentos jurídicos do recurso.

2. No caso dos autos, o litígio é de direito privado internacional entre duas sociedades, a autora, sedeada em Portugal, e o réu, empresa estrangeira, sedeada em Londres, mas com representação permanente em Portugal, visando a ação a resolução de dois contratos de permuta de taxa de juro (“Swaps”).
 A competência do Tribunal, enquanto pressuposto processual, tem de ser aferida em face da relação material controvertida e do pedido formulado pela autora na petição inicial.
São normas de competência internacional, aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado, o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.
No domínio das relações jurídico-privadas, vigora o abrigo do princípio da liberdade contratual, princípio transversal a vários ordenamentos jurídicos, entre eles, o português.
O referido princípio da liberdade contratual confere às partes o direito de convencionarem qual a lei substantiva aplicável ao negócio jurídico (artigo 41.º do Código Civil); nada estipulando as partes, a lei regula supletivamente quais os critérios aplicáveis (artigo 42.º do Código Civil).
Revelando a relação jurídica substantiva conexão com mais de uma ordem jurídica, a lei processual interna concede às partes o direito de convencionarem a determinação da jurisdição competente para dirimir litígios decorrentes dessa relação jurídica, através da celebração de pactos privativos e atributivos de jurisdição, conforme decorre dos artigos 65.º, 65.º-A e 99.º do CPC 1961, com correspondência nos artigos 62.º, 63.º e 94.º do CPC 2013.
Também a nível comunitário esta matéria se encontra regulada, prevalecendo tal regulação sobre o direito nacional, por força do primado do direito comunitário sobre o direito nacional (artigo 8.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa).
No caso, aplica-se o Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000[2], relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,[3] por ser diretamente aplicável a todos os Estados Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artigos 1º e 68º do Regulamento n.º 44/2001).
O regime interno é apenas aplicável fora da esfera de aplicação do Regulamento ou quando este para aí remeta, isto é, nas matérias civis excluídas do âmbito material de aplicação do Regulamento (estado, capacidade das pessoas singulares, regimes matrimoniais, falências, etc.) e nas matérias incluídas no âmbito material de aplicação do Regulamento, mas que não sejam abrangidas por uma competência exclusiva legal ou convencional, quando o requerido não tiver domicílio no território de um Estado Contratante Membro.
No caso, o direito interno não é aplicável por o litígio em apreço se encontrar inserido no âmbito material de aplicação do referido Regulamento n.º 44/2001.[4]
Nos termos do Regulamento, em regra, é competente o Tribunal do domicílio do réu. Porém, o Regulamento n.º 44/2201 admite, como expressão da autonomia privada, a vontade das partes na determinação da competência jurisdicional, quer através de cláusula atributiva ou privativa de jurisdição (artigo 23.º), quer pela prorrogação tácita da competência (artigo 24.º).
A aplicação do artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 é de excluir no caso em apreço, na medida em que o demandado ....arguiu em juízo a incompetência do tribunal onde foi demandado, a par da defesa de fundo, o que é suficiente para afastar a prorrogação tácita da competência.
De acordo com o artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001, são pressupostos, cumulativos, de admissibilidade e validade do pacto de jurisdição (“convenção” na terminologia ali utilizada), os seguintes requisitos:
 “1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou
b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado”.

Resulta desta norma que a validade formal do pacto de jurisdição depende do consenso estabelecido entre as partes, que deve manifestar-se de forma clara e precisa, remetendo a literalidade da alínea a) do citado artigo 23.º para a aceitação escrita. Não exige o preceito que haja unicidade do documento, significando apenas que tanto a proposta como a aceitação devem revestir a forma escrita.[5]
Também não deixa de ter validade a convenção verbal, desde que a aceitação seja escrita ou desde que se verifiquem os pressupostos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 23.º, ou seja, a concordância tácita é válida se estiver em conexão com os usos do comércio internacional.

3. No presente caso, e conforme decorre dos factos provados sob os pontos 2 a 6, as partes negociaram com base na elaboração por escrito de vários documentos, denominados “Rate Swap Confirmation” (fls. 326/328); “Novation Confirmation” (fls. 555/557); “Acceptance and Understanding Sructured Interest Rate Derivatives” (fls. 320/322) e “Amendment Agreement” (fls. 318/319).
Para além destes documentos, fruto da negociação e intervenção direta das partes, acordaram e declararam incorporar nos mesmos um conjunto de documentos padronizados, que regulam especificamente este tipo de produto financeiro, publicados pela “...., Inc. (....)”, ou seja, o contrato-quadro padronizado denominado “1992 ....” (também denominado abreviadamente por “....”), que contém as condições contratuais gerais deste tipo de produto financeiro, e um outro documento denominado “2006 .... Definitions” que contém um conjunto de definições elaboradas pela mesma entidade, que visam interpretar o “....”.
É o conjunto de todos estes documentos, quer os diretamente subscritos ou aceites pelas partes, quer os incorporados, que formam um acordo único e vinculativo para as partes.
Apesar do denominado “....”, enquanto contrato-quadro padronizado, estabelecendo as condições gerais contratuais, não ser (ou não ter sido) subscrito pelas partes, o mesmo vincula-as por força da remissão expressa que para ele é feita no sentido da sua incorporação nos documentos resultantes da concreta negociação das partes.
A apelante nas suas alegações alheia-se deste circunstancialismo negocial não obstante ter subscrito vários documentos, donde decorre, em termos conjugados, a declaração escrita de incorporação daquele contrato-padrão e das respetivas definições. Vejam-se assim os documentos denominados “Rate Swap Confirmation” (fls. 26 e 30), “Acceptance and Understanding Structered Interest Derivatives” (fls. 32/239 e 240), “Novation Confirmation” (fls. 38) e “Amendment Agreement” (fls. 237 v e 238v).
Resulta dos documentos denominados “Amendment Agreement”, que correspondem a acordos de alteração da anterior negociação referentes aos dois contractos “swaps” em causa nos autos, que foi estabelecido que o mesmo deve ser regido e interpretado à luz da lei inglesa (cfr. pontos 5 e 6 dos factos provados).
Já constava dos documentos denominados “Rate Swap Confirmation” (cfr. fls. 24-31 e 326-328), alterados pelos documentos anteriormente referidos, que os acordos celebrados se regiam sob a vigência da lei inglesa.
Por sua vez, consta do “1992 Master Agreement” (cfr. fls. 305) a seguinte cláusula:
“13. Lei Aplicável e Jurisdição
(a) Lei Aplicável. O presente Acordo será regido e interpretado de acordo com a lei especificada no Anexo.
(b) Jurisdição. Em relação a cada acção judicial, acção ou processos relativos ao presente Acordo (“Processos”) cada parte irrevogavelmente:
(i) aceita sujeitar-se à jurisdição dos tribunais ingleses, se o presente Acordo for designado como sujeito à lei inglesa ou, à jurisdição não exclusiva dos Tribunais do Estado de Nova Iorque e ao “United States District Court” localizado na circunscrição de Manhattan na cidade de Nova Iorque, se o presente Acordo for designado como sujeito às leis do Estado de Nova Iorque;”

A questão que a apelante coloca, discordando da sentença proferida, é se da sujeição do negócio à lei inglesa decorre que as partes aceitaram um pacto privativo e atributivo de jurisdição aos tribunais ingleses por via da incorporação do referido “....”.[6]
Do teor dos documentos denominados “Amendment Agreement” extrai-se que as partes quiseram regular determinados aspetos negociais que estão na sua livre disponibilidade, mas no mais, como ali se refere, “[e]xcepto como aqui se apresenta especificamente acordado, o Acordo .... prosseguirá em pleno vigor e efeito (…)” – cfr. fls. 317 e 319.
Ou seja, tratando-se de um documento escrito, a interpretação que um declaratário normal colocado na posição do declaratário pode deduzir desta declaração é que não derrogaram expressamente as regras estabelecidas no contrato-quadro denominado “....” relativas à atribuição de competência aos Tribunais Ingleses por o contrato ser regido pela lei inglesa, conforme previsto na Secção 13 (b) (i) do referido contrato-quadro.
Em suma, não se aceita como válida a argumentação da apelante quando refere que não existe um pacto de jurisdição válido e eficaz de atribuição de jurisdição aos Tribunais Ingleses, por tal pacto não constar expressamente de nenhum dos documentos expressamente subscritos pela apelante.
Na verdade, sendo a negociação das partes complexa e composta por um conjunto de documentos que incorporam outros, por remissão, resultando destes a atribuição de competência a um determinado tribunal, as regras da boa-fé na celebração e na execução dos contratos impõe a vinculação das partes ao assim acordado (exatamente o inverso do defendido pela recorrente).
Tendo as partes derrogado por acordo escrito algumas das normas dos documentos incorporados na concreta negociação e não tendo afastado a norma da qual resulta a atribuição de jurisdição aos Tribunais Ingleses, que aceitaram por via de incorporação do documento onde a mesma se encontra prevista, são aplicáveis todas as demais regras previstas nesses documentos, incluindo essa.
Entende-se, assim, que existe, ainda que por via da remissão, incorporação e aceitação do “....” (na parte não derrogada), na concreta negociação das partes, uma aceitação escrita, clara e precisa, de uma cláusula geral atributiva de competência exclusiva aos Tribunais Ingleses, encontrando-se preenchidos os pressupostos do artigo 23.º, n.º1, alínea a), do Regulamento n.º 44/2001.

4. Questão diferente, e também suscitada pela apelante, é se aquela estipulação do “....”, enquanto cláusula geral inserida num contrato padronizado, se encontra viciada e é irregular, por favorecer a ré de forma substancial, violando, assim, o regime das cláusulas contratuais gerais prevista no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10.
Este diploma incorpora, por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31/08, na sequência da Directiva n.º 93/13/CEE, de 05/04, algumas regras específicas bancárias[7] (artigos 22.º, n.º1, alíneas c) e d), n.º2 e 3 e 4), que a par das regras de conteúdo mais geral, são aplicáveis aos contratos como os referidos nos autos (mormente as normas previstas nos artigos 5.º a 8.º, 17.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 446/85).
Por outro lado, não obstante o anteriormente concluído (supra ponto 3), não se pode ignorar que o acordo das partes tem subjacente uma cláusula contratual geral.
Tendo sido colocada em causa a validade substancial da mesma, entende-se que o tribunal nacional deve apreciar a sua validade[8], já que a procedência dessa invocação pode afetar a eficácia da cláusula, tratando-se, consequentemente, de matéria de conhecimento oficioso.[9]
No caso em apreço, a questão da validade da cláusula nunca tinha sido suscitada nos autos, já que a autora, ora recorrente, não apresentou réplica, suscitando a questão “ex novo” em sede de recurso, alegando que se trata de “pura manifestação de oportunismo por parte da Ré, violadora da mais elementar boa fé negocial (…)”- (conclusão 05 das alegações).
Esta alegação, ainda que muito pouco concretizada em termos factuais, surge intimamente ligada à ideia chave que preside às conclusões recursórias - falta de acordo escrito ou confirmado por escrito da expressão menção de um pacto de jurisdição -, que não acolhemos com esse pressuposto, como se disse, acabando a apelante por centrar a argumentação na verificação dos pressupostos da resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias (questão que apenas pode ser ponderada em termos do conhecimento do mérito da ação na fase processual própria).
Porém, a alegação não deixa de poder ser interpretada, no contexto do litígio, no sentido de existir um pacto privativo de jurisdição assente numa cláusula elaborada de antemão, que as partes se limitaram a aceitar, cujo conteúdo não foi previamente elaborado e que o destinatário não pode influenciar, remetendo-nos, assim, para a apreciação do regime das cláusulas contratuais gerais e para a necessidade de ponderar a proteção do aderente a este tipo de negociação pré-formulada, sejam as cláusulas gerais elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros (artigo 1.º, nºs 1 e 2, e artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 446/85).
Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º deste diploma, o ónus de prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem dela pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.
O réu ....não alegou na contestação que o pacto de jurisdição atributivo de jurisdição dos Tribunais Ingleses tenha decorrido na sequência de uma concreta e prévia negociação sobre essa matéria. O que alegou foi que, nas concretas negociações estabelecidas entre as partes, foi incorporada uma cláusula atributiva de jurisdição que se encontra pré-estabelecida no contrato-quadro denominado “....”, o que se afigura ser substancialmente diverso.
Uma coisa é ter havido adesão à cláusula pré-formulada, aceitando as partes a mesma e, nesse pressuposto, ser válida à luz do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001, por veicular um pacto jurisdicional; outra, totalmente diversa, é ter havido uma concreta negociação sobre o conteúdo da referida cláusula.
Alegou, contudo, que a recorrente recebeu o “....(Multicurrency-Cross Border”), na versão inglesa e na versão portuguesa (artigo 22.º da contestação), tendo a recorrente declarado que compreendeu o conteúdo da documentação, conforme consta dos documentos intitulados “Acceptance and Understanding Structered Interest Derivatives” (artigo 23.º da contestação), factos estes não impugnados pela ora recorrente.
Competia ao réu ...., por ser um facto constitutivo do seu direito, o ónus de alegar e provar a existência de prévia negociação, não se satisfazendo o cumprimento desse ónus com a mera alegação de que a cláusula consta de um documento incorporado no contrato (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Analisemos, mais detalhadamente, a alegação da recorrente.
No corpo da alegação, a apelante invoca que a cláusula é absolutamente proibida por se enquadrar no circunstancialismo previsto na alínea h) do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 446/85, alegadamente por a lei inglesa não conceder tutela judicial a situações como a descrita nos autos, por considerar que a flutuação das taxas de juros da Euribor a 3 meses não constitui um risco do contrato, logo não constituiu fundamento da resolução do negócio.

A alegação da recorrente no sentido da verificação dos pressupostos da alínea h) do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 446/85 não se afigura procedente, na medida em que o preceito estipula, no que ora releva[10], que são cláusulas absolutamente proibidas as que “excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer a tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre contratantes”.
A mera possibilidade de uma pretensão judicial poder ou não ter procedência não se enquadra nestes pressupostos. O que se pretende afastar é a eliminação total ou parcial da possibilidade de acesso à tutela jurisdicional. Não é de todo a situação em apreço.

Porém, a alegação da apelante, remete-nos para uma outra regra prevista no normativo, que se encontra numa relação de afinidade com esta, por também se reportar à escolha do foro competente e, consequentemente, à criação de limitações sérias no acesso à tutela jurisdicional, que consta da alínea g) do artigo 19.º do mesmo diploma, estipulando do seguinte modo:
“São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais:
g)- Estabeleçam um foro competente que envolta graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.”

Assim, a validade de uma cláusula que elege um foro como sendo o competente para dirimir um litígio (o que igualmente se aplica ao estabelecimento da jurisdição competente por maioria de razão, argumento consentido pelo caráter não taxativo da norma), tem de ser analisada à luz dos inconvenientes que a mesma envolve para os potenciais aderentes.
Uma cláusula que resulta de um contrato-padrão que se aplica a uma multiplicidade de aderentes e que estabelece, com exclusividade, como competentes os Tribunais de um país que é o da sede de um dos aderentes (um Banco), apesar do mesmo ter representação permanente em Portugal, apenas e porque o contrato é sujeito à lei inglesa, sendo a contraparte uma sociedade portuguesa, com sede em Portugal, cria graves inconvenientes para esta parte, atenta a distância a que se encontra do foro elegido, criando inevitáveis dificuldades de litigância perante uma jurisdição estrangeira[11], sem que se veja, no caso concreto, atenta a representação permanente da outra parte em Portugal, interesse justificativo e prevalecente para tal opção.
Entende-se, assim, que a escolha de uma determinada lei estrangeira para reger um contrato não se afigura como um critério prevalecente no estabelecimento da jurisdição competente.
Ademais, a distância da sede da apelante em relação foro estabelecido, num país estrangeiro, em que prevalece um sistema juridicamente diametralmente oposto ao vigente no país da nacionalidade e sede da parte aderente, litigando contra uma entidade bancária de nacionalidade e com sede nesse país estrangeiro, cria graves inconvenientes e é potencialmente dissuasora do recurso aos tribunais pelos aderentes que não sejam nacionais ou não tenha sede ou representação nesse país estrangeiro.
Donde se conclui que a cláusula em apreço é relativamente proibida e, consequentemente, nula (artigos 12.º e 19.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 446/85).

Esta conclusão determina, sem mais, a procedência da apelação.

Contudo, sempre se acrescenta, que caso assim não se entendesse, a cláusula também deveria ser excluída.
A apelante invoca violação do dever de informação, remetendo para os artigos 5.º a 7.º do citado regime geral das cláusulas contratuais gerais, e a consequente sanção de exclusão prevista no artigo 8.º, alínea b), por violação do dever de informação.

A violação do dever de comunicar (dever este que garante o conhecimento efetivo da cláusula contratual) e de informar (dever este que garante a compreensão da mensagem que lhe está subjacente), previstos, respetivamente, nos artigos 5.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, tem como consequência a exclusão da cláusula dos contratos singulares, sem afetação do demais convencionado (artigo 8.º, alíneas a) e b), e artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 446/85).
Quanto ao ónus de comunicação, o apelado cumpriu o respetivo ónus de alegação na contestação, nos termos acima referenciados, e tal matéria encontra-se provada por a autora, ora apelante, não ter apresentado réplica sobre a matéria da arguição da exceção de incompetência do tribunal (artigo 490.º do CPC 1961, com correspondência no artigo 574.º do CPC 2013).
Já em relação ao dever de informação, dos factos alegados não resulta que tal dever tenha sido cumprido, já que o réu ....nada alegou nesse sentido, pelo que também não poderia provar. Sendo assim, a questão tem der decidida contra si (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 516.º do CPC 1961, com correspondência no artigo 414.º do CPC 2013).
Consequentemente, a cláusula atributiva de jurisdição aos Tribunais Ingleses deve ser excluída do contrato por violação do dever de informação, mantendo-se o demais convencionado (artigos 1.º, 6.º, 8.º, alínea b), 9.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10).
O vício em causa determina a inexistência da cláusula que logicamente prevalece sobre a nulidade da mesma.
Donde decorre, em face do disposto nos artigos 1.º, n.º1, primeira parte, 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 44/2001, a competência internacional dos Tribunais Portugueses para apreciarem e decidirem o presente litígio (cfr. também artigo 7.º do CPC 1996, com correspondência no artigo 13.º do CPC 2013).

Impõe-se, assim, a revogação da decisão e a procedência da apelação.

Dado o decaimento, as custas da apelação ficam a cargo do apelado, sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, consequentemente, declaram:
- Excluída do contrato “Contrato de Permuta de Taxa de Juro” referenciado nos pontos 2 e 8 dos factos provados (Contrato de “Swaps” que incluem o celebrado pela autora e réu em 26/10/2007 e o celebrado entre a T…e o réu na mesma data, contrato que veio a ser objeto de cessão da posição contratual daquela sociedade a favor do autora, em 06/04/2009), a cláusula incorporada no mesmo por referência à Secção 13 (b) (i) do contrato-quadro denominado “....”, que atribui competência jurisdicional aos Tribunais Ingleses para apreciar e decidir todos os litígios relacionados com o referido contrato;
- Declarando, em consequência, a competência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer e decidir o presente litígio, ordenando o prosseguimento da normal tramitação da presente ação.

Custas nos termos sobreditos.

Lisboa, 10 de abril de 2014

Maria Adelaide Domingos

Eurico José Marques dos Reis

Ana Grácio

[1]Conhecido como contrato de“Swap” (literalmente, troca ou permuta). É definido doutrinariamente como o contrato pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um ativo subjacente, geralmente uma dada taxa de câmbio ou de juro. Trata-se de um contrato através do qual uma parte transfere o risco económico inerente a um ativo para outra parte, em troca de uma remuneração, obrigando-se concretamente as partes (i) ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, (ii) na mesma moeda ou em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas predeterminadas, (iv) calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um ativo subjacente, geralmente, e neste caso específico, a uma determinada taxa de juro (JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “Os Instrumentos Financeiros”, Almedina, 2009, p. 167 e ss).
[2] JL L 012 de 16.0.2001.
[3] Entrou em vigor em 01/3/2002 (artigo 76.º), substituindo entre os Estados Membros da União Europeia, com exceção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas de 1968.
[4] Nesse sentido, a interpretação e aplicação do artigo 99.º do CPC nos termos que constam da sentença recorrida mostra-se irrelevante para dirimir a exceção suscitada pelo réu B..
[5] Neste sentido, Ac. RC, de 27.11.2007, proc. 9/07.3TBOFR.C1, em www.dgsi.pt .
[6] A referência à lei dos tribunais de Nova Iorque e ao “United States District Court” localizado na circunscrição de Manhattan na cidade de Nova Iorque irreleva para o caso presente, uma vez que as partes não submetam o negócio às leis do Estado de Nova Iorque.
[7] MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, Almedina, 3.ª ed., 2008, p. 404 e ss.
[8] Se a cláusula for abusiva, é nula, sendo tal vício de conhecimento oficioso (artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 446/85 e artigos 286.º e 288.º do Código Civil); se estiver em causa a exclusão da cláusula nos termos prescritos no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, ainda que a lei não preveja a concreta sanção, a cláusula é inexistente e deve ser excluída do contrato por se considerar não escrita (GALVÃO TELLES, “Manual dos contratos em Geral”, Coimbra editora, 4.ª ed., 2002, p. 322), situação em que também o vício deve ser oficiosamente apreciado. Neste sentido, veja-se Ac. RL, de 18.06.2009, proc. 626/1998.L1-2, em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido também se invoca a jurisprudência do TJUE no acórdão de 09.11.2010 (C- 137/08, VB Pénzügyi Lízing, JL C 13/2, de 15.01.2011,) onde se decidiu que compete ao órgão nacional por força das atribuições decorrentes da Directiva 93/13 verificar se uma cláusula de um contrato objeto de litígio que lhe dão a conhecer se enquadra no âmbito da aplicação da Directiva e, em caso afirmativo, tem a obrigação da apreciar à luz das exigências de proteção do consumidor ali previstas (n.º 49). Cfr. ac. RL, de 19.11.2013, proc. 1001/10.6TVLSB.L1-1, em www.dgsi.pt.
[10] Já que o segmento normativo referente à arbitragem não se aplica ao caso presente, por a cláusula remeter para um tribunal judicial.
[11] Chama-se aqui à colação o que é dito no Parecer junto aos autos, intitulado “Parecer Segundo o Direito Inglês” (traduzido a fls. 350-358), subscrito por Edwin Peel, Professor Catedrático de Direito na Universidade de Oxford, que refere que uma das maiores dificuldades de apreensão e aplicação do direito inglês, resulta do facto do direito contratual inglês não ser codificado, baseando-se predominantemente no direito consuetudinário, isto é, no efeito vinculativo de decisões anteriores dos tribunais em conformidade com a doutrina do precedente, sistema diametralmente oposto, como se sabe, ao que vigora em países como Portugal, regido por um direito codificado e expressamente legislado, que não acolhe a doutrina do precedente nos termos previstos no direito inglês.