Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/23.0YUSTR.L1-PICRS
Relator: ARMANDO LUZ CORDEIRO
Descritores: CONTRAORDENAÇÕES
TELECOMUNICAÇÕES
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
COMUNICAÇÃO
TIPICIDADE
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
COIMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO CONHECIMENTO (PARCIAL)/PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I.–A regra no Regime Geral das Contraordenações é a contrária da irrecorribilidade.

II.–As nulidades distinguem-se dos erros de julgamento. A eventual falta de um elemento do tipo não gera nulidade, mas sim improcedência.

III.–Vigora no direito de mera ordenação social o direito à não incriminação.

IV.–O âmbito de cognição do tribunal em sede de impugnação judicial da decisão condenatória da administração não é de mero controlo da legalidade, mas de um pleno poder de conhecimento do mérito da questão, de uma plena jurisdição.

V.–No apuramento dos factos o Tribunal pode (e deve) ter em consideração todos aqueles que constem do processo administrativo (e não apenas da decisão administrativa) e sobre eles o arguido tenha tido oportunidade de se pronunciar, bem como dos alegados ou trazidos ao processo pelo Ministério Público ou pelo arguido.

VI.–É pacífica e uniforme a doutrina e a jurisprudência no sentido de que erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; não se pode confundir este erro com a opinião que o recorrente formulou sobre a prova produzida, divergente da que veio a vingar.

VII.–O tribunal não está vinculado a determinada interpretação da administração e não ocorre alteração violadora dos direitos de defesa quando o tribunal opta por outra interpretação.

VIII.–Não há imposição legal ou constitucional de identificação e responsabilização de concreta pessoa física que atuou em nome ou por sua conta da pessoa coletiva para que o ilícito possa ser imputado à pessoa coletiva.

IX.–A regra da tipicidade das infrações, corolário do princípio da legalidade consagrado no n. 1 do artigo 29 da Constituição (nullum crimen, nulla poena, sine lege), só vale, qua tale, no domínio do direito penal.

X.–As exigências de tipicidade são, no direito das contraordenações, inferiores às do direito criminal.

XI.–Os pedidos previstos no art. 108.º da LCE não têm de respeitar a uma (ou mais) das categorias especificamente previstas no art. 109.º da mesma Lei, que se limita a prever alguns fins especiais dos pedidos, sem caráter de exaustão.

XII.–No direito das contraordenações abundam determinações e imposições genéricas e, até por vezes, normas em branco. A mera utilização de normas em branco, com remissões sucessivas, e de conceitos indeterminados não é proibida, nem vedada pelo princípio da legalidade. Tudo depende da suscetibilidade destas técnicas comprometerem ou não a determinabilidade do sentido da norma, impedindo os seus destinatários de perceberem quais são as condutas punidas e, nessa medida, de orientarem, com segurança, os seus comportamentos.

XIII.–O conceito de comportamento padronizado traduz a ideia de uma atuação igual nas mesmas circunstâncias de tal forma que funciona como modelo ou referência de atuação, desconsiderando situações particulares.

XIV.–O tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação.

XV.–O artigo 48.º, n.º 16, da LCE impões às empresas o dever de comunicação de alterações contratuais por sua iniciativa.

XVI.– A obrigação de comunicação escrita assegura, designadamente, sem preocupações de exaustividade, a eficácia probatória e permite a apreensão e compreensão mais eficaz do que é transmitido.

XVII.–A obrigação de comunicar por forma adequada visa, também sem preocupações de exaustividade, assegurar que a forma utilizada (escrita) cumpre a sua função facilitadora da apreensão e compreensão do que é transmitido.

XVIII.–A antecedência mínima de 30 dias, igualmente sem preocupações de exaustividade, visa permitir ao consumidor não apenas apreender e compreender as alterações que lhe são transmitidas, mas, sobretudo, conceder-lhe tempo suficiente para, de forma esclarecida, ponderar as novas condições e auscultar o mercado concorrente e decidir o que melhor se adequa aos seus interesses. Visa, igualmente, assegurar a lealdade da concorrência.

XIX.–A obrigação de informar os assinantes do seu direito de rescindir o contrato sem qualquer encargo é aquela que confere algum equilíbrio à posição contratual do consumidor. Perante alterações contratuais não consensualizadas, resta-lhe, equilibradamente, o poder de não aceitar. Não aceitação essa sem encargos, por forma a permitir inteira liberdade, sem condicionamentos ou constrangimentos económicos. Por outro lado, a omissão da comunicação desta informação ao consumidor é aquela que é mais suscetível de minorar os riscos de perdas contratuais para a empresa, na sequência das alterações contratuais, pela diminuição de um risco.

XX.–Para a determinação da medida da coima a aplicar, devem-se ter em conta os critérios específicos constantes do art. 5.º da Lei n.º 99/2009.

XXI.–Estão em causa condutas puníveis para prevenir o dano, para evitar a ocorrência de dano e, igualmente, para evitar a tentação do benefício ilegítimo. Por esse motivo, o art. 5., do RQCOSC, acima citado, é claro ao estipular que a medida da coima deve ter em consideração o “perigo ou ao dano causados”. No caso das contraordenações em causa, o dano potencial, ou o benefício potencial, são meramente indicativos sem especial ou determinante relevo na determinação da medida das coimas.

XXII.–O conceito de culpa, no âmbito contraordenacional, também se distingue da censura ética “dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna” – característica do direito penal – consubstanciando-se antes numa “imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima.

XXIII.–A atenuação especial da sanção tem subjacente a necessidade de uma válvula de segurança do sistema para responder a situações especiais em que existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto.

XXIV.–A lei não fornece um critério específico para a determinação a coima única e os critérios determinantes no direito criminal não são aqui diretamente aplicáveis, essencialmente, porque não está em causa a aplicação de uma pena que tem como limite a culpa do agente, mas sim outros interesses legalmente protegidos, nem a punição visa, pelo menos diretamente, os fins previstos no art. 40.º do Código Penal.



Sumário (elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem esta Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
*                                                                                                            
I.–RELATÓRIO.
MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A. impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pela AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES  (ANACOM) no processo de contraordenação n.º SCO0001322017 que a condenou nos seguintes termos:
a.-Em uma coima no valor de 4 000 000 (quatro milhões) euros, pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar (e que efetivamente violou) o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves – tendo dirigido a um universo de 5 877 979 assinantes comunicações relativas às alterações contratuais, sem lhes prestar a informação sobre o direito de rescisão dos respetivos contratos, sem qualquer encargo, no caso de não concordarem com as alterações propostas;
b.-Em uma coima no valor de 2 500 000 (dois milhões e quinhentos mil) euros, pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho,  por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar (e que efetivamente violou) o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves – nos casos de em que não comunicou, por forma adequada, a uma parte dos seus assinantes, a informação complementar sobre as alterações contratuais, diferindo o momento do envio das referidas comunicações e o momento da referida disponibilização;
c.- Em uma coima no valor de 1 500 000 (um milhão e quinhentos mil) euros, pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar (e que efetivamente violou) o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves – nos casos de em que não disponibilizou a parte dos assinantes, por forma adequada, a informação complementar no local e na forma que havia indicado a esses assinantes; e
d.-Em uma coima de 16 750 (dezasseis mil setecentos e cinquenta) euros, pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 e do n.º 14 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE – no caso de falta de envio da informação solicitada à ANACOM;
e.-Na coima única de 6 677 833 euros (seis milhões, seiscentos e setenta e sete mil, oitocentos e trinta e três euros).
*
Por sentença proferida a 11/07/2023, foi a referida impugnação judicial julgada parcialmente procedente, nos seguintes termos:
a)-Julgo improcedentes todas as nulidades, questões prévias e inconstitucionalidades materiais invocadas pela MEO;
b)-Condeno a MEO em:
i.-uma coima no valor de 4 000 000 (quatro milhões de euros), pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, e com o n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na mesma redação, por ter dirigido, a um universo de 5 877 979 assinantes, comunicações relativas a alterações das condições contratuais, sem lhes comunicar a informação respeitante ao direito de rescisão dos respetivos contratos sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições
ii.-Em uma coima no valor de 2 000 000 (dois milhões de euros), pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, e com o n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na mesma redação, por não ter comunicado por forma adequada, a uma parte dos seus assinantes, a informação complementar sobre as alterações contratuais, diferindo o momento do envio das referidas comunicações e o momento da referida disponibilização;
iii.-Em uma coima no valor de 500.000 euros (quinhentos mil euros), pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, e com o n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na mesma redação, por não ter disponibilizado a parte dos assinantes, por forma adequada, a informação complementar no local e na forma que havia indicado a esses assinantes;
iv.-Em uma coima no valor de 8.000 (oito mil euros) pela prática negligente de 1 (uma) contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE – no caso de falta de envio da informação solicitada à ANACOM;
v.-Em cúmulo jurídico, na coima única de 5 300 000 euros (cinco milhões e trezentos mil euros).
CUSTAS:
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de contas– cf. artigos 93.º, n.º 3 e 94.º, n.º 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
Inconformada com tal decisão, veio MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A. interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes
Conclusões
1.–O presente recurso vem interposto da Sentença do TCRS, proferida em 14.09.2023, que condenou a MEO numa coima única de € 5.300.000,00 (cinco milhões e trezentos euros) pela alegada prática de:
(i)-uma contraordenação grave, prevista no artigo 113.º, n.º 2, alínea pp) da LCE[1], por suposto incumprimento negligente da obrigação de prestação de informação ao Regulador, tal como solicitada em 31.01.2017, em violação do disposto no artigo 108.º da LCE;
(ii)-uma contraordenação muito grave, prevista no artigo 113.º, n.º 6 da LCE, por suposta adoção dolosa de comportamento idêntico e padronizado do qual resulte infração grave conjugado com o artigo 48.º, n.º 16 e 113.º, n.º 2, alínea x) da LCE, ao dirigir a um universo de 5.877.979 de assinantes comunicações relativas a propostas de alterações contratuais, sem lhes prestar a informação sobre o direito de rescisão dos respetivos contratos, sem qualquer encargo;
(iii)-uma contraordenação muito grave, prevista no artigo 113.º, n.º 6 da LCE por suposta adoção dolosa de um comportamento habitual e padronizado do qual resulte infração grave conjugado com o artigo o 48.º, n.º 16 e 113.º, n.º 2, alínea x) da LCE, em virtude de não comunicação, por forma adequada, a uma parte dos seus assinantes, da informação complementar sobre as alterações contratuais, por no momento do envio das referidas comunicações e não se encontrar disponível o detalhe das alterações; e
(iv)-uma contraordenação muito grave, prevista no artigo 113.º, n.º 2, alínea x) e n.º 6 da LCE, por suposta adoção dolosa de um comportamento habitual e padronizado do qual resulte infração grave conjugado com o artigo o 48.º, n.º 16 e 113.º, n.º 2, alínea x) da LCE, em virtude da não comunicação, por forma adequada, de informação complementar no local e na forma indicada a esses assinantes.
Da não concessão de prorrogação do prazo para interposição do presente recurso e consequente violação do direito ao recurso e a um processo equitativo
2.–O Tribunal a quo indeferiu a prorrogação, por mais 10 dias, do prazo legal para interposição de recurso da Sentença Recorrida, que é de 10 dias, interpretando e aplicando incorretamente o disposto nos artigos 107.º, n.º 6 e 215.º n.º 3 do CPP ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO, o direito de defesa e ao recurso e o direito a um processo equitativo, nos termos previstos nos artigos 32.º n.º 10 e 20.º da CRP e 6.º da CEDH.
3.–A Arguida requereu a prorrogação de prazo, com base no disposto no artigo 107.º, n.º 6 do CPP ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO, em face da extensão da Sentença, da alteração da factualidade em concreto imputada à MEO, da alteração do enquadramento jurídico dos factos, do carácter inovador do tipo em causa, e, também, da severidade da sanção que lhe foi aplicada, invocando expressamente que o prazo legal de 10 dias corridos estabelecido no artigo 74.º,  n.º 1 do RGCO se afigurava manifestamente insuficiente ao adequado exercício do direito ao recurso pela MEO.
4.–O Tribunal indeferiu a pretensão com base no entendimento de que os possíveis argumentos de recurso da Arguida não seriam muitos e seriam de fácil análise, coartando o direito de defesa à luz da sua perspetiva sobre aquele que seria a forma do seu exercício.
5.–O prazo de 10 dias é objetivamente insuficiente, independentemente do número de argumentos que a Arguida venha a decidir incluir ou não no recurso, quando objetivamente está em causa recorrer de uma sentença de 200 páginas, em que são imputados 4 tipos contraordenacionais, em que há diferenças – face à Decisão Condenatória – (inclusivamente reconhecidas pelo Tribunal) nos factos e no Direito e em que é aplicada uma coima de mais de 5 milhões de euros.
6.–Em particular, as circunstâncias de (i) as questões jurídicas suscitadas nos autos e na Sentença serem inovadoras no panorama jurisprudencial, por respeitarem à análise de um tipo de ilícito contraordenacional sobre o qual, tanto quanto é do conhecimento da MEO, e à presente data, não existe jurisprudência emanada pelos tribunais superior e (ii) no decurso do julgamento, em face da novidade e complexidade da matéria jurídica em causa, ter sido junto um Parecer jurídico, que foi considerado na fundamentação da Sentença e que levanta problemas de inconstitucionalidade quanto ao tipo de ilícito que foi aplicado, são razões o reconhecimento de uma especial complexidade a este caso concreto, nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 3 do CPP, que deveria ter justificado prorrogar o prazo requerido pela Arguida.
7.–O prazo de 10 dias corridos foi, no entender da Arguida, manifestamente exíguo para o cabal e efetivo exercício dos seus direitos de defesa na matéria em causa, e bem assim do seu direito ao recurso e a um processo equitativo, tal como resulta do artigo 6.º da CEDH, violação que se requer que seja reconhecida por V. Exas..
Errada decisão quanto às nulidades da acusação (e impossibilidade da sua sanação)

8.–A Arguida suscitou a nulidade quanto à omissão de elementos essenciais na Acusação, ainda na fase administrativa do processo de contraordenação e depois no seu Recurso de Impugnação, tendo aduzido as razões na sua perspetiva, justificavam o reconhecimento da referida nulidade e a revogação da Decisão Condenatório, questões que foram julgadas improcedentes, com base na errada interpretação de normas legais, devendo, em consequência, a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o erro da Decisão Condenatória na decisão da nulidade da Acusação invocada pela MEO na sua defesa e, em consequência, declare a nulidade da Acusação da ANACOM, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 283.º, n.º 3 do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e 18.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 2 e 10, ambos da CRP.
Com efeito,
9.–O Tribunal a quo interpretou incorretamente o artigo 3.º n.º 2 da Lei Quadro ao julgar improcedente a questão suscitada pela MEO no seu recurso de impugnação, referente ao erro de julgamento da ANACOM (na Decisão Condenatória) quanto à nulidade da Acusação, que deveria ter sido declarada, em primeira linha, pela ANACOM e, depois, pelo Tribunal a quo, aplicando corretamente citado normativo, no sentido de que as pessoas coletivas só podem ser responsabilizadas pelas infrações cometidas em atos praticados em seu nome ou por sua conta, se resultar da factualidade provada individualizada a pessoa singular em cuja ação ou omissão culposa assenta a imputação da responsabilidade.
10.–E daí concluindo que uma acusação que não contém a individualização da pessoa singular em cuja ação ou omissão culposa assenta a imputação da responsabilidade da pessoa coletiva é nula, por omissão de descrição de elementos essenciais, em violação do disposto nos artigos 283.º, n.º 3 do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e 18.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 2 e 10, ambos da CRP.
11.–É inconstitucional a norma contida no artigo 3.º, n.º 2 da Lei Quadro, interpretada no sentido da possibilidade de aplicação de coima a pessoa coletiva, sem que da factualidade relevante para a condenação resulte individualizada a pessoa singular em cuja ação ou omissão culposa assenta a imputação dos factos à primeira, por violação dos direitos de audiência e defesa, previstos no artigo 32.º, n.º 10 da CRP, do direito a um processo equitativo, tal como decorre do artigo 20.º da CRP, e do princípio da tipicidade e da legalidade, decorrente do artigo 29.º, n.º 1 da CRP.
12.–O Tribunal a quo reconheceu a deficiência/insuficiência da Acusação quanto aos factos respeitantes ao elemento subjetivo, nomeadamente para imputar os ilícitos a título de dolo, sem que tenha retirado a consequência que se impunha em face da omissão, que deveria corresponder à conclusão pela preterição do direito de defesa e do princípio do contraditório da Arguida e pela violação frontal dos artigos22.º da Lei Quadro e 50.º do RGCO que é uma emanação daquele direito e desse princípio que, novamente, acarreta a violação do princípio da presunção de inocência, ínsito no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, porquanto a ANACOM pretende imputar a prática de contraordenação à Arguida sem qualquer base de prova do preenchimento do tipo subjetivo e da culpa da MEO.
13.–A Sentença Recorrida interpretou e aplicou incorretamente os artigos 283.º, n.º 3 do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e 18.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 2 e 10, ambos da CRP, 22.º da Lei Quadro e 50.º do RGCO, ao considerar que a comunicação de factos que respeitam ao elemento subjetivo do ilícito imputado ao arguido em processo de contraordenação pode ser feita de forma tácita.
14.–É inconstitucional, por violação do direito de audiência e defesa e do direito a um processo equitativo, decorrentes dos artigos 32.º n.º 10 e 20.º da CRP, a norma que resulta do artigo 121.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO no sentido de que se prevaleceu da faculdade a cujo exercício o ato anulável se dirigia o arguido que invoca a nulidade perante a autoridade administrativa e não obtém decisão favorável e posteriormente deduz impugnação judicial onde, para além de invocar, de novo, a referida nulidade se pronuncia sobre o mérito da contraordenação.
15.–Termos em que, deve a Sentença Recorrida que interpretou e aplicou incorretamente os preceitos legais acima identificados ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a questão invocada pela MEO e, em consequência, revogue a Decisão Condenatória da ANACOM e declare a nulidade da Acusação, por não conter todos os elementos necessários ao exercício do direito de defesa da MEO, decorrente dos artigos 22.º da Lei Quadro, 50.º do RGCO e 32.º, n.º 10 da CRP.
16.–O Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente os artigos 22.º e 5.º da Lei Quadro, 50.º do RGCO, e 32.º, n.ºs 2 e 10, ambos da CRP ao considerar que não tinha de constar da Acusação qualquer facto relevante ou ponderação dos critérios para a determinação da medida da coima e, consequentemente, errou ao julgar improcedente a questão suscitada no recurso da MEO quanto à incorreção da Decisão Condenatória na parte em que indeferiu a nulidade da Acusação invocada na defesa da MEO.
17.–O que deverá determinar a revogação da Sentença e a sua substituição por outra que revogue a Decisão Condenatória na parte em que decidiu indeferir a nulidade da Acusação e declare a nulidade da Acusação, sob pena de violação do disposto nos artigos 283.º, n.º 3 do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e 18.º, nº 1 e 32.º, n.ºs 2 e 10, ambos da CRP, o que se requer.
Da errada decisão quanto à violação do princípio da não autoincriminação
18.–A ANACOM violou o direito à não autoincriminação da Arguida, corolário dos seus direitos de defesa, a um processo equitativo e à presunção de inocência (ínsitos nos artigos 32.º n.º 10, 20.º e 32.º n.º 2 da CRP), ao notificar a MEO, ao abrigo do disposto no artigo 108.º da LCE e sob pena de incorrer em responsabilidade contraordenacional, para enviar elementos e informações que a MEO tinha de recolher, como datas, meios e outros detalhes relacionados com o envio das comunicações a clientes, para investigar a prática de ilícitos contraordenacionais pela MEO, elementos que foram usados condenar a MEO nestes autos.
19.–A ANACOM não solicitou à MEO apenas o envio de elementos preexistentes ou de documentos genéricos relacionados com a atividade da MEO, mas antes, que a MEO indicasse datas, meios e outros detalhes relacionados com o envio de comunicações a clientes, informações que a MEO teria de recolher e compilar especificamente para dar resposta ao pedido da ANACOM.
20.–A prova recolhida nestes termos pela ANACOM (ou seja, aquela que consta de fls. 97 a 236, 252 e 253, 259 a 261 e 269 dos autos), em violação do direito à não autoincriminação da MEO, o qual decorre do seu direito de defesa, do princípio da presunção de inocência e do direito a um processo equitativo, constitucionalmente consagrados, configura prova proibida, nos termos do disposto nos artigos 32.º, n.º 8 da CRP e 126.º, n.º 1 do CPP, aplicável por via do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, não podendo ser utilizadas no âmbito deste processo, acarretando a nulidade do mesmo por tais provas terem sido utilizadas desde logo na Acusação, na Decisão Condenatória, e agora na Sentença (artigo 122.º, n.º 1 do CPP).
21.–O Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente o conteúdo do direito à não autoincriminação, decorrente dos direitos e princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do direito a um processo equitativo e à defesa (artigos 2.º, 20.º e 32.º n.º 10 da CRP), ao limitá-lo às declarações confessórias, sendo estas apenas aquelas que confessem todos os factos da responsabilidade contraordenacional, incluindo os factos do elemento subjetivo e da culpa.
22.–A correta interpretação desse direito, decorrente da jurisprudência do TEDH, é a de que o mesmo garante ao arguido a possibilidade de recusar a colaboração com as autoridades, exceto quanto a pedidos de preexistentes de que as Autoridades tenham prévio conhecimento, o que não sucedia no caso dos autos, nos quais a ANACOM não fez uma mera recolha de elementos probatórios documentais, mas uma verdadeira recolha de factos para imputar os ilícitos à MEO.
23.–O direito à não autoincriminação concedido pela CRP e pela CEDH à MEO garantia a oportunidade de recusar a colaboração com a ANACOM, pelo que, no caso, a restrição efetuada ao direito à não autoincriminação da MEO, decorrente das interações entre a MEO e a ANACOM não pode admitir-se, sendo desconforme com o disposto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP.
24.–A norma contida no artigo 108.º n.º1 da LCE conjugada com o artigo 113.º n.º 2 alínea pp) da LCE, se interpretada e aplicada no sentido de obrigar, sob pena de responsabilidade contraordenacional, as entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos dessa lei a prestar informações e entregar documentos solicitados pela ANACOM, que possam constituir prova de factos típicos de ilícitos contraordenacionais por si praticados ou de factos relevantes para a determinação da medida da coima, é inconstitucional por violação do princípio da não autoincriminação, do direito a um processo equitativo, do direito de defesa e do princípio da presunção de inocência, constitucionalmente consagrados e ínsitos nos artigos 2.º, 20.º e 32.º, n.º 2 e n.º 10 da CRP, constituindo também a violação do direito a um processo equitativo, tal como previsto no artigo 6.º da CEDH.
25.–Pelo exposto, andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente a nulidade da prova decorrente da violação do direito à não autoincriminação da MEO, por errada interpretação dos artigos 108.º n.º 1 da LCE conjugada com o artigo 113.º n.º 2 alínea pp) da LCE e dos artigos 2.º, 20.º e 32.º, n.º 2 e n.º 10 da CRP, e 6.º da CEDH.
26.–Termos em que, a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que declare a nulidade da prova correspondente às respostas enviadas pela Arguida aos pedidos de informação da ANACOM sob pena de aplicação de uma coima, nos termos do disposto nos artigos 32.º, n.º 8 da CRP e 126.º, n.º 1 do CPP, aplicável por via do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, não podendo ser utilizadas no âmbito deste processo, acarretando a nulidade da Acusação, da Decisão Condenatória da ANACOM e da Sentença por aí terem sido utilizadas (artigo 122.º, n.º 1 do CPP), o que deve ser declarado.
Nulidade da Decisão Condenatória por omissão de pronúncia
27.–Deve a Sentença Recorrida ser revogada e ser substituída por outra que julgue procedente a nulidade da Decisão Condenatória da ANACOM por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos dos artigos 58.º, n.º 1 alínea b) do RGCO e 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a) do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, anulando-se o subsequente processado.
28.–Em causa estava a falta de pronúncia pela ANACOM na sua Decisão Condenatória quanto ao um conjunto de factos alegados pela MEO na sua defesa, descritos no artigo 224.º do recurso de impugnação da MEO (e vertidos na Sentença).
29.–O Tribunal a quo reconhece que nenhum dos factos aí descritos ficou a constar da Decisão Condenatória. Porém, ou considera os factos irrelevantes, ou, admitindo a sua relevância e a falta de decisão expressa, conclui pela inexistência de omissão de pronúncia ou, ainda, conclui pela omissão e pela nulidade, mas avança que a nulidade em causa estaria sanada.
30.–Os factos os que constam dos pontos (i) a (iii), (vi) e (viii) do artigo 224.º do Recurso de Impugnação são, ao contrário do sustentado pelo Tribunal, relevantes para a posição da defesa, porquanto os mesmos eram relevantes para aferir da culpa da arguida e, consequentemente, da sanção.
31.–Os factos que constam dos pontos (ix) e (x) do artigo 224.º do Recurso de Impugnação, que permitem aferir do elemento subjetivo e da culpa, não ficaram consumidos pelos factos sobre o elemento subjetivo constantes da Decisão, devendo a ANACOM ter oferecido pronúncia quanto aos mesmos e decidido se tinham ou não sido dados como provados.
32.–Quando aos factos que constam dos pontos (xii) (xiii) e (xiv) do artigo 224.º do Recurso de Impugnação, embora tenha reconhecido a omissão de pronúncia da ANACOM e a nulidade daí adveniente, o Tribunal a quo em errada interpretação do artigo 121.º n.º 1 alínea c) do CPP ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, considerou-a sanada.
33.–Tendo o TCRS reconhecido que em causa estavam factos não apreciados pela ANACOM (nas três categorias supra referidas) estava vinculado, de forma consequente, a declarar a nulidade da Decisão Condenatória, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 58.º, n.º 1 alínea b) do RGCO e 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a) do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO.
34.–Não o fez porque (i) ou julgou mal a importância dos factos para a decisão ou (ii) interpretou e aplicou incorretamente o disposto no artigo 121.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, ao considerar que a nulidade da Decisão Condenatória se sanava mediante a impugnação judicial da mesma, o que já vimos supra não corresponder à correta interpretação da referida norma, aplicando-se aqui, por economia processual, os argumentos supra aduzidos a este propósito.
35.–É inconstitucional, por violação do direito de audiência e defesa e do direito a um processo equitativo, decorrentes dos artigos 32.º n.º 10 e 20.º da CRP, a norma que resulta do artigo 121.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO no sentido de que se prevaleceu da faculdade a cujo exercício o ato anulável se dirigia o arguido que invoca em recurso a nulidade de decisão administrativa perante o Tribunal e, no mesmo recurso, pronuncia-se sobre o mérito da contraordenação.
36.–Termos em que, deve a Sentença Recorrida ser revogada e ser substituída por outra que julgue procedente a nulidade da Decisão Condenatória da ANACOM por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos dos artigos 58.º, n.º 1 alínea b) do RGCO e 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a) do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, anulando-se o subsequente processado.
Nulidade da Decisão Condenatória por falta de fundamentação da coima aplicada
37.–Adicionalmente, andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente a nulidade da Decisão Condenatória por falta de fundamentação, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 58.º, n.º 1 alínea d) do RGCO, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a) do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, por ser omissa quanto às razões e forma de cálculo para a fixação dos montantes das coimas parcelares, convertidas em coima única.
38.–Na Decisão Condenatória, a ANACOM bastou-se com a enumeração dos critérios obrigatórios nomeados pelo artigo 5.º da Lei Quadro – referindo-os de forma genérica e superficial – não se compreendendo o motivo pelo qual a coima foi fixada em montantes tão elevados.
39.–Para ter aplicado coimas de tal forma elevadas – e, na verdade, como anteriormente alegado no Recurso de Impugnação, sem precedente na atividade sancionatória da ANACOM (!) – teria a ANACOM de ter justificado de forma conveniente a sua decisão.
40.–Adicionalmente, não densifica a ANACOM os elementos invocados para efeitos de determinação da coima única, e muito menos explica o "salto" lógico que, a partir de tais elementos, fez a ANACOM concluir que à MEO devia ser aplicada uma coima única no astronómico valor de € 8.016.750,00, que, depois, aplicadas as regras relativas ao concurso de contraordenações previstas no RGCO, resultou na decisão de aplicar uma coima única no montante de € 6.677.833,00.
41.–Pronunciou-se o Tribunal a quo sobre esta questão, reconhecendo que a ANACOM – à margem da obrigação legal a que estava adstrita – não esclareceu na Decisão Condenatória a ponderação e razão pela qual aplicou coimas tão elevadas, mas julgou improcedente a nulidade invocada com o argumento de que a ANACOM indicou os parâmetros legais que considerou e a avaliação que fez de cada um deles, competindo à Arguida preencher as lacunas no raciocínio da ANACOM.
42.–Ora, jamais poderá ser ónus do arguido depreender das decisões que o afetam diretamente, as razões que levaram determinada autoridade a aplicar-lhe uma sanção, porquanto é exigência legal que o aplicador do direito fundamente as suas conclusões, sobretudo quando estão em causa várias coimas de milhões.
43.–Andou mal o Tribunal a quo na aplicação dos artigos 58.º, n.º 1 alínea d) do RGCO, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a) do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, em particular à luz dos direitos do arguido e das exigências constitucionais quanto à fundamentação de decisões que afetem os direitos dos particulares (205.º e 268.º n.º 4 da CRP).
44.–Termos em que deve ser revogada a Sentença Recorrida e substituída por outra decisão que declare a nulidade da Decisão Condenatória proferida pela ANACOM, ao abrigo do disposto nos artigos 58.º, n.º 1 alínea d) do RGCO, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a) do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO.
Nulidade da Sentença por introdução de factos novos sem comunicação prévia à Arguida
45.–O Tribunal a quo fez uma reformulação de parte dos factos que constavam da Decisão Condenatória da ANACOM, tendo dado como provados os factos nn., oo., pp., yy. e vvv. que não constavam daquela decisão, procurando suprimir omissões que decorriam da Decisão Condenatória, que, nesta fase processual, não podem ser objeto de correção pelo Tribunal, muito menos sem que tenha sido dada oportunidade à Arguida para previamente se pronunciar sobre esses factos.
46.–A introdução de factos no objeto do processo que são essenciais à punição é inadmissível nesta fase processual, posição já assumida pelo Supremo Tribunal da Justiça, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2015.
47.–Desde logo, a Sentença insuficiência de factos para concluir pelo preenchimento do elemento subjetivo do tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE a título doloso foi invocada pela Arguida na sua Defesa Escrita e no Recurso de Impugnação, também constava patente no Parecer, tendo o mesmo pugnado pela absolvição da MEO, atenta a atipicidade da sua conduta.
48.–Os factos constantes dos pontos nn), oo) e pp) dos factos provados respeitam à representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, à livre determinação do agente e à vontade de realizar a factualidade típica, não podendo ser aditados, nem mesmo com recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º n.º 1 do CPP.
49.–A inclusão desses factos na Sentença, apenas após o julgamento, e a condenação da MEO com base nos mesmos, acarreta a nulidade da Sentença, nos termos previstos no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, em virtude de o Tribunal a quo ter condenado a MEO por factos diversos daqueles que constavam da Decisão Condenatória, o que se requer que seja declarado.
50.–O facto constante da alínea yy), respeitante à existência de antecedentes contraordenacionais, foi considerado pelo Tribunal a quo aquando da ponderação da medida da coima, no que respeita ao ilícito previsto no artigo 113.º n.º 2 alínea pp) da LCE pelo qual a MEO foi condenada.
51.–Tal facto não constava do elenco de factos provados da Decisão Condenatória, sendo que a inclusão de tais factos no elenco de factos provados na Sentença não poderia ter sido feita sem recurso à comunicação prevista no artigo 358.º n.º 1 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO, o que não foi feito pelo Tribunal a quo.
52.–Nessa medida, a inclusão desses factos na Sentença, apenas após o julgamento, e a condenação da MEO com base nos mesmos sem recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º n.º 1 do CPP, acarreta a nulidade da Sentença, nos termos previstos no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO, em virtude de o Tribunal a quo ter condenado a MEO por factos diversos daqueles que constavam da Decisão Condenatória, o que se requer que seja declarado.
53.–O facto constante da alínea vvv) não constava – em absoluto – da Decisão Condenatória e foi usado para fundamentar a fixação do valor das coimas parcelares atinentes aos ilícitos previstos no artigo 113.º n.º 6 da LCE mais próximo do limite máximo, não tendo sido comunicado à MEO prévia e formalmente à sua inclusão na Sentença e à sua consideração para condenar a arguida.
54.–Este facto não resulta da defesa da MEO, em termos que torne desnecessária a comunicação à Arguida nos termos do disposto no artigo 358.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO, pelo que não poderia ter sido aditado à Sentença sem a comunicação prevista no n.º 1 do artigo 358.º do CPP, o que não se verificou.
55.–A inclusão dos factos que constam indicados nos pontos nn), oo), pp), yy) e vvv) da matéria de facto provada na Sentença, apenas após o julgamento, e a condenação da MEO com base nos mesmos sem recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º n.º 1 do CPP, acarreta a nulidade da Sentença, nos termos previstos no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO, em virtude de o Tribunal a quo ter condenado a MEO por factos diversos daqueles que constavam da Decisão Condenatória, o que se requer que seja declarado.
Erro notório na apreciação da prova – factos integradores do tipo subjetivo
56.A Sentença padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO no que respeita à demonstração dos factos relevantes para integrar os tipos subjetivos dos ilícitos imputados à MEO (facto m) quanto ao ilícito referente à falta de prestação de informação à ANACOM e factos nn), oo) e pp) quanto ao ilícito referente à comunicação das alterações contratuais).
57.–Quando ao facto m),o Tribunal a quo afastou a prova testemunhal que reconhecidamente foi produzida a este respeito, com base numa convicção subjetiva que não tem adesão às regras da experiência comum.
58.–O Tribunal incorreu, assim, numa errada interpretação do conceito de regras de experiência comum e do seu papel na decisão quanto à matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 127.º do CPP.
59.–A experiência comum é uma regra extraída de casos semelhantes, mas o seu uso deve ser feito com parcimónia, não sendo admissível dar como provado ou não facto com base em regras de experiência comum, sem outro (ou, neste caso, contra) suporte probatório.
60.–O Tribunal a quo invocou neste ponto essas regras da experiência, esses padrões de normalidade, para concluir pela existência de uma falta de atenção, quando a MEO produziu – e o Tribunal reconhece na Sentença – prova noutro sentido, prova que foi credibilizada pelo Tribunal a quo, exceto neste ponto, sem que se indique qualquer justificação para não credibilizar a testemunha nesta parte do depoimento senão que o mesmo não se alinha com as convicção meramente pessoais e não sustentadas em qualquer prova do próprio Tribunal.
61.–Tanto resulta de padrões de normalidade e razoabilidade que, tal como alegado pela MEO, a resposta tenha sido preparada antes da junção dos elementos e que, nesse momento, tenha sido repensado o que teria de ser junto, não tendo havido o cuidado de ajustar o texto da resposta enviada, como resulta de padrões de normalidade que a resposta tenha sido preparada antes da junção dos elementos e, por falta de cuidado na elaboração da resposta, parte dos elementos a juntar não foram juntos.
62.–Não ofende as regras da experiência comum a versão dos factos sobre as quais foi produzida prova. E o Tribunal a quo afastou prova testemunhal expressa, cujo teor resulta do texto da Sentença para, sem qualquer outro elemento probatório em sentido diverso, e sem apoio inequívoco e inultrapassável nas regras da experiência, dar como provados outros factos atinentes ao elemento subjetivo do tipo de ilícito, que apenas se sustêm nas suas convicções pessoais.
63.–A decisão quanto à prova de factos (no caso o facto m) que foi dado como provado na Sentença) com base numa errada valoração da experiência comum constitui erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 410.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO.
64.–Quanto aos factos nn), oo), pp) e vv), o Tribunal a quo ofereceu a mesma fundamentação, tendo considerado os factos provados com base na posição assumida pela Arguida no seu recurso, o que é inadmissível.
65.–Não foi ouvido qualquer representante da arguida nestes autos, não sendo aplicável (nem tendo sido aplicado) o disposto no artigo 344.º do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO, sendo que não constituem nem podem valer como meio de prova eventuais confissões de factos que constassem das peças processuais subscritas por mandatários da arguida, constituindo erro notório na apreciação da prova a valoração da não confissão para fundamentar os factos provados.
66.–Em qualquer caso, esta conclusão quanto à fundamentação dos factos provados nn), oo) e pp),evidencia uma contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação da Sentença, igualmente configurando um vício previsto no artigo 410.º n.º 2 alínea b) do CPP ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, porque o Tribunal a quo pretende dar como provados factos atinentes ao elemento subjetivo com base na posição assumida pela Arguida e, simultaneamente, dá como provado que a Arguida não revela sentido crítico da sua conduta, o que decorreria, igualmente, da posição assumida no processo.
67.–Assim, o Tribunal a quo incorreu ainda em erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, por remissão do artigo 41.º n.º 1 do RGCO valorou como elemento probatório peça processual subscrita por mandatário para dar como provados os factos referidos nas alíneas nn), oo), pp) e vvv).
68.–Termos em que deve a Sentença ser revogada, em virtude de padecer de vícios previstos no artigo 410.º n.º 2 do CPP ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, devendo, porque tais vícios respeitam à fundamentação da decisão de facto e à prova, consequentemente, o processo baixar à primeira instância, nos termos previstos no artigo 426.º do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, para que, caso se considere que tais factos podem ser aditados na Sentença (no que não se crê mas por mera cautela de patrocínio se equaciona), os vícios sejam corrigidos.
Alteração da qualificação jurídica
69.–A Sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, por ter condenado a MEO segundo um diferente enquadramento jurídico dos factos imputados, sem lhe ter dado oportunidade de se defender de uma nova qualificação e enquadramento jurídico dos factos tal como foram dados como provados, em violação do disposto no artigo 358.º n.º 3 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO.
70.–Na Decisão Condenatória, a MEO foi condenada pela alegada prática de 3 ilícitos previstos no artigo 113.º n.º 6 da LCE, interpretado e aplicado no sentido de que constituem elementos do tipo, em primeiro lugar, a adoção, por parte da arguida, de um comportamento padronizado e, em segundo lugar, que esse comportamento seja suscetível de violar regras legais, tendo sido relativamente a esta configuração do ilícito que a MEO exerceu a sua defesa (juntando inclusivamente o Parecer).
71.–Já na Sentença, o Tribunal a quo vem condenar a MEO pela contraordenação prevista no artigo 113.º n.º 6 da LCE, mas aplica-a no sentido de que “constitui contraordenação a adoção pelas empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de comportamentos habituais ou padronizados, contraordenação que é muito grave sempre que daqueles atos resulte infração grave, conjugado com os artigos 48.º n.º 16 e 113.º n.º 2, alínea x), ambos da LCE.” (ponto 292 da Sentença).
72.–Fica, pois, evidente que o tipo de ilícito aplicado pelo Tribunal a quo substitui o segundo elemento do tipo aplicado pela ANACOM – a suscetibilidade de violação de normas legais, em concreto, o artigo 48.º n.º 16 da LCE –, pela efetiva prática de uma infração grave, o que altera radicalmente o tipo contraordenacional (que passa de um tipo de aptidão ou de tendência, para um tipo de resultado).
73.–A referida alteração da qualificação jurídica não foi, mas deveria ter sido em obediência ao artigo 358.º n.ºs 1 e 3 do CPP ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGC, comunicada à MEO, para assegurar oportunidade de esta, querendo, requerer prazo para se pronunciar sobre a mesma, o que não foi feito, acarretando, consequentemente, a nulidade da Sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO.
74.–A Sentença incorre ainda no vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão de Direito, nos termos previstos no artigo 410.º n.º 2 alínea a) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, porquanto o Tribunal a quo concluiu que os factos descritos no elenco de factos provados podem ser imputados à MEO e que a MEO pode ser punida com coima pela sua prática, aplicando o artigo 3.º n.º 2 da Lei Quadro, sem, no entanto, ter dado como provado qualquer facto atinente à individualização da pessoa singular que praticou ou omitiu os atos que consubstanciam a prática da Contraordenação.
75.–A consequência da inexistência de qualquer alegação ou prova de factos atinentes à individualização das pessoas singulares envolvidas é a insuficiência da matéria de facto provada para que se conclua que os factos, tal como descritos na Sentença, podem ser, nos termos do artigo 3.º n.º 2 da Lei Quadro, imputados à MEO.
76.–É inconstitucional a norma contida no artigo 3.º n.º 2 da Lei Quadro, interpretada no sentido da possibilidade de aplicação de coima a pessoa coletiva, sem que da factualidade relevante para a condenação resulte individualizada a pessoa singular em cuja ação ou omissão culposa assenta a imputação dos factos à primeira, por violação dos direitos de audiência e defesa, previstos no artigo 32.º n.º 10 da CRP, do direito a um processo equitativo, tal como decorre do artigo 20.º da CRP, e do princípio da tipicidade e da legalidade, decorrente do artigo 29.º n.º 1 da CRP.
77.–Termos em que, deve ser declarado que a Sentença padece de vício de insuficiência da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 410.º n.º 1 alínea a) do CPP, por remissão do artigo 41.º n.º 1 do RGCO, devendo, consequentemente, e porque o mesmo não é sanável sob pena de violação do princípio da vinculação temática, deve a Arguida ser absolvida, o que se requer.
Erro na interpretação e aplicação do direito - omissão de prestação de informações à ANACOMem violação do artigo 108.º, n.º 1 e n.º 5 da LCE
78.–A condenação da MEO por violação do artigo 108.º n.º 1 da LCE, nos termos do artigo 113.º n.º 2 alínea pp) da LCE assenta num erro na interpretação e aplicação das referidas normas legais, porquanto:
(i)- o dever de colaboração com a ANACOM apenas se impõe quanto a pedidos de informações que cumpram todos os requisitos legalmente previstos no artigo 108.º, n.º 1 da LCE, o que não sucedeu com o ofício de 31.01.2017 da ANACOM;
(ii)- a correta interpretação do artigo 108.º, n.ºs 1 e 5 da LCE impede que se considere que a informação prestada pela MEO viola o dever de colaboração e prestação de informações ao Regulador.
79.–Para que possa considerar-se que a omissão de prestação de informações solicitadas pela ANACOM nos termos do artigo 108.º n.º 1 da LCE constitui contraordenação é necessário que o pedido da ANACOM preencha todos os requisitos desse artigo (108.º n.º 4), incluindo que o mesmo seja fundamentado e indique o seu fim, por referência ao artigo 109.º da LCE, ficando ainda sujeitos aos princípios da adequabilidade e proporcionalidade para o cumprimento desse mesmo fim.
80.–O Tribunal a quo interpretou e aplicou os artigos 108.º n.ºs 1 e 4 e 109.º da LCE no sentido de que os pedidos de informação abrangidos pelo seu n.º 1 não estão limitados aos fins previstos no artigo 109.º da LCE, sendo o artigo 108.º n.º 1 uma norma de âmbito geral, o que aliás se retiraria da análise do seu recorte em face do artigo 112.º n.º 1 da LCE, norma idêntica, mas específica ao contexto de fiscalização.
81.–É certo que existe um dever genérico de colaboração para com a ANACOM relativo ao envio de informações e documentos. Mas este dever existirá nos termos legalmente fixados (cfr. artigo 15.º dos Estatutos da ANACOM).
82.–Os artigos 108.º e 109.º vêm prever detalhadamente os termos desse dever de colaboração no caso de pedidos de informações provenientes da ANACOM, e não podem ser lidos separadamente, caso contrário este último artigo perderia a sua utilidade.
83.–Por outro lado, só com o nível de detalhe e previsibilidade que o disposto no artigo 108.º da LCE ganha com a sua conjugação com o disposto no seu artigo 109.º, n.º 1, é que se justifica a punição, como contraordenação grave, da violação do dever de prestar informações à ANACOM estabelecido no artigo 108.º da LCE.
84.–Mesmo que assim não se entendesse, e mesmo que os fins do pedido de informações feitos ao abrigo do artigo 108.º não se limitassem aos previstos no artigo 109.º da LCE, certo é que se a ANACOM pretendesse dirigir a uma entidade um pedido fora dos fins indicados nesta segunda norma, sobre esta sempre deveriam impender especiais deveres de fundamentação, nos termos do artigo 108.º n.º 4 da LCE.
85.–O Tribunal a quo interpreta e aplica incorretamente o artigo 108.º n.º 4 da LCE ao considerar que as exigências de fundamentação do pedido de informações se mostram satisfeitas com a mera referência ao artigo 48.º, n.º 16 da LCE ou com a referência ao artigo 54.º do RGCO e à possibilidade de vir a ser instaurado um processo de contraordenação.
86.–Nos termos da correta interpretação e aplicação da norma que resulta do referido artigo, a ANACOM precisa de indicar no pedido, não só a sua finalidade imediata, como terá de justificar, de acordo com o princípio da proporcionalidade, por que motivo as concretas informações pedidas são adequadas para atingir determinado fim.
87.–Crê-se, no entanto, que isso não resulta do pedido da ANACOM em causa, já que, muito embora a ANACOM explique minimamente o objetivo do pedido (aferir da forma como estaria a ser dado cumprimento ao disposto no artigo 48.º, n.º 16), não especifica em que medida é que a (vasta) informação pedida é adequada à realização daquele fim, nem a proporcionalidade do pedido (como exige o artigo 108.º, n.º 4 da LCE).
88.–Não respeitando o pedido da ANACOM a fls. 92 dos autos (e que a MEO vem condenada por ter incumprido) o disposto no artigo 108.º da LCE por não indicar os fins a que se destina, o alegado incumprimento do mesmo pela MEO não poderia violar o disposto no n.º 5 do mencionado preceito e, consequentemente, não poderia constituir contraordenação, nos termos da alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE.
89.–Sendo o comportamento da MEO atípico, por total impossibilidade de enquadramento do pedido em causa no artigo 108.º da LCE, deve a Arguida ser de imediato absolvida, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade, ínsitos nos artigos 1.º e 2.º do RGCO e 29.º n.º 1 da CRP, o que se requer.
90.–Em segundo lugar, ainda que se entendesse, no que não se concede, que um suposto incumprimento do pedido de informações constante do ofício de 31.01.2017 faria incorrer a MEO na prática do ilícito previsto no artigo 113.º, n.º 2, alínea pp) da LCE, a verdade é que, concatenando o teor do ofício da ANACOM e da resposta da MEO, não poderá concluir-se que a mesma violou o dever previsto no artigo 108.º, n.ºs 1 e 5 da LCE.
91.–Com efeito, e como decorre dos factos provados constantes da Sentença:
(i)- a MEO respondeu à ANACOM dentro do prazo e endereçou todos os pontos do pedido de informações do Regulador (alíneas g) e i) dos factos provados);
(ii)- a ANACOM não solicitou, expressa e taxativamente, o envio de SMS, sendo que o teor do pedido de informações não era taxativo na necessidade de envio de um exemplo de SMS (alínea f) dos factos provados);
(iii)- a MEO não indicou especificamente à ANACOM o número de assinantes, mas esclareceu que todos os assinantes que compunham o seu parque ficaram abrangidos pelas alterações, sendo que a ANACOM tinha conhecimento do número de assinantes da MEO, ainda que não ao número exato (alíneas i) e l) dos factos provados).
92.–Logo:
(i)- não poderá considerar-se, quanto ao não envio da SMS, que a resposta da MEO violou o dever de prestação de informações previsto no artigo 108.º n.º 1, por não ter remetido informações com o grau de detalhe solicitado pela ANACOM, já que a solicitação de envio de SMS nem sequer constava de forma expressa, clara e taxativa no ofício de 31.01.2017.
(ii)- não poderá considerar-se, quanto ao não envio do número de clientes para os quais foi remetida a comunicação das alterações contratuais, que a resposta da MEO falhou no envio de informações com o grau de detalhe solicitado pela ANACOM, porque a resposta enviada pela MEO permitia dar resposta a um dos sentidos que, plausivelmente, resultavam do teor do ofício de 31.01.2017.
93.–Ainda que a ANACOM considere que uma determinada entidade obrigada não prestou as informações por si pretendidas, a verdade é que não é irrelevante para a verificação da infração a circunstância de a ANACOM não ter ficado impedida de desempenhar as competências previstas na lei e que visava exercer com as informações que acabou por obter.
94.–E é certo que o tema da omissão da informação ficou “sanado” nas 48 horas subsequentes à ANACOM esclarecer o que pretendia - o que bem demonstra que a MEO deu prontamente resposta ao pedido do Regulador assim que o mesmo especificou o pretendido.
95.–E esta falta de prejuízo para a ANACOM na omissão de envio de determinada informação solicitada por esta, omissão essa que só durou 48h, como se viu, não é irrelevante para a verificação do tipo, sendo certo que o objetivo último dos pedidos feitos ao abrigo do artigo 108.º da LCE são possibilitar ao Regulador um cabal exercício das suas competências legalmente previstas.
96.–Em face do exposto, terá de concluir-se que o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente os artigos 108.º n.º1 e 5, 109.º da LCE e 113.º n.º 2 alínea pp) da LCE, e que, a correta interpretação dos referidos normativos, nos termos supra expostos, impõe a revogação da Sentença e a sua substituição por outra decisão que conclua que a conduta da MEO não viola objetivamente o disposto no artigo 108.º n.º 5 da LCE, não podendo considerar-se que preenche o tipo objetivo do ilícito previsto na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, absolvendo, em consequência, a MEO, nos termos previstos nos artigos 1.º, 2.º do RGCO e 29.º n.º 1 da CRP.
Adoção de comportamentos habituais ou padronizados – o tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE
Do tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE como norma sancionatória em branco
97.–A MEO foi condenada pela prática de três contraordenações muito graves, previstas e punidas pelo artigo 113.º n.º 6 da LCE, conjugado com o artigo 113.º, n.º 2, alínea x) e com o artigo 48.º, n.º 16 da LCE, tendo, contudo, o Tribunal a quo interpretado – inesperadamente – a norma sancionatória em sentido divergente da interpretação que vinha sendo adotada pela ANACOM ao longo do processo e que resultava do parecer emitido por aquela Autoridade aquando do procedimento legislativo que de origem à Lei n.º 15/2006 que introduziu o tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE.
98.–Com efeito, a ANACOM condenou a MEO por ter considerado verificada a adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar regras legais, em particular, suscetível de violar (e que, no entender da ANACOM, efetivamente violou) o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE.
99.–Em virtude da circunstância de a norma não determinar as condutas puníveis, não serem identificáveis os bens jurídicos protegidos, nem serem ao destinatário da norma compreender as condutas que correspondem à realização do tipo, a MEO não pôde senão concluir que a norma que se extrai do artigo 113.º n.º 6 da LCE, tal como interpretação e aplicada pela ANACOM, não supera o teste da determinabilidade exigida pelo princípio da tipicidade, pelo que invocou no Recurso de Impugnação a respetiva inconstitucionalidade, quando interpretada no sentido de tipificar como ilícito contraordenacional a adoção de comportamentos padronizados ou habituais que sejam suscetíveis de violar obrigações legais previstas na LCE que configurem uma contraordenação grave ou muito grave, por violação do princípio da legalidade e da tipicidade, previsto no artigo 29.º n.º 1 da CRP.
100.–Já o Tribunal a quo condenou a MEO pelo tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE interpretado e aplicado nos seguintes termos: Constitui contraordenação a adoção pelas empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de comportamentos habituais ou padronizados, contraordenação que é muito grave sempre que daqueles atos resulte infração grave”, conjugada com os artigos 48.º, n.º 16 e 113.º, n.º 2, alínea x), ambos da LCE (cf. § 292 da Sentença).
101.–Só a simples circunstância de o Tribunal a quo ter vindo interpretar a norma prevista no artigo 113.º, n.º 6 da LCE, na redação à data dos factos, de uma forma completamente distinta daquela que vem sendo sufragada pela ANACOM e com base na qual a MEO foi condenada e exerceu os seus direitos de defesa e ao recurso, seria suficiente para demonstrar, sem mais, que não há segurança jurídica no tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE e que a referida norma se reconduz a uma norma em branco que não cumpre os requisitos mínimos de certeza e determinabilidade exigidos pelo princípio constitucional da tipicidade.
102.–Da leitura do tipo constante do artigo 113.º, n.º 6 da LCE, tal como aplicado pelo Tribunal a quo, não se retira ex ante quais os comportamentos que, pela sua padronização ou grau de habituação, justifiquem a punição, não havendo uma pista, um critério, uma definição legal, deixando-se ao intérprete o trabalho de preencher o conceito indeterminado de comportamento padronizado ou habitual, e impedindo-se que, previamente, os destinatários da norma possam saber o seu conteúdo, saber as condutas típicas e conformar-se com o seu comando.
103.–Nem se diga, como faz o Tribunal a quo que os conceitos indeterminados comportamento habitual e padronizado seriam admissíveis e permitiam segurança jurídica, já que a proposta de preenchimento dos mesmos feita pelo Tribunal a quo não é igual à da ANACOM.
104.–O Tribunal a quo configura o tipo previsto no artigo 113.ºn.º 6 da LCE como um tipo agravado pelo carácter habitual ou padronização do comportamento, alcançando pela conjugação com outras normas legais, no caso os artigos 48.º n.º 16 e 113.º n.º 2 alínea x) da LCE.
105.–Porém, esta formulação continua a não passar no crivo da Constituição, porque:
(i)-A letra do artigo 113.º n.º 6 da LCE não faz qualquer remissão expressa para outras normas legais. Um tipo agravado, construído por remissão, tem de indicar qual a conduta típica base que pretende punir de forma mais severa. Tal não sucede neste caso, não prevendo a letra do preceito qualquer remissão para quaisquer normas substantivas ou punitivas, muito menos para as previstas no artigo 48.º n.º 16 e 113.º n.º 2 alínea x) da LCE;
(ii)-Não há qualquer necessidade de punição mais severa da padronização, sendo que o conceito indeterminado de comportamento habitual e padronizado que o Tribunal a quo oferece é incerto, não tem apoio na letra da lei e mais parece reconduzir-se ao conceito de ilícito continuado, esse sim definido legalmente, mas que, ao invés, justifica uma punição menos (e não mais) severa.
106.–Em face do exposto, e ponderando o caso sub judice conclui-se que o n.º 6 do artigo 113.º da LCE, conforme aplicado pelo Tribunal a quo, constitui uma norma sancionatória em branco, na medida em que através dela não é possível extrair-se claramente o conteúdo do ilícito contraordenacional porquanto este resulta da utilização de conceitos indeterminados como comportamentos habituais ou padronizados, carente de conformação, seja pelo Regulador, seja pelo Tribunal (e recorde-se que tal conformação foi feita de forma díspar por cada um deles) de remissões sucessivas não especificadas e como tal não previamente identificáveis nem posteriormente verificáveis em face da letra da lei, remissões essas que são absolutamente excecionais no quadro sancionatório contraordenacional e penal, por aplicação do princípio da legalidade.
107.–E, uma vez que da mesma não é possível retirar, com a certeza exigida no direito sancionatório, um comando normativo do disposto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE, fica comprometida a certeza e a determinabilidade da conduta tida como ilícita, saindo violado o princípio da tipicidade, previsto no artigo 29.º n.º 1 da CRP.
108.–É, pois, inconstitucional, a norma contida no artigo 113.º n.º 6 da LCE na interpretação de que constitui contraordenação a adoção pelas empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de comportamentos habituais ou padronizados, contraordenação que é muito grave sempre que daqueles atos resulte infração grave, conjugado com os artigos 48.º n.º 16 e 113.º n.º 2 alínea x) da LCE, por violação do princípio da tipicidade e da legalidade, previstos no artigo 29.º n.º 1 da CRP, e do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º n.º 2 da CRP.
109.–Em face do exposto, desaplicando-se a norma inconstitucional, a MEO não poderá ser punida pelos ilícitos descritos no referido preceito, devendo, consequentemente, a MEO ser absolvida, o que se requer.
110.–Cautelarmente, e assumindo como possível que este Alto Tribunal venha a rever a interpretação e aplicação do artigo 113.º n.º 6 da LCE para termos próximos daqueles que foram defendidos pela ANACOM, a MEO desde já vem reiterar o que a este propósito consta do seu recurso de impugnação e foi amplamente analisado no Parecer junto aos autos, invocando a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 6 do artigo 113.º é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, ínsitos nos artigos 29.º n.º 1 e 3 da CRP e do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º n.º 2 da CRP:
(i)-se interpretada no sentido de que pune a adoção de um comportamento padronizado ou habitual suscetível de violar normas legais que constituam contraordenação;
(ii)-se interpretada no sentido de que pune a adoção de um comportamento padronizado ou habitual suscetível de violar o artigo 48.º n.º 16 da LCE;
(iii)-se interpretada no sentido de que o envio de 5 877 979 cartas a 5 877 979 clientes diferentes, no mesmo momento, com o mesmo teor constitui um comportamento padronizado ou habitual suscetível de violar o artigo 48.º n.º 16 da LCE;
(iv)- se interpretada no sentido de que o envio de 5 877 979 cartas a 5 877 979 clientes diferentes, no mesmo momento, com o mesmo teor constitui um comportamento padronizado ou habitual que viola o artigo 48.º n.º 16 da LCE
(v)-se interpretada no sentido de que pune a adoção de um comportamento padronizado ou habitual que consumadamente viole o artigo 48.º n.º 16 da LCE.
Inconstitucionalidade que desde já se argui para todos os efeitos legais.
111.–Em face do exposto, desaplicando-se a norma inconstitucional, em qualquer das suas interpretações, a MEO não poderá ser punida pelos ilícitos descritos no referido preceito.
A errada interpretação do tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE e a não subsunção dos factos no mesmo
112.–Mesmo que se entendesse que a norma que resulta do artigo 113.º n.º 6 da LCE não é inconstitucional e deve ser aplicada no caso concreto, sempre se dirá que (i) o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação da norma e que (ii) sendo a mesma corretamente interpretada, o comportamento da MEO, mesmo que se mantivesse a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, nunca se subsumiria no seu tipo.
113.–De acordo com a interpretação do tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE feita pelo Tribunal a quo seriam elementos do tipo contraordenacional:
(i)-a prática de uma contraordenação grave ou leve prevista na LCE;
(ii)-mediante a comportamento habitual ou padronizado.
114.–Este sentido interpretativo não tem qualquer adesão à letra do preceito. Não só semanticamente o tipo não faz qualquer sentido, como nem sequer corresponde à fórmula típica utilizada para a construção dos tipos agravados, como parece ser o sentido que o Tribunal a quo pretende emprestar-lhe.
115.–Adicionalmente, a nova redação do tipo previsto na Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto, altera a letra do preceito, partindo o ilícito em dois números e deixando evidente que o tipo é “Constitui contraordenação a adoção pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de comportamentos habituais ou padronizados, bem como a emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios, cuja aplicação seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN” (cfr. artigo 178.º n.º 8 da Lei n.º 16/2022).
116.–A interpretação normativa configurada pelo Tribunal a quo quanto ao tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE não tem adesão à letra nem o sentido da norma, sendo que a interpretação que, de facto, tem adesão à sua letra é aquela que era defendida pela MEO no seu recurso, sendo que, no entanto, a mesma continua a constituir uma norma inconstitucional, por não ser possível retirar do preceito em causa norma conforme à Constituição.
O conceito de comportamento padronizado
117.–O Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente o artigo 113.º n.º 6 da LCE, em particular o conceito de comportamento padronizado, ao reconduzi-lo a um comportamento que pela sua concretização da mesma forma face a um quadro de circunstâncias idêntico e em simultaneidade ou continuidade temporal permite que se conclua que não foi uma atuação singular ou isolada mas o posicionamento de referência do agente face às obrigações em causa, seja de forma intencional, seja por descuido.
118.–E, seguindo este sentido, subsume no mesmo o comportamento da MEO correspondente ao envio das comunicações das alterações contratuais aos assinantes, o que, na perspetiva da MEO, constitui uma errada aplicação do conceito.
119.–Não constitui um comportamento padronizado, o envio a cada um dos seus clientes de uma comunicação a informar dessa alteração contractual, porquanto (i) a MEO decidiu uma vez alterar as condições dos contratos, (ii) cada assinante só recebeu uma comunicação com estas características por parte da MEO, pelo que, a ter existido, existiu, como bem refere o Tribunal, apenas uma resolução delituosa
120.–Não é o número de assinantes que recebeu a comunicação que torna o comportamento – a ação da MEO – padronizado. Não são os efeitos (o número de assinantes) padronizados de uma conduta que são punidos, mas antes a padronização do comportamento, ou seja, a renovação e/ou reiteração de uma resolução ilícita em mais do que um único momento.
121.–Um comportamento padronizado não é, portanto, o comportamento que se verificou uma vez, mas tem um reflexo extenso (como o envio de uma única comunicação igual a todos os assinantes da MEO). É o que se repete (ou reitera) num determinado período de tempo, de forma a poder observar-se um padrão, antecipando-se a sua ocorrência sempre que determinados fatores ou variáveis estejam preenchidos.
122.–Fica evidente a inexistência de identidade de situações entre o que tem sido entendido que constitui um comportamento padronizado (por exemplo, no crime previsto no artigo 154.º-A n.º 1 do Código Penal), caracterizado pela repetição de atos, e o caso dos autos, em que há uma única decisão de alteração contratual comunicada uma única vez, de forma uniforme (mas não padronizada) a todos os assinantes da MEO.
123.–O que se expôs seria suficiente para afastar o tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE e para se concluir que os comportamentos imputados na Sentença Recorrida não se subsumem no referido tipo legal, o que bastaria para que a MEO fosse absolvida dos ilícitos pelos quais foi condenada, o que se requer.
A não violação do artigo 48.º n.º 16 da LCE
124.–Na Sentença Recorrida, o Tribunal a quo entendeu que a MEO violou, através de três condutas distintas, o disposto no artigo 48.º, n.º 16 da LCE, por, aquando do envio das comunicações das propostas de alterações contratuais enviadas aos assinantes:
(i)-não ter incluindo informação quanto ao direito de rescindir do contrato sem encargo;
(ii)-não ter disponibilizado informação complementar simultaneamente com o envio da comunicação; e
(iii)-não ter disponibilizado a informação complementar relativa às alterações contratuais na página indicada na comunicação, sendo os assinantes convidados a consultar outra página para aceder à informação.
125.–O Tribunal a quo incorreu, assim, numa errada interpretação e aplicação do artigo 48.º n.º 16 da LCE quanto aos três tipos de ilícitos imputados à MEO.
126.–No que respeita ao envio de comunicação aos assinantes sem informar do direito de livre resolução do contrato, sem encargo, entende a MEO que, não obstante a letra da lei que é indiscutível, orientada à norma à sua ratio, compreende-se que só faz sentido exigir essa informação (i) nas comunicações aos assinantes de ofertas pós-pagas (e não para os pré-pagos, para quem o fim do “contrato” é alcançado com a ausência de carregamentos) (ii) que, à data da comunicação, estavam ainda em período de fidelização ou com qualquer compromisso de permanência. Para todos os outros assinantes, essa informação era inócua e irrelevante. A possibilidade de fazer cessar o contrato a qualquer momento e sem encargos já existia independentemente da comunicação de alterações contratuais.
127.–Crê a MEO que a interpretação restritiva do preceito se justifica para alinhar a obrigação (e no caso a punição) com a ratio da obrigação. Não faz sentido punir – ainda para mais tão severamente - o não envio de informações que, para determinados assinantes, seriam absolutamente inúteis.
128.–E é essa lógica e interpretação sistemática que a MEO defendeu e que o Tribunal a quo afastou sem explicar por que motivo continuaria a fazer sentido impor o envio de informação sobre o direito de livre resolução sem encargo aos assinantes pré-pagos e pós-pagos sem período de fidelização.
129.–Em face do exposto, andou mal o Tribunal a quo na interpretação do artigo 48.º n.º 16 da LCE que, corretamente interpretado, permite restringir a obrigação de comunicação do direito de livre resolução do contrato sem encargo cuja violação é punível aos casos dos assinantes a quem essa informação possa interessar, sendo apenas quanto a esses que uma eventual omissão do preceito poderia efetivar-se e não quanto a todos.
130.–No que respeita ao envio de comunicação aos assinantes sem disponibilizar simultaneamente informação sobre a proposta de alterações contratuais, sustenta o Tribunal que para que a comunicação seja feita de forma adequada, nos termos do artigo 48.º n.º 16 da LCE, não basta que os assinantes sejam informados de que vão ser introduzidas alterações, mas também têm de ser informados do seu teor, o que deve ocorrer (ou tem de poder ocorrer) em simultâneo.
131.–Interpreta ainda o conceito de forma adequada, previsto no artigo 48.º n.º 16 da LCE, como significando que a maneira como a informação é transmitida tem de ser idónea ou apta a cumprir o objetivo pretendido, sendo esse objetivo, na perspetiva do Tribunal, assegurar que os assinantes tenham conhecimento das alterações contratuais, de forma a, querendo, poderem exercer o seu direito de rescisão de forma esclarecida.
132.–A interpretação e aplicação do artigo 48.º n.º 16 da LCE propugnada pelo Tribunal é incorreta:
(i)-O que o artigo 48.º nº 16 da LCE exige é que a informação relativa à proposta de alteração esteja disponível com, pelo menos, 30 dias de antecedência face à data da entrada em vigor das alterações, o que ficou provado que a MEO cumpriu;
(ii)-O artigo 48.º n.º 16 da LCE não obriga a que a informação seja toda prestada na mesma data. Nem obriga que a informação se encontre imediatamente visível e percetível para o assinante
(iii)-O artigo 48.º n.º 16 da LCE obriga, no que ora releva, que deve ser comunicada a proposta de alteração por escrito aos assinantes, de forma adequada, com uma antecedência mínima de 30 dias.
133.–Dos factos provados resulta que a MEO informou que a partir de uma determinada data, devidamente identificada, entrariam em vigor novos preços e condições contratuais, cujo detalhe poderia ser consultado num determinado site da Internet e na data indicada – que, diga-se, distava apenas alguns dias da data da receção da comunicação e cumpria a antecedência mínima de 30 dias face à entrada em vigor da alteração - a informação relevante estava disponível.
134.–E, nessa medida, não poderá ter-se por preenchido o tipo objetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE, pelo que deverá a MEO ser absolvida no que respeita a este ilícito, em cumprimento do princípio da legalidade e da tipicidade, ínsitos nos artigos 1.º e 2.º do RGCO e 29.º n.º 1 da CRP, o que se requer
135.–É inconstitucional a norma que resulta do artigo 48.º n.º 16 da LCE no sentido de que não é forma adequada de comunicação de propostas de alterações contratuais o envio de comunicação ao assinante com indicação do local (site) e data (com antecedência de 30 dias face à entrada em vigor das alterações) em que a informação sobre a proposta de alterações contratuais vai estar disponível, por violação do princípio da tipicidade, na vertente da determinabilidade, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º1 da CRP.
136.–É inconstitucional a norma que resulta dos artigos 48.º n.º 16 da LCE, 113.º n.º 2 alínea x) e 113.º n.º 6 da LCE, no sentido de que constitui contraordenação muito grave a adoção de comportamentos habituais ou padronizados que violem o requisito da forma adequada para comunicação de propostas de alterações contratuais aos assinantes, previsto no artigo 48.º n.º 16 da LCE, que exige que a comunicação ao assinante e a disponibilização da informação sobre a alteração contratual sejam feitas em simultâneo, por violação do princípio da tipicidade, na vertente da determinabilidade, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º1 da CRP.
137.–No que respeita ao envio de comunicação aos assinantes disponibilizando informação no site da empresa, sustenta o Tribunal que para que a comunicação seja feita de forma adequada, nos termos do artigo 48.º n.º 16 da LCE, a informação tem de estar imediatamente disponível no local indicado na comunicação, não podendo haver qualquer tipo de ação do assinante, nem mesmo um clique.
138.–O Tribunal a quo incorre numa errada interpretação e aplicação do artigo 48.º n.º 16 da LCE, porquanto esta exigência no que respeita à forma adequada não tem qualquer adesão à letra da lei e constitui o preenchimento do conceito indeterminado contra aquele que foi o sentido atribuído pelo próprio Tribunal.
139.–Seguindo o conceito de forma adequada proposto pelo Tribunal, teria de considerar-se que a informação disponibilizada através de um clique não seria idónea a cumprir o objetivo pretendido, que, também segundo o Tribunal, o objetivo seria o de permitir aos assinantes o conhecimento das condições contratuais em tempo de, querendo, rescindirem o contrato sem encargo.
140.–Porém, as dificuldades que o Tribunal pretende reconhecer na necessidade de fazer um clique para aceder à informação não são dificuldades que resultem objetivamente da tarefa de fazer um clique, mas de características de determinados sujeitos, com menor destreza na navegação online.
141.–Ora, num mundo globalizado e com a massificação da utilização da Internet, não pode aferir-se a adequação daquela forma de comunicação das alterações contratuais por uma bitola de assinante com conhecimentos tão limitados, devendo a adequação da forma de comunicação aferir-se segundo critérios de normalidade social.
142.–Não pode, assim, o preenchimento do tipo contraordenacional que passa pela densificação de um conceito indeterminado com base em condutas que não têm um mínimo de significância na letra da lei, ir procurar – ainda – um sentido de adequação a uma franja dos potenciais sujeitos envolvidos que não corresponde àquele que seria o critério adequado para um homem médio.
143.–Nessa medida, não poderá considerar-se que a comunicação feita pela MEO, remetendo para suporte complementar (o site) onde a informação referente à proposta de condições contratuais estava disponível, sendo o caminho até à mesma identificável e fácil, mediante simples clique em links acessíveis através das expressões “Saiba Mais” ou “Clique Aqui”, possa constituir uma comunicação desadequada dessas condições contratuais, nem que a conduta da MEO viole o artigo 48.º n.º 16 da LCE.
144.–E, nessa medida, não poderá ter-se por preenchido o tipo objetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE tal como interpretado pelo Tribunal a, pelo que deverá a MEO ser absolvida que respeita a este ilícito, em cumprimento do princípio da legalidade e da tipicidade, ínsitos nos artigos 1.º e 2.º do RGCO e 29.º n.º 1 da CRP, o que se requer.
145.–É inconstitucional a norma que resulta do artigo 48.º n.º 16 da LCE no sentido de que não é forma adequada de comunicação de propostas de alterações contratuais o envio de comunicação ao assinante com indicação do local (site) em que a informação sobre a proposta de alterações contratuais está disponível tendo o assinante de clicar e seguir para outra página para ver a informação, por violação do princípio da tipicidade, na vertente da determinabilidade, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º1 da CRP.
146.–É inconstitucional a norma que resulta dos artigos 48.º n.º 16 da LCE, 113.º n.º 2 alínea x) e 113.º n.º 6 da LCE, no sentido de que constitui contraordenação muito grave a adoção de comportamentos habituais ou padronizados que violem o requisito da forma adequada para comunicação de propostas de alterações contratuais aos assinantes, previsto no artigo 48.º n.º 16 da LCE, que exige que a disponibilização da informação sobre a alteração contratual na Internet seja imediata e sem qualquer ato adicional de pesquisa do assinante, nem mesmo um clique, por violação do princípio da tipicidade, na vertente da determinabilidade, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º1 da CRP.
No que concerne ao tipo subjetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 1 alínea pp) da LCE
147.–O Tribunal a quo concluiu que a MEO teria incorrido no ilícito previsto no artigo 113.º n.º 2 alínea pp) da LCE, por violação do disposto no artigo 108.º n.º 1 da LCE, a título de negligência inconsciente, nos termos do artigo 15.º alínea b) do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCO, com base nos factos dados como provados na alínea m) dos factos provados (cf. ponto 260 da Sentença Recorrida).
148.–Foram já analisados os vícios associados à decisão de dar como provados os factos descritos na alínea m), assim como o facto de, em face do teor do pedido de informações e da resposta da MEO, não fazer sentido considerar que houve culpa da Recorrente na preparação da resposta e junção da informação, porquanto o pedido em causa não era claro e inequívoco.
149.–Procedendo os referidos vícios e sendo revista a decisão quanto à prova de tais factos no sentido de não se dar por demonstrada qualquer violação de dever de cuidado assacável à Arguida, fica afastada a possibilidade de punição do referido ilícito a título de negligência, nos termos do disposto no artigo 15.º alínea b) do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCO, o que se requer.
Quanto ao tipo subjetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE
150.–O Tribunal a quo conclui, nos pontos 376 a 378 da Sentença que, relativamente a cada um dos ilícitos previstos no artigo 113.º n.º 6 da LCE e imputados à MEO, esta teria agido com dolo direto e com culpa (cf. alíneas kk), nn), oo), pp) dos factos provados).
151.–Sem prejuízo das questões já invocadas quanto à insuficiência da comunicação à MEO de factos para concluir pelo dolo quanto a estes ilícitos e à impossibilidade de correção e adição de factos na Sentença quanto a esta matéria, a conclusão alcançada pelo Tribunal, com base naqueles factos, quanto à existência de dolo direto da MEO na prática de cada um dos ilícitos esbarra na correta interpretação e aplicação do conceito de dolo, previsto no artigo 8.º n.º 1 do RGCO e 14.º n.º 1 do Código Penal.
152.–De acordo com a perspetiva sufragada pelo Tribunal a quo, para demonstração do dolo atinente ao tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE, basta que a Arguida tivesse representado e desejado adotar o procedimento em causa e tivesse noção de que o mesmo implicava a violação do dever de informação” (cfr. ponto 215 da Sentença).
153.–Porém, este entendimento apenas serviria as conclusões do dolo se no processo estivesse em causa a violação do artigo 48.º n.º 16 da LCE e o tipo de ilícito previsto no artigo 113.º n.º 2 alínea x) da LCE, o que não sucede quando está em causa o artigo 113.º n.º 6 da LCE que na atual interpretação e aplicação pelo Tribunal a quo reconduzir-se-ia à adoção de comportamentos habituais ou padronizados de que resulte infração grave.
154.–Com efeito, para se poder afirmar por uma atuação dolosa era necessário que se demonstrassem e verificassem todos os elementos que constituem os ilícitos em análise (i.e., artigo 113.º n.º 6 conjugado com o artigo 113.º n.º 2 alínea x) e 48.º n.º 16 da LCE), em conjugação com uma correta interpretação e aplicação do artigo 8.º do RGCO e 14.º do Código Penal.
155.–Porém, apenas ficaram provados os factos constantes das alíneas kk), nn), oo) e pp) da Sentença, o que não é suficiente para preencher os elementos cognitivo, intelectual e volitivo do dolo, tal como resultam da correta interpretação dos artigos 8.º n.º 1 do RGCO e 14.º n.º 1 do Código Penal, não se mostram integralmente preenchidos.
156.–No que respeita ao ilícito previsto no artigo 113.º n.º 6 conjugado com o artigo 113.º n.º 2 alínea x) e 48.º n.º 16 da LCE, por não inclusão de informação sobre o direito de livre resolução sem encargo nas comunicações enviadas aos assinantes sobre as propostas de alterações contratuais, apenas teria ficado provado que a Arguida sabia:
a.- que as comunicações não continham essa informação;
b.- que as comunicações deviam ter essa informação;
c.- que a omissão de inclusão dessa informação constituía uma contraordenação, mas não que sabia que constituía uma contraordenação grave
157.–Quanto ao mesmo ilícito, não ficou provado:
a.- que a Arguida sabia que o envio de comunicações aos diversos assinantes com aquele teor constituía um comportamento habitual ou padronizado;
b.-que a Arguida sabia que a adoção de um comportamento habitual ou padronizado que resulte numa infração grave é punido como contraordenação de forma mais severa; e
c.- que a Arguida quis, representando estes dois factos anteriores, que as comunicações enviadas não contivessem essa informação.
158.–Por outro lado, no que respeita ao ilícito previsto no artigo 113.º n.º 6 conjugado com o artigo 113.º n.º 2 alínea x) e 48.º n.º 16 da LCE, pelo envio de comunicações em momento anterior ao da disponibilização da informação sobre o conteúdo das propostas de alterações contratuais, apenas teria ficado provado que a Arguida sabia que quando as comunicações foram enviadas a informação não estava disponível.
159.–Adicionalmente, quanto ao mesmo ilícito, não ficou provado:
a.- que a Arguida representasse que o envio de comunicações aos diversos assinantes sem que a informação estivesse disponível constituía um comportamento habitual ou padronizado;
b.- que a Arguida representasse que a adoção de um comportamento habitual ou padronizado que resulte numa infração grave é punido como contraordenação de forma mais severa; e
c.- que a Arguida pretendesse, representando todos os factos anteriores, que as comunicações fossem enviadas sem que a informação estivesse disponível.
160.–Por último, no que respeita ao ilícito previsto no artigo 113.º n.º 6 conjugado com o artigo 113.º n.º 2 alínea x) e 48.º n.º 16 da LCE, pela não disponibilização de informação na forma e local indicados, apenas teria ficado provado que a Arguida sabia que nas páginas da referidas nas comunicações que lhes enviou e para onde se remetia, os assinantes seriam convidados a consultar ainda outras páginas para obtenção das informações sobre as propostas de alterações contratuais, mas não ficou provado que a Arguida representou que isso seria qualificado como não disponibilizar a informação na forma e no local indicados.
161.Adicionalmente, quanto ao mesmo ilícito, não ficou provado:
a.-que a Arguida representasse que o envio de comunicações aos diversos assinantes sem que a informação estivesse disponível na forma e no local indicados constituía um comportamento habitual ou padronizado;
b.-que a Arguida representasse que a adoção de um comportamento habitual ou padronizado que resulte numa infração grave é punido como contraordenação de forma mais severa; e
c.-que a Arguida pretendesse, representando todos os factos anteriores (incluindo que tal corresponderia a não disponibilizar na forma e local indicados), que as comunicações fossem enviadas indicando que a informação estava disponível numa página onde os assinantes eram convidados a consultar ainda outras páginas para obtenção das informações pretendidas.
162.–Por tudo o exposto, e pela falta de prova de todos os elementos impostos pelos artigos 8.º n.º 1 do RGCO e 14.º n.º 1 do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCO, para que se conclua pela verificação de dolo direto, terá de considerar-se que os factos provados não são suficientes para concluir pela prática, pela MEO, a título doloso dos 3 ilícitos que lhe foram imputados nos termos dos artigos 113.º n.º 6, 113.º n.º 2 alínea x) e 48.º n.º 16 da LCE.
163.–Termos em que deve a MEO, em virtude da atipicidade da sua conduta, ser absolvida, sob pena de violação dos princípios da legalidade, da tipicidade e da culpa, decorrentes dos artigos 1.º, 2.º do RGCO e 29.º n.º 1 da CRP e 40.º do Código Penal.
Quanto à sanção
164.–O Tribunal a quo, ainda que reduzindo a coima aplicada pela ANACOM, condenou a MEO na coima única de € 5.300.000,00 (cinco milhões e trezentos mil euros), resultante do cúmulo jurídico de quatro coimas parcelares, aplicadas à Arguida pela prática das quatro contraordenações que lhe foram imputadas nos presentes autos, analisando os pressupostos do artigo 5.º da Lei Quadro, e, bem assim, do artigo 18.º, n.º 1 do RGCO, à luz do seu entendimento sobre as obrigações decorrentes da LCE a que a MEO se encontra vinculada.
165.–A MEO considera que as coimas parcelares e, consequentemente, a coima única apurada através do cúmulo jurídico são manifestamente excessivas e desproporcionais e que Tribunal a quo não terá considerado as circunstâncias do caso concreto, nem ponderado todos os critérios relevantes para a determinação da medida concreta da sanção, tendo o que se lhe impunha em face do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Quadro, 18.º, n.º 1 do RGCO, 40.º e 72.º do CP e 18.º da CRP, ao invés ponderado critérios que lhe estavam vedados.
166.–A considerar-se que a MEO praticou as contraordenações pelas quais vem condenada, sempre se dirá que ilicitude concreta da sua conduta é reduzida, pois (i) resulta dos autos uma conduta da MEO orientada a dar cumprimento material à obrigação de prestação de informações ao Regulador, ainda que o pedido da ANACOM tenha exigido o tratamento de um enorme volume de informação e de dedicação de uma parte relevante dos recursos humanos da empresa, (ii) a MEO teve o cuidado de transmitir estas alterações contratuais por diversas vias, incluindo SMS, faturas relativas ao contratos em causa, lojas MEO, números telefónicos, e sítios da internet da MEO.
167.–Também a culpa da MEO é reduzida, pois (i) enquanto empresa que opera no setor das comunicações eletrónicas, governou e governa a sua atuação por padrões rigorosos, por forma a assegurar o cumprimento das obrigações dele decorrentes, tendo, aliás, cumprido as suas obrigações em matéria de adequação das comunicações das alterações contratuais aos assinantes, de forma conforme com a prática reiterada no setor e garantido a informação devida aos seus assinantes, que dela não ficaram privados e (ii) cumpriu na íntegra o determinado pela ANACOM na Decisão Medidas Corretivas, que tinha até, como se viu, um âmbito muito mais restrito de matérias em relação àquelas que resultaram depois imputadas no processo de contraordenação que resultou na prolação da Decisão Condenatória e, agora, da Sentença Recorrida.
168.–Não ficou provado que tenha ocorrido qualquer dano, a MEO também não obteve qualquer benefício económico e não podia o Tribunal a quo ter recorrido ao cálculo feito pela ANACOM do acréscimo na mensalidade relativo a todos os assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência, após as alterações contratuais e até à adoção de medidas corretivas para aferir a existência de um potencial de ganho que, na verdade, não existe.
169.–Por outro lado, embora o Tribunal a quo tenha considerado a conduta da MEO como um comportamento habitual ou padronizado,qualquer infração, a existir, sempre deveria considerar-se ter caráter ocasional e não reiterado, porquanto consiste no envio – único e, portanto, não reiterado – de comunicações para um largo número de assinantes, num único momento temporal.
170.–Também não existem atos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infração, por um lado, e existem atos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infração, por outro, tendo a MEO (i) cumprido prontamente a Decisão Medidas Corretivas, adotando todas as medidas para fazer cessar o incumprimento impostas pela MEO e enviado, como pedido pela ANACOM novas comunicações novas aos assinantes, utilizando, para o efeito as minutas de comunicação aprovadas pela Autoridade, e (ii) prontificado, quando a ANACOM disse que a informação que lhe foi prestada pela MEO era insuficiente, a responder, disponibilizando, de imediato, os dados que, após melhor clarificação da ANACOM, se revelou estarem em falta.
171.–As exigências de prevenção especial sempre seriam reduzidas, uma vez que a MEO cumpre e sempre cumpriu a legislação aplicável e mesmo quando interpretou as normas legais aplicáveis em matéria de obrigações de informação aos assinantes sobre alterações contratuais de forma distinta da ANACOM, e mesmo não concordando com o entendimento desta última, nunca deixou de dar cumprimento ao expressamente determinado por esta, designadamente na Decisão Medidas Corretivas, não tendo, desde aí, sido instada, pela ANACOM, a repetir quaisquer comunicações a este propósito. Além disso, a MEO tem atualmente uma prática reforçada de comunicação de alterações contratuais, de modo a evitar que se coloquem quaisquer dúvidas quanto ao cumprimento dos requisitos previstos no artigo 48.º, n.º 16 da LCE.
172.–E o mesmo se diga a propósito da exigências de prevenção geral, na medida em que a Sentença Recorrida reconhece que a conduta da MEO não gerou grande alarme ou repúdio social, nem sequer muitas reclamações dos assinantes, pelo que não está em crise a confiança da comunidade na validade e vigência das normas que o Tribunal a quo considera terem sido violadas, tendo a MEO adotado a forma de comunicação que o Regulador considerou conforme com os requisitos legais, tanto em sede de medidas corretivas, como nas suas comunicações posteriores de alterações contratuais a assinantes, não se verificando também aqui particulares exigências.
173.–A circunstância de a Arguida não revelar sentido crítico da sua conduta, tal como entende o Tribunal a quo, não podia ser valorada em desfavor da MEO, uma vez que revelar sentido crítico pode funcionar como atenuante, mas não pode funcionar como agravante da medida da sanção aplicável, entendimento que tem sido perfilhado pelos tribunais portugueses.
174.–Em face do exposto, a Sentença Recorrida deveria ter determinado a aplicação de coimas parcelares bastantes inferiores às que foram aplicadas, não se justificando aplicar montantes que replicam, por vezes 25 vezes, 100 vezes, e até em 200 vezes, os montantes mínimos das coimas aplicáveis, por uma única situação de incumprimento, ocorrida há 7 anos e que não se provou ter prejudicado, em concreto, um conjunto alargado de pessoas.
175.–A coima tem, necessariamente, como medida a culpa, a qual, in casu, já vimos não ter paralelo nas coimas parcelares aplicadas e, pese embora tenham sido imputadas à Arguida quatro contraordenações distintas, a verdade é que três delas advêm de uma única conduta da MEO – o envio das comunicações sobre as alterações contratuais aos assinantes e correspondem aos mesmos factos, não se vislumbrando fundamento para a aplicação de uma sanção tão próxima do limite máximo abstratamente aplicável, que seriam € 6.508.000,00, nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1 do RGCO, como aquela que foi aplicada na Sentença Recorrida,
176.–e, no cúmulo jurídico, não foram ponderadas para a atenuação especial da sanção e que o Tribunal a quo considerou não ponderar, designadamente no que tange ao disposto no artigo 72.º, n.º 2, alínea d) do CP ex vi 32.º do RGCO, em face da circunstância de ter decorrido muito tempo sobre a prática dos factos e de a Arguida ter mantido uma boa conduta desde então, não resultando dos autos outros ilícitos da mesma natureza.
177.–À luz dos critérios legais artigos 5.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Quadro, 18.º, n.º 1 do RGCO, 40.º e 72.º do CP e dos princípio da culpa e da proporcionalidade e da necessidade das penas, ínsitos nos artigos 18.º e 40.º do CP impõem-se que, caso o Tribunal ad quem venha a considerar que a MEO deve ser punida, no que não se concede, sempre deverá operar-se uma redução significativa no montante da coima aplicada para valores mais próximos do mínimo legal aplicável aos ilícitos em causa, corrigido que esteja o seu errado enquadramento jurídico.
Termina pedindo:
(i)-Deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade da Acusação e da Decisão Condenatória por omissão de factos relevantes para o exercício do direito de defesa da MEO, anulando todo o processado;
Caso assim não se entenda
(ii)-Deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade da prova recolhida e utilizada pela ANACOM na Acusação, na Decisão Condenatória e que foi também utilizada na Sentença, por violação do princípio à não auto incriminação;
Caso assim não se entenda
(iii)-Deve a Sentença Recorrida ser declarada nula, por ter condenado a MEO por factos e Direito diferentes dos que constavam da Decisão Condenatória sem lhe dar oportunidade de se pronunciar;
Caso assim não se entenda
(iv)-Deve a Sentença Recorrida ser revogada, em virtude de padecer dos vícios previstos no artigo 410.º n.º 2 do CPP, em particular dos vícios de erro notório na apreciação da prova, de contradição insanável entre a decisão e a fundamentação e de insuficiência da matéria de facto para a decisão de Direito, que, se não determinarem a imediata absolvição da Arguida, deverão, pelo menos, determinar o envio do processo à primeira instância para novo julgamento destas matérias;
Caso assim não se entenda
(v)-Deve a Sentença Recorrida ser revogada por aplicar norma inconstitucional, devendo ser substituída por outra que, desaplicando a referida norma, absolva a MEO dos correspondentes ilícitos;
(vi)-Deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que interprete e aplique corretamente os tipos contraordenacionais imputados à MEO e conclua pela não subsunção dos factos provados nos referidos tipos objetivos e subjetivos de ilícitos, absolvendo integralmente a MEO;
Caso assim não se entenda
(vii)-Deve a Sentença Recorrida ser alterada na parte em que fixou o montante das coimas parcelares e da coima única aplicada à MEO e, aplicando um princípio da proporcionalidade e razoabilidade, deverá o montante das sanções ser substancialmente reduzido.
Nestes termos, farão V. Exas. a costuma Justiça!”.
*
Admitido o recurso, o Magistrado do Ministério Público, em 1ª instância, apresentou Resposta ao Recurso, formulando as seguintes
Conclusões
A–Inexiste a figura legal da cumulação objetiva de recursos, o que a Recorrente delineou, pois no recurso da douta sentença censura o despacho judicial pós sentença em que o TCRS lhe indeferiu o alargamento do prazo de recurso, o que traduz meio processual impróprio a dever ser julgado manifestamente improcedente a matéria das conclusões 2 a 7.
B–O douto despacho de indeferimento do alargamento do prazo não merece qualquer censura
C–Nos termos do disposto no artigo 75.º/1 do RGCO em processo de contraordenação/recurso de impugnação judicial, o recurso de sentença contraordenacional é somente de direito, funcionando o Venerando Tribunal da Relação como tribunal de revista, ainda que possa ver-se confrontado com os vícios previstos no artigo 410.º do CPP, por via do previsto no n.º 2 do mesmo normativo. Em todo o caso, a matéria de facto provada ou não provada fica estabilizada na sentença da 1.ª instância.
D–Os vícios, que constam do elenco legal e fechado do artigo 410.º do CPP têm de resultar apenas e somente da mera leitura do texto da decisão recorrida, ou, quanto muito, conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, terão de ser manifestos, evidentes, como resulta de forma expressa do teor da norma,
E–O direito das contraordenações português não é direito penal, nem direito processual penal: é direito sancionatório público, - cfr. artigo 165.º/1 da CRP - que o legislador colocou próximo do direito penal, e, processual penal, - cfr. artigos 32.º e 41.º/1 do RGCO - mas, mesmo estas normas que os elegem como regimes subsidiários, ressalvam a respetiva autonomia e princípios próprios e respetivas finalidades do direito das contraordenações.
F–Segundo Frederico Lacerda da Costa Pinto, Comentárioda ConvençãoEuropeia dos Direitos Humanos, volume II, Universidade Católica Editora,2019,página 1221, existe uma diferenciação imperativa para vários destinatários, com a força axiológica ordenadora da Constituição, entre o direito das contraordenações e o direito penal, retirando tal conclusão,
  • da comparação entre os números 1 e 10 do artigo 32.º da Constituição da República, onde se consagram as garantias de defesa num e noutro processo,
  • ou da comparação entre as alíneas b) (direitos, liberdades e garantias), c) (definição dos crimes …) e d) (regime … dos atos ilícitos de mera ordenação social …) do número 1 do artigo 165.º da Constituição, (reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República),
  • ou dos diferentes regimes consagrados no artigo 37.º/3 da Constituição (liberdade de expressão e informação e competência para a apreciação das contraordenações cometidas contra estes direitos deferida ou aos Tribunais judiciais ou às Entidades Administrativas independentes, consoante nos termos da lei fiquem sujeitas aos princípios do direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social).
G–Eduardo Correia repristinando o seu pensamento vertido no relatório do projeto de 1963 no artigo publicado no Volume I do DIREITO PENAL ECONÓMICO E EUROPEU: TEXTOS DOUTRINÁRIOS, Coimbra Ed. 1998, diz, verdadeiramente estas violações não representam um minus relativamente ao ilícito penal mas constituem coisa diferente …embora a intervenção do Estado, neste domínio salutista se processe hoje por todos os lados na mais larga medida a tendência legislativa que lhe corresponde procura arrumar o respetivo ilícito formalmente determinado pela natureza das sanções que lhe cabem - num domínio próprio do direito: o respeitante às violações das normas de ordenação social.
E também, op. cit.e de mera “ordenação” justamente porque não corresponde a imperativos ético-jurídicos antes resulta de uma ampliada concepção de justiça, que postula um planeamento ou dirigismo visando uma melhor produção ou distribuição das riquezas, uma maior promoção e difusão da cultura ou de outros interesses da sociedade.
H–Taipa de Carvalho, DIREITO PENAL PARTE GERAL, 4.ª edição, UCE, páginas 136 e segs., refere, a propósito da autonomia do direito das contraordenações, que,
define-se o ilícito (que tal como o crime tem de estar tipificado) pela sanção uma vez que pena e coima são sanções punitivas de diferente natureza e eventualmente com finalidades não coincidentes, natural e razoavelmente que também os respetivos ilícitos deverão ser diferentes
diferentemente do direito penal, uma grande parte dos valores ou bens jurídicos protegidos pelo direito de ordenação social não pertencem à estrutura axiológica fundamental da vida comunitária e de realização pessoal (isto é, não atingem a categoria da chamada “dignidade penal”) estrutura que é objeto próprio do direito penal.
IEsta diferenciação entre crime e contraordenação que surge como um dos fundamentos lógico-normativos e constitucionais da coima, a qual define o tipo de ilícito contraordenacional, tal como consagrado no artigo 1.º do RGCO, impõe, para além da construção de normas de conduta específicas do direito das contraordenações, no geral dirigidas a destinatários específicos (o condutor, o operador de telecomunicações, a instituição bancária, o intermediário financeiro …) acentuadas diferenças, quer no plano processual, quer no plano dos princípios gerais substantivos do direito das contraordenações, com obrigatórias consequências.
  • na maior liberdade de conformação dos tipos de contraordenação por parte do legislador contraordenacional (onde ocorre uma competência legislativa concorrente filiada com certeza em razões de eficácia e celeridade decorrentes da necessidade de adequar em tempo útil as normas de ordenação social às exigências conjunturais sociais e económicas da Sociedade global), comprimindo o princípio da legalidade, sobretudo na vertente da tipicidade
  • no estatuto do visado pelo processo de contraordenação, não existindo arguido em sentido material, próprio, com um estatuto correspondente, até porque o visado pelo processo não é em caso algum, ou de forma alguma, afetado na sua liberdade, já que não é sujeito a medidas de coação, não sendo por isso constituído como tal,
  • tal como a estrutura acusatória do processo penal é arredada do processo, ou a judicialização da fase administrativa: como refere o Sr. Conselheiro Leones Dantas no seu Direito Processual das Contraordenações, Almedina, 2023, se o visado não tiver a iniciativa, não quiser ter essa iniciativa, de impugnar judicialmente a decisão condenatória, tudo se passa e se esgota no âmbito da relação do regulado com a Administração
  • ainda enfraquecendo o direito de defesa, o direito à não autoincriminação, as exigências de fundamentação das decisões.
J–O processo contraordenacional e as respetivas garantias surgem em estrita relação, adequada e proporcional aos interesses jurídicos tutelados, conformado por princípios de celeridade, simplificação e imediação mitigada que o estruturam, mas, que responde cabalmente às exigências do artigo 6.º da CEDH para toda e qualquer contraordenação, de forma igual e justa, porque o processo contraordenacional português atribui garantias de matéria criminal, a matérias que por definição constitucional o não são.
K–O incumprimento dos deveres legais de informação, cada um, relativamente a cada comunicação dirigida a cada cliente, conformavam, contraordenação grave – cfr. artigos 48.º/1/16 e 113.º/2/x da LCE,
L–Mas, constituem contraordenação muito grave por a violação desses deveres legais ser executada de forma repetida, idêntica, padronizada, considerando o número de assinantes visados nos vários segmentos de consumidores ou não consumidores, num total de 5 877 979 clientes por quem foram disseminadas as idênticas comunicações com omissão de informação devida.
M–O tipo infracional do artigo 113.º/2/x/6, contempla diferentes e plúrimas modalidades de execução da conduta objetiva, e o seu elemento literal aponta para uma estrutura legal de delito de empreendimento ou tentativa e de delito de massa,
a)-aproximando-se dos crimes de empreendimento ou tentativa, em que os atos (somente dolosos?) de preparação e de execução, que conformam e se reúnem no mesmo tipo (objetivo/conduta externa) de contraordenação, são todos eles suficientemente perigosos, ou aptos, para redundarem no evento esperado da violação de outros deveres legais graves ou muito graves, alcancem ou não o seu completo exaurimento, e, assim são punidos autonomamente destes, quer os provoquem ou não – o que se sanciona verdadeiramente é a (maior) perigosidade da conduta desvaliosa para o bem jurídico protegido,
b)-aproximando-se dos delitos de massa porque a execução da conduta típica é realizada de forma padronizada, repetida, reiterada, em grande escala, ou em massa, mas de oportunidade, não carecendo de se identificar uma estrutura organizativa específica para as contraordenações, e dirigindo-se a uma pluralidade expressiva de vítimas ou visados identificáveis, no caso, os perto de 3 milhões de clientes/assinantes da Recorrente, sendo que qualquer um destes clientes pode ser afetado, pela prática frequente ou reiterada,
c)-assemelha-se a um crime específico próprio, pois autor da contraordenação muito grave é a empresa que oferece redes e/ou serviços de comunicações eletrónica acessíveis ao público
d)- o conteúdo material do tipo, o interesse de ordenação social que o legislador quer prevenir é a violação em grande escala dos deveres legais previstos na LCE, singularmente considerados violações graves ou muito graves, que impendem sobre os operadores de comunicações que operam no mercado de comunicações eletrónicas fornecendo serviços desta natureza acessíveis ao público e que se encontram sujeitos à regulação da ANACOM, assim filiando-se no âmbito do artigo 60.º da CRP,
e)- a ilicitude padrão muito grave que suporta a coima legal de 20 000EUR a 5 000 000EUR decorre da particular qualidade do seu agente, da particular perigosidade da conduta, que tendo aptidão para redundar ou consubstanciar contraordenação grave ou muito grave é executada de forma frequente, repetida, em massa, ou seja, padronizada, em grande escala a poder atingir uma pluralidade de vítimas
N–A norma em causa – o artigo 113.º/6 da LCE – contém no tipo objetivo várias modalidades de execução da conduta proibida, claramente autonomizáveis umas das outras, como decorre da descrição legal, logo do seu elemento literal, não sendo estranha ao direito penal a incriminação autónoma de atos preparatórios, (ainda que excecional – cfr. artigo 21.º do CP e os artigos 271.º e 275.º do diploma), nem a estruturação de tipos de empreendimento ou tentativa em que o tipo se exaure com condutas estruturalmente de tentativa, de crime imperfeito, em que a tentativa de cometimento do facto é equiparada à consumação (cfr. artigos 308.º/a e 325.º do CP), e, onde sobressai a punição do perigo das condutas típicas e assim a tutela do valor Segurança:
O–Veja-se o tipo do artigo 308.º do CP, em que na alínea a) é descrita uma conduta estruturalmente de tentativa - tentar separar da Mãe-Pátria….ou entregar–e na alínea b)uma conduta de consumação, de dano e outra de perigo – ofender ou pôr em perigo a independência do País–tudo punível com o mesmo arco legal da pena de prisão de 10 a 20 anos.
P–E se isto é assim no direito penal, em que a doutrina considera que será por via da pena concreta, no contexto de uma pena legal suficientemente ampla, que se encontrará a resposta proporcional e adequada ao nível de perigosidade social da concreta conduta, não se vê como a referida técnica legislativa não possa ter lugar no direito das contraordenações.
Q–A Doutrina maioritária converge no sentido de que embora o direito das contraordenações esteja sujeito ao princípio da legalidade, como decorre da norma do artigo 2.º do RGCO, onde se estabelece que será punido como contraordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática, porque a CRP não consagra expressamente a garantia da tipicidade para o direito das contraordenações, nem o RGCO se lhe refere expressamente, o princípio da tipicidade das contraordenações – lei certa – sofre um enfraquecimento ou degradação em relação ao direito penal atendendo à diferenciação constitucional entre os ramos de direito, à menor ressonância e menor capacidade de estigmatização das coimas, o que se refletirá na maior liberdade do legislador contraordenacional na construção dos tipos de contraordenação e na maior maleabilidade do princípio.
R–Como se está no âmbito do direito das contraordenações em que o princípio da tipicidade se mostra menos reforçado que no direito penal, associar dentro do mesmo amplo arco legal da coima, no mesmo tipo de infração, condutas de preparação e de execução, não ofende o princípio da legalidade, na vertente da determinabilidade e certeza, mas também, não ofende o princípio da adequação, proporcionalidade e necessidade
S–Em concreto e como o douto TCRS fez, as condutas são de subsumir à primeira modalidade de execução do tipo do artigo 113.º/2/x/6 da LCE – constituiu contraordenação a adoção pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de comportamentos habituais ou padronizados … contraordenação que é muito grave sempre que daqueles atos resulte ou possa resultar infração muito grave ou grave.
T–O douto Tribunal explicou abundantemente, com recurso a jurisprudência maioritária, o instituto da responsabilidade da pessoa coletiva, a desnecessidade de se identificar a pessoa física, executor material da conduta que agiu em nome da pessoa coletiva, ainda, convocando a tese do STJ (AUJ) no sentido de que se o impugnante se prevalecer na impugnação, abarcando na sua defesa os aspetos de facto ou de direito omitidos na decisão/acusação, a nulidade considera-se sanada.
U–Ressalta dos autos que a Recorrente organizou a sua defesa bem compreendendo o que lhe estava a ser imputado e tendo-lhe sido assegurado em todos os momentos processuais relevantes o efetivo exercício do seu direito de defesa.
V–a não identificação da pessoa física que perpetrou o facto ilícito é irrelevante bastando para tal que se estabeleça um nexo causal entre si e o ato ilícito e se não prove a exclusão da sua responsabilidade (da pessoa coletiva) …. tudo se reconduz a uma questão de facto no constatar que é possível imputar a ilicitude e a culpa a uma conduta da Recorrente, qualquer que tenha sido o ator individual e tanto basta para que se conclua que a culpa se entenda verificada e inserida na matéria de facto com que a Recorrente foi confrontada e cumpridas as exigências que decorrem da previsão do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição.
X–Os princípios que definem a Supervisão e que a revelam como instrumento essencial de boa prossecução do interesse público e mesmo de prevenção de infrações para as Entidades Administrativas no quadro de um modelo legal de regulação de sociedades democráticas orientadas para a preservação e desenvolvimento do bem-estar social e dos direitos dos consumidores, tal como consagrado nos artigos 80º, 81.º, 99.º e 267.º/3 todos da CRP, justificam e tornam proporcional e adequado que os regulados se vejam onerados com um dever de colaboração e informação para com o Regulador.
Y–O artigo 108.º da LCE consagrando o dever de colaboração, cominado com coima, não impedia a migração de informação da supervisão para o processo de contraordenação.
Z–O direito à não autoincriminação das pessoas coletivas tendo diferente delimitação do que quanto às pessoas singulares, tem diferente delimitação no direito das contraordenações por referência ao direito penal, tendo um âmbito mais reduzido, precisamente dada a diferenciação jurídico-constitucional entre as pessoas singulares e as pessoas coletivas, e, entre o direito das contraordenações e o direito penal, o primeiro, claramente, com sanções menos estigmatizantes, invasivas e compressoras de direitos, liberdades e garantias,
AA–Uma menor potencialidade lesiva da reação estadual à infração legitima uma compressão do estatuto garantístico de defesa menos exigente do que aquele que carateriza o domínio criminal,
BB–Os deveres de colaboração que impendem sobre os visados e que comprimem o direito à não autoincriminação funcionam como uma contrapartida pelo exercício das catividades económicas sujeitas a regulação,
CC–A obrigação de prestar informações e entregar documentos sob cominação da prática de contraordenação insere-se na ideia da salvaguarda da eficácia dos princípios de ordenação social que o setor tutela, ou seja, não pode o cumprimento da lei na fase de supervisão impedir o cumprimento da lei na fase sancionatória, pelo que o princípio apenas abarcará o direito ao silêncio.
DD–O meio de prova não foi obtido através de engano pois estando a Autoridade Administrativa sujeita ao princípio da legalidade é de esperar, por qualquer agente económico sujeito à regulação, que qualquer informação com indícios de infração contraordenacional dê lugar a processo de contraordenação, para além de os ofícios que a ANACOM dirigiu à Recorrente mencionarem o artigo 54.º do RGCO
EE–Do que se retira da douta sentença é que a ANACOM não se pronunciou sobre alguns factos alegados pela defesa, mas, ou se tratam de factos irrelevantes, porque nada contribuem para a perfetibilização ou para a obstaculização do tipo, ou para a medida da coima, ou, tendo alguma relevância, a Recorrente não se limitou a arguir a nulidade, mas, delineou a questão quanto ao seu mérito no recurso, assim tendo sanado o eventual vício.
FF–A ANACOM indicou os parâmetros legais que considerou e como avaliou cada um para efeito das coimas parcelares e de forma inteligível indicou os parâmetros da coima única.
GG– O douto TCRS não introduziu na sentença factos novos não comunicados:
- O facto nn diz respeito ao dolo do tipo e à consciência da ilicitude, o mesmo se verificando quanto ao facto provado oo, o mesmo quanto ao pp; o facto yy enuncia antecedentes conhecidos em juízo e o facto vvv enuncia que a arguida não revela sentido crítico da sua conduta.
- Resulta do ponto 217 da motivação, que o TCRS retirou tais factos subjetivos nn, oo, e pp das afirmações que a Recorrente faz no seu recurso relativamente às comunicações aos clientes e à forma como as fez, sendo que é manifesto que os factos não são novos porque já constavam da decisão da ANACOM, já que,
O tipo subjetivo das infrações, o dolo do tipo, encontra-se narrado na decisão da ANACOM,
  • no facto provado 30, com a descrição do conhecimento ou pré-representação dirigidos aos elementos objetivos do tipo
  • no facto provado 31, quando aí se descreve que a Recorrente agiu em relação a esses elementos de facto, deliberadamente, isto é, com o propósito, com intenção e vontade de fazer alguma coisa que se decidiu fazer,
Ainda no facto 31, a final, onde figura o enunciado da responsabilidade social pelo facto – o agir livre e de forma consciente, sabendo que a conduta é proibida, para além de se encontrarem factos densificadores daqueles outros nas páginas 63, 64 e 65 da decisão, que o Tribunal não está impedido de deslocalizar para os factos provados.
- quanto ao facto provado yy trata-se de facto de que o Tribunal tem conhecimento oficioso estando documentados nas decisões ali indicadas e não tendo sido utilizado para agravar as sanções, apenas tendo sido usado como facto instrumental, também não se pode considerar um facto novo a carecer de ser comunicado – é irrelevante.
- quanto ao facto vvv, embora a Recorrente o negue, o douto TCRS retirou-o da defesa da Recorrente, da forma como o recurso foi organizado, das suas asserções, é a relevância da sua conduta processual manifestada perante o Tribunal, donde não carece de ser comunicado – é um facto que a própria Recorrente introduziu no processo.
HH–É por demais evidente que do texto da sentença recorrida não resultam quaisquer vícios dos previstos no artigo 410.º do CPP, sendo que a pretexto destes vícios o que a Recorrente faz é impugnar de facto.
II–O douto Tribunal não operou alteração da qualificação jurídica: olhando o preceito do artigo 113.º/6 da LCE verifica-se que todas as modalidades de execução da contraordenação muito grave aí previstas não têm diferentes nomen juris, nem estão previstas em diferentes alíneas ou números do referido artigo, do que resulta com absoluta clareza que se trata de várias modalidades de execução da mesma infração, com o mesmo nomen juris.
JJ–A norma do artigo 108.º da LCE, é um caso paradigmático de infração de violação de dever legal:
O operador tem de responder à ANACOM num determinado prazo, com a informação solicitada e o nível de detalhe pretendido pelo Regulador. Caso omita a informação, parte da informação, incumpra o prazo, omita detalhes, preenche o tipo legal – o tipo preenche-se por ação, por ação deficiente, ou por omissão pura (a comissão por ação ou por omissão equivalem-se no tipo). No caso concreto, como resulta dos pontos 258 a 263, o douto TCRS partindo dos factos provados,
considerou estar em causa uma infração de mera atividade que não carece de produção de perigo ou dano, ou prejuízo, para se mostrar preenchida, mais considerou existirem factos de um cumprimento deficiente a título negligente.
KK–A forma como o tipo infracional do artigo 113.º/6 está estruturado ainda é suficientemente clara, e, precisa, permitindo a um destinatário específico da mesma norma a sua pré-conformação e determinação segundo esta, pelo que não viola o princípio da legalidade e da tipicidade.
LL–A interpretação normativa que o douto TCRS faz da norma do artigo 113.º/6 da LCE apresenta-se correta e consentânea com o elemento literal e teleológico da norma e com as funções que o legislador lhe atribuiu, caraterizando-o como uma infração de mera atividade.
MM–O comportamento padronizado consiste numa conduta executada da mesma forma, nas mesmas circunstâncias, disseminada por um elevado número potencial de vítimas, em grande escala, seja num mesmo momento, seja em vários, uma vez que a ilicitude da conduta se estriba nesta disseminação em escala e no número de potenciais ou efetivamente atingidos – o potencial de dano da conduta está no assinante visado – ponto 309 da sentença.
NN–a arguida adotou o mesmo comportamento em relação a todos os assinantes que se encontravam nas mesmas condições, pelo que se verifica o requisito do comportamento padronizado.
OO–A previsão típica do artigo 48.º/16 da LCE mostra-se em concreto preenchido:
A conduta da Arguida violou o disposto no artigo 48.º n.º 16 da LCE revogada na parte em determinava a comunicação do direito de rescindir o contrato sem qualquer em relação a todos os assinantes a quem remeteu as comunicações ponto 348
Forma adequada significa que a maneira como a informação é transmitida tem de ser idónea ou apta a cumprir o objetivo pretendido,
O objetivo pretendido consiste em assegurar que os assinantes tenham conhecimento das alterações contratuais de forma a querendo exercerem o seu direito de rescisão de forma esclarecida
A não disponibilização das alterações quando é comunicada essa intenção potencia o esquecimento o que é um desvio claro à finalidade pretendida
PP–O dolo do tipo do artigo 113.º da LCE na modalidade executada deverá obter uma resposta funcionalista porque são tudo proibições de construção normativa dirigidas ao bem-estar dos clientes: assim o dolo, ou seja a representação e vontade, que é matéria de facto, e que se encontra estabilizada, dirigem-se à conduta padronizada, à violação do dever em massa, que atinge todos os clientes, e, sabendo o operador, que lhe está vedado, que é proibido incumprir o dever de informação dos clientes sobre o direito de rescisão sem encargos
QQ–Ficou demostrado em termos de facto que a Recorrente representou e quis de forma padronizada, em massa, violar o dever de informação de todos os seus clientes, num contexto de alteração de preços, o que sabia ser proibido no âmbito da LCE.
RR–As coimas parcelares e única correspondem ao desvalor social das condutas e à necessidade de reafirmação das normas violadas, sendo adequadas e proporcionais, à gravidade da violação dos direitos dos clientes da Recorrente, que pagam o serviço, e, necessárias à manutenção do equilíbrio do mercado e à proteção dos consumidores.
Termina pedindo: “(…) Porque o recurso da Recorrente contradiz princípios básicos e nucleares já amplamente consolidados na Lei, Doutrina a Jurisprudência, propõe uma errada interpretação das normas legais e constitucionais aplicáveis, despreza conceitos fundamentais e os princípios estruturantes do direito das contraordenações, da Supervisão, de direito penal, e impugna de facto em violação do artigo 75.º do RGCO, revelando-se o recurso infundado, deverá o mesmo, ser julgado total e manifestamente improcedente ou pelo menos totalmente improcedente, devendo ser integralmente mantida a douta sentença recorrida do TCRS.
Mas, VEXAS farão a costumada JUSTIÇA. ED”.
Também a recorrida AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (ANACOM) apresentou Resposta ao Recurso, formulando as seguintes
Conclusões
Da não concessão de prorrogação do prazo para interposição do presente recurso e consequente violação do direito ao recurso e a um processo equitativo
1)-Em primeiro lugar, a decisão sobre a prorrogação do prazo legal para interposição de recurso não é recorrível, por não constar do elenco, taxativo, do Art. 73.º do RGCO;
2)-Em segundo lugar, as disposições normativas referidas pela recorrente na sua conclusão 3 (artigos 107.º, n.º 6 e 215.º n.º 3 do CPP ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO), não preveem, logo não admitem, a prorrogação do prazo de recurso com qualquer dos fundamentos invocados pela recorrente, porquanto o n.º 6 do artigo 107.º do Código de Processo Penal admite a prorrogação, apenas e tão só quando o procedimento se revelar de excecional complexidade nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º e quanto aos prazos previstos no artigo 78.º, no n.º 1 do artigo 284.º, no n.º 1 do artigo 287.º, no n.º 1 do artigo 311.º-B, nos n.ºs 1 e 3 do artigo 411.º e no n.º 1 do artigo 413.º, todos daquele Código, situação cumulativa que não está em causa nos presentes autos;
3)-Em terceiro lugar, a indiscutível qualidade da alegação a que se responde, permite verificar que os direitos da recorrente ao exercício do seu direito de defesa não resultaram afetados…
Individualização da pessoa singular em cuja ação ou omissão culposa assenta a imputação dos factos à pessoa coletiva
4)-Alega a recorrente que sem a identificação da pessoa física que agiu não é possível imputação à pessoa coletiva, logo, não se preenche um elemento objetivo do tipo – a prática da infração pela pessoa coletiva.
5)-Estatuía o Art. 3.º da Lei n.º 99/2009, de 4 de setembro (RQCOSC), na redação em vigor à data dos factos que “2. As pessoas colectivas referidas no número anterior são responsáveis pelas infracções cometidas em actos praticados em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, pelos titulares dos cargos de direcção e chefia e pelos seus trabalhadores no exercício das suas funções, bem como pelas infracções cometidas por seus mandatários e representantes, em actos praticados em seu nome ou por sua conta // 4. A invalidade e a ineficácia jurídicas dos actos em que se funde a relação entre o agente individual e o ente colectivo não obstam a que seja aplicado o disposto no n.º 2.”;
6)-O Art. 7.º n.º 2 do RGCO prevê que “As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções”.
7)-Nem o RGCO nem o RQCOSC estatuem seja o que for sobre a necessidade ou desnecessidade de identificação da concreta pessoa que materialmente pratica os atos.
8)-A identificação da concreta pessoa física que agiu, em especial quando nenhumas circunstâncias apuradas são conclusivas para esse juízo de imputação, pode-se revelar indispensável se só a partir desse dado se puder estabelecer essa ligação, mas essa conexão não é um facto que se apenas possa provar por aquele meio face à redação do Art. 3.º n.º 2 do RGCO, como o pretende a recorrente.
9)-Convenhamos, perante uma infração praticada numa loja localizada na sua sede; por uma pessoa usando uma farda por si entregue; no horário de atendimento da loja; no interior da loja; usando uma password para acesso ao seu sistema informático onde poderá fazer registos, imprimir, receber e entregar documentos com eficácia obrigacional; sob a direção do chefe da loja designado pela recorrente; podendo receber valores em numerário para pagamento de serviços prestados pela recorrente; com cartão eletrónico para acesso à sua sede emitido e entregue pela recorrente; com formação prestada pela recorrente, quando não haja sombra de dúvida de que tal pessoa seja trabalhador da recorrente, pode tal infração ser-lhe imputada?
10)-Quanto à jurisprudência dos tribunais superiores, igualmente afirma que é dispensável que o procedimento identifique o autor do facto integrador de uma contraordenação, quando for inequívoco que a contraordenação foi cometida com conhecimento da pessoa coletiva – e mais afirma: “em casos como osdosautos, de empresas comuma já consideráveldimensão, tentar apurar a identidade da pessoa concreta que determinou uma determinada prática equivaleria a aceitar, desde logo e sem mais, a impunidade dos comportamentos, isto porque aquela busca seria, como bem se percebe, votada ao fracasso” (Ac. citado nota de rodapé 16).
11)-A mesma posição, de que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável à pessoa coletiva, é também a adotada pela Procuradoria-Geral da República no seu Parecer n.º 11/2013, parecer aliás citado pelo Tribunal Constitucional no Ac. n.º 395/2003 de 22.07.
12)-Existem dois modelos de responsabilidade penal das pessoas coletivas: o modelo de responsabilidade vicarial que imputa ao ente coletivo as infrações cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse da pessoa coletiva, implicando que reconhecer-se a ação e a culpa dos indivíduos que atuaram em nome e no interesse da pessoa coletiva a fim de, posteriormente, se imputar essa mesma ação e culpa à pessoa jurídica e o modelo de responsabilidade autónoma sem transferência da culpa e da ação dos agentes individuais para a pessoa coletiva, mesmo não havendo culpa de quem tenha agido, entendendo-se que as infrações resultam de deficiências de organização e de omissões de medidas de prevençãoecontrolo quepoderia e deveria ter adotado, sendo nessamedida,imputáveis aosórgãosdapessoacoletivaqueteriamodever de agir evitando o cometimento da contraordenação.
13)-Como o refere Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do regime geral das contra-ordenações, a fls, 58, na nota 18: “Para responsabilizar a pessoa coletiva é suficiente que a conduta seja praticada ou determinada em seu nome, sendo irrelevante a circunstância de não se ter identificado o nome do titular do órgão ou representante a quem seja atribuída pessoalmente a conduta da pessoa coletiva”.
Factos relevantes tendentes a fundamentar a imputação subjetiva dos ilícitos à Arguida
14)-A decisão de facto da decisão administrativa revela os factos e as provas dos factos e o iter cognoscitivo da autoridade recorrida, de modo congruente, claro e suficiente, revelando o encadeamento lógico, o raciocínio, da autoridade recorrida que a levaram a aceitar, com base nas provas e ilações que expôs, a materialidade dos factos.
15)-Descreve também os elementos em que se analisa o dolo (cfr. Factos provados n.º 7, 8 e 26 a 31), ou seja: i) o conhecimento de todas as circunstâncias do facto e de todos os elementos descritivos e normativos dos tipos objetivos de ilícito; ii) a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, no mínimo, conformando-se o agente com a realização do evento e iii) a consciência da ilicitude – como elemento do tipo doloso, como melhor se demonstrou nesta alegação;
16)-Muito embora, num caso só, o modo de expressão do modo intelectual e volitivo do dolo haja sido considerando deficiente (mas não insuficiente), tal se retira da afirmação naquele contexto de que a recorrente agiu de forma livre e consciente” pois que tal implica que a recorrente tenha representado os factos e os tenha querido praticar;
17)-Mas ainda que existisse tal nulidade, estaria a mesma já sanada pois que as nulidades sanam-se, entre o mais, se o participante processual interessado se tiver prevalecido da faculdade a cujo exercício o ato anulável se dirigia - cf. artigo 121.º, n.º 1, alínea c), do CPP, Art. 41.º, n.º 1, do RGCO, o que sucedeu.
Suposta falta de especificação de factos respeitantes à determinação da medida concreta da coima
18)-Alega a recorrente na conclusão 16 que o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente os artigos 22.º e 5.º da Lei-Quadro, 50.º do RGCO, e 32.º, n.ºs 2 e 10, ambos da CRP ao considerar que não tinha de constar da acusação qualquer facto relevante ou ponderação dos critérios para a determinação da medida da coima;
19)-Os artigos 22.º do RQCOSC e 50.º do RGGO não exigem tal bizarrice, não se impondo que a autoridade administrativa pondere na acusação, de véspera, às cegas pois que desconhece ainda qual a factualidade que terá de ponderar, os factos e os fatores de determinação da medida da coima e a ponderação do peso relativo de cada um na determinação da medida da sanção.
Do princípio da não autoincriminação
20)-Alega a recorrente que tendo a ANACOM obtido informações desta ao abrigo do disposto no artigo 108.º da LCE e no artigo 54.º do Regime Geral das Contraordenações, sem se limitar a elementos preexistentes ou genéricos, não poderia usar tais informações para qualquer fim que não fosse inócuo para si própria, pois que nesses termos a prova recolhida, em particular aquela que consta de fls. 97 a 236, 252 e 253, 259 a 261 e 269 dos autos configura prova proibida, nos termos do disposto nos artigos 32.º, n.º 8 da CRP e 126.º, n.º 1 do CPP, aplicável por via do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, não podendo ser utilizadas no âmbito deste processo, acarretando a nulidade do mesmo por tais provas terem sido utilizadas desde logo na Acusação, na Decisão Condenatória, e agora na Sentença -artigo 122.º, n.º 1 do CPP.
21)-Ainda que o direito ao silêncio previsto em processo penal se possa aplicar analogicamente em processos contraordenacionais, quando sejam solicitadas informações que o exponham a risco de sanção, mesmo em processo penal esse direito pode ser sujeito a restrições legais, constitucionalmente válidas se i) estiverem previstas em lei prévia e expressa; ii) forem impostas para salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos e iii) obedecerem ao princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º n.º 2 da CRP.
22)-O princípio da não auto-incriminação não tem a mesma extensão no direito penal e no direito contraordenacional pois que há uma menor ressonância ética do ilícito contraordenacional - note-se que o Art. 32.º n.º 10 da CRP, apenas assegura, no âmbito do processo contraordenacional, os direitos de audiência e de defesa do arguido;
23)-Nem tem a mesma extensão para pessoas singulares e para pessoas coletivas, para quem o direito à não autoincriminação inclui apenas as declarações confessórias e a entrega de documentos, cujo ato de entrega implique uma declaração confessória; e, por outro lado, que este âmbito do direito é mais restritivo do que aquele que deve ser reconhecido às pessoas coletivas no processo crime e que inclui as declarações orais do arguido, declarações ou informações escritas, qualquer que seja o seu conteúdo, e todas as formas de manifestação da vontade não-verbais como a entrega de documentos suscetível de exprimir a vontade para além do mero conteúdo do documento, como o tem afirmado o TJUE;
24)-Em particular, o direito à não autoincriminação não suspende os deveres de colaboração com as autoridades administrativas a quem estão atribuídas funções de supervisão, sob pena de se permitir que as entidades reguladas possam omitir factos que obrigatoriamente têm o dever legal de comunicar, até por prevenção, dada a suscetibilidade destas poderem exercer uma atividade sancionatória, pelo que a atividade sancionatória inutilizaria a atividade de supervisão
25)-Como refere F.LACERDA DA COSTA PINTO, numa expressão feliz e amplamente citada - “seria mesmo algo de iníquo e contraditório, porque acabaria por criar uma zona franca de responsabilidade: qualquer elemento entregue à supervisão que viesse mais tarde a ser relacionado com uma infração não poderia ser usado como prova. Como não processo sancionatório sem prova, as competências contraordenacionais das autoridades de supervisão ficariam inutilizadas através de uma espécie de imunidade antecipada conseguida na fase de supervisão. Ou seja, o cumprimento da lei (na fase de supervisão) acabaria por impedir o cumprimento da lei (na fase sancionatória). Nenhum sistema jurídico racional subsistiria com uma antinomia desta natureza”posição essa repetidamente afirmada pelo Tribunal Constitucional.
26)-É certo que a autoridade recorrida invocou o Art. 108.º da LCE, mas também é certo que tal artigo existe e que os poderes que a autoridade recorrida se arrogou, são os que lhe foram conferidos e não outros.
27)-Ademais, na sua comunicação, a ANACOM fez referência às normas ao abrigo das quais solicitava a informação em causa, reportando-se, designadamente, ao artigo 108.º da LCE, que estabelece no seu n.º 1 que as entidades reguladas neste âmbito devem prestar à Autoridade Reguladora todasasinformaçõesrelacionadascom a sua atividade (…)para que a ARN possa exercer todas as competências previstas na lei e ao artigo 54.º do RGCO, que consagra no seu n.º 2 que a autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima.
28)-Meios enganosos também não os houve: o procedimento da autoridade recorrida, para ser ilegal, teria de se traduzir numa falsidade que intencionalmente induzisse a arguida a prestar uma informação que, uma vez esclarecida a falsidade do método usado, a arguida não prestaria - mas nada disto existiu, nada foi feito que pudesse ter criado na recorrente uma convicção errónea.
29)-Improcedem assim as conclusões da recorrente sobre prova proibida e a suposta nulidade da sentença.
Nulidade da Decisão Condenatória por omissão de pronúncia
30)-Entendeu, e bem, o tribunal a quo a fl.s 149, ao final da página, que foram por si alegados factos irrelevantes, lendo-se da douta sentença: “[é] verdade que a decisão impugnada não apurou estes factos, nem faz referência aos mesmos. Contudo, são irrelevantes […] É verdade que os mesmo serão incluídos na matéria de facto,mas apenas e para evitar que seja novamente arguida a nulidade e que isso crie entropia processual desnecessária”.
31)-Outros “factos”, serão conclusões.
32)-Sendo certo que existe sempre pronúncia sobre a factualidade alegada quando tais factos alegados estão em contradição com factos julgados provados, sendo desnecessário elencá-los nos factos não provados - assim, provando-se um homicídio é desnecessário elencar que se não provou que o falecido se encontre vivo.
33)-Todavia, não são aplicáveis à decisão impugnada os vícios previstos para a sentença penal, designadamente os constantes do artigo 379.º do CPP, nem sequer os da acusação em processo penal (Art. 283.º n.º 3 do CPA) tendo em conta que a decisão administrativa se converte em acusação, mas sim o disposto no n.º 1 do artigo 58.º do RGCO, que estatuo que a decisão administrativa deverá conter: (i) a identificação dos arguidos; (ii) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; (iii) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão e (iv) a coima e as sanções acessórias (a que acrescerão ainda as menções previstas nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo).
Nulidade da Decisão Condenatória por falta de fundamentação das coimas parcelares e única aplicada
34)-Embora a coima única não decorre imediata e mecanicamente das coimas parcelares e careça de ser fundamentada, o que parece inútil é repetir seja o que for que esteja já dito na própria decisão, designadamente, repetir o que possa ter sido já dito sobre a natureza singular ou coletiva do agente, a sua culpa, o seu benefício económico ou a sua ausência a situação económica do agente ou até as exigências de prevenção, ou seja, copiar para aí o que foi ponderado e expresso na decisão condenatória da autoridade administrativa sob a epígrafe “3.1. Da determinação das sanções aplicáveis” de fls. 65 a 71.
35)-Seria necessário repetir, tudo outra vez, desde a situação concreta da arguida? Os bens jurídicos protegidos pelas normas contraordenacionais? Se esta é pessoa singular ou coletiva para que a decisão da autoridade recorrida sobre a medida da coima única fosse inteligível para arguida? Crê-se que não.
Nulidade da Sentença por introdução de factos novos sem comunicação prévia à Arguida
36)-A alteração não substancial dos factos mostra-se tratada no artigo 358.º CPP cujo n.º 2 estatui que “ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa”, dir-se-á, por ser patente a inutilidade de comunicar ao arguido algo que este já sabe e até o comunicou ao Tribunal, e o n.º 3 que “o disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”.
37)-Ora, os factos indicados pela arguida (factos nn e oo e pp) decorrem da própria posição assumida pela arguida no seu recurso, como se esclarece e se demonstra na douta sentença;
38)-Os factos yy e vvv, por seu lado, e que apenas serviram para a determinação da medida concreta da pena, teriam de ser considerados, porquanto estatui o Art. 375.º n.º 1 do CPP que “a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada”, concretizando a imposição do Art. 71.º n.º 3 do CP de que “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, cujo n.º 2 estatui que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: […] e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este […]”;
39)-O Tribunal a quo deu cumprimento, como se lhe impunha, ao dever de avaliação da personalidade do agente que lhe é imposto pelo Art. 375.º n.º 1 do CPP, aplicável ex vi do Art. 41º do RGCO – não ocorre qualquer nulidade.
Nulidade da Sentença por erro notório na apreciação da prova–factos integradores do tipo subjetivo
40)- Diz a recorrente na motivação da sua alegação: “299.º Note-se que este facto foicomunicadoà Arguida medianteo Despacho de 06.09.2023, tendo a Arguida oferecido pronúncia quanto ao mesmo nos seguintes termos: “A testemunha (…) depôs sobre estes factos e disse que […]. // 300.º O Tribunal a quo discorda da posição assumida pela Arguida, com os seguintes fundamentos: […]” // 303.º Porque é que, independentemente do que a testemunha tenha dito, o Tribunal a quo dirá que a testemunha não teria merecido credibilidade? // 304.º Porque o Tribunal se convenceu de que […]”.
41)-Estamos perante um recurso da decisão de facto com base num suposto erro catastrófico da apreciação das provas, tão catastrófico, que passa até a merecer o qualificativo “erro notório”.
42)-Mas o erro notório, tem que ser notório na sentença, não se pode confundir com a errada apreciação e valoração das provas, tem de ser apreensível pela sua simples leitura, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela.
43)-Conforme estatui o Art. 75.º n.º 1 do RGCO, no recurso de contraordenação, o tribunal da Relação tem apenas poderes de cognição da matéria de direito, o recurso de facto em matéria contraordenacional será o recurso extraordinário de revisão admitido pelos arts. 80.º e 81.º do RGCO - mas este não é um recurso de revisão;
44)-O que se constata é que a recorrente não consente ao tribunal qualquer liberdade de apreciação da prova, sendo que a motivação da decisão de facto em crise está escorada no depoimento de duas testemunhas – (…) e (…) como nela se lê, sendo por isso infeliz a afirmação da recorrente no § 324 da motivação do seu recurso que “o Tribunal a quo dá como provado que a Arguida representou e quis atuar como atuou, procedendo de forma livre e consciente, sabendo que incorria na prática de uma contraordenação com base na posição assumida pela Arguida no seu recurso.
Nulidade da Sentença por alteração da qualificação jurídica
45)-Ocorre alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação (no caso, a decisão impugnada) não apenas quando ocorre alteração da norma que prevê o tipo de crime/contraordenação mas também das normas que estabelecem a sanção, isto é, de qualquer disposição legal aplicável.
46)-Não ocorre alteração da qualificação jurídica quando as normas são as mesmas mas, porém, a autoridade administrativa as interpretou “num sentido” (possa resultar) e o Tribunal a quo as interpretou “noutro sentido” (resultou);
47)-Ademais, se a previsão da norma aloque ambos os “sentidos” por a sua letra conter a expressão “resulte ou possa resultar”, pelo que não ocorre qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos.
Nulidade da Sentença por insuficiência da matéria de facto para a decisão de Direito
48)-A não individualização da pessoa singular não é causa suficiente para que ocorra o vício da insuficiência da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 410.º n.º 1 alínea a) do CPP, como a recorrente alega.
49)-Como foi já explicitado nem sempre existe a necessidade, e muito menos o dever, de individualização da pessoa singular que praticou ou omitiu os atos que consubstanciam a prática da contraordenação para que a mesma possa ser, com certeza e segurança absoluta, imputada à pessoa coletiva.
Erro na interpretação e aplicação do direito - omissão de prestação de informações à ANACOM em violação do artigo 108.º, n.º 1 e n.º 5 da LCE
50)-Dispunha o Art. 108.º n.º 1 da LCE: “1 - As entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos da presente lei devem prestar à ARN todas as informações relacionadas com a sua actividade, incluindo informações financeiras e informações sobre os futuros desenvolvimentos das redes ou dos serviços que possam ter impacte nos serviços grossistas que disponibilizam aos concorrentes, para que a ARN possa exercer todas as competências previstas na lei;
51)-Sendo as competências poderes de órgãos de pessoas coletivas, irrenunciáveis e inalienáveis conforme Art. 36.º n.º 1 do CPA, que as exercem para prosseguir a missão, os fins da pessoa coletiva, todas as competências da ANACOM são todos os poderes funcionais de todos os órgãos da ANACOM que estão adstritos à prossecução de todos os seus fins (cfr. At. 3.º n.º 1 do CPA);
52)-Dispunha o Art. 109.º da LCE o seguinte: 1 - A ARN pode solicitar informações especialmente para os seguintes fins […] explicitando-se, e reforçando-se aquela norma, individualizando alguns dos fins para os quais seria permitido solicitar informações e, uma vez que “Especialmente” não é sinónimo de “exclusivamente”, o Art. 109.º não revoga (digamos assim) o Art. 108.º do mesmo diploma.
53)-A violação do Art. 108.º n.ºs 1 a 3 e 5 era punida no Art. 113.º n.º 2 pp) da LCE, como contraordenação grave, não existe qualquer remissão para as informações para os fins do Art. 109.º nem faria sentido que houvesse, o Art. 108.º inclui no seu âmbito os fins indicados no Art. 109.º;
54)-Muito embora a ANACOM não tivesse de indicar os fins a que se destinava a informação solicitada, esta fê-lo, e fundamentou o pedido: o dever de fundamentação a que alude o Art. 152.º do CPA cumpre-se comunicando sucintamente e de modo inteligível as razões pelas quais se decidiu o que se decidiu, quaisquer que elas sejam;
55)-A ANACOM é obrigada a fundamentar o pedido, não a justificá-lo demonstrando a priori a sua legalidade e muito menos é obrigada a revelar o modo como irá proceder à análise das informações que solicite para que a recorrente faça o seu juízo sobre a utilidade da prestação de tais informações para esses fins.
56)-E a recorrente não o fez completamente, a informação solicitada não foi totalmente prestada, como resulta da leitura dos factos provados, em particular os factos das alíneas h) e j), a fls. 79 da sentença.
Do tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE como norma sancionatória em branco
57)-Pugna a recorrente em que não existe determinabilidade objetiva da conduta típica prevista no n.º 6 do artigo 113.º da LCE e em particular, manifesta repúdio pela expressão “comportamento padronizado ou habitual”;
58)-Era a seguinte a redação dessa norma: “Constitui contraordenação a adoção pelas empresasque oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de comportamentos habituais ou padronizados, bem como a emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios, cuja aplicação seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN, contraordenação que é muito grave sempre que daqueles atos resulte ou possa resultar infração muito grave ou grave, sendo grave nos restantes casos.
59)-Do elemento literal da norma constata-se que a sua previsão inclui, com a mesma estatuição, quer a “emissão de comportamentos habituais ou padronizados” quer “a emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios” quando, num ou noutro caso, daí possa advir a suscetibilidade de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN, graves ou muito graves, sendo esse o segmento cuja conformidade constitucional haveria que verificar, pois que uma inconstitucionalidade, de um diploma ou de uma só norma, pode ser parcial, a inconstitucionalidade de um segmento da norma ou de uma interpretação da norma não implica a inconstitucionalidade total do diploma ou da norma.
60)-E indeterminabilidade não a há: um comportamento padronizado consistirá numa prática repetida e uniforme do mesmo ato, perante um elevado número de situações iguais ou semelhantes, ocorridas num único período temporal ou em períodos temporais diferentes, sendo que aqui o elemento essencial é a homogeneidade da conduta.
61)-Não estamos perante a possibilidade de adoção de um qualquer comportamento suscetível de conduzir a qualquer ofensa como a Recorrente pretende fazer crer, mas sim perante a adoção de um comportamento cuja aplicação seja suscetível de violar as regras legais concretas  estabelecidas   na     LCE    -     o       simples         facto    de o tipo contraordenacional dever ser lido em conjugação com outras normas presentes no mesmo diploma não viola, por si só, qualquer princípio constitucional - não se trata de um conceito indeterminado, inalcançável ao intérprete, mas de um conceito determinável, em que é possível a sua concretização através de critérios lógicos, técnicos ou da experiência que permitam prever, com segurança suficiente, a natureza e as características essenciais das condutas constitutivas da infração tipificada.
62)-Como o ensina FIGUEIREDO DIAS o princípio da legalidade não impõe ao legislador a utilização de conceitos determinados, na aceção que a Recorrente defende, aquilo que importa é que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos  proibidos e sancionados e consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos.
63)-A exigência de determinabilidade objetiva da conduta mostra-se, portanto, respeitada, não se configurando qualquer violação do princípio da legalidade.
64)-Acresce que o Tribunal Constitucional tem considerado que o preceito constitucional que consagra o princípio da tipicidade ou a exigência de clareza e determinação das normas penais incriminadoras pode ter aplicação diferente no campo das contraordenações – (cfr. acórdão n.º 85/2012, de 15 de fevereiro) esclarecendo que a exigência de determinabilidade do tipo predominante no direito criminal não opera no domínio contraordenacional.
A errada interpretação do tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE e a não subsunção dos factos no mesmo
65)-Nas conclusões 112 a 115 a recorrente apenas manifesta discordância com a interpretação do Tribunal sobre o tipo contraordenacional (que não descreve), sem que também explicite a interpretação que propõe, peloque nada há que se comente.
O conceito de comportamento padronizado
66)-Alega a recorrente que não é comportamento padronizado aquele que se verificou uma só vez, no caso, 5.877.979 comunicações num único momento do tempo mas tão iguais que é como se fossem uma só.
67)-Porém, de acordo com os dicionários da língua portuguesa que se indicam supra,    padronizado     significa     uniformizado     segundo     um     padrão, homogeneizado, a reiteração dos comportamentos, o seu número, o eventual afastamento no tempo, a sua permanência, a fazer fé nos dicionários, são alheios ao sentido da palavra “padronizado”.
68)-No entanto, ainda que se entendesse que a Recorrente tinha adotado uma única conduta, sempre estaríamos perante um concurso ideal de contraordenações, o qual, para efeitos de punição, se equipara ao concurso real.
A não violação do artigo 48.º n.º 16 da LCE
69)-Os deveres aplicáveis à alteração das condições contratuais, nas quais se inclui os preços, são várias, estatuindo o n.º 16 do artigo 48.º da LCE então aplicável que “sempre que a empresa proceda por sua iniciativa a uma alteração de qualquer das condições contratuais referidas no n.º 1, deve comunicar por escrito aos assinantes a proposta de alteração, por forma adequada, com uma antecedência mínima de 30 dias, devendo simultaneamente informar os assinantes do seu direito de rescindir o contrato sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições, no prazo fixado no contrato, salvo nos casos em que as alterações sejam propostas exclusiva e objetivamente em benefício dos assinantes”.
70)-Cada uma dessas obrigações é autónoma entre si, como, por exemplo, a forma, o conteúdo das comunicações com as propostas de alteração e a antecedência com que tais propostas devem ser conhecidas pelos assinantes.
71)-Qualquer decisão (a nível negocial) dos assinantes, relativamente à alteração contratual da iniciativa da empresa que oferece os serviços, só pode considerar-se validamente formada se esses estiverem conscientes não só da alteração proposta pela empresa, mas também do seu direito a rescindir o contrato sem encargos.
72)-Esse desiderato só é alcançado com a prestação, aos assinantes, da informação sobre o direito de rescisão sem encargos, a qual tem de ser prestada simultaneamente com a comunicação da proposta de alterações contratuais.
73)-Este    dever   de informação  aplica-se a todos os assinantes, independentemente do tipo de tarifário que tenham - mesmo para os clientes com tarifário pré-pago essa informação não era inútil pois que estes ficariam cientes que poderiam rescindir o contrato de imediato, recebendo o valor do saldo que tivessem em cartão.
74)-Alega a recorrente que a informação estaria adequadamente no seu site à distância de um clique (não era só um clique, mas vários), não imediatamente, mas poucos dias após o anúncio. Não é (só) o que está em causa desde logo porque essa informação que contém as alterações contratuais não foi transmitida nem estava disponível no momento em que foram comunicadas (ou melhor dizendo, que não foram comunicadas) as propostas de alteração contratual, como lhe estava imposto.
75)-Em síntese não basta anunciar aos consumidores que os seus contratosvão ser alterados, há também que os informar, no próprio momento, das alterações porque só desse modo se comunica, é a expressão da lei, uma proposta de alteração.
76)-Comunicar uma proposta de alteração, fracionando-a em suportes distintos e em momentos do tempo distintos, impondo aos assinantes o ónus de procurarem eles o conteúdo da proposta de alteração contratual que lhes foi anunciada, nos sites indicados ou de telefonarem a fim de serem informados sobre a proposta, não é um modo adequado de comunicar seja o que for, muito menos uma proposta de alteração de um contrato.
Tipo subjetivo dos ilícitos
77)-Alega a recorrente que se não provou que soubesse se a contraordenação em que quis incorrer era grave ou não (cfr. conclusão 156.ª c)), nem se provou que a recorrente igualmente soubesse que o seu comportamento poderia ser qualificado como padronizado (conclusão 157.ª), nem que representasse que o seu comportamento ilícito viesse a ser qualificado como tal (cfr. conclusão 160.ª) e que também não ficou provado “que a Arguida representasse que a adoção de um comportamento habitual ou padronizado que resulte numa infração grave é punido como contraordenação de forma mais severa” (conclusão 161.ª b)).
78)-A estrutura do dolo comporta um elemento intelectual e um elemento volitivo.
79)-O elemento intelectual consiste na representação pelo agente dos elementos materiais constitutivos do tipo objetivo do ilícito e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável - não se exige que saiba ou desconheça as consequências que poderá incorrer pela sua prática, designadamente, que represente que a adoção de um comportamento padronizado seja punida comocontraordenação de forma mais severa;
80)-O elemento volitivo do dolo consiste na especial direção da vontade do agente na realização desse facto, depois de ter representado, ou previsto as circunstâncias ou elementos do tipo objetivo do ilícito, o chamado dolo do tipo.
81)-Porém, como se demonstrou a fls. 63 desta alegação, ficou provado o conhecimento da proibição legal (cf. alíneas kk) a mm) dos factos provados), a representação e a vontade de praticar os factos nos termos legalmente previstos para o dolo direto (cf. artigo 14.º, n.º 3, do CP artigo 32.º, do RGCO) e a liberdade de atuação e a consciência da ilicitude das suas condutas (cfr. alíneas nn) a pp) dos factos provados).
A medida da coima
82)-O artigo 48.º da LCE, obrigando osprestadores de serviços de comunicações eletrónicas a comunicar aos assinantes a informação que a lei considera necessária para a tomada de decisão livre e esclarecida sobre as alterações contratuais propostas e permitindo que aqueles rescindam os seus contratos, sem quaisquer encargos, quando estejam perante alterações contratuais promovidas por iniciativa do operador e não as pretendam aceitar, pretende assegurar não só a possibilidade de decidirem de forma livre e informada, mas ainda a possibilidade de poderem contratar a prestação do serviço com outro operador que tenha melhores condições contratuais, ou, pelo menos, condições iguais às que tinham antes da alteração do contrato – podendo, assim, beneficiar de diferentes ofertas num mercado verdadeiramente concorrencial.
83)-A violação das obrigações previstas naquele preceito acarreta elevados prejuízos para a concorrência e para os assinantes desses serviços, enquanto parte contratual mais frágil.
84)-As condutas da recorrente prejudicaram 5.877.979 assinantes que foram por esta privados de uma informação absolutamente essencial, da qual dependia a adoção de uma decisão livre e esclarecida quanto à continuidade dos contratos celebrados com a recorrente.
85)-Estão em causa contraordenações que o legislador qualificou como muito graves cujas coimas previstas são de 20 000 euros a 5 000 000 euros, mas que apenas são aplicáveis quando o ilícito tenha sido praticado com dolo, por grande empresa, isto é, no caso, empregar mais de 250 trabalhadores e tiver um volume de negócios anual que exceda 50 milhões de euros ou um balanço total anual que exceda 43 milhões de euros.
86)-Provou-se ainda o seguinte a fls. 90/91 da sentença: “tt. (i) Partindo das estimativas quanto ao valor da mensalidade média acima referidas e da sua variação entre 31.07.2016 e 31.07.2017, (ii) considerando a variação verificada entre o número de assinantes, com período de fidelização ou compromisso de permanência vigente à data em que foram promovidas as referidas alterações tarifárias pela arguida (1 980 454) e o número de assinantes (861 312) a quem esta enviou as comunicações determinadas pela ANACOM na deliberação de 13.07.2017, já referida, e (iii) pressupondo que tal variação ocorreu gradualmente, ao longo dos meses que decorreram entre as alterações em causa no presente processo e a comunicação determinada pela ANACOM (num período máximo de 11 meses, pode estimar-se que a receitaadicional da Arguida, para um número médio de 1 240 921 assinantes (apurado com base na variação referida em (ii) e (iii)) , foi de, pelo menos, 17 020 855,60 euros […]”.
87)-Esse potencial ganho nunca poderia ser ignorado no que tange à análise dos fins de prevenção especial.
88)-A medida das coimas parcelares, e da coima única, que o tribunal concluiu ser a adequada, são objeto de análise e reflexão ao longo de 13 páginas, de fls. 184 a 197 da sentença, e não são páginas de generalidades.
89)-Como lapidarmente se lê a fls. 197 da douta sentença, “426. Na determinação da coima única deve-se atender à “apreciação conjunta dos factos e da responsabilidade social-adscritiva do agente”. No caso, considera-se que a coima deve ser mais próxima do limite máximo, tendo em conta que estão em causa condutas distintas entre si, que comprometeram deveres jurídicos substancialmente distintos no que respeita à contraordenação pela não prestação de informações completas à ANACOM e, relativamente às demais contraordenações, vários dos segmentos normativos do artigo 48.º, n.º 16, da LCE, reveladoras de uma grande indiferença pelos interesses protegidos. Efetivamente, os factos demonstram que a Arguida no procedimento de alteração das condições comprometeu e afetou os interesses protegidos de várias formas diferentes. Esta profusão não é compatível com uma mera pluriocasionalidade, mas é reveladora de uma propensão para o não cumprimento das obrigações legais nesta matéria, que deve ser fortemente reprimida. Por conseguinte, uma coima única no montante de 5.300.000 considera-se suficiente, adequada e necessária;
90)-Um valor elevado, mas não desproporcionado: se dividirmos o valor da coima única pelo número de assinantes afetados + 1 (a recorrente pela falta de prestação de informações) + 2 (dois operadores concorrentes), o valor será de € 1,11 (5.877.982 : € 5.300.000,00).
Termina pedindo que “deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!”
*
Requerida a audiência, a mesma realizou-se pela forma constante da respetiva ata de 22.1.2024.                                                    
Foram colhidos os Vistos e cumpe decidir.
O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. os artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2 e 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal) e atento o dispsoto no artigo 75º n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27/10 (RGCO) este Tribunal apenas conhece de matéria de direito.
Assim, atentas as conclusões da recorrente MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A., há as seguintes questões a decidir:
Ocorre violação do direito ao recurso e a um processo equitativo pela não concessão de prorrogação do prazo para interposição do presente recurso?
A acusação é nula e sem possibilidade de sanação?
Ocorreu violação do princípio da não autoincriminação?
A Decisão Condenatória é nula por omissão de pronúncia?
A Decisão Condenatória é nula por falta de fundamentação da coima aplicada?
A Decisão Condenatória é nula por introdução de factos novos sem comunicação prévia à Arguida?
A Decisão Condenatória é nula por padecer de erro notório na apreciação da prova? E/ou contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação da sentença?
A Decisão Condenatória é nula por ter alterado a qualificação jurídica sem ter dado oportunidade à arguida de se defender de uma nova qualificação e enquadramento jurídico dos factos?
A Decisão Condenatória padece de erro na interpretação e aplicação do direito?
Designadamente:
a.- Erro quanto à omissão de prestação de informações à ANACOM em violação do artigo 108.º, n.º 1 e n.º 5 da LCE?
b.-  erro quanto ao o tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE respeitantes à adoção de comportamentos habituais ou padronizados?
c.- o tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE é uma norma sancionatória em branco?
d.-a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação do tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE?
e.- os factos não se subsumem ao tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE?
f.-a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação do conceito de comportamento padronizado?
g.- a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação e aplicação do artigo 48.º n.º 16 da LCE quanto aos três tipos de ilícitos imputados à MEO?
h.- a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação quanto ao tipo subjetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 1 alínea pp) da LCE?
i.- a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação quanto ao tipo subjetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE?
As coimas parcelares e, consequentemente, a coima única apurada através do cúmulo jurídico são manifestamente excessivas e desproporcionais?
***
Apreciemos tais questões.
Ocorre violação do direito ao recurso e a um processo equitativo pela não concessão de prorrogação do prazo para interposição do presente recurso?
A primeira questão a decidir é a de saber se deveria ter sido concedida a requerida prorrogação do prazo de recurso. Acessoriamente, se a não prorrogação prazo, tal como pedido, viola o direito ao recurso e a um processo equitativo.               Segundo a recorrente o prazo de 10 dias corridos foi, no entender da Arguida, manifestamente exíguo para o cabal e efetivo exercício dos seus direitos de defesa na matéria em causa, e bem assim do seu direito ao recurso e a um processo equitativo, tal como resulta do artigo 6.º da CEDH”.
Como reconhece a recorrente, requereu a prorrogação de prazo, com base no disposto no artigo 107.º, n.º 6 do CPP ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO, em face da extensão da Sentença, da alteração da factualidade em concreto imputada à MEO, da alteração do enquadramento jurídico dos factos, do carácter inovador do tipo em causa, e, também, da severidade da sanção que lhe foi aplicada”.              
Nas suas alegações, o Ministério Público defende que esta questão não deve, sequer, ser admitida: “Inexiste a figura legal da cumulação objetiva de recursos, o que a Recorrente delineou, pois no recurso da douta sentença censura o despacho judicial pós sentença em que o TCRS lhe indeferiu o alargamento do prazo de recurso, o que traduz meio processual impróprio a dever ser julgado manifestamente improcedente a matéria das conclusões 2 a 7.”
A sê-lo, a decisão não merece censura.
A ANACOM, por seu turno, defende que “a decisão a que se referem estas conclusões, sobre a prorrogação do prazo legal para interposição de recurso não é recorrível, por não constar do elenco, taxativo, do Art. 73.º do RGCO das decisões judiciais que admitem recurso, como o não são, genericamente, as decisões judiciais de natureza processual”.
A não ser assim, o recurso não merece provimento porquanto “as disposições normativas referidas pela recorrente na sua conclusão 3 (artigos 107.º, n.º 6 e 215.º n.º 3 do CPP ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO), não preveem, logo não admitem, a prorrogação do prazo de recurso com qualquer dos fundamentos aí invocados.”
Nos termos do disposto no art. 73.º do RGCO (Decisões judiciais que admitem recurso):
1-Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a)- For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40;
b)- A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c)- O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d)- A impugnação judicial for rejeitada;
e)-O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2- Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3- Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites.
Como se sabe, a jurisprudência e a doutrina encontram-se divididas quanto à possibilidade de recurso de decisões processuais interlocutórias, designadamente de despachos ordenadores do processo[2].
É nosso entendimento que não cabe recurso apenas das decisões previstas no art. 73.º do RGCO.
O entendimento da impossibilidade de outros recursos que os previstos seria manifestamente inconstitucional sempre que estivessem em causa interesses eminentemente pessoais. Por outro lado, é manifesto que tal norma é lacunosa, pense-se na decisão sobre a prescrição do procedimento contraordenacional.
Assim, a remissão prevista no art. 41.º, n.º 1 do RGCO[3] permite que também sejam recorríveis algumas das decisões judiciais passíveis de recurso no processo criminal, embora com as devidas adaptações.
Estabelece o art. 399.º, do CPP a regra geral de é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
O art. 400.º, do CPP, elenca alguns desses casos de irrecorribilidade.
Contudo, a remissão prevista no art. 41.º, n.º 1 do RGCO não permite, neste caso, admitir a apreciação, em recurso, da decisão que indeferiu a prorrogação do prazo.
No regime do processo criminal, como vimos, a regra é a recorribilidade; já no RGCO a regra é a contrária: a irrecorribilidade. Apenas as decisões previstas admitem recurso (cf. art. 73.º, do RGCO). Esta regra, como também já referimos, admite exceções. Tais exceções, contudo, não respeitam a matérias como a que nos ocupa por ora. Na verdade, estabelecendo o RGCO um prazo, perentório, de recurso e não prevendo, especificamente, a possibilidade de prorrogação de tal prazo a sua prorrogação apenas poderá ocorrer em situações excecionais, mediante a aplicação, com adaptações, do regime do processo criminal. No entanto, ainda que tal regime – o do processo criminal – seja aplicado, tal não significa que a decisão judicial seja, sempre, sindicável em recurso.  
Ou seja, e em conclusão, apenas é admissível recurso no caso de decisões não previstas no art. 73.º, do RGCO, quando afetarem interesses eminentemente pessoais.
O que não é o caso.
Assim, pelo exposto, não se conhece do recurso nesta parte.
A acusação é nula e sem possibilidade de sanação?
Convém começar por referir que as nulidades distinguem-se dos erros de julgamento. Uma decisão errada não é, apenas por tal, nula.
Como ensinam os civilistas, sendo que no caso este ensinamento também é aqui aplicável, “uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão de pronúncia, um vício referente aos limites (vide a límpida exposição de Lebre de Freitas, em Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais…, 4ª Ed., págs. 23/29). Tão pouco se confundindo a dita nulidade com um erro material da decisão ou um erro de julgamento, que se caracteriza por um erro de conteúdo[4].
Apenas podem constituir nulidades, por regra, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo[5]. E como resulta do art. 118.º, n. 1, do CPP, apenas são nulidades aquelas que a lei do processo considera como tais, sendo as restantes violações inobservância das disposições da lei do processo meras irregularidades. Ou seja, vigora aqui o princípio da legalidade[6]
A primeira causa de nulidade apontada pela recorrente à acusação é a de que a mesma não contém a individualização da pessoa singular em cuja ação ou omissão culposa assenta a imputação da responsabilidade da pessoa coletiva é nula, por omissão de descrição de elementos essenciais, em violação do disposto nos artigos 283.º, n.º 3 do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e 18.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 2 e 10, ambos da CRP– conclusão 10).
A alegada nulidade não encontra descrição no elenco do invocado art. 283.º, n.º 3 do CPP, para a nulidade da acusação. Aliás, a remissão para o corpo do n. 3, da referida norma, que tem 9 alíneas, permite concluir pela não existência da nulidade invocada.
Assim, sem necessidade de outra argumentação – aliás convenientemente desenvolvida na decisão em recurso – não ocorre tal nulidade. Desde logo porque se se entender que é necessária a individualização da pessoa singular” a decisão administrativa seria revogada, por ilegalidade, e não por ser nula.
A eventual falta de um elemento do tipo, numa acusação, não gera nulidade, mas sim improcedência.
Alega, ainda, a recorrente que “O Tribunal a quo reconheceu a deficiência/insuficiência da Acusação quanto aos factos respeitantes ao elemento subjetivo, nomeadamente para imputar os ilícitos a título de dolo, sem que tenha retirado a consequência que se impunha em face da omissão, que deveria corresponder à conclusão pela preterição do direito de defesa e do princípio do contraditório da Arguida e pela violação frontal dos artigos 22.º da Lei Quadro e 50.º do RGCO que é uma emanação daquele direito e desse princípio que, novamente, acarreta a violação do princípio da presunção de inocência, ínsito no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, porquanto a ANACOM pretende imputar a prática de contraordenação à Arguida sem qualquer base de prova do preenchimento do tipo subjetivo e da culpa da MEO.” e que “A Sentença Recorrida interpretou e aplicou incorretamente os artigos 283.º, n.º 3 do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e 18.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 2 e 10, ambos da CRP, 22.º da Lei Quadro e 50.º do RGCO, ao considerar que a comunicação de factos que respeitam ao elemento subjetivo do ilícito imputado ao arguido em processo de contraordenação pode ser feita de forma tácita.
Para além das objeções já referidas quanto à invocação genérica da nulidade, como é evidente, e a recorrente reconhece, está em causa a sua discordância quanto à decisão e não a nulidade da própria decisão. Ou seja, a matéria invocada pode consubstanciar erro de julgamento, mas não de nulidade.
O mesmo se refira quanto às invocadas inconstitucionalidades. São apontadas ao julgamento efetuado e não à existência de nulidade. 
Quanto à sanação veremos, mais adiante, quais os poderes do tribunal a quo em impugnação jurisdicional. Concluiremos que não se trata, sequer, de sanação, mas de decisão própria.
Ocorreu violação do princípio da não autoincriminação?
Segundo a recorrente a “ANACOM violou o direito à não autoincriminação da Arguida, corolário dos seus direitos de defesa, a um processo equitativo e à presunção de inocência (ínsitos nos artigos 32.º n.º 10, 20.º e 32.º n.º 2 da CRP), ao notificar a MEO, ao abrigo do disposto no artigo 108.º da LCE e sob pena de incorrer em responsabilidade contraordenacional, para enviar elementos e informações que a MEO tinha de recolher, como datas, meios e outros detalhes relacionados com o envio das comunicações a clientes, para investigar a prática de ilícitos contraordenacionais pela MEO, elementos que foram usados condenar a MEO nestes autos”.
Esta é uma questão que este tribunal da relação, secção da PICRS, é recorrentemente convocado a apreciar e decidir.
A decisão é uniforme e sempre no sentido propugnado pela sentença em recurso.
Porque ainda recentemente esta secção se pronunciou sobre tal matéria, em acórdão[7] relatado pelo 2º adjunto deste, limitamo-nos a citar, parcialmente, os fundamentos de tal decisão, que subscrevemos:
“A doutrina e a jurisprudência reconhecem, de modo unânime, o direito à não auto-incriminação (nemo tenetur se ipsum accusare), segundo o qual ninguém é obrigado a contribuir para a própria condenação, como integrando o leque das garantias de defesa em processos de natureza sancionatória.
O direito ao silêncio, ou seja, a faculdade de o arguido não prestar declarações sobre factos que possam determinar à sua inculpação, consubstancia uma das manifestações do direito à não auto-incriminação.
Todavia, mostra-se ultrapassada a visão que restringia o direito à não auto-incriminação à prerrogativa do arguido de não prestar declarações sobre os factos e do silêncio não ser juridicamente valorado em seu desfavor.
Para além do direito ao silêncio propriamente dito, o princípio nemo tenetur se ipsum accusare também se estende ao oferecimento de prova por parte do arguido, incluindo a prestação de informações ou a entrega de documentos à investigação num processo de natureza sancionatória.
Neste particular, levantam-se grandes dificuldades: até que ponto o arguido pode ser obrigado a cooperar com a investigação, ainda que em prejuízo da defesa, prestando informações, sujeitando-se à realização de testes ou exames ou apresentando os documentos que lhe forem solicitados.
Essas dificuldades prendem-se com a compatibilização do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, enquanto garantia de defesa, que desobriga o arguido de se incriminar a si próprio, com a necessidade de obtenção de elementos prova, pela investigação, que tenham origem no próprio arguido.
Ou seja, importa averiguar se a proibição da auto-incriminação exclui, irrestritamente, a obtenção de todas as provas que tenham nele origem.
Na doutrina e na jurisprudência nacionais têm-se vindo a considerar que o direito à não auto-incriminação (nemo tenetur se ipsum accusare) assenta, de modo implícito, no texto constitucional, seja no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP), seja no princípio da presunção da inocência até trânsito em julgado da decisão condenatória, seja ainda nas garantias de defesa em processos penal (art. 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP).
Os direitos ao silêncio e à não auto-incriminação decorrem, ainda que implicitamente, do art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, respeitante à garantia de um processo equitativo”, sobretudo no segmento em que se deixa consignado que: “(…) qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá (…) o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela (…)”.
Em anotação a este preceito, Ireneu Cabral Barreto diz-nos o seguinte: “(…)
Como se vê, no quadro do direito a um processo equitativo, o reconhecimento do princípio da proibição da auto-incriminação não exclui a validade de elementos de prova obtidos a partir do arguido, ainda que com recurso a meios coercivos, como é o caso, por exemplo, da realização de testes à urina, à saliva ou ao sangue, o que deverá ser avaliado em cada caso concreto, de acordo com a globalidade das circunstâncias apuradas.
Importa, em última análise, que o processo garanta, na sua globalidade, uma igualdade de armas, que a acusação não surja sobrevalorizada perante a defesa e que o arguido tenha assegurados, in casu, os seus direitos de defesa.
Nestes casos, admite-se a restrição do direito à não auto-incriminação, designadamente para a salvaguarda de outros direitos ou interesses juridicamente protegidos, desde que o processo, na sua globalidade, se mostre equitativo por assegurar uma igualdade entre os sujeitos processuais.
Ainda a respeito do art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da forma como tem sido interpretado na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Joana Costa retira as seguintes conclusões: “(…) o conceito de acusado de uma ofensa criminal para efeitos do art. 6.º da Convenção é autónomo em relação ao vigorante nos ordenamentos dos Estados contraentes, tendo ali uma natureza substantiva e não formal. Tal estatuto não pressupõe que o visado pela coerção se encontre formalmente acusado ou que contra o mesmo penda já qualquer processo sancionatório, mas apenas, embora necessariamente, que a respectiva posição se encontre substancialmente afectada por uma acusação de sentido equivalente ao da suspeita que oficialmente lhe é atribuída pelas autoridades (…)” – in “O Princípio nemo tenetur na Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Revista do Ministério Público, Ano, n.º 128, págs. 179 a 180.
Compreende-se esta posição no sentido de estender a aplicabilidade do princípio nemo tenetur a sujeitos que ainda não foram formalmente constituídos como arguidos e que não tenham sido acusados pela prática de um qualquer delito, designadamente por não estar pendente um processo sancionatório, desde que possam já ser considerados como suspeitos.
Deste modo, combate-se a estratégia de retardar a instauração de um processo de inquérito, com vista a obter do suspeito elementos de prova que possam contribuir para a sua própria incriminação, de uma forma antecipada perante a abertura formal da investigação, com o intuito desta não ficar subordinada às garantias de defesa, máxime à proibição da auto-incriminação.
Por isso, (…), não se atribui especial relevância à circunstância do pedido de informação lhe ter sido dirigido pela autoridade administrativa antes da abertura do processo contra-ordenacional, na medida em que, desde que exista uma fundada suspeita de um ilícito, deverá ser igual o regime jurídico a aplicar, independentemente de já ter sido (ou não) instaurado um processo de inquérito ou do suspeito ter sido constituído como arguido.
Nesta perspectiva, o princípio nemo tenetur mostra plena eficácia ou aplicabilidade perante a fundada suspeita da prática de um delito, ainda que do ponto de vista formal não tivesse sido instaurado o correspondente processo contra-ordenacional (que, como se sabe, numa primeira fase, está vocacionado para investigar a prática de uma determinada infracção) e, por conseguinte, o suspeito ter sido constituído como arguido.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a reconhecer ao longo dos anos, a respeito de diferentes matérias que lhe foram submetidas para apreciação, o direito do suspeito ou do arguido à não auto-incriminação, assente sobretudo no princípio da presunção da inocência ou nas garantias de defesa em processo penal, consagrados no art. 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
São variadíssimos os acórdãos que abordam esta temática.
Não obstante reconhecerem esse direito ao suspeito ou arguido em processo penal, os acórdãos do Tribunal Constitucional demonstram preocupação, que se prende com a sua compatibilização com outros direitos ou interesses juridicamente protegidos, que podem justificar a sua restrição, em nome, por exemplo, da investigação criminal ou da obrigatoriedade legal de colaboração ou cooperação com autoridades inspectivas ou de supervisão.
O princípio nemo tenetur não deve ser compreendido de forma tão expansiva que proíba a obtenção de toda e qualquer prova que tenha origem no suspeito ou arguido, mesmo mediante o exercício de poderes coercivos.
Aliás, o art. 18.º, n.º 2, da Constituição, aponta nesse sentido, ao dispor que “(…) a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (…)”.
Conforme se deixou assinalado, muito a este propósito, no acórdão n.º 155/2007 do Tribunal Constitucional, proferido no dia 02-03-2007: “(…) não proibindo a Constituição, em absoluto, a possibilidade de restrição legal aos direitos, liberdades e garantias, submete-a a múltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade. Da vasta jurisprudência constitucional sobre a matéria decorre, em síntese, que qualquer restrição de direitos, liberdades e garantias só é constitucionalmente legítima se (i) for autorizada pela Constituição (art. 18.º, n.º 2, 1.ª parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei da Assembleia da República ou em decreto-lei autorizado (art. 18º, nº 2, 1ª parte e 165º, nº 1, alínea b), (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (art 18º, nº 2, in fine); (iv) for necessária a essa salvaguarda, adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (art. 18.º, n.º 2, 2.ª parte); (v) tiver carácter geral e abstracto, não tiver efeito retroactivo e não diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (art. 18.º, n.º 3, da Constituição)“.
(…)
De igual sorte, também o acórdão n.º 340/2013 do Tribunal Constitucional, proferido no dia 17-06-2013, admitiu, a respeito de documentos obtidos pela autoridade tributária no âmbito de uma acção de inspecção, que o “(…) princípio nemo tenetur se ipsum accusare é uma marca irrenunciável do processo penal de estrutura acusatória, visando garantir que o arguido não seja reduzido a mero objeto da atividade estadual de repressão do crime, devendo antes ser-lhe atribuído o papel de verdadeiro sujeito processual, armado com os direitos de defesa e tratado como presumivelmente inocente. Daí que para proteção da autodeterminação do arguido, este deva ter a possibilidade de decidir, no exercício de uma plena liberdade de vontade, qual a posição a tomar perante a matéria que constitui objeto do processo (…)”.
Perante o exposto, este acórdão acabou por não considerar inconstitucional a norma resultante da interpretação dos arts. 61.º, n.º 1, d), e 125.º, ambos do CPP, com o sentido de que os documentos obtidos por uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação, podem posteriormente vir a ser usados como prova em processo criminal pela prática de crime fiscal instaurado contra o contribuinte.
Por último, estabelecendo, de algum modo, contraponto perante a anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional, o acórdão n.º 298/2019, julgou inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, a interpretação normativa dos arts. 61.º, n.º 1, al. d), 125.º e 126.º, n.º 2, al. a), do CPP, segundo a qual os documentos obtidos ao abrigo do dever de cooperação, por uma inspecção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova nesse mesmo processo.
Todavia, esta decisão contou com um voto de vencido, no qual se deixou consignado, com particular relevo para o caso, que: “(…) não sendo o princípio do nemo tenetur se ipsum accusare um princípio absoluto, como reconhece a jurisprudência deste Tribunal, tal significa que pode sofrer restrições e ser objeto de juízos de ponderação em função da preponderância de outros valores constitucionalmente protegidos, dentro de determinadas circunstâncias e assumindo a aplicação do principio da proporcionalidade uma dimensão casuística. Isto mesmo tem sido admitido pela jurisprudência deste Tribunal, no próprio processo penal, em determinadas circunstâncias (v.g., a obrigatoriedade de realização de determinados exames ou diligências que exijam a colaboração do arguido) e no âmbito da regulação económica e social do Estado, como também reconhece o Acórdão que fez vencimento (…)”.
Do que se deixa exposto, resulta que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal Constitucional reconhece, de forma unânime, o princípio nemo tenetur se ipsum accusare como estruturante de um processo equitativo e como garantia da defesa em processo penal.
Todavia, maiores dúvidas se levantam a respeito da amplitude deste princípio, muito em particular, se deve prevalecer, de modo irrestrito ou ilimitado, sobre outros direitos ou interesses juridicamente protegidos.
Como se viu, não obstante o seu reconhecimento como garantia de defesa em processo penal, a jurisprudência dominante considera que o princípio nemo tenetur se ipsum accusare, à semelhança de todos os outros direitos ou interesses juridicamente protegidos, não deve prevalecer de forma absoluta ou irrestrita e que, em determinadas circunstâncias, impõe-se a sua limitação, designadamente, em nome da investigação criminal ou da obrigação de cooperação com autoridades inspectivas ou de supervisão.
Não se vislumbram quaisquer obstáculos quanto à aplicação aos processos contra-ordenacionais do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, muito em particular na vertente do direito a não facultar meios de prova, ainda que não lhe possa vir a ser reconhecida idêntica amplitude do que nos processos penais, atendendo à diferente natureza e às distintas consequências jurídicas decorrentes do cometimento dos ilícitos em confronto.
Isto significa que este princípio deverá assumir maior amplitude nos processos criminais, por forma a garantir maior tutela dos direitos do arguido, na medida que este pode ser confrontado com a aplicação de uma pena privativa da liberdade, ao contrário do que sucede com os ilícitos de mera ordenação social, cominados, exclusivamente, com sanções de natureza pecuniária ou patrimonial.
Estabelece o art. 32.º do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, sob a epígrafe do direito subsidiário, admite que “(…) em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal (…)”.
Admite-se, por princípio, que as contra-ordenações fiquem submetidas ao regime substantivo previsto para os ilícitos criminais no CP, a não ser que exista um regime próprio ou específico que contrarie a sua aplicação.
O legislador aceita que os ilícitos de mera-ordenação social sejam regulados pelas normas substantivas previstas para os ilícitos criminais, para as quais remete a título subsidiário, por ambos serem representativos do direito sancionatório do Estado, ainda que sejam diferentes os fundamentos e as consequências decorrentes da prática de um e de outro destes ilícitos.
Deste modo, quer se sufrague a corrente substantivista, quer se alinhe pela corrente processualista, afigura-se incontornável que o direito à não auto-incriminação (nemo tenetur se ipsum accusare) tem também campo de aplicação no âmbito dos processos de natureza contra-ordenacional, ainda que com menor amplitude do que nos processos de natureza criminal.
Neste mesmo sentido, pronunciou-se o acima mencionado acórdão n.º 461/2011 do Tribunal Constitucional: “(…) O direito à não auto-incriminação, nomeadamente na vertente de direito ao silêncio, tendo o seu campo de eleição no âmbito do direito criminal, estende-se a qualquer processo sancionatório de direito público. Porém, o seu conteúdo é diferenciado, consoante o domínio do direito punitivo em que se situe a sua aplicação. Ora, no âmbito contra-ordenacional – dada a diferente natureza do ilícito de mera ordenação e a sua menor ressonância ética, comparativamente com o ilícito criminal – o peso do regime garantístico é menor, conforme já defendido por este Tribunal, nomeadamente no acórdão n.º 659/2006 (…). Refere-se, neste aresto, a propósito da introdução do actual n.º 10 do artigo 32.º da CRP – efectuada pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contra-ordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios – que se pretendeu assegurar, nesses processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, expondo-se o alcance da referida norma e da aplicabilidade dos princípios da constituição processual criminal (…)”.
“(…) o TC tem vindo a reconhecer em vários acórdãos a aplicação às contra-ordenações e ao processo contra-ordenacional de alguns dos princípios de Direito Penal e garantias de defesa em processo penal. Assim, veja-se a título de exemplos os Acórdãos n.ºs 380/99, 547/01 e 129/09, em que o Tribunal admite a aplicação ao processo contra-ordenacional das garantias consagradas nos arts. 29.º, 30.º e 32.º da CRP, entre as quais avultam a constituição de arguido, o direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos processuais e a presunção da inocência. Estas diferenças, que vincam a autonomia do processo contra-ordenacional, não obstam a que o Código de Processo Penal possa funcionar como direito subsidiário, nos termos do art. 41.º, n.º 1, da RGCO, mas impõem-se na hora de decidir, através de um juízo de analogia substancial, se um dado princípio ou regra do processo penal é transponível, com as devidas adaptações, para o processo contra-ordenacional (…)” - Augusto Silva Dias, in “Direito das Contra-ordenações”, págs. 195 e 196.
De qualquer forma, sempre se dirá que se aceita que a autoridade recorrida não tenha determinado a instauração de um processo contra-ordenacional, logo após o recebimento das (…) reclamações (o número de reclamações não se apresenta particularmente significativo por comparação com o número de clientes da empresa), até para permitir à recorrente (…) que se viesse a pronunciar sobre as matérias que estavam em causa, com vista a verificar se as reclamações em causa tinham (ou não) alguma consistência.
Aliás, o art. 54.º do DL n.º 433/82, de 27-10, não determina a imediata a abertura de um processo contra-ordenacional logo após a recepção de uma qualquer reclamação apresentada por um particular contra uma empresa, aceitando-se que a autoridade administrativa, antes de determinar a abertura do processo, leve a cabo diligências com vista a aquilatar, ainda que de uma forma preliminar, da consistência daquilo que lhe foi relatado pelo particular.
Por um lado, permite-se à empresa visada pela reclamação apresentar a sua versão dos factos, pronunciando-se, de modo contraditório, sobre as matérias em causa e, por outro lado, garante-se a economia processual, escortinando as situações que devem prosseguir para investigação pela prática de um ilícito de mera ordenação social, das outras que não apresentam o mínimo de fundamento ou consistência e que não justificam a sujeição da empresa a um processo contra-ordenacional, com as consequência prejudiciais decorrentes da sua instauração.
Deste modo, não se considera que tenha sido ilegal a falta de abertura do presente processo de contra-ordenação, logo após a apresentação de (…) reclamações por parte de clientes, sem conceder o contraditório à empresa.
Seja como for, repete-se, a partir do momento em que existe uma suspeita da prática de uma infracção, o direito à não auto-incriminação persiste com a devida amplitude, mesmo que não tenha, ainda, sido instaurado o correspondente processo e/ou que o visado, ainda, não tenha sido constituído como arguido.
Questão diferente prende-se com extensão ou com a amplitude, no caso concreto, deste direito, ou, dito de outra forma, com as restrições que lhe têm de ser impostas, como, aliás, a todos os direitos e interesses juridicamente protegidos.
Não obstante o direito à não auto-incriminação (nemo tenetur se ipsum accusare) ter reconhecimento unânime no nosso ordenamento jurídico (abrangendo, de modo amplo, quer o direito ao silêncio propriamente dito, quer o direito de não fornecer elementos de prova à acusação), considera-se que, como não assume carácter absoluto, não pode prevalecer, de forma irrestrita, sobre outros direitos ou interesses juridicamente protegidos.
Deste enquadramento resulta incontornável que, quer o pedido de informação formulado pela “ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações”, quer a subsequente resposta apresentada pela recorrente (…), tinham acolhimento no mencionado dispositivo legal.
Por isso, esse pedido não surgiu como um acto arbitrário ou discricionário da autoridade administrativa, antes acolheu fundamento numa norma legal, geral e abstracta, que, à data dos factos, se encontrava em vigor.
Esse pedido de informação traduziu o exercício de poderes de fiscalização e de supervisão, conferidos pela lei à “ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações”, enquanto que a resposta da (…), ao prestar informações e ao apresentar documentos sobre as alterações contratuais a que procedeu junto dos seus clientes, consubstanciou o cumprimento do dever de cooperação com esta autoridade administrativa.
Entre os poderes que legalmente estão conferidos à autoridade administrativa, “ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações”, conta-se o poder de investigar a eventual prática de ilícitos de mera ordenação social por parte de empresas que prestam serviços de comunicações, com vista à salvaguarda dos bens jurídicos subjacentes à norma tipificadora da infracção.
A actuação da autoridade administrativa recorrida colheu enquadramento legal no disposto no art. 108.º da LCE, então em vigor, bem como visou proteger interesses juridicamente protegidos relacionados com o exercício de poderes de fiscalização e supervisão na área das comunicações.
Por outro lado, in casu, afigura-se proporcional a restrição do direito em causa em nome do dever de cooperação com a autoridade administrativa que exerce poderes de supervisão e supervisão na área das comunicações.
Em face do exposto, considera-se que o comportamento da “ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações” consubstanciou uma restrição admissível do direito à não auto-incriminação (nemo tenetur se ipsum accusare), que, como se viu, não apresenta a mesma extensão ou amplitude nos processos de contra-ordenação (como é o caso) do que nos processos criminais, atendendo à diferente natureza dos delitos e às distintas consequências resultantes do cometimento dos ilícitos em confronto.
Muito em suma: não existindo, no entendimento que se perfilha, nenhuma das inconstitucionalidades que foram suscitadas pela recorrente (…), não existindo, in casu, violação do direito à não auto-incriminação, nem tão-pouco a utilização de prova proibida por utilização de meio enganoso, (…)”
O que fica dito aplica-se inteiramente a este processo.
A decisão em recurso também se pronunciou sobre tal questão, por ter sido, igualmente, suscitada na impugnação judicial.
Para além de extensa e pertinente citação de jurisprudência, designadamente, europeia e constitucional, fundamentou-se a decisão nos seguintes termos (que transcrevemos longamente pela sua pertinência e completude):
“Com relevo para a decisão da questão em análise extraem-se dos autos os seguintes factos:
a.-A ANACOM dirigiu à MEO, na sequência das reclamações apresentadas por assinantes da MEO, pelo menos, quatro pedidos de informações: um pedido de informações datado de 31.01.2017 (a fls. 92 a 96 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); um pedido de informações datado de 14.03.2017 (a fls. 237 e ss. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); um pedido de informações datado de 14.09.2017 (a fls. 256 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); e um pedido de informações datado de 06.12.2017 (a fls. 262 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
b.-No âmbito dos primeiros dois pedidos, remetidos à MEO por ofícios datados de 31.01.2017 e 14.03.2017, constantes, respetivamente, de fls. 92 e ss. e 249 e ss. dos autos, a ANACOM invocou expressamente o disposto no artigo 108.º da LCE e no artigo 54.º do RGCO.
c.-Nesses ofícios, a ANACOM solicitou que a MEO indicasse datas, meios e outros detalhes relacionados com o envio de comunicações a clientes, informações que a MEO teria de recolher e compilar especificamente para dar resposta ao pedido da ANACOM (facto que se extrai do tipo de elementos solicitado).
d.-Nos dois últimos pedidos, a ANACOM não fez qualquer referência quanto à possibilidade de a MEO poder recusar a colaboração solicitada, mediante o exercício do seu direito ao silêncio e à não autoincriminação.
e.-A MEO deu resposta aos pedidos efetuados pela ANACOM, através das comunicações constantes de fls. 97 e ss. (de 15.02.2017), de fls. 251 e ss. (16.03.2017), de fls. 259 e 260 (de 22.09.2017) e de fls. 269 (de 18.12.2017), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
f.-Nas datas dos dois primeiros ofícios da ANACOM e das respostas apresentadas pela MEO, a ANACOM conduzia um processo de averiguações ou de investigação da veracidade das reclamações recebidas, procurando recolher indícios da prática de ilícitos contraordenacionais pela MEO (facto que se infere do teor dos ofícios).
g.-A ANACOM notificou a MEO da instauração do processo de contraordenação em 24.03.2017 (cf. fls. 254 e 254-A).
56.–A tese da Arguida assenta num pressuposto essencial, que consiste na defesa de que o direito à não autoincriminação lhe permitia recusar os pedidos de informação que a ANACOM lhe dirigiu. Direito que já tinha no momento em que foram formulados os dois primeiros pedidos, porque a ANACOM “já se encontrava materialmente a investigar ilícitos contraordenacionais”. Discorda-se da Arguida pelas razões que se passam a expor.
(…)
88.–Em face de todas as considerações precedentes impõe-se tomar posição sobre a matéria e aqui o entendimento que temos perfilhado e que, com todo o respeito por entendimento diverso, não vemos razões para alterar é no sentido de aplicar aos processos de contraordenação contra pessoas coletivas por infrações praticadas no âmbito de atividades reguladas a referida jurisprudência Orkem, pelas razões que passamos a expor.
89.–A primeira razão consiste na necessidade de comprimir o direito neste tipo de processos, por via da imposição correlativa de deveres de colaboração, de forma a assegurar a eficácia dos poderes de supervisão e sancionatórios das entidades reguladoras. A questão não está tanto no “argumento da imunidade” de que fala FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, mas na preservação da capacidade funcional afirmada por NUNO BRANDÃO. Atentemos nas suas palavras: “De suma importância é ainda a necessidade de garantir a capacidade funcional da administração para levar a cabo eficientemente as suas funções de realização da justiça e de supervisão. Como é por todos reconhecido, exigir da administração que envidasse sozinha todos os esforços necessários ao cumprimento cabal dessas funções seria votá-las antecipadamente ao fracasso. É esta mesma racionalidade que contribui para dar sustentação material à conformidade constitucional da exigência legal de colaboração com a administração através da entrega de documentos tidos como necessários para o exercício de poderes de processamento contra-ordenacional e/ou supervisão. A pretensão de fazer aqui prevalecer o princípio da proibição da auto-incriminação, acompanhada de uma exigência de recursos aos meios coactivos postos ao dispor das autoridades administrativas (v. g. buscas e apreensões) para ultrapassar uma recusa de colaboração fundada no privilégio contra a auto-inculpação, implicaria um risco sério de paralisação ou pelo menos de comprometimento de um exercício minimamente eficaz das funções de realização da justiça e da supervisão[8]
90.–A Arguida defende que a ANACOM podia ter utilizado outros meios. Contudo, não esclarece quais.
91.–Sendo esta a razão que justifica a compressão, que se mostra adequada aos fins visados, considera-se que a mesma é equilibrada do ponto de vista dos interesses em confronto por duas razões.
92.–A primeira razão está relacionada com a circunstância de nos encontrarmos no domínio do ilícito de mera ordenação social. Este elemento é diferenciador, na nossa perspetiva, por causa de dois pontos que dizem respeito ao mesma tema: o juízo de censura ou estigma associado à condenação e a sanções. (…)
(…)
93.–É claro que no caso das pessoas coletivas esta abordagem requer considerações adicionais, pois não está no seu horizonte a aplicação de sanções privativas de liberdade e a coima não é muito diferente – nem em termos práticos, nem quanto à substância jurídica – da pena de multa. Contudo, considera-se que, ainda assim, existem, ao nível das consequências, diferenças importantes. Em primeiro lugar, a reforma do Código Penal de 2007, por via da Lei n.º 59/2007, de 04.09, introduziu algumas diferenças essenciais quanto às sanções, ao prever a pena de dissolução como pena principal para as pessoas coletivas – cf. artigo 90.º-A, n.º 1 e artigo 90.º-F, ambos do Código Penal – e ao consagrar a vigilância judiciária como uma pena de substituição das penas de multa não superiores a 600 dias (cf. artigo 90.º-E, do Código Penal). Em segundo lugar, há que levar em conta também “o forte simbolismo que ainda caracteriza a punição penal e o muito maior estigma social de um processo penal”30, que, note-se, também é importante para as pessoas coletivas, para quem, muitas vezes, a reputação e a imagem são valores com expressão económico-financeira elevada.
94.–É certo que as coimas podem ascender a muitos milhões, como acontece nas chamadas “grandes contraordenações”. Mas serão sempre muitos milhões para empresas que ganham muito mais, ou seja, estaremos sempre a tratar de valores relativos.
95.–Por conseguinte, a circunstância de nos movermos no campo do direito das contraordenações torna aceitável que o direito à não autoincriminação tenha um âmbito mais reduzido do que no processo criminal, ainda que estejamos perante “grandes contraordenações”.
96.–A segunda razão diz respeito ao facto de estarem em causa pessoas coletivas e relaciona-se com os fundamentos da prerrogativa. Assim, neste plano invocam-se fundamentos de natureza substantiva e fundamentos de natureza processual para justificar o direito. Quanto aos primeiros, estão em causa direitos fundamentais como o direito ao desenvolvimento da personalidade, o direito à reserva da intimidade da vida privada, o direito ao bom nome e reputação, o direito à integridade pessoal e também a própria dignidade da pessoa humana[9].(…)
97.–É certo que as pessoas coletivas também são titulares de direitos fundamentais (cf. artigo 12.º, n.º 2, da Constituição). (…) Contudo, a personalidade coletiva é diferente da pessoa singular que lhe dá vida, sob pena de uma insustentável desconsideração permanente da primeira e sobretudo porque há uma dimensão sensitiva primária nas pessoas singulares que não existe nas pessoas coletivas e cujo reflexo mediato naquelas é mais limitado do que quando estão em causa diretamente pessoas humanas. (…)
98.–Importa ainda esclarecer que a restrição em causa obedece aos pressupostos de previsão prévia em diploma de carácter geral e abstrato, uma vez que decorre dos deveres de colaboração plasmados no artigo 108.º da LCE (revogada), em vigor à data do ofício da ANACOM, e visa a proteção de interesses constitucionalmente protegidos, designadamente a proteção dos direitos dos consumidores (cf. artigo 60.º da Constituição).
99.–Transpondo os parâmetros para o caso concreto conclui-se que não há violação do direito à não autoinculpação, pois os elementos que a Arguida remeteu à ANACOM não contêm declarações confessórias. É certo que fornecem informações que demonstram factos suscetíveis de corporizar os elementos objetivos da infração. Contudo, para estarmos perante uma declaração confessória, à luz da jurisprudência Orkem, a Arguida tinha de admitir todos os elementos dos quais depende a responsabilidade contraordenacional, designadamente o elemento subjetivo e a culpa. O que não se verifica. Em consequência, não há violação do direito à não autoinculpação, pelo que a Arguida não podia invocar este direito para não prestar a informação solicitada.
100.–Também não estamos perante meios de prova enganadores. Esta questão também se inclui neste segmento legal, o seu âmbito é mais abrangente e o que se pretende, neste plano, é dar resposta à questão de saber se a circunstância dos dois primeiros ofícios da ANACOM terem sido remetidos antes da instauração formal de um processo de contraordenação quando eventualmente deveriam ter sido enviados após a instauração e no decurso do mesmo pode consubstanciar um meio enganoso nos termos e para os efeitos do preceito indicado.
101.–A resposta é negativa. Efetivamente, não há indução em erro porque, conforme o Tribunal Constitucional, esclarece no acórdão n.º 461/2011 “encontrando-se a Autoridade da Concorrência vinculada, de acordo com um princípio de legalidade de promoção, a investigar as infracções cometidas no âmbito do regime da concorrência, não pode deixar de considerar-se expectável que qualquer informação que indicie a prática de uma infracção contra-ordenacional terá de desencadear investigação destinada a apurar do seu efectivo cometimento, circunstância conhecida ou cognoscível por qualquer agente económico sujeito à actividade reguladora (em sentido paralelo, J. de Figueiredo Dias, M. da Costa Andrade e F. Lacerda da Costa Pinto, ob.cit, p. 34)”. Aqui não estamos perante a Autoridade da Concorrência, mas perante a ANACOM. Contudo, o argumento é plenamente válido, por identidade de razões, a esta entidade. Para além disso, os ofícios fazem referência ao artigo 54.º do RGCO.
102.–Por todas as razões expostas, considera-se que a Arguida não tem razão e que não se mostram violados os direitos e garantias fundamentais invocados”.
Assim, e em conclusão, reconhecendo o direito à não incriminação no âmbito do direito de mera ordenação social, contudo, não se verifica, em concreto,  a violação de tal princípio constitucional.
A resposta à questão é, assim, negativa.
A Decisão Condenatória é nula por omissão de pronúncia?
Invoca a recorrente que existiu “falta de pronúncia pela ANACOM na sua Decisão Condenatória quanto ao um conjunto de factos alegados pela MEO na sua defesa, descritos no artigo 224.º do recurso de impugnação da MEO (e vertidos na Sentença).
Como a recorrente reconhece, a decisão em recurso apreciou tal invocação e concluiu “pela inexistência de omissão de pronúncia ou, ainda, conclui pela omissão e pela nulidade, mas avança que a nulidade em causa estaria sanada”. Segundo a recorrente, o TCRS deveria ter “consequentemente” declarado a nulidade da decisão da ANACOM.
Está em causa a existência da invocada nulidade, e não o acerto da decisão.
Como resulta evidente da alegação da recorrente, os vícios são apontados à decisão da autoridade administrativa e não à sentença em recurso, embora se afirme que a sentença em recurso não retirou as consequências devidas, sendo, por isso nula.
A eventual existência de vícios da decisão da autoridade administrativa – não sendo de conhecimento oficioso e que se mantenham – mostra-se decidida pela sentença em recurso. O presente recurso tem como objeto a decisão judicial e não a da autoridade administrativa.
Não podemos esquecer que, no âmbito deste regime o art. 13º da LCE (controlo jurisdicional) estabelece nos seus ns. 5 e 10, que:
5–Aos processos de contraordenação instaurados no âmbito da presente lei aplica-se o disposto nos números seguintes e, subsidiariamente, o regime geral das contraordenações.
10–Se houver lugar a audiência de julgamento, o tribunal decide com base na prova realizada na audiência, bem como na prova produzida na fase administrativa do processo de contraordenação.
E, como exemplarmente se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, n. 3/2019[10], de 23 maio de 2019 (são nossos os destaques):
“Em sede de 1.ª instância, o Tribunal conhece de toda questão em discussão - "o objecto da sua apreciação não é a decisão administrativa, mas a questão sobre a qual incidiu a decisão administrativa".
O âmbito de cognição deste tribunal é bastante amplo: não se limita a um controlo da legalidade do ato, mas procede a uma apreciação de todo o ato administrativo, uma "apreciação da veracidade e exactidão dos factos (e da sua qualificação)", e também uma apreciação da medida da coima aplicada, considerando-se que o Tribunal tem "poderes de jurisdição plena". Isto é, "são admissíveis, na fase judicial do processo contraordenacional, todos os tipos de pronúncia que incidem sobre o mérito da causa, designadamente a manutenção da decisão administrativa, a sua revogação in totum, por via da absolvição, e a sua modificação, quer da qualificação jurídica quer da sanção". Não se trata, pois, de um mero controlo da legalidade, mas de um pleno poder de conhecimento do mérito da questão, de uma plena jurisdição à semelhança do que ocorre atualmente nos tribunais administrativos.
Daqui decorre que a impugnação da decisão da autoridade administrativa não é um verdadeiro recurso. A causa é retirada do âmbito administrativo e entregue a um órgão independente e imparcial, o tribunal. E o tribunal irá decidir do mérito da causa como se fosse a primeira vez - o julgador não estará vinculado, nem limitado pelas questões abordadas na decisão impugnada, nem estará limitado pelas questões que tenham sido suscitadas aquando da impugnação, estando apenas limitado pelo objeto do processo definido pela decisão administrativa. Esta sofre uma transformação - o Ministério Público recebe da autoridade administrativa os autos, e remete-os ao juiz "valendo este ato como acusação" (art. 62.º, n.º 1, do RGCO). Aquela decisão administrativa passa a constituir uma "decisão-acusação", e aquela fase administrativa "transforma-se" em fase instrutória.
(…)
De tudo podemos concluir que a fase judicial não constitui uma reapreciação da questão, mas uma primeira apreciação judicial da questão contraordenacional sem limite dos poderes de cognição do juiz, que abarcam todo o objeto do processo. A impugnação judicial não constitui "um recurso em sentido próprio, mas de uma fase judicial do processo de contra-ordenação em que o tribunal julga do objecto de uma acusação consistente na decisão administrativa de aplicação da sanção na fase administrativa, com ampla discussão e julgamento da matéria de facto e de direito e de decisão final".
No caso, como vimos e resulta das conclusões – e das alegações – da recorrente, esses vícios não são – nesta questão de nulidade da sentença - imputados à decisão em recurso. Assim não há qualquer nulidade uma vez que a consequência da apreciação judicial não era, necessariamente, como vimos, a de declarar nula a decisão administrativa (que passou a valer como acusação).
As nulidades, repete-se, não se confundem com erro de julgamento.
Pelo exposto, improcede também esta invocada nulidade.
Invoca ainda a recorrente que “É inconstitucional, por violação do direito de audiência e defesa e do direito a um processo equitativo, decorrentes dos artigos 32.º n.º 10 e 20.º da CRP, a norma que resulta do artigo 121.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO no sentido de que se prevaleceu da faculdade a cujo exercício o ato anulável se dirigia o arguido que invoca em recurso a nulidade de decisão administrativa perante o Tribunal e, no mesmo recurso, pronuncia-se sobre o mérito da contraordenação”.
Pelas razões já invocadas, designadamente pela citação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, n. 3/2019, de 23 maio de 2019, não existe a invocada inconstiticionalidade.
A Decisão Condenatória é nula por falta de fundamentação da coima aplicada?
Como resulta das alegações da recorrente, não é imputada qualquer concreta nulidade à decisão condenatória (cf. arts. 37 a 44 das alegações). Mais uma vez, imputam-se vícios à decisão da autoridade administrativa e discordância da decisão judicial quanto à verificação e consequência de tais vícios. 
Sem necessidade de nos repetirmos, remetemos para as considerações à questão precedente e julgamos inexistente a nulidade invocada uma vez que não é indicada qual a concreta violação processual da decisão condenatória. Há, unicamente, manifestação e discordância que, repetimos, não se confunde com “nulidade”.
Invoca, ainda, a recorrente sem concretizar qual ou quais as violações, os “direitos do arguido e das exigências constitucionais quanto à fundamentação de decisões que afetem os direitos dos particulares (205.º e 268.º n.º 4 da CRP).”
Assim, quer no que respeita à decisão judicial quanto à invocada nulidade cometida pela ANACOM, quer quanto à decisão de aplicar as coimas, como adiante se verá pela transcrição de tal fundamentação, aliás, extensa e minuciosa, a decisão em recurso está devidamente fundamentada e a decisão da autoridade administrativa (que passou a valer como acusação com a impugnação judicial) já não é objeto de recurso, como já referimos.
Inexiste, pois, qualquer violação dos invocados direitos constitucionais.
É, assim, igualmente, negativa a resposta a esta questão.
A Decisão Condenatória é nula por introdução de factos novos sem comunicação prévia à Arguida?
Alega a recorrente que “O Tribunal a quo fez uma reformulação de parte dos factos que constavam da Decisão Condenatória da ANACOM, tendo dado como provados os factos nn., oo., pp., yy. e vvv. que não constavam daquela decisão, procurando suprimir omissões que decorriam da Decisão Condenatória, que, nesta fase processual, não podem ser objeto de correção pelo Tribunal, muito menos sem que tenha sido dada oportunidade à Arguida para previamente se pronunciar sobre esses factos”.
Segundo a recorrente:
“Os factos constantes dos pontos nn), oo) e pp) dos factos provados respeitam à representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, à livre determinação do agente e à vontade de realizar a factualidade típica, não podendo ser aditados, nem mesmo com recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º n.º 1 do CPP”;
“O facto constante da alínea yy), respeitante à existência de antecedentes contraordenacionais, foi considerado pelo Tribunal a quo aquando da ponderação da medida da coima, no que respeita ao ilícito previsto no artigo 113.º n.º 2 alínea pp) da LCE pelo qual a MEO foi condenada.”
“O facto constante da alínea vvv) não constava – em absoluto – da Decisão Condenatória e foi usado para fundamentar a fixação do valor das coimas parcelares atinentes aos ilícitos previstos no artigo 113.º n.º 6 da LCE mais próximo do limite máximo, não tendo sido comunicado à MEO prévia e formalmente à sua inclusão na Sentença e à sua consideração para condenar a arguida.”
Conclui que “A inclusão dos factos que constam indicados nos pontos nn), oo), pp), yy) e vvv) da matéria de facto provada na Sentença, apenas após o julgamento, e a condenação da MEO com base nos mesmos sem recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º n.º 1 do CPP, acarreta a nulidade da Sentença, nos termos previstos no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO, em virtude de o Tribunal a quo ter condenado a MEO por factos diversos daqueles que constavam da Decisão Condenatória, o que se requer que seja declarado”.
Já para o Ministério público “Verifica-se que o facto nn diz respeito ao dolo do tipo e à consciência da ilicitude, o mesmo se verificando quanto ao facto provado oo, o mesmo quanto ao pp; o facto yy enuncia antecedentes conhecidos em juízo e o facto vvv enuncia que a arguida não revela sentido crítico da sua conduta.
Como é bem de ver do ponto 217 da motivação, o TCRS retirou tais factos subjetivos nn, oo, e pp das afirmações que a Recorrente faz no seu recurso relativamente às comunicações aos clientes e à forma como as fez, sendo que é manifesto que os factos não são novos porque já constavam da decisão da ANACOM, como acima se referiu:
O tipo subjetivo das infrações, o dolo do tipo, encontra-se narrado na decisão da ANACOM,
  • no facto provado 30, com a descrição do conhecimento ou pré-representação dirigidos aos elementos objetivos do tipo
  • no facto provado 31, quando aí se descreve que a Recorrente agiu em relação a esses elementos de facto, deliberadamente, isto é, com o propósito, com intenção e vontade de fazer alguma coisa que se decidiu fazer,
Ainda no facto 31, a final, onde figura o enunciado da responsabilidade social pelo facto – o agir livre e de forma consciente, sabendo que a conduta é proibida, para além de se encontrarem factos densificadores daqueles outros nas páginas 63, 64 e 65 da decisão, que o Tribunal não está impedido de deslocalizar para os factos provados.
Quanto ao facto provado yy trata-se de facto de que o Tribunal tem conhecimento oficioso estando documentados nas decisões ali indicadas e não tendo sido utilizado para agravar as sanções, apenas tendo sido usado como facto instrumental, também não se pode considerar um facto novo a carecer de ser comunicado – é irrelevante.
Quanto ao facto vvv, embora a Recorrente o negue, o douto TCRS retirou-  da defesa da Recorrente, da forma como o recurso foi organizado, das suas asserções, é a relevância da sua conduta processual manifestada perante o Tribunal, donde não carece de ser comunicado – é um facto que a própria Recorrente introduziu no processo, e que a mesma não consegue contrariar de forma racional, porque é seu, acabando por criticar a livre convicção do julgador que se encontra amplamente objetivada.
Deve considerar-se assim que os factos mencionados, ou já constavam da decisão impugnada, ou não têm efeito negativo na sanção, ou foram trazidos pela Recorrente”.
A ANACOM, por sua vez alega que “A alteração não substancial dos factos mostra- se tratada no artigo 358.º CPP, onde parecem despontar todas aquelas situações em que exulta uma alteração dos factos simples, não determinante da alteração do objeto do processo, permitindo que o tribunal investigue e integre no processo os factos que não constam da acusação e que tenham relevo para a posterior decisão, prevendo-se no n.º 1 que seja comunicada essa alteração ao arguido e lhe seja concedido, se este o requerer, o tempo necessário para a preparação da sua defesa.
Estatui o n.º 2 o seguinte: “ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa”,dir-se-á, por ser patente a inutilidade de comunicar ao arguido algo que este já comunicou ao Tribunal.
E o n.º 3: “O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”.
Quanto aos factos nn), oo) e pp) acrescenta que “Note-se que a recorrente não invoca qualquer nulidade por falta de comunicação dos factos anteriores, apenas repete a sua tese de que a decisão administrativa não continha factos respeitantes ao elemento subjetivo do tipo, o que se viu já não corresponder à verdade, pelo que, mesmo que estes factos não fossem dados como provados, a sentença seria forçosamente a mesma que foi.”
Mais alega que a recorrente foi notificada da junção dos documentos que atestam as condenações descritas em YY) e que nada disse. E que o facto VVV) respeita a uma apreciação à data da sentença. 
Para apreciação desta questão voltamos a relembrar o estabelecido no art. 13.º, n. 5 e 10, da LCE, e a citar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, n. 3/2019, de 23 maio de 2019 (os destaques são nossos)
Em sede de 1.ª instância, o Tribunal conhece de toda questão em discussão - "o objecto da sua apreciação não é a decisão administrativa, mas a questão sobre a qual incidiu a decisão administrativa".
O âmbito de cognição deste tribunal é bastante amplo: (…)  procede a uma apreciação de todo o ato administrativo, uma "apreciação da veracidade e exactidão dos factos (e da sua qualificação)", e também uma apreciação da medida da coima aplicada, considerando-se que o Tribunal tem "poderes de jurisdição plena". (…)
Daqui decorre que a impugnação da decisão da autoridade administrativa não é um verdadeiro recurso. A causa é retirada do âmbito administrativo e entregue a um órgão independente e imparcial, o tribunal. E o tribunal irá decidir do mérito da causa como se fosse a primeira vez - o julgador não estará vinculado, nem limitado pelas questões abordadas na decisão impugnada, nem estará limitado pelas questões que tenham sido suscitadas aquando da impugnação, estando apenas limitado pelo objeto do processo definido pela decisão administrativa..
(…)
Decidindo o tribunal de 1.ª instância o mérito da causa como se fosse a primeira vez, os seus poderes de cognição são plenos, abarcando as questões de facto e de direito (…)
(…)
De tudo podemos concluir que a fase judicial não constitui uma reapreciação da questão, mas uma primeira apreciação judicial da questão contraordenacional sem limite dos poderes de cognição do juiz, que abarcam todo o objeto do processo. (…) ".
Estas considerações são pacíficas quer na jurisprudência posterior, quer na doutrina.
Importa-nos, agora, unicamente a reapreciação da matéria de facto, com relevo na constatação, ou não, se o tribunal aditou matéria de facto nova.
É entendimento pacífico, resultante da melhor interpretação do citado art. 13.º, da LCE, já exposto na decisão em recurso, e que sufragamos, que no apuramento dos factos o Tribunal pode (e deve) ter em consideração todos aqueles que constem do processo administrativo (e não apenas da decisão administrativa) e sobre eles o arguido tenha tido oportunidade de se pronunciar, bem como dos alegados ou trazidos ao processo pelo Ministério Público ou pelo arguido.[11]   
Os factos, que a recorrente apelida de novos são os seguintes:     
nn.-Arguida representou e quis enviar a todos os 5 877 979 assinantes que tinha nas datas supra indicadas as comunicações referidas sem incluir informação sobre o direito destes a, no prazo contratualmente fixado, rescindir o contrato, sem encargos, no caso de não aceitação das novas condições, tendo assim procedido de forma livre e consciente e sabendo que incorria na prática de uma contraordenação.
oo.-A Arguida representou e quis disponibilizar aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, fixo e convergente (pacotes) e do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, Sport TV Empresarial e Global Connect Pack o detalhe as alterações propostas em data posterior à do envio das comunicações que anunciavam a introdução de alterações nos termos supra descritos, tendo agido de forma livre e consciente e sabendo que a sua conduta era punida como contraordenação.
pp.-A Arguida representou e quis em relação aos assinantes do segmento consumo que nas páginas da Internet referidas nas comunicações que lhes enviou e para onde se remetia, os assinantes fossem convidados a consultar ainda outras páginas para obtenção das informações nos termos supra descritos, tendo agido de forma livre e consciente e sabendo que a sua conduta era punida como contraordenação.
yy.-A Arguida foi condenada no âmbito dos processos de contraordenação n.º 20002510-218/2007 e n.º 20002510-61/2008, por violações da obrigação constante do n.º 1 do artigo 108.º LCE, conforme cópias das decisões finais que constam a fls. 270 a 302, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidas, datando a primeira de 04.03.2008 e a segunda de 31.03.2014.
vvv.-A Arguida não revela sentido crítico da sua conduta.
Ora, quer pelos motivos constantes das respostas do Ministério Público quer da ANACOM quer da fundamentação que incidiu sobre tais factos na sentença em recurso, podemos concluir que todos estes factos se inserem no objeto do processo definido pela decisão administrativa”, como não se tratam de factos sobre os quais a arguida, recorrente, não tenha tido oportunidade de se pronunciar.
Os factos “nn”, “oo”, e “pp” respeitam, genericamente, ao elemento subjetivo das imputações contraordenacionais.
Tais factos constam, evidentemente, do objeto do processo definido pela decisão administrativa”, e foram, de resto, um dos principais motivos da impugnação judicial da decisão a ANACOM, profusamente tratados em julgamento, como resulta límpido da fundamentação:
200.–Quanto aos factos consubstanciadores do elemento subjetivo e da culpa no que respeita à não comunicação da informação relativa ao direito de rescisão – alínea nn) dos factos provados – decorre da própria posição assumida pela Arguida no seu recurso que as comunicações efetuadas e o seu teor foram plenamente representados e desejados por si, de forma livre e consciente, não tendo o seu conteúdo sido fruto de qualquer acaso, acidente, erro ou ato inconsciente, irrefletido ou não desejado. O que também se inferiu dos depoimentos das testemunhas por si arroladas, designadamente (…) e
(…).
(…)
211.–Quanto aos factos consubstanciadores do elemento subjetivo e da culpa no que respeita à disponibilização do conteúdo das alterações em momento posterior – alínea oo) dos factos provados – decorre da própria posição assumida pela Arguida no seu recurso que as comunicações e a forma como foram efetuadas foram plenamente representadas e desejadas por si, de forma livre e consciente, não tendo o seu conteúdo sido fruto de qualquer acaso, acidente, erro ou ato inconsciente, irrefletido ou não desejado. O que também se inferiu dos depoimentos das testemunhas por si arroladas, designadamente (…) e (…).
(…)
217.–Quanto aos factos consubstanciadores do elemento subjetivo e da culpa no que respeita à disponibilização do conteúdo as alterações em momento posterior – alínea pp) dos factos provados – decorre da própria posição assumida pela Arguida no seu recurso que as comunicações e a forma como foram efetuadas foram plenamente representadas e desejadas por si, de forma livre e consciente, não tendo o seu conteúdo sido fruto de qualquer acaso, acidente, erro ou ato inconsciente, irrefletido ou não desejado. O que também se inferiu dos depoimentos das testemunhas por si arroladas, designadamente (…) e (…)”.
Os factos “vvv” mais não são que a conclusão que o tribunal retirou da defesa apresentada – 231 da fundamentação.
Ou seja, tais factos, apesar de desfavoráveis à arguida, resultaram da sua defesa, encontrando-se, pois, excecionados do regime previsto no art. 358.º, n. 1, do CP, pelo estipulado no n. 2: “Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegadospela defesa.
Os factos “yy” mais não são que a transcrição resumida dos antecedentes contraordenacionais da arguida constante dos documentos – tal como consta de 226 da fundamentação da sentença - solicitados pelo tribunal e com notificação à arguida após a sua junção e antes de ser proferida a sentença (como resulta da ref. 393325  de 13.1.2023 do processo[12]). Notificar é dar a conhecer, podendo, após, a arguida, querendo, pronunciar-se. Surge, assim, incompreensível a alegação da recorrida.
Assim, e em conclusão, não se verifica a nulidade da decisão por ter aditado factos relevantes que não constavam da decisão administrativa.
A Decisão Condenatória é nula por padecer de erro notório na apreciação da prova? E/ou contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação da sentença?
Nos termos do disposto no art. 410.º, n.º 2, als. b) e c), do CPP, aplicável ex vi do art. 41.º, n.º 1, do RGCO, “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a)- (…);
b)-contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c)- Erro notório na apreciação da prova.
É pacífica e uniforme a doutrina e a jurisprudência no sentido de que “Erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; não se pode confundir este erro com a opinião que o recorrente formulou sobre a prova produzida, divergente da que veio a vingar.
O apontado vício é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, só podendo relevar, como foi dito no acórdão do STJ de 01-10-1997, processo n.º 243/97-3.ª, se for ostensivo, inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do “homem médio”.
Como se extrai do acórdão do STJ, de 01-10-1997, processo n.º 627/97-3.ª, o vício existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, do homem médio, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.

O erro notório na apreciação da prova não pode resultar da mera divergência de qualquer dos sujeitos processuais relativamente ao decidido – acórdão de 18-12-97, processo n.º 701/97-3.ª, Sumários Assessoria, pág. 220.”           
Isto mesmo, esta secção teve, recentemente e de novo a oportunidade, e a necessidade, de reafirmar: “Os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, devem resultar do próprio texto da decisão recorrida”, ainda que conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, independentemente da apreciação que foi realizada pelo tribunal a quo da prova produzida em audiência de julgamento.
Tratam-se de vícios da própria decisão, em si mesmo considerada, que se diferenciam de erros de julgamento, que servem de fundamento à apresentação de recurso da matéria de facto, com base em errada apreciação da prova produzida em audiência, nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.
Por seu turno, o recurso apresentado nos termos do disposto no art. 410.º, n.º 2, do CPP, deve assentar na própria decisão, avaliada de per si, sem recorrer à prova produzida e sem apreciar as conclusões que dela foram retiradas no âmbito do julgamento da matéria de facto.
Os vícios que fundamentam a apresentação deste recurso encontram-se taxativamente enumerados nas três alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP e traduzem-se, grosso modo, em faltarem factos indispensáveis à decisão, em ocorrerem contradições insanáveis ou em existirem erros manifestos na apreciação da prova, percepcionados através da simples leitura da decisão, ainda que conjugada com as regras da experiencia comum, mas sem necessidade de se proceder à reapreciação da prova produzida em audiência.[13]
No caso concreto, a recorrente entende, em síntese, que o tribunal recorrido incorreu numa errada interpretação do conceito de regras de experiência comum; que a decisão quanto à prova de factos (no caso o facto m), com base numa errada valoração da experiência comum constitui erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 410.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO. E, ainda que ocorre contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação da sentença, igualmente configurando um vício previsto no artigo 410.º n.º 2 alínea b) do CPP ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO.
Quer o MP, quer a ANACOM, nas suas respostas, entendem não ocorrerem tais vícios.
Percorrendo as alegações da recorrente o que se verifica é, como acertadamente refere o MP nas suas alegações “É por demais evidente que do texto da sentença recorrida não resultam quaisquer vícios dos previstos no artigo 410.º do CPP e nem sequer a Recorrente os identifica, limitando-se a aventar umas quantas afirmações genéricas sobre as regras da experiência comum, ou como devem ser utilizadas na apreciação da prova, mas, referindo-se genericamente a uma testemunha cujo depoimento não terá sido credibilizado pelo Tribunal, e dizendo que o facto m foi erradamente dado como provado… ou seja , a pretexto de vícios do artigo 410.º do CPP o que a Recorrente faz é impugnar de facto os mencionados factos (são nossos os destaques).
Sufragamos integralmente esta conclusão. Não pode, a pretexto da invocação do disposto no art. 410.º, do CPP, pretender a recorrente a apreciação da matéria de facto com base nas provas produzidas conjugadas com a convicção do julgador. Os vícios previstos no art. 410.º são, repete-se, unicamente aqueles que resultam da própria sentença, sem necessidade de apreciação da prova.
Alega, ainda, a recorrente que o tribunal a quo procedeu à alteração da qualificação jurídica sem lhe ter dado oportunidade de se defender de uma nova qualificação e enquadramento jurídico dos factos (conclusões 69 a 77).
O que a recorrente considera diferente enquadramento jurídico consiste nas diferentes interpretações da ANACOM e do tribunal a quo sobre os ilícitos previstos no art. 113.º n.º 6 da LCE.  Para a recorrente “o tipo de ilícito aplicado pelo Tribunal a quo substitui o segundo elemento do tipo aplicado pela ANACOM – a suscetibilidade de violação de normas legais, em concreto, o artigo 48.º n.º 16 da LCE –, pela efetiva prática de uma infração grave, o que altera radicalmente o tipo contraordenacional (que passa de um tipo de aptidão ou de tendência, para um tipo de resultado)”.
Ora, sem necessidade de outras considerações e remetendo, mais uma vez para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, n. 3/2019, de 23 maio de 2019, já citado, concordamos com a ANACOM quando refere que “Não ocorre alteração da qualificação jurídica quando as normas são as mesmas mas, porém, a autoridade administrativa as interpretou “num sentido” (possa resultar) e o Tribunal a quo as interpretou “noutro sentido” (resultou).
O tribunal não está vinculado a determinada interpretação e não ocorre alteração violadora dos direitos de defesa quando o tribunal opta por outra interpretação. Especialmente quando a interpretação acolhida é mais favorável, ou menos desfavorável, como se queira, ao arguido, como é o caso, por ser mais exigente na sua verificação.
Não resultam, pois, violados os direitos de audiência e defesa, previstos no artigo 32.º n.º 10 da CRP, do direito a um processo equitativo, tal como decorre do artigo 20.º da CRP.
De resto a recorrente acaba por reconhecer que a interpretação acolhida pelo tribunal a quo é mais favorável, ou menos desfavorável, no n. 355º das suas alegações imputando a inconstitucionalidade “da norma tal como aplicada pela ANACOM”Lidas as alegações (356º a 363º) não aponta, sequer a inconstitucionalidade que suscita na conclusão 76. O que seria, só por si motivo para não se conhecer desta invocação.
Defende, ainda, a inconstitucionalidade da “norma contida no artigo 3.º n.º 2 da Lei Quadro, interpretada no sentido da possibilidade de aplicação de coima a pessoa coletiva, sem que da factualidade relevante para a condenação resulte individualizada a pessoa singular em cuja ação ou omissão culposa assenta a imputação dos factos à primeira, por violação dos direitos de audiência e defesa, previstos no artigo 32.º n.º 10 da CRP, do direito a um processo equitativo, tal como decorre do artigo 20.º da CRP, e do princípio da tipicidade e da legalidade, decorrente do artigo 29.º n.º 1 da CRP” – conclusão 76.
Note-se que esta conclusão respeita a um outro dos argumentos suscitados pela recorrente.
A este propósito, passamos a citar um recente acórdão desta secção[14] onde a questão, embora noutro âmbito, voltou a ser abordada, e com a qual concordamos integralmente:                 
“(…) a imputação do ilícito de mera ordenação social à pessoa colectiva prescinde da identificação e da responsabilização da concreta pessoa física que actuou em seu nome ou por sua conta.
Neste mesmo sentido, já se tinha pronunciado, aliás, a Procuradoria-Geral da República, através do Parecer n.º 11/2013, votado na sessão de 10-07-2013 do Conselho Consultivo (acessível em www.dgs.pt):
A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num “defeito estrutural da organização empresarial” (defective corporate organization) ou “culpa autónoma por défice de organização”, quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada (…)”.
O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República acrescenta ainda: “a imputação da infração à pessoa coletiva resulta de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado (por ação ou por omissão) a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contraordenação, solução que é coerente com o facto de no Direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal (…)”.
Acrescenta ainda o seguinte o parecer do Conselho Consultivo da PGR, a respeito dos regimes especiais dos ilícitos de mera ordenação social:
“(…) o art. 7.º do Regime Geral das Contraordenações adota a responsabilidade autónoma, tal como os regimes especiais em matéria laboral (art. 551.º do Código do Trabalho), tributária (art. 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), económica (art. 3.º do DL n.º 28/84), de valores mobiliários (art. 401.º do Código dos Valores Mobiliários), de concorrência (art. 73.º da Lei da Concorrência) e de contraordenações ambientais (art. 8.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais), pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável à pessoa coletiva (…)”.
Ainda com interesse, importa mencionar, entre muito outros, a respeito do Regime Geral das Contra-ordenações, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-12-2021, proferido no âmbito do Proc. n.º 1104/17.6Y5LSB (acessível em www.dgs.pt), no qual se deixou consignado o seguinte entendimento:
“(…) Em matéria de responsabilidade de pessoas colectivas, o regime contraordenacional do art. 7.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, não tem paralelo na responsabilidade criminal. Se verificarmos a al. a), do n.º 1, do art. 11.º, al. a), do CP, o modelo aí adoptado é o da hétero-responsabilidade, mas já na al. b) temos um modelo misto, mas não encontramos um modelo autónomo, em que a pessoa colectiva seja responsabilizada por não se ter organizado para evitar o cometimento de crimes (…)”, “nas contraordenações, como se refere no preâmbulo do DL 433/82, o seu aparecimento «ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc.». Por conseguinte, face a estas menores exigências éticas e à redacção da lei, é nosso entendimento que, ao invés do que sucede no direito penal português, no art. 7.º, n.º 2, do DL 433/82, estamos perante um modelo de responsabilidade autónoma das pessoas colectivas, em que estas são responsabilizadas por não se terem organizado para evitar o cometimento de contraordenações (…)”.
Ou ainda, em idêntico sentido, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-04-2022, proferido no Proc. n.º 664/21.1Y4LSB (in www.dgs.pt):
“(…) Contrariamente ao CP que exige no art. 11.º um facto individual de conexão entre quem age e a pessoa coletiva (em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem), o art. 7.º, do Regime Jurídico das Contraordenações não faz referência a tal conexão, sendo as pessoas coletivas e as pessoas singulares colocadas em posição de igualdade: ambas são indiferenciadamente destinatárias das normas que tipificam contraordenações e das coimas nelas cominadas. Compreende-se a diferença de regimes do CP e do Regime Jurídico das contraordenações, pois apesar da responsabilidade contraordenacional não dispensar o pressuposto da culpa, esta é distinta da culpa penal já que a culpa jurídico-penal implica um juízo de censura sobre o comportamento do agente, enquanto no direito de mera ordenação social o que ocorre é um juízo de mera advertência social, efetuado pelas autoridades administrativas. Considerando a complexidade que pode ter uma organização empresarial, em certos casos pode tornar-se ineficaz a procura de identificação do agente concreto, uma vez que um ato poderá passar por mais de um órgão, não sendo por vezes fácil determinar a pessoa concreta que agiu, exigindo-se, apenas, a certeza que a infração foi cometida no seio da instituição (pessoa coletiva). No regime contraordenacional é admissível a imputação de um facto à pessoa coletiva sem que seja necessária a ocorrência de uma transferência da culpa e da ação dos agentes individuais para a pessoa jurídica pois esta, ao nível das contraordenações, possui culpa própria (…)”.
Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão, como acertadamente alega a AMACOM. Considerou tal Tribunal que Daí que, para efeitos de responsabilidade, seja suficiente o conhecimento apenas daquelas condutas: a indicação da pessoa singular que praticou o facto correspondente à contraordenação é dispensável, a partir do momento em que tal facto é próprio da pessoa coletiva. A responsabilidade desta não depende prévia ou concomitantemente da responsabilidade das pessoas singulares cujas condutas lhe são (direta e autonomamente) imputadas.
(…)
O modelo de imputação de factos ilícitos a pessoas coletivas é justamente um domínio em que as especificidades da personalidade jurídica coletiva impedem uma equiparação com a realidade homóloga das pessoas singulares.[15]”.Conclui-se neste acórdão, e com a nossa concordância, que o que é relevante é que as atuações dadas como assentes na decisão condenatória sejam condição suficiente da respetiva imputação, enquanto atos próprios, à pessoa coletiva.
Podemos, pois, concluir que não há necessidade de identificação, e responsabilização da concreta pessoa física que atuou em nome ou por sua conta da pessoa coletiva para que o ilícito possa ser imputado à pessoa coletiva.
Ao contrário do que sucede no âmbito criminal em que “a pessoa colectiva, para efeitos da sua responsabilização criminal, deve ter agido através dos seus representantes legais, dos seus mandatários, trabalhadores ou através de quem de algum modo a represente e que tenham agido no seu interesse e por sua conta — devendo, neste sentido, englobar-se quem colabore com a actividade da pessoa colectiva, mesmo que não tenha um vínculo formal em relação a ela, o que pode suceder, por exemplo, com alguém que lhe preste serviços, como um vendedor ou contabilista e que pode ser, por sua vez, em si mesmo, uma pessoa colectiva[16].
No direito de mera ordenação social o que se torna necessário é que se apure que se trata de atuação  (em nome) da pessoa coletiva, independentemente de quem atuou em seu nome[17].
No caso, resulta dos factos provados que era a recorrente/arguida quem tinha a disponibilidade e a oportunidade de fornecer as informações ou proceder ao envio da comunicação e disponibilização das informações.
De resto, há a assinalar que a recorrente não questionou a prática dos factos.
Já quanto ao princípio da tipicidade, designadamente quanto à determinabilidade, sabemos como mesmo no âmbito do direito penal a questão não é isenta de dúvidas e diferentes interpretações. Veja-se o recente acórdão do Tribunal Constitucional n. 70/2024[18] de 23.01.2024:
“O princípio da legalidade criminal apresenta-se, pois, como “[…] garantia pessoal de não punição fora do âmbito de uma lei escrita, prévia, certa e estrita […]” (Acórdão n.º 500/2021). Um dos seus corolários é o designado princípio da tipicidade, a que se refere a exigência de lei certa, significando “[…] que a lei que cria ou agrava responsabilidade criminal deve especificar suficientemente os factos que integram o tipo legal de crime (ou que constituem os pressupostos da aplicação de uma pena ou medida de segurança) e definir as penas (e as medidas de segurança) que lhes correspondem. Nesta aceção, o princípio da legalidade penal tem como corolário o princípio da tipicidade, condicionando a margem de conformação legislativa no âmbito da definição típica dos factos puníveis(novamente, Acórdão n.º 500/2021, sublinhado acrescentado). Como se assinala no Acórdão n.º 76/2016:
[…]
A exigência de determinabilidade do conteúdo das normas penais, uma dimensão do denominado princípio da tipicidade, é avessa a que o legislador formule normas penais recorrendo a cláusulas gerais na definição dos crimes, a conceitos que obstem à determinação objetiva das condutas proibidas ou que remeta a sua concretização para fontes normativas inferiores, as chamadas normas penais em branco. A exclusão de fórmulas vagas na descrição dos tipos legais, de normas excessivamente indeterminadas e de normas em branco, leva em conta os valores da segurança e confiança jurídicas postulados pelo princípio da legalidade criminal. Com efeito, a exigência de clareza e densidade suficiente das normas restritivas, como é o caso das normas penais, é um fator de garantia da confiança e da segurança jurídica, «uma vez que o cidadão só pode conformar autonomamente os próprios planos de vida se souber com o que pode contar, qual a margem de ação que lhe está garantida, o que pode legitimamente esperar das eventuais intervenções do Estado na sua esfera pessoal» (Jorge Reis Novais, As restrições aos Direitos Fundamentais, não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra Editora, 2ª ed. pág. 770).
Deve reconhecer-se, porém, que a exigência de lex certa, como corolário do princípio da legalidade criminal, não veda em absoluto a formulação dos pressupostos jurídico-constitutivos da incriminação através de elementos normativos, conceitos indeterminados, cláusulas gerais e fórmulas gerais de valor. Seria inviável, até pela natureza da própria linguagem jurídica, uma determinação absoluta do tipo legal de ilícito.
[…]
Em princípio, a modelação do tipo legal de crime com recurso a conceitos indeterminados não afronta os princípios da legalidade e da tipicidade. Como reconhece o Tribunal Constitucional, após se interrogar sobre o grau admissível de indeterminação ou flexibilidade normativa em matéria de ilícitos penais, «uma relativa indeterminação dos tipos legais pode mostrar-se justificada, sem que isso signifique violação dos princípios da legalidade e da tipicidade» (Acórdão n.º 93/01).
Mas se é impossível uma total determinação dos elementos compósitos da ação punível, há de exigir-se um grau de determinação suficiente que não ponha em causa os fundamentos do princípio da legalidade. É que o princípio nullum crimen só pode cumprir a sua função de garantia se a regulamentação típica, ainda que indeterminada e aberta, for materialmente adequada e suficiente para dar a conhecer quais as ações ou omissões que o cidadão deve evitar. Como se escreve no Acórdão n.º 168/99, «averiguar da existência de uma violação do princípio da tipicidade, enquanto expressão do princípio constitucional da legalidade, equivale a apreciar da conformidade da norma penal aplicada com o grau de determinação exigível para que ela possa cumprir a sua função específica, a de orientar condutas humanas, prevenindo a lesão de relevantes bens jurídicos. Se a norma incriminadora se revela incapaz de definir com suficiente clareza o que é ou não objeto de punição, torna-se constitucionalmente ilegítima.
[…] (sublinhado acrescentado).”
Ora, segundo extensa, antiga e constante jurisprudência constitucional, a regra da tipicidade das infrações, corolário do princípio da legalidade consagrado no n. 1 do artigo 29 da Constituição (nullum crimen, nulla poena, sine lege), só vale, qua tale, no domínio do direito penal:
“Na jurisprudência, a Comissão Constitucional, expressando embora "muitas dúvidas", pronunciou-se no sentido de que a exigência da tipicidade (feita na Constituição quanto ao ilícito penal) não valia no domínio contraordenacional. Justamente a propósito de um preceito legal que "não descreve acção nenhuma, não possui elementos caracterizadores da conduta proibida" - depois de se dizer que o princípio nullum crimen sine lege não tem, em matéria contraordenacional, dignidade constitucional - escreveu-se:
O que não significa, todavia, negar toda a incidência do princípio da legalidade no domínio das contra-ordenações, mas recusar apenas que as suas exigências de determinabilidade e de tipicidade se façam sentir com a mesma intensidade e premência que ganham no domínio do direito penal.(cf. Parecer nº 1/82, in Pareceres da Comissão Constitucional, volume 18º, páginas 89 e 90).
Aliás, já no parecer nº 7/78 (Pareceres da Comissão Constitucional, volume 4º, páginas 344), a mesma Comissão, a propósito do ilícito disciplinar, dissera:
A insuficiente tipicização, só por si, não envolve qualquer problema de inconstitucionalidade, até porque é própria do ilícito disciplinar.
(…)
Este Tribunal, por sua parte, no Acórdão nº 282/86, publicado no Diário da República, I série, de 11 de Novembro de 1986, a propósito da incidência do princípio da tipicidade no domínio disciplinar, afirmou:
É tradicional afirmar que no direito disciplinar não tem aplicação o princípio da tipicidade na definição das infracções e na própria previsão das penas. Todavia, mesmo admitindo que uma tal tese seja compatível com as exigências do princípio do Estado de Direito democrático, a verdade é que ela tem de ser reexaminada quando as penas envolvidas implicarem a privação ou restrição de um direito fundamental (pressupondo que tais privações ou restrições podem ser objecto de medidas disciplinares, ponto que aqui não precisa de ser abordado). Nesse caso, as regras constitucionais que condicionam e limitam tais restrições - designadamente o princípio da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2) - implicam que tais penas só sejam previstas para situações que justifiquem a sua gravidade.
8.–A regra da tipicidade das infracções, corolário do princípio da legalidade, consagrado no nº 1 do artigo 29º da Constituição (nullum crimen, nulla poena, sine lege), só vale, qua tale, no domínio do direito penal, pois que, nos demais ramos do direito público sancionatório (maxime, no domínio do direito disciplinar), as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau: as infracções não têm, aí, que ser inteiramente tipificadas[19]”.
Significa tal jurisprudência que as exigências de tipicidade são, no direito das contraordenações, inferiores às do direito criminal, devendo a análise da norma ter em consideração a necessária defesa do interesse público prosseguido pela administração: “O que importa, (…), é que se cumpra uma "exigência da determinabilidade em termos de não haver encurtamento do direito fundamental", que haja "um mínimo de determinabilidade", (…)” lê-se no acórdão do TC de 14.12.1995[20]. Já Eduardo Correia, citado neste acórdão, não exclui que os respectivos tipos possam ter maior maleabilidade do que aqueles que descrevem infracções criminais, e, assim, que a cada passo contenham normas em branco, remetendo para critérios fixados pela própria Administração com vista à realização das suas finalidades salutistas" (in BFDC, V. XLIX, 1973, pág. 274)”.
Pelo que deixámos exposto, a interpretação não viola nenhum dos direitos ou princípios constitucionais indicados. Aliás não factualmente especificados pela recorrente.
É, assim, também negativa a resposta a esta questão.
Em conclusão, inexistem quaisquer das apontadas nulidades ou inconstitucionalidades, tal como inexiste qualquer fundamento para alterar a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo.
II.–Fundamentação de Facto.
Com interesse para a boa decisão da causa, foram considerados provados pelo tribunal de 1ª instância, os seguintes factos:
Factos relativos às reclamações:
a.-No decurso do 2.º semestre de 2016, a ANACOM recebeu as reclamações que constam a fls. 1 a 91 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, respeitantes a alterações das condições dos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, promovidas pela Arguida.
b.-Nas reclamações recebidas, os assinantes questionavam quer a admissibilidade daquelas alterações, na sua maioria referentes ao preço dos serviços, quer a forma e os termos em que foram comunicadas.
c.-Uma dessas reclamações foi apresentada em 21.11.2016, pela assinante (…), que anexou as comunicações trocadas com a Arguida, referindo, entre outros aspetos, que “No transacto dia 15 recebi, via email, a factura relativa ao último mês por parte da MEO, na quantia de € 29,49, o que consubstancia um aumento relativamente à importância acordada no contrato celebrado com data em 22/05/2016 (€27,49). (…) Solicitados esclarecimentos através de formulário disponível no site da MEO, fui informada de que tal se deve à actualização de preços a 01/11/2016, comunicada na factura de Setembro de 2016. (…) [nessa factura] não é referido qual o novo preço a aplicar, taxa de aumento, possibilidade de rescisão, etc. (…) [e] não se entende que a prestação da informação no âmbito de uma factura, e tendo em conta a localização onde a mesma se encontra, consubstancie um meio adequado para transmissão da informação, que é de elevada relevância, e que a mesma passa absolutamente despercebida ao cliente. A forma de prestação da informação não permitia, de todo, que de forma imediata, directa e clara, fosse entendida qual a alteração que viria a ocorrer, o que não aconteceria se fosse realizada através de meio autónomo.”.
d.-Outras das reclamações foi apresentada em 25.11.2016, pelo assinante (…) referindo que: “Na última renovação que efetuei com a MEO, em maio do corrente, contratualizei uma fidelização de 24 meses desde que o valor a pagar fosse igual ao que me foi oferecido pela Vodafone, nomeadamente €32,40 com IVA incluído. Nada me foi dito relativamente a atualizações de pacotes ou tarifários que poderiam ocorrer no decurso do contrato. Qual não é a minha surpresa quando na fatura de novembro verifico que a mensalidade foi aumentada em €2,00 (IVA inc). Ao ligar para a MEO foi-me dito que a atualização anual é normal e que o mesmo me foi comunicado na fatura de setembro. Fiquei então a saber que a operadora pode, no decurso de contrato, aumentar os valores arbitrariamente, salvaguardando-se num aviso prévio que faz numa fatura anterior. Aviso esse muito sucinto e nada esclarecedor e que [foi] feito no período de fidelização e não no início do contrato.”.
e.-Outra reclamação foi apresentada em 14.11.2016, pelo assinante (…), referindo que: “(…) Para meu espanto agora na fatura de outubro aumentaram-me os valores. Contactei o serviço de apoio ao cliente que me informou que este aumento foi uma imposição da ANACOM para com todas as operadoras. Perguntei se poderia cancelar o serviço e a resposta foi de que para isso teria de pagar dois anos de subscrição do serviço referente ao meu contrato de fidelização.”.
Factos relativos à informação solicitada:
f.-Na sequência das referidas reclamações e visando conhecer os procedimentos adotados pela Arguida, de modo a verificar se tinham sido observadas as exigências legais para a introdução das alterações contratuais, a ANACOM, em 31.01.2017, remeteu à Arguida o ofício com a referência ANACOM-S003360/2017, cuja cópia consta a fls. 92 e 93, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, no qual constava, entre o mais, o seguinte: “Assunto: Notificação. Cumprimento ao disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE (…) com vista a saber de que forma está a ser dado cumprimento ao disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na redação introduzida pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, notifica-se essa empresa, ao abrigo do disposto no artigo 108.º da LCE e no artigo 54.º do Regime Geral das Contraordenações, para, no prazo de 10 dias úteis, enviar a esta Autoridade as seguintes informações e documentos: a) As datas em que procedeu a alterações às condições contratuais que devem constar dos contratos nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da LCE, incluindo alterações de preços retalhistas em contratos vigentes com assinantes (consumidores ou não consumidores), desde 18 de julho de 2016; b) Os meios utilizados para proceder à comunicação das referidas alterações àqueles dois tipos de assinantes; c) As cópias dos modelos usados, em cada caso, para proceder à referida comunicação (por exemplo, cópia da fatura, cópia da informação enviada através de SMS, etc.); d) No caso de, no meio de comunicação utilizado, existir uma remissão para outros suportes através dos quais os assinantes pudessem obter informação adicional ou complementar sobre as alterações contratuais em causa: - a indicação dos períodos temporais em que a informação adicional ou complementar permaneceu disponível em cada um desses suportes; - se a informação tivesse sido disponibilizada  no  site: (i) a  dava   acesso especificamente a essa informação e, caso tal hiperligação já não se encontrasse ativa, a localização dessa informação (na página de entrada ou, se noutra, o caminho necessário para lhe aceder); (ii) a cópia da informação disponibilizada, por exemplo, através das impressões das páginas onde esta constava ou, na impossibilidade de as obter, de documentos que pudessem demonstrar qual a informação que era disponibilizada nessas páginas; (iii) nos casos em que na comunicação das alterações tivesse sido disponibilizado um contacto telefónico para obter informação complementar: (iv) a apresentação, para os diferentes números de telefone indicados nas comunicações escritas dirigidas aos assinantes, dos guiões a seguir pelos operadores telefónicos; e (v) os números de telefone utilizados para esse fim; - se a informação tivesse sido disponibilizada através de outro meio; (i) a indicação do meio utilizado; e (ii) a cópia da informação nele disponibilizada ou, na impossibilidade de a obter, documentos que pudessem demonstrar qual a informação que era disponibilizada nesses suportes; e) O número de assinantes abrangido por cada um dos tipos de comunicações referidos nas alíneas anteriores”.
g.-Por carta datada de 15.02.2017, a MEO remeteu a resposta ao referido ofício, com a documentação que consta a fls. 97 a 248 dos autos, fazendo constar, no que respeita a pedido relativo à alínea c), o seguinte: “Por sua vez, e no que respeita aos meios utilizados para proceder à comunicação das referidas alterações: Segmento CONSUMO (clientes residenciais) – Móvel pré-pago MEO: através do envio de SMS’s; Móvel pré-pago MOCHE: através do envio de SMS’s; Móvel pós-pago, fixo e convergente: através de informação inserida nas faturas; Segmento Empresarial – Fixo e Móvel: através de informação inserida nas faturas; Sport TV Empresarial e GlobalConnect Park: através de informação inserida nas faturas. Relativamente à solicitação de V. Exas, de disponibilização de cópias dos modelos usados, para efeitos de comunicações efetuadas, junto anexamos exemplos de SMS’s, bem como de faturas remetidas”.
h.-A Arguida não anexou um exemplo da SMS enviada.
i.-No que respeito ao pedido relativo à alínea e) do referido ofício, a Arguida fez constar o seguinte na sua resposta: “as comunicações referentes a alterações contratuais são sempre efetuadas para todo o parque de clientes existente – de modo a garantir que a informação é prestada junto de todos os clientes – mesmo que determinada(s) alteração(ões) não seja(m) aplicável(eis) ao cliente em concreto”.
j.-Na sequência da resposta da Arguida, a ANACOM remeteu-lhe um fax com a referência ANACOM-S0070000/2017, de 14.03.2017, cuja cópia consta a fls. 249 e verso dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, no qual constava o seguinte: “Reportando-nos à carta da MEO de 15.02.2017 remetida para resposta ao solicitado no ofício ANACOM-S003360/2017, de 31.01.2017, verifica-se que não foi dada resposta a algumas das informações solicitadas. Designadamente, muito embora seja referido que as alterações contratuais foram comunicadas a todo o parque de clientes MEO, não foi indicado o número concreto de clientes que efetivamente viram os seus contratos alterados na sequência daquelas comunicações. Considerando o acima exposto e que sem os elementos acima indicados a empresa não dá resposta às informações solicitadas através do acima indicado ofício ANACOM-S003360/2017, mais uma vez se notifica a MEO, ao abrigo do disposto no artigo 108.º da Lei n.º 5/2004,de 10 de fevereiro, na redação atualmente em vigor, e no artigo 54.º do Regime Geral das Contraordenações, para que remeta à ANACOM, no prazo de 48 horas, as seguintes informações: - Qual o número concreto de clientes que viram os seus contratos alterados na sequências das comunicações das propostas de alterações das condições contratuais aos assinantes realizadas após a entrada em vigor da Lei n.º 15/2016, de 17 de junho; - O texto das mensagens escritas – SMS – remetidas aos assinantes dos serviços de informação da alteração das condições contratadas”.
k.-A Arguida remeteu os referidos elementos em 16.03.2017, conforme cópia que consta a fls. 252 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
l.-A MEO reporta à ANACOM, pelo menos trimestralmente, a informação de clientes MEO e, anualmente, a informação detalhada de clientes com portefólio.
m.-A MEO não remeteu à ANACOM, na resposta ao ofício com a referência ANACOM-S003360/2017, um exemplo da SMS enviada por falta de atenção na elaboração da resposta e não indicou o número de assinantes abrangido por cada um dos tipos de comunicações enviadas por falta de cuidado na apreensão do sentido do pedido, cuidados de que era capaz, não tendo representado como possível que, ao proceder dessa forma, não estivesse a prestar toda a informação solicitada.
Factos relativos às alterações contratuais e respetiva comunicação:
n.-A Arguida procedeu, por sua iniciativa, a alterações das condições dos contratos que mantinha com 5 877 979 assinantes, designadamente, aumentando os preços aplicáveis nesses contratos –, para cada um dos tipos de tarifários/pacotes abaixo mencionados, nos termos a seguir especificados.
o.-No segmento consumo (conforme designação utilizada pela Arguida), as referidas alterações contratuais, ocorreram nas seguintes datas:
i.- Móvel pré-pago MEO: 05.09.2016;
ii.- Móvel pré-pago MOCHE: 10.01.2017; e
iii.- Móvel pós-pago, Fixo e Convergente: 01.11.2016;
p.-E foram comunicadas aos assinantes desse segmento através de informação incluída nas faturas e por meio de SMS nos termos que a seguir se indicam.
q.-Assim: entre os dias 01.08.2016 e 04.08.2016, a Arguida remeteu aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pré-pagos MEO, um SMS com o seguinte teor: “A 05-09-2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais a partir de 01-08-2016 em meo.pt ou pelo 16 96. Obrigado.";
r.-No dia 09.12.2016, a Arguida remeteu aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pré-pagos MOCHE, um SMS com o seguinte teor: “No dia 10-01-2017 os preços e condições do teu MOCHE vão mudar. Podes saber tudo em moche.pt";
s.-Entre os dias 14.08.2016 e 19.09.2016, a Arguida remeteu aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, as faturas relativas aos contratos que mantinha com estes, tendo nelas inserido a seguinte informação: “A 01-11-2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais a partir de 01-10-2016 em meo.pt ou pelo 1696. Se é cliente empresarial vá a ptempresas.pt, contacte o seu gestor de cliente ou ligue 16 206”; e
t.-Entre os dias 29.08.2016 e 27.09.2016, a Arguida remeteu aos assinantes do segmento consumo, com tarifários fixo e convergente (pacotes), as faturas relativas aos contratos que mantinha com estes, tendo nelas inserido a seguinte informação: “A 01-11-2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais a partir de 01-10-2016 em meo.pt ou pelo 16200”.
u.-A Arguida disponibilizou ainda, informação complementar noutros suportes, designadamente, nas lojas MEO, nos números 16200 (fixo e convergente) e 1696 (móvel pré-pago e pós-pago), bem como nos sítios da Internet da arguida www.meo.pt e www.moche.pt.
v.-Relativamente à informação disponibilizada no sítio da Internet da Arguida, no que concerne ao segmento consumo com tarifários móveis pré-pagos MEO, aquela informação constou do site www.meo.pt, entre 01.08.2016 e 05.09.2016 – era possível aceder-lhe a partir da mensagem: «a 05.09.2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais aqui.», que estava disponível nos links:
https://www.meo.pt/telemovel/tarifario/pre-pagos/top https://www.meo.pt/telemovel/tarifario/pre-pagos/flex https://www.meo.pt/telemovel/tarifario/pre-pagos/start https://www.meo.pt/telemovel/tarifario/pre-pagos/link https://conteudos.meo.pt/meo/Documentos/Tarifarios/Tarifarios-Anteriores.pdf
w.-Quanto ao segmento consumo com tarifários pré-pagos MOCHE, a informação complementar constou do sítio de Internet da Arguida www.moche.pt, entre 09.12.2016 e 10.01.2017 – era possível aceder-lhe a partir da mensagem: «No dia 10-01-2017 os preços e condições do teu MOCHE vão mudar. Podes saber tudo ao pormenor em moche.pt», que estava disponível nos links:
https://www.moche.pt/tarifarios/moche-legend.aspx https://www.moche.pt/tarifarios/tarifarios-anteriores.aspx
x.-Relativamente ao segmento consumo com tarifários móveis pós-pagos, a informação complementar constou do site www.meo.pt entre 30.09.2016 e 01.11.2016 – era possível aceder-lhe a partir da mensagem: «A 01.11.2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais aqui.», que estava disponível nos links:
https://www.meo.pt/telemovel/tarifarios/unlimited https://www.meo.pt/telemovel/internet-movel/tarifarios/telemovel-pc-tablet/pacotes-com-telemovel
https://www.meo.pt/telemovel/internet-movel/tarifarios/telemovel-pc-tablet/pos-pago
https://www.meo.pt/telemovel/internet-movel/tarifarios/pc-tablet/pos-pagos.
y.-Quanto ao segmento consumo com tarifários fixo e convergente, a informação complementar esteve disponível no site www.meo.pt, pelo menos até 15.02.2017 – era possível aceder-lhe a partir da mensagem:
«Consulte aqui os preços em vigor desde 1 de novembro de 2016.», que estava disponível nos links:
https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra/tv-net-voz-tlm-netmvl https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra/tv-net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra/tv-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra/net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/tv-net-voz-tlm-netmvl https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/tv-net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/tv-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite/tv-net-voz-tlm-netmvl
https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite/tv-net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite/tv-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite/tv.
z.-No segmento empresarial (designação utilizada pela Arguida), as alterações contratuais efetuadas pela Arguida, ocorreram nas seguintes datas:
i.- Fixo e Móvel: 01.11.2016; e
ii.- Sport TV Empresarial e Global Connect Pack: 01.01.2017;
aa.- E foram comunicadas aos assinantes desse segmento através de informação incluída nas faturas, nos termos que a seguir se indicam.
bb.-Assim: no dia 27.09.2016 (via CTT) e no dia 26.09.2016 (em formato eletrónico), a Arguida remeteu aos assinantes do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, as faturas relativas aos contratos que mantinha com estes, tendo nelas inserido a seguinte informação: “Em 01-11-2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais a partir de 01-10-2016 em ptempresas.pt, contacte o seu gestor ou ligue 16206.”.
cc.-No dia 23.11.2016 (via CTT) e no dia 24.11.2016 (em formato eletrónico), a Arguida remeteu aos assinantes do segmento empresarial, com tarifários Sport TV Empresarial, as faturas relativas aos contratos que mantinha com estes, tendo nelas inserido a seguinte informação: “A 01-01-2017 entram em vigor novos preços e condições SPORT TV Empresas HD. Saiba mais a partir de 01-12-2016 em ptempresas.pt, através do seu gestor ou pelo 16206.”; e
dd.- No dia 26.10.2016 (via CTT) e no dia 27.10.2017 (em formato eletrónico), a Arguida remeteu aos assinantes do segmento empresarial, com tarifários Global Connect Pack, as faturas relativas aos contratos que mantinha com estes, tendo nelas inserido a seguinte informação: “Em 01-01-2017 entram em vigor novos preços e condições para o serviço Global Connect Pack. Saiba mais a partir de 01-12-2016 em ptempresas.pt, através do seu gestor ou pelo 16206.”.
ee.-A Arguida disponibilizou, ainda, informação complementar noutros suportes, designadamente, nas lojas MEO, no número 16206, bem como no sítio da Internet da Arguida www.ptempresas.pt.
ff.-Relativamente à informação disponibilizada no sítio da Internet da Arguida, no que concerne ao segmento empresarial, a informação relativa a alterações contratuais e respetiva entrada em vigor esteve disponível no site www.ptempresas.pt até ao momento da entrada em vigor das alterações contratuais em questão, tendo sido, depois dessa data, atualizada no link: https://www.ptempresas.pt/novos-precos-nov2016.
gg.-As alterações contratuais introduzidas pela Arguida não foram propostas exclusivamente em benefício dos assinantes.
hh.-Em nenhuma das comunicações que, para o efeito, a Arguida remeteu aos assinantes – os SMS enviados aos assinantes do segmento consumo com tarifários móveis pré-pagos MEO e MOCHE, bem como, as faturas remetidas aos assinantes do segmento consumo com tarifários móveis pós-pagos, fixo e convergente e aos assinantes do segmento empresarial com tarifários fixo e móvel, Sport TV Empresarial e Global Connect Pack –, incluiu informação sobre o direito destes a, no prazo contratualmente fixado, rescindir o contrato, sem encargos, no caso de não aceitação das novas condições.
ii.- No que concerne aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, fixo e convergente (pacotes) e do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, Sport TV Empresarial e Global Connect Pack, o detalhe das alterações propostas só pôde ser, por estes, conhecido em data posterior à do envio de tais comunicações, uma vez que:
i.- no caso dos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, as comunicações foram enviadas entre os dias 14.08.2016 e 19.09.2016 e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 30.09.2016;
ii.- no caso dos assinantes do segmento consumo, com tarifários fixo e convergente (pacotes), as comunicações foram enviadas entre os dias 29.08.2016 e 27.09.2016 e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 01.10.2016;
iii.- no caso dos assinantes do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, as comunicações foram enviadas no dia 27.09.2016 (via CTT) e no dia 26.09.2016 (em formato eletrónico) e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 01.10.2016;
iv.- no caso dos assinantes do segmento empresarial, com tarifários Sport TV Empresarial, as comunicações foram enviadas no dia 23.11.2016 (via CTT) e no dia 24.11.2016 (em formato eletrónico) e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 01.12.2016;
v.- e no caso dos assinantes do segmento empresarial, com tarifários Global Connect Pack, as comunicações foram enviadas no dia 26.10.2016 (via CTT) e no dia 27.10.2017 (em formato eletrónico) e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 01.12.2016.
jj.-No que respeita aos assinantes do segmento consumo, nas páginas da Internet da Arguida referidas nessas comunicações e para onde se remetia, os assinantes eram convidados a consultar ainda outras páginas para obtenção das informações.
kk.-A Arguida sabia que se procedesse, por sua iniciativa, a uma alteração de qualquer das condições contratuais, referidas no n.º 1 do artigo 48.º da LCE – entre estas, as relativas aos preços dos serviços que presta – deveria comunicar, por escrito, aos assinantes a proposta de alteração, de forma adequada, com uma antecedência mínima de 30 dias, devendo, simultaneamente, informá-los do seu direito de rescindir o contrato, sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições, no prazo fixado no contrato, sabendo também que o incumprimento desta obrigação constitui contraordenação.
ll.-A Arguida sabia igualmente que apenas nos casos em que as alterações fossem propostas exclusiva e objetivamente em benefício dos assinantes, não haveria lugar à comunicação da informação relativa ao direito de estes rescindirem o contrato, sem encargos.
mm.-A Arguida sabia também da relevância desta informação para os assinantes, na medida em que, também era do seu conhecimento que, antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2016, de 17 de junho – que alterou, entre outros, o artigo 48.º da LCE – perante uma alteração contratual da iniciativa do prestador de serviço, os assinantes vinculados a um período de fidelização que quisessem fazer cessar o contrato com fundamento nessa alteração poderiam ter de pagar ao prestador de serviço contrapartidas por essa cessação.
nn.-Arguida representou e quis enviar a todos os 5 877 979 assinantes que tinha nas datas supra indicadas as comunicações referidas sem incluir informação sobre o direito destes a, no prazo contratualmente fixado, rescindir o contrato, sem encargos, no caso de não aceitação das novas condições, tendo assim procedido de forma livre e consciente e sabendo que incorria na prática de uma contraordenação.
oo.-A Arguida representou e quis disponibilizar aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, fixo e convergente (pacotes) e do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, Sport TV Empresarial e Global Connect Pack o detalhe as alterações propostas em data posterior à do envio das comunicações que anunciavam a introdução de alterações nos termos supra descritos, tendo agido de forma livre e consciente e sabendo que a sua conduta era punida como contraordenação.
pp.-A Arguida representou e quis em relação aos assinantes do segmento consumo que nas páginas da Internet referidas nas comunicações que lhes enviou e para onde se remetia, os assinantes fossem convidados a consultar ainda outras páginas para obtenção das informações nos termos supra descritos, tendo agido de forma livre e consciente e sabendo que a sua conduta era punida como contraordenação.
Outros factos:
qq.-Tendo em vista estimar o valor da receita adicional obtido pela MEO em resultado das referidas alterações contratuais, foi-lhe dirigido, no âmbito do presente processo contraordenacional, um pedido de informação, não tendo, no entanto, a Arguida prestado a informação solicitada.
rr.-Em execução da Deliberação do Conselho de Administração da ANACOM de 13.07.2017, a MEO informou a ANACOM, através de comunicação remetida em 19.10.2017, que o número de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência vigente à data em que foram comunicadas as referidas alterações pela empresa, era de 1 980 454 e que remeteu as comunicações determinadas pela ANACOM na referida Deliberação a 861 312 assinantes.
ss.-Considerando, em concreto, (i) a informação remetida pela Arguida em execução da referida deliberação de 13.07.2017 (que identifica as ofertas sujeitas às referidas alterações contratuais e indica que o número de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência vigente nas datas – também ali referidas – em que foram comunicadas tais alterações tarifárias pela empresa, ascendia a 1 980 454), bem como (ii) o valor da mensalidade média calculado com base nos dados indicados pela empresa em resposta aos pedidos de informação sobre “ofertas/tarifários de serviços de comunicações eletrónicas”[21] e a informação publicada no site da Arguida imediatamente antes da entrada em vigor das alterações contratuais e imediatamente a seguir à determinação da ANACOM[22], é possível estimar o valor da mensalidade média com base em informação relativa a 1 716 818 destes 1 980 454 assinantes, bem como a sua variação entre 31.07.2016 e 31.07.2017.
tt.-(i) Partindo das estimativas quanto ao valor da mensalidade média acima referidas e da sua variação entre 31.07.2016 e 31.07.2017, (ii) considerando a variação verificada entre o número de assinantes, com período de fidelização ou compromisso de permanência vigente à data em que foram promovidas as referidas alterações tarifárias pela arguida (1 980 454) e o número de assinantes (861 312) a quem esta enviou as comunicações determinadas  pela  ANACOM na deliberação de 13.07.2017, já referida, e (iii) pressupondo que tal variação ocorreu gradualmente, ao longo dos meses que decorreram entre as alterações em causa no presente processo e a comunicação determinada pela ANACOM (num período máximo de 11 meses[23]), pode estimar-se que a receita adicional da Arguida, para um número médio de 1 240 921 assinantes (apurado com base na variação referida em (ii) e (iii))[24], foi de, pelo menos, 17 020 855,60 euros[25] (conforme se pode verificar no ficheiro Excel “MEO_Anexo 5”, que está dentro da sub pasta “Anexo 5”, que por sua vez está dentro da pasta “MEO medidas corretivas (SCO 1322017)”, do CD-ROM de fls. 340 junto aos autos.
uu. Para o apuramento deste valor é necessário proceder à soma, para cada uma das ofertas consideradas, do produto entre a variação da mensalidade média entre 31.07.2016 e 31.07.2017, o número médio de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência e o número de meses decorridos entre estas alterações e agosto de 2017.
vv.-O valor desta receita adicional corresponde, também, a uma variação positiva de cerca de 1,52 euros (sem IVA), por assinante e por mês, caso se considere o número médio de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência entre a data em que foram (inicialmente) comunicadas as alterações contratuais e a data em que foram enviadas as comunicações determinadas pela deliberação de 13.07.2017 acima referida e relativamente aos quais, de acordo com a informação disponível, se apurou um aumento da mensalidade média (1 240 921 assinantes).
ww.-De acordo com o Relatório e Contas referente ao ano de 2019, a Arguida teve, nesse ano, ao seu serviço, um número médio de 6 612 trabalhadores e, apresentou um volume de negócios na ordem dos 2 012 455 209,00 euros, um balanço total na ordem dos 5 385 296 269,00 euros e um resultado líquido do exercício negativo da ordem dos 2 184 796,94 euros.
xx.-No ano de 2021, a Arguida teve, nesse ano, ao seu serviço, um número médio de 4453 trabalhadores e, apresentou um volume de negócios na ordem dos 2.112.704.721,00, um balanço total na ordem dos 3.717.441.636,00 euros, um  capital  próprio   no   montante   de 390.997.590,00 euros e um resultado líquido do exercício negativo da ordem dos 221.246.011,00 euros.
yy.-A Arguida foi condenada no âmbito dos processos de contraordenação n.º 20002510-218/2007 e n.º 20002510-61/2008, por violações da obrigação constante do n.º 1 do artigo 108.º LCE, conforme cópias das decisões finais que constam a fls. 270 a 302, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidas, datando a primeira de 04.03.2008 e a segunda de 31.03.2014.
zz.-A ANACOM adotou, em 13.07.2017 a Decisão das Medidas Restritivas cuja cópia se mostra junta aos autos no suporte de gravação de fls. 340, na pasta “MEO medidas corretivas (SCO 1322017)”, sub pasta “Anexo 1”, ficheiro pdf “último documento do ficheiro “ICP-D0002022017-MEO”, último documento”, na qual consta, entre o mais, o seguinte: “(…) embora tenham direito a obter a mesma informação, a adoção das diligências determinadas pelas medidas corretivas poderá acarretar um custo que poderá suplantar o seu ganho, verificando-se um desequilíbrio entre o que é exigido à empresa e as vantagens que daí advêm para esses assinante [pág. 31] (…) A limitação do âmbito das medidas corretivas face ao que fora projetado no SPD, nos termos que ficaram expostos, não afasta a aplicabilidade do nº 16 do artigo 48.º da LCE a todos os assinantes que tenham celebrado contrato com as empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público (aplicabilidade que a própria empresa reconhece) – o que equivale a dizer que a MEO estava obrigada a enviar a comunicação prevista naquele preceito legal a todos os assinantes que, na data em que estava vinculada a dar cumprimento a esta obrigação, tivessem contratos em vigor que fossem abrangidos pelas alterações contratuais (independentemente da natureza do assinante, do tipo de tarifários que tivesse acordado e da vigência, ou não, de uma obrigação de fidelização ou de permanência). Assim, tem de conclui-se que a alteração de condições contratuais sem prévia comunicação a qualquer dos assinantes abrangidos por essas alterações configura uma infração ao disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE e constitui uma contraordenação prevista na alínea x) do n.º 2 do artigo 113.º da mesma Lei [págs. 34 e 35] (…) Deve a MEO (…) promover, no prazo máximo de 30 dias úteis, o envio de comunicações escritas aos assinantes afetados por alterações contratuais efetuadas por iniciativa da empresa após a entrada em vigor da Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, que à data em que foram comunicadas as referidas alterações, estivessem vinculados por um contrato sujeito a período de fidelização ou qualquer outro compromisso de permanência e que permaneçam vinculados a esse contrato, com a mesma fidelização ou compromisso de permanência (ainda vigentes), na data em que for executada a presente decisão, indicando: a. na própria mensagem ou por remissão para o local exato do seu site em que aquela informação esteja já disponibilizada quais as alterações que foram efetuadas. B. nessa mensagem (mas sem ser por remissão) que, em consequência das alterações contratuais efetuadas, lhes é reconhecido o direito de rescisão do contrato, no prazo fixado (que deve ser indicado), sem qualquer encargo, caso não aceitem as novas condições. 2. O disposto no número anterior não se aplica às situações em que os contratos contenham uma cláusula que preveja a possibilidade de atualização dos preços com base num índice (objetivo) de preços no consumidor aprovado por uma entidade oficial nacional – desde que essa cláusula fixe o preço indexado com suficiente previsibilidade, transparência e segurança jurídica – e em que a alteração dos preços não tenha sido superior àquele índice. 3. Para dar cumprimento ao determinado nos números anteriores a MEO (…) pode utilizar as minutas anexas à presente decisão ou submeter, no prazo de 10 dias úteis, os seus próprios projetos de comunicações a esta Autoridade, que avaliará a respetiva conformidade”.
aaa.-As minutas que a ANACOM aprovou e que enviou à MEO por forma a dar cumprimento à Decisão adotada, consoante a comunicação fosse, ou não, promovida por SMS, tinham o seguinte teor:
«MODELO 1 (ENVIO SEM SER POR SMS)
Por determinação da ANACOM, informa-se que devido ao facto de as alterações do seu contrato que se verificaram em …[indicar data] não terem sido precedidas de uma comunicação que desse integral cumprimento ao disposto no n.º 16 do artigo 48.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, por não lhe ter sido transmitida informação sobre o seu direito de rescindir o contrato sem qualquer encargo em caso de não aceitação dessas alterações, é-lhes conferido prazo até …
[data que decorra do prazo fixado no contrato, que deve ser  concretamente indicado] para poder rescindir o seu contrato sem qualquer encargo, caso não aceite as referidas alterações contratuais.
Faz-se notar que a rescisão do contrato não impede que lhe sejam cobradas contrapartidas pelo desbloqueio do equipamento nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de junho.
A(s) alteração(ões) refere(m)-se a [indicação sumária do assinto objeto da alteração – tarifário, serviço contratado, qualidade do serviço, etc.]. * *Se a informação detalhada não for remetida com a comunicação, deve referir-se adicionalmente o seguinte: Consulte o detalhe desta informação em … [indicar a forma de acesso ao local exato onde se encontra, imediatamente visível para o assinante, a restante informação escrita]. […]
MODELO 2 (ENVIO POR SMS)
O seu contrato mudou em [indicar data em formato dd-mm-21x]. Se não aceitar pode rescindir sem encargos (exceto de desbloqueio equipamento) até …[indicar data, conforme com prazo contratualmente fixado] +info em [indicação da forma de acesso a local exato onde já se encontre, de forma imediatamente visível para o assinante, a restante informação escrita, nos termos indicados na “minuta1]»
bbb.-No seguimento e em cumprimento da Decisão Medidas Corretivas, a MEO enviou aos assinantes elegíveis comunicações autónomas, através de carta, durante o mês de agosto de 2017.
ccc.-A MEO adotou para o efeito as minutas de comunicação aprovadas em anexo à Decisão, onde incluiu ipsis verbis o texto determinado pela ANACOM.
ddd.-A MEO apresentou no prazo de 20 dias os elementos comprovativos do cumprimento desta determinação
eee.-No seguimento das novas comunicações remetidas, a MEO permitiu novamente aos seus clientes o exercício do respetivo direito de rescisão, tendo aceitado rescisões contratuais comunicadas além do prazo aplicável, entre agosto e outubro de 2017.
fff.-O número de assinantes que rescindiu o contrato nos meses subsequentes à comunicação do direito de rescisão, e em consequência dessa comunicação, é inferior a metade do número de comunicações efetuadas, tendo sido, pelo menos, 10 975.
ggg.-O Sentido Provável de Decisão da Decisão de Medidas Restritivas foi aprovado em 22.03.2017, a MEO respondeu ao mesmo em 07.04.2017 e em julho de 2017 a ANACOM deliberou a Decisão Medidas Restritivas em 13.07.2017.
hhh.-As alterações contratuais supra referidas foram realizadas em termos diferentes nos diversos serviços.
iii.-As alterações dos preços supra referidas foram acompanhadas pelo incremento da variedade e qualidade dos serviços prestados, incluindo nomeadamente o lançamento da MEOBox 4k, o lançamento de canais TV 4k, a disponibilização de novos canais e séries exclusivas, a disponibilização de novas aplicações interativas, o reforço da grelha digital, o aumento dos plafonds de IT, etc.
jjj.-A Arguida pretendeu através das referidas alterações de preços compensar a introdução de alterações relativas ao tipo, à quantidade ou à qualidade  do serviço  oferecido, cujas     condições foram simultaneamente alteradas.
kkk.-As alterações contratuais realizadas abrangeram quer os contratos em relação aos quais, naquela data, se encontrava pendente um período de fidelização, quer os contratos livres de qualquer período de fidelização, seja por o mesmo nunca ter sido incluído no contrato, ou por já ter decorrido o respetivo prazo.
lll.-Quanto a este último grupo de assinantes, os mesmos podiam, a qualquer momento, e independentemente desta causa, fazer cessar o contrato por sua mera vontade.
mmm.-Os clientes de serviços pré-pagos não recebem comunicações regulares da MEO.
nnn.-Há “clientes móveis pré-pagos” que para deixarem de ter os serviços da MEO basta deixarem de fazer carregamentos.
ooo.-Os contratos vigentes à data da alteração de preços respeitantes aos serviços, no segmento Consumo, Móveis Pós-Pago, Fixo e Convergente (pacotes) e, no segmento empresarial, Fixo e Móvel, continham disposições em matéria de alteração das condições contratuais, prevendo expressamente o direito dos clientes de rescisão, sem custos, dos contratos no caso de não aceitação de alterações contratuais unilateralmente promovidas pela MEO.
ppp.-Os scripts aprovados para a prestação de informações aos assinantes que pretendessem ser esclarecidos quanto a essas propostas de alterações contratuais mediante contacto telefónico para os números comunicados nas faturas continham informação sobre as regras a aplicar em caso de desistência, aí constando que não há penalização.
qqq.-Houve assinantes que na sequência das comunicações referidas nas alíneas n) a jj) exerceram o direito de livre resolução.
rrr.-A Arguida não disponibilizou de imediato o conteúdo das alterações nos casos supra referidos por ser um procedimento que lhe permitia com mais facilidade garantir o fecho das operações e o cumprimento do prazo de 30 dias de antecedência.
sss.-Através dos sites meo.pt, moche.pt e ptempresas.pt, os assinantes eram direcionados, ao clicarem nos links referidos, para a página específica sobre as alterações contratuais.
ttt.-Nos vários processos de alteração de condições contratuais em que a Arguida tinha participado anteriormente, as comunicações sempre foram feitas da forma como ocorreram no presente caso, incluindo sem inclusão do direito de livre resolução.
uuu.-Antes dos factos supra descritos, não houve reações por parte da ANACOM em relação às comunicações de alterações contratuais anteriormente efetuadas pela MEO.
vvv.- A Arguida não revela sentido crítico da sua conduta.
*
Factos não provados:
Não se provou que:
a.-Todos os operadores, sem exceção, sempre tinham adotado o mesmo comportamento – no que respeita ao conteúdo e à forma da comunicação das alterações contratuais e, em particular, quanto à informação do direito a rescindir o contrato – no que respeita às alterações das condições contratuais aos seus assinantes nos últimos anos.
b.-A ausência de reação da ANACOM gerou a impressão, do lado dos operadores, de que o seu comportamento estaria conforme àquela que era a interpretação da norma pelo Regulador.
c.-Tendo em consideração que as alterações incidiram sobre diferentes serviços, não era possível que a MEO especificasse na SMS ou na fatura cada alteração.
d.-As comunicações remetiam para o site relevante da MEO (meo.pt, moche.pt e ptempresas.pt), por ser a forma mais fácil para os utilizadores identificarem o local onde conseguiriam encontrar informação adicional.
e.-A alternativa seria incluir numa SMS ou numa fatura em papel a indicação de um URL de uma página – como aqueles que estão descritos nos factos provados –, que o utilizador teria de copiar, digitando, para o seu browser para aceder à página em questão.
f.-Essa operação é mais difícil para um utilizador médio, e originaria mais erros, do que aceder ao site da MEO a que habitualmente o assinante já acede enquanto cliente e, aí, clicar na opção referente às alterações de tarifário, sendo direcionado para a página relevante.
g.-Clientes da MEO apresentaram reclamações junto da DECO, junto de Centros de Resolução Alternativa de Litígios de Consumo e junto da própria MEO sobre as comunicações referidas nos factos provados.
h.-Aquando da resposta ao primeiro pedido de informação dirigido pela ANACOM à Arguida estavam pendentes outros processos de contraordenação perante o Regulador à data do pedido.
i.-Quando a ANACOM enviou o Ofício referido na alínea f) dos factos  provados e quando a MEO enviou a resposta referida na alínea g) dos factos provados a ANACOM tinha conhecimento do número exato de assinantes que a MEO tinha quando efetuou as comunicações indicadas nas alíneas n) a jj) dos factos provados.
III.–Fundamentação Jurídica.
Como já acima referido, âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e este Tribunal apenas conhece de matéria de direito.
Assim, atentas as conclusões da recorrente há ainda que decidir se a Decisão Condenatória padece de erro na interpretação e aplicação do direito”.
Para tal a recorrente invocou:
a.-erro quanto à omissão de prestação de informações à ANACOM em violação do artigo 108.º, n.º 1 e n.º 5 da LCE.
b.- erro quanto ao o tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE respeitantes à adoção de comportamentos habituais ou padronizados;
c- o tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE é uma norma sancionatória em branco;
d.-a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação do tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE;
e.-os factos não se subsumem ao tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE;
f.-a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação do conceito de comportamento padronizado;
g.-a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação e aplicação do artigo 48.º n.º 16 da LCE quanto aos três tipos de ilícitos imputados à MEO;
h.-a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação quanto ao tipo subjetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 1 alínea pp) da LCE;
i.-a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação quanto ao tipo subjetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE.
Genericamente, a recorrente não se conforma com a condenação apontando erro de julgamento à decisão. Para tal invoca uma série de razões que, no essencial, consistem nos argumentos acima descritos.
Como já tivemos oportunidade de referir, é pacífico que ao tribunal cabe apreciar as questões suscitadas pelos recorrentes e não apreciar os argumentos que, a esse respeito, são invocados.
Aponta a recorrente erro na interpretação e aplicação do direito pelo tribunal a quo quanto à omissão de prestação de informações à ANACOM em violação do artigo 108.º, n.º 1 e n.º 5 da LCE.
Segunda a recorrente, o erro consistiu na interpretação tal norma no sentido de que os pedidos de informação abrangidos pelo seu n.º 1 não estão limitados aos fins previstos no artigo 109.º da LCE”. Segundo a recorrente deverá interpretar-se no sentido da necessidade de que “o pedido da ANACOM preencha todos os requisitos desse artigo (108.º n.º 4), incluindo que o mesmo seja fundamentado e indique o seu fim, por referência ao artigo 109.º da LCE, ficando ainda sujeitos aos princípios da adequabilidade e proporcionalidade para o cumprimento desse mesmo fim”, como resulta das conclusões 78 a 96.  
Está em causa a condenação da recorrente  numa coima no valor de 8.000 (oito mil euros) pela prática negligente de 1 (uma) contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE – no caso de falta de envio da informação solicitada à ANACOM”.
Na sentença justificou-se a condenação pela forma seguinte:
“Defende a Arguida (quer no recurso de impugnação, quer no requerimento com a ref.ª 75117) que não praticou esta contraordenação porque os factos não se subsumem aos tipos contraordenacionais pelos quais foi condenada. E conclui nesses termos por três ordens de razões: (…); em segundo lugar, porque o dever de colaboração com a ANACOM apenas se impõe quanto a pedidos de informações que cumpram todos os requisitos legalmente previstos no artigo 108.º n.º 1 da LCE, o que não sucede com o ofício de 31.01.2017 da ANACOM; em terceiro lugar, porque a correta interpretação do artigo 108.º n.ºs 1 e 5 da LCE impede que se considere que a informação prestada viola o dever de colaboração e prestação de informações ao Regulador.
(…)
236.-Analisemos a segunda razão. Assim, para a MEO o ofício de 31.01.2017 da ANACOM não cumpre os requisitos previstos no artigo 108.º n.º 4 da LCE, desde logo porque não identifica, por referência ao artigo 109.º do diploma, o fim a que se destina”.
Defende a Arguida que “não respeitando o pedido da ANACOM o disposto no artigo 108.º da LCE por não indicar os fins a que se destina, o alegado incumprimento do mesmo pela MEO não poderia violar o disposto no n.º 5 do mencionado preceito e, consequentemente, não poderia constituir contraordenação, nos termos da alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE” e sendo “o comportamento da MEO atípico, por total impossibilidade de enquadramento do pedido em causa no artigo 108.º da LCE, deve a mesma ser de imediato absolvida, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade, ínsitos nos artigos 1.º e 2.º do RGCO e 29.º n.º 1 da CRP, o que se requer”.
237.-Vejamos o teor das normas em causa.
238.-Assim, o artigo 108.º, n.ºs 1 e 4, da LCE revogada (vigente à data dos factos) tinha a epígrafe “Prestação de informações” e estipulava o seguinte: “1 - As entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos da presente lei devem prestar à ARN todas as informações relacionadas com a sua actividade, incluindo informações  financeiras e informações  sobre os futuros desenvolvimentos das redes ou dos serviços que possam ter impacte nos serviços grossistas que disponibilizam aos concorrentes, para que a ARN possa exercer todas as competências previstas na lei. (…) 4 - Os pedidos de informações da ARN devem obedecer a princípios de adequabilidade ao fim a que se destinam e de proporcionalidade e devem ser devidamente fundamentados”.
239.-Por sua vez, o artigo 109.º, n.º 1, da LCE, tinha a epígrafe “Fins do pedido de informação” e preceituava o seguinte:1–A ARN pode solicitar informações especialmente para os seguintes fins: a)- Procedimentos e avaliação dos pedidos de atribuição de direitos de utilização; b)- Análises de mercado; c)- Verificação caso a caso do respeito das condições estabelecidas nos artigos 27.º, 32.º e 37.º, quer quando tenha sido recebida uma queixa quer por sua própria iniciativa; d)- Verificação, sistemática ou caso a caso, do cumprimento das condições previstas nos artigos 28.º, 97.º e 105.º; e)- Publicação de relatórios comparativos da qualidade e dos preços dos serviços para benefício dos consumidores; f)- Fins estatísticos claramente definidos; g)- Salvaguardar uma utilização efectiva e assegurar uma gestão eficiente das frequências; h)- Avaliar a evolução futura a nível das redes ou serviços que possam ter impacte nos serviços grossistas disponibilizados aos concorrentes; i)- Avaliar a segurança e integridade das redes e serviços no âmbito das políticas de segurança adoptadas”.
240.-Este fundamento de defesa tem subjacente um pressuposto essencial, designadamente que o pedido de informações previsto no artigo 108.º, n.º 1, da LCE, apenas pode ser efetuado pela ANACOM para um dos fins indicados no artigo 109.º, n.º 1, da LCE. Se este pressuposto se confirmar então a MEO tem razão, pois o pedido efetuado pela ANACOM através do ofício com a referência ANACOM-S003360/2017 (cf. alínea f) dos factos provados) não se enquadra em nenhum destes fins.
241.-Há um elemento no texto legal que induz a interpretação da lei sufragada pela Arguida, designadamente a epígrafe do artigo 109.º da LCE revogada. A expressão “Fins do pedido de informação” parece sugerir que a norma se destina a especificar os fins que o pedido de informação previsto no artigo 108.º da LCE pode prosseguir. Contudo, sem prejuízo de melhor entendimento, entende-se que, de acordo com os critérios da interpretação jurídica, não é o seu sentido correto. Na nossa perspetiva, o artigo 109.º, n.º 1, da LCE, apenas prevê alguns fins especiais.
242.-Mas antes de explicitarmos as razões desta asserção importa notar que não há qualquer violação do princípio da legalidade quando seja necessário recorrer aos critérios de interpretação jurídica para “descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo”[26]. O que se revela essencial é, por um lado, que esse sentido seja alcançado sem sair fora dos critérios de interpretação compatíveis com o aludido princípio. Isto significa que a leitura que se faz da lei tem de estar contida dentro das significações possíveis do texto legal. Efetivamente, conforme esclarece o Professor FIGUEIREDO DIAS: “o legislador penal é obrigado a exprimir-se através de palavras: as quais todavia nem sempre possuem um único sentido, mas pelo contrário se apresentam quase sempre polissémicas. Por isso o texto legal se torna carente de interpretação (e neste sentido, atenta a primazia da teleologia legal, de concretização, complementação ou desenvolvimento judicial), oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação”[27]50.
243.-Por outro lado, é necessário que esse sentido seja suscetível de ser alcançado pelos destinatários da norma, para se poderem autodeterminar. Estes pressupostos estão cumpridos no caso pelas razões que passamos a explicitar.
244.-Assim, em primeiro lugar, o artigo 108.º, n.º 1, da LCE, estipula de forma expressa que as informações servem “para que a ARN possa exercer todas as competências previstas na lei” (realce e sublinhado aditados). Este segmento da norma traduz os fins do pedido de informações, pois a explicitação da finalidade de um pedido pode ser afirmada por via da expressão “para que”. É aliás esse e só esse o significado desta formulação. Ora, a resposta que a lei dá ao “para que” do pedido de informações que consta nesta norma é “todas as competências previstas na lei”. E todas só tem um sentido possível: significa qualquer fim compreendido no âmbito de competências consagradas na LCE, incluindo, por isso, o exercício dos poderes de fiscalização e sancionatórios da ANACOM.
245.-Em segundo lugar, a letra do corpo do artigo 109.º, n.º 1, da LCE, não só não é incompatível com o sentido (único sentido possível) atribuído ao artigo 108.º, n.º 1, da LCE, como o corrobora. Efetivamente, a lei não utiliza no artigo 109.º, n.º 1, da LCE, nenhum vocábulo ou fórmula que signifique apenas ou exclusivamente os fins aí indicados. O que seria, desde logo, estranho, porque estaria a entrar em contradição com o artigo 108.º, n.º 1, da LCE. Aquilo que a norma refere é “especialmente”. Especialmente não significa especificamente nem qualquer outro sentido excludente ou restritivo. O que especialmente quer significar é algo mais importante. Ou seja, especialmente não exclui, nem restringe, apenas realça e valoriza.
246.-Por conseguinte, o sentido do artigo 109.º, n.º 1, da LCE é – apesar da epígrafe equívoca – apenas salientar e realçar determinados fins especiais, sem comprometer o âmbito geral previsto no artigo 108.º, n.º 1, da LCE.
247.-Esta interpretação não é afastada pelo disposto no artigo 112.º, n.º 2, da LCE, que prevê um dever de colaboração no âmbito do exercício pela ANACOM dos seus poderes de fiscalização. Dever esse que não inclui a prestação de informações fora do contexto de inspeções e auditorias, que são os procedimentos a que dizem respeito os artigos 12.º e 44.º dos Estatutos e para os quais remete a alínea a), do n.º 2, do artigo 112.º da LCE. Chama-se à colação esta norma na medida em que incidindo a mesma especificamente sobre a fiscalização e prevendo obrigações de colaboração, que não incluem a prestação de informações, poder-se-ia ver nela um argumento sistemático contra a interpretação alcançada, por se entender que aquilo que este preceito não prevê é porque não é legalmente possível. Considera-se que esta interpretação não está correta e que o preceito não compromete o artigo 108.º, n.º 1, da LCE, pois havendo uma norma de âmbito geral sobre a prestação de informações não era necessário que o legislador repetisse, no âmbito específico da fiscalização, aquilo que já decorria daquela. Para além disso, a violação do disposto no n.º 2 do artigo 112.º da LCE é mais severamente punida do que a violação do artigo 108.º, n.º 1, da LCE. Por conseguinte, há razões para que as duas normas coexistam com campos de aplicação que não se sobreponham.
248.-Por fim, a interpretação sufragada é corroborada pela atual LCE. Este diploma contém normas equivalentes aos artigos 108.º, n.º 1 e 4, e 109.º, n.º 1. Assim, o artigo 108.º, n.ºs 1 e 4, da LCE revogada, corresponde ao artigo 170.º, n.ºs 1 e 7, da LCE em vigor, que tem a epígrafe “Prestação de informações pelas empresas” cujo teor é o seguinte:1.- As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas, recursos conexos ou serviços conexos, bem como outras entidades sujeitas a obrigações nos termos da presente lei, prestam todas as informações necessárias, nomeadamente informações financeiras, para que a ARN, as outras autoridades competentes e o ORECE possam exercer todas as competências previstas no direito nacional e no direito da União Europeia. (…) 7.- Os pedidos de informação devem obedecer a princípios de adequabilidade ao fim a que se destinam e de proporcionalidade e devem ser devidamente fundamentados”.
249.-Por sua vez, o artigo 109.º, n.º 1, da LCE revogada, corresponde ao atual artigo 171.º, n.º 1, da LCE em vigor, com a epígrafe “Prestação de informações específicas” e que tem o seguinte teor:1– Sem prejuízo do disposto no artigo 170.º e das obrigações de informação e de comunicação previstas na legislação nacional, a ARN e as outras autoridades competentes podem solicitar às empresas informações, proporcionais e objetivamente justificadas, relativas à autorização geral, aos direitos de utilização ou às obrigações específicas previstas nos artigos 81.º, 84.º e 106.º a 109.º, em particular, para efeitos de: a)- Verificação, sistemática ou caso a caso, do cumprimento: i)- Da obrigação de pagamento das taxas administrativas que tenham sido determinadas nos termos do disposto no artigo 167.º; ii)- Da obrigação de utilização eficiente do espectro de radiofrequências; iii)- Da obrigação de pagamento das taxas relativas a direitos de utilização que tenham sido determinadas nos termos do disposto no artigo 168.º; iv)-Da obrigação de utilização eficiente dos recursos de numeração; v)- De qualquer das obrigações específicas previstas nos artigos 81.º, 84.º e 106.º a 109.º; b)- Verificação, caso a caso, do cumprimento das condições associadas à autorização geral para a oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, com exceção dos serviços de comunicações interpessoais independentes do número, aos direitos de utilização do espectro de radiofrequências ou aos direitos de utilização de recursos de numeração, caso tenha sido recebida uma queixa, a ARN tenha outras razões para considerar que uma condição não foi respeitada ou em caso de investigação por sua iniciativa; c)- Elaboração de procedimentos e avaliação dos pedidos de atribuição de direitos de utilização; d)- Publicação de súmulas comparativas da qualidade e dos preços dos serviços para benefício dos consumidores; e)- Fins estatísticos claramente definidos, relatórios ou estudos; f)- Realização de análises de mercado para efeitos do disposto na presente lei, incluindo dados sobre os mercados retalhistas, ou associados a jusante aos mercados sujeitos a análise de mercado, ou com eles relacionados; g)- Salvaguarda de uma utilização eficiente e garantia de uma gestão eficaz do espectro de radiofrequências e dos recursos de numeração; h)- Avaliação da evolução futura a nível das redes ou dos serviços que possam ter impacto nos serviços grossistas disponibilizados aos concorrentes, na cobertura territorial, na conectividade disponibilizada aos utilizadores finais ou na designação das áreas nos termos do artigo 173.º; i)- Realização de levantamentos geográficos; j)- Resposta a pedidos de informação fundamentados por parte do ORECE”.
250.-A LCE atual corrobora a interpretação que se atribui à LCE revogada, na medida em que o legislador não manteve a epígrafe equívoca do artigo 109.º, n.º 1, da LCE. Antes, optou por uma fórmula evidenciadora de que esta norma não compromete a norma geral. E para além disso, esclareceu isso mesmo no corpo do transcrito artigo 171.º, n.º 1, da LCE atual, ao estipular “Sem prejuízo do disposto no artigo 170.º”.
251.-E não se diga que caso o legislador pretendesse que fosse esse o sentido do artigo 109.º, n.º 1, da LCE revogada, teria feito o mesmo. Este argumento não é procedente, pois, como é evidente, a redação da lei pode ser melhorada tendo em vista evitar litigiosidade desnecessária em torno do seu sentido correto, sendo para nós evidente que foi esse o propósito do legislador na LCE em vigor.
252.-Assim, por todas as razões expostas considera-se que o pedido efetuado pela ANACOM tinha cabimento legal no artigo 108.º, n.º 1, da LCE e não necessitava de fazer referência a um dos fins previstos no artigo 109.º, n.º 1 da LCE para cumprir o disposto no n.º 4 do artigo 108.º da LCE.
253.-No que respeita ainda ao cumprimento do dever de fundamentação previsto nesta última norma entende-se que o mesmo foi cumprido, por via da referência à verificação do cumprimento ao disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na redação introduzida pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, decorrendo ainda da indicação do artigo 54.º do RGCO (cf. alínea f) dos factos provados) a possibilidade de vir a ser instaurado um processo de contraordenação.
254.-Passemos, agora, para a análise da terceira razão invocada pela Arguida para considerar que os factos não se subsumem à contraordenação imputada e que se resume ao seguinte: “concatenando o teor do ofício da ANACOM e da resposta da MEO, não poderá concluir-se que a mesma violou o dever previsto no artigo 113.º n.ºs 1 e 5 da LCE. Com efeito: (i) a MEO respondeu à ANACOM dentro do prazo e endereçou todos os pontos do pedido de informações do Regulador; (ii) a ANACOM não solicitou, expressamente, o envio de exemplos de SMS, sendo que o teor do pedido de informações não era taxativo na necessidade de envio de um exemplo de SMS; (iii) a MEO não indicou especificamente à ANACOM o número de assinantes, mas esclareceu que todos os assinantes que compunham o seu parque ficaram abrangidos pelas alterações, sendo que a ANACOM tinha conhecimento do número de assinantes da MEO”. Já no plano dos factos e na mesma linha, a Arguida havia alegado que a “circunstância de não se terem remetido SMS em anexo à comunicação da MEO em nada belisca o cumprimento do pedido da ANACOM, orientado ao seu conteúdo, teor literal e propósito” e “que a omissão de envio de SMS é uma desconformidade não com o pedido da ANACOM, mas, no limite, com o texto da comunicação da MEO, o que, no entanto, não releva para efeitos do cometimento de um ilícito contraordenacional”. Mais acrescenta no requerimento com a ref.ª 75117 o seguinte: “É verdade que a MEO não enviou na sua primeira resposta ao ofício cópia das SMS. Mas a MEO enviou à ANACOM cópias dos modelos usados nas comunicações aos clientes para proceder à referida comunicação contidas no texto das faturas anexas à sua resposta. 19. Mesmo que o facto comunicado pelo Tribunal viesse a demonstrar-se – que a MEO não enviou cópia das SMS por falta de atenção na elaboração da resposta – no que não se concede, tal omissão de envio seria irrelevante para o preenchimento do tipo objetivo do ilícito em causa, pelo que não poderia imputar-se, com base na falta de envio das SMS, uma qualquer conduta negligente à MEO”.
255.-Vejamos. O ofício com a referência ANACOM-S003360/2017 pedia, na alínea c), “As cópias dos modelos usados, em cada caso, para proceder à referida comunicação (por exemplo, cópia da fatura, cópia da informação enviada através de SMS, etc.);” (cf. alínea f) dos factos provados). Esta frase utiliza a fórmula “por exemplo”, mas não com o sentido que a Arguida lhe atribui.
Efetivamente, a primeira oração da frase alude ao envio de “cópias dos modelos usados, em cada caso”. Esta fórmula tem um único sentido possível, designadamente que em relação a cada caso deverá ser enviado o modelo usado. Contudo, esta expressão (cada caso) pelo seu sentido mais genérico suscita evidentemente a questão de saber a que é que a ANACOM se está a referir quando alude a “caso”, ou seja, o que é um caso no contexto do pedido transcrito. É isto que a ANACOM esclarece na oração que está em parêntesis através da indicação de exemplos ilustrativos. Isto é, os exemplos aí indicados não são para esclarecer que a Arguida não tem de enviar todos os modelos, mas para a ajudar a perceber, através de alguns exemplos ilustrativos, o significado do termo “caso”. Esses exemplos demonstram que “caso” significa a forma utilizada para a comunicação, nomeadamente fatura e SMS. Por conseguinte, o pedido implicava a apresentação das cópias dos modelos usados em cada forma de comunicação. Ou seja, em relação a cada forma de comunicação diferente a MEO tinha de enviar cópia do modelo usado. Caso a comunicação fosse igual em todas as formas de comunicação a MEO podia, em vez de repetir o modelo usado, esclarecer isso, mas esse esclarecimento tinha evidentemente de ser feito, pois sem o mesmo a ANACOM não conseguiria compreender que a omissão de um modelo se devia a essa razão. Era este o sentido inequívoco do pedido. E da finalidade indicada – verificar o cumprimento do disposto no artigo 48.º, n.º 16, da LCE – não resultava o contrário, pois é relevante para a norma a forma utilizada, que tem de ser uma forma adequada.
256.-Por conseguinte, a Arguida efetivamente não cumpriu o que lhe foi solicitado, pois ficou provado que uma das formas de comunicação utilizadas foi a SMS, conforme referiu no texto da sua resposta (cf. alínea g) dos factos provados). Contudo, não anexou um exemplo da SMS enviada, nem decorre da sua resposta que fosse igual ao texto das faturas (cf. alíneas g) e h) dos factos provados).
257.-O ofício com a referência ANACOM-S003360/2017 pedia ainda, na alínea e), “O número de assinantes abrangido por cada um dos tipos de comunicações referidos nas alíneas anteriores” (cf. alínea f) dos factos provados). O pedido alude a número de assinantes. Isto significa que se pretendia uma resposta quantitativa exata por referência à data da comunicação e não uma resposta qualitativa, no sentido de saber se as comunicações abrangiam a totalidade ou apenas parte do parque. A resposta da Arguida foi qualitativa, pois não indicou o número de assinantes abrangidos, tendo informado que as alterações tinham sido remetidas para todo o parque de clientes existente (cf. alínea i) dos factos provados). Esta informação qualitativa teria conduzido a uma resposta quantitativa exata se a ANACOM tivesse conhecimento do número de assinantes da MEO à data da comunicação, conforme a Arguida alega. Contudo, isto não ficou demonstrado (cf. alínea l) dos factos provados e alínea i) dos factos não provados). Por conseguinte, a Arguida também não tem razão nesta parte, sendo de concluir que não respondeu ao solicitado. marta
258.-Por fim, o argumento da Arguida no sentido de que “o dever de prestação de informações instrumental ao exercício das competências da ANACOM (…) só poderá ter-se por violado na medida em que da atuação da Arguida resultasse um qualquer prejuízo para o exercício das competências do Regulador” não é procedente. Com efeito, nem a norma de dever, que está prevista no artigo 108.º, n.º 1, da LCE revogada, nem a norma de sanção, consagrada 113.º, n.º 2, alínea pp), da LCE, exigem a verificação desse resultado. Estamos, por conseguinte, perante uma infração de mera atividade, sendo a inexistência da consequência referida relevante apenas na parte relativa à escolha e determinação da medida da sanção 259. Esclarecidas as questões suscitadas pela Arguida decorre igualmente da análise das mesmas e dos factos provados a verificação dos elementos objetivos da contraordenação imputada, pois a ANACOM dirigiu um pedido de informação à MEO relacionado com a atividade da Arguida para efeitos de exercício das suas competências de fiscalização e sancionatórias no âmbito de cumprimento das obrigações a que a MEO estava sujeita pela LCE revogada, em particular a verificação do disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE – cf. alínea f) dos factos provados. Ficou provado que a Arguida não prestou toda a informação solicitada, dentro do prazo fixado, pois não anexou um exemplo da SMS enviada e não indicou o número de assinantes abrangido por cada um dos tipos de comunicações – cf. alíneas h) e i) dos factos provados. Em consequência, a Arguida violou o disposto no artigo 108.º, n.º 1, da LCE revogada.
259.-Esclarecidas as questões suscitadas pela Arguida decorre igualmente da análise das mesmas e dos factos provados a verificação dos elementos objetivos da contraordenação imputada, pois a ANACOM dirigiu um pedido de informação à MEO relacionado com a atividade da Arguida para efeitos de exercício das suas competências de fiscalização e sancionatórias no âmbito de cumprimento das obrigações a que a MEO estava sujeita pela LCE revogada, em particular a verificação do disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE – cf. alínea f) dos factos provados. Ficou provado que a Arguida não prestou toda a informação solicitada, dentro do prazo fixado, pois não anexou um exemplo da SMS enviada e não indicou o número de assinantes abrangido por cada um dos tipos de comunicações – cf. alíneas h) e i) dos factos provados. Em consequência, a Arguida violou o disposto no artigo 108.º, n.º 1, da LCE revogada”.
Perante esta extensa e minuciosa e esclarecedora fundamentação a recorrente mais não faz que repetir os argumentos que já havia invocado.
O art. 108.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LCE revogada (vigente à data dos factos) tinha a epígrafe “Prestação de informações” e estipulava o seguinte:
1–As entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos da presente lei devem prestar à ARN todas as informações relacionadas com a sua actividade, incluindo informações financeiras e informações sobre os futuros desenvolvimentos das redes ou dos serviços que possam ter impacte nos serviços grossistas que disponibilizam aos concorrentes, para que a ARN possa exercer todas as competências previstas na lei.
(…)
4–Os pedidos de informações da ARN devem obedecer a princípios de adequabilidade ao fim a que se destinam e de proporcionalidade e devem ser devidamente fundamentados
5–As informações solicitadas devem ser prestadas dentro dos prazos, na forma e com o grau de pormenor exigidos pela ARN, podendo ser estabelecidas as situações e a periodicidade do seu envio.”
O art. 109.º, n.º 1, da mesma LCE, tinha a epígrafe “Fins do pedido de informação” e preceituava o seguinte:
1–A ARN pode solicitar informações especialmente para os seguintes fins:
a)-Procedimentos e avaliação dos pedidos de atribuição de direitos de utilização;
b)-Análises de mercado;
c)-Verificação caso a caso do respeito das condições estabelecidas nos artigos 27.º, 32.º e 37.º, quer quando tenha sido recebida uma queixa quer por sua própria iniciativa;
d)-Verificação, sistemática ou caso a caso, do cumprimento das condições previstas nos artigos 28.º, 97.º e 105.º;
e)-Publicação de relatórios comparativos da qualidade e dos preços dos serviços para benefício dos consumidores;
f)-Fins estatísticos claramente definidos;
g)-Salvaguardar uma utilização efectiva e assegurar uma gestão eficiente das frequências;
h)-Avaliar a evolução futura a nível das redes ou serviços que possam ter impacte nos serviços grossistas disponibilizados aos concorrentes;
i)-Avaliar a segurança e integridade das redes e serviços no âmbito das políticas de segurança adoptadas”.
O pedido formulado pela ANACOM em causa é o seguinte (al. f) dos factos provados):
“(…) a ANACOM, em 31.01.2017, remeteu à Arguida o ofício com a referência ANACOM-S003360/2017, cuja cópia consta a fls. 92 e 93, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, no qual constava, entre o mais, o seguinte: “Assunto: Notificação. Cumprimento ao disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE (…) com vista a saber de que forma está a ser dado cumprimento ao disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na redação introduzida pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, notifica-se essa empresa, ao abrigo do disposto no artigo 108.º da LCE e no artigo 54.º do Regime Geral das Contraordenações, para, no prazo de 10 dias úteis, enviar a esta Autoridade as seguintes informações e documentos: a) As datas em que procedeu a alterações às condições contratuais que devem constar dos contratos nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da LCE, incluindo alterações de preços retalhistas em contratos vigentes com assinantes (consumidores ou não consumidores), desde 18 de julho de 2016; b) Os meios utilizados para proceder à comunicação das referidas alterações àqueles dois tipos de assinantes; c) As cópias dos modelos usados, em cada caso, para proceder à referida comunicação (por exemplo, cópia da fatura, cópia da informação enviada através de SMS, etc.); d) No caso de, no meio de comunicação utilizado, existir uma remissão para outros suportes através dos quais os assinantes pudessem obter informação adicional ou complementar sobre as alterações contratuais em causa: - a indicação dos períodos temporais em que a informação adicional ou complementar permaneceu disponível em cada um desses suportes; - se a informação tivesse sido disponibilizada     no site: (i) a hiperligação que dava acesso especificamente a essa informação e, caso tal hiperligação já não se encontrasse ativa, a localização dessa informação (na página de entrada ou, se noutra, o caminho necessário para lhe aceder); (ii) a cópia da informação disponibilizada, por exemplo, através das impressões das páginas onde esta constava ou, na impossibilidade de as obter, de documentos que pudessem demonstrar qual a informação que era disponibilizada nessas páginas; (iii) nos casos em que na comunicação das alterações tivesse sido disponibilizado um contacto telefónico para obter informação complementar: (iv) a apresentação, para os diferentes números de telefone indicados nas comunicações escritas dirigidas aos assinantes, dos guiões a seguir pelos operadores telefónicos; e (v) os números de telefone utilizados para esse fim; - se a informação tivesse sido disponibilizada através de outro meio; (i) a indicação do meio utilizado; e (ii) a cópia da informação nele disponibilizada ou, na impossibilidade de a obter, documentos que pudessem demonstrar qual a informação que era disponibilizada nesses suportes; e) O número de assinantes abrangido por cada um dos tipos de comunicações referidos nas alíneas anteriores”.
Em síntese, a questão consiste em saber se os pedidos previstos no art. 108.º têm de respeitar a uma (ou mais) das categorias especificamente previstas no art. 109.º.
Entendemos que não, ao contrário do defendido pela recorrente.
A interpretação operada pela sentença afigura-se-nos totalmente correta, sem violação da lei, ou da constituição. Essencialmente, e em resumo, pelos seguintes fundamentos:
  • o artigo 109.º, n.º 1, da LCE, limita-se a prever alguns fins especiais dos pedidos, sem caráter de exaustão;
  • os pedidos, permitidos pelo art. 108.º, inserem-se no âmbito das competências do supervisor pelo que podem abranger qualquer das matérias daquelas compreendidas no âmbito de competências consagradas na LCE, incluindo, por isso, o exercício dos poderes de fiscalização e sancionatórios da ANACOM;
  • A LCE atualmente em vigor, que contém normas equivalentes aos artigos 108.º, n.º 1, 4 e 5, e 109.º, n.º 1 (o artigo 108.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LCE revogada, corresponde ao artigo 170.º, n.ºs 1, 7 e 8, da LCE em vigor[28], que tem a epígrafe “Prestação de informações pelas empresas”; e  o artigo 109.º, n.º 1, da LCE revogada, corresponde ao atual artigo 171.º, n.º 1, da LCE em vigor[29], com a epígrafe “Prestação de informações específicas”), “optou por uma fórmula evidenciadora de que esta norma não compromete a norma geral e para além disso, esclareceu isso mesmo no corpo do transcrito artigo 171.º, n.º 1, da LCE atual, ao estipular “Sem prejuízo do disposto no artigo 170.º”, como bem aponta a sentença em recurso.
Aponta, ainda, a sentença, e com pertinência, que o 112.º[30] prevê campos de aplicação que não se sobrepõem, nem se excluem, sendo, por isso, relevante que a violação do disposto no n.º 2 do artigo 112.º da LCE é mais severamente punida do que a violação do artigo 108.º, n.º 1, da LCE.
Improcede, pois, esta alegação da recorrente.
Os argumentos (ocorrência de erro quanto ao o tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE respeitantes à adoção de comportamentos habituais ou padronizados; que o tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE é uma norma sancionatória em branco; que a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação do tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE e os factos não se subsumem ao tipo contraordenacional previsto no artigo 113.º, n.º 6 da LCE, que a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação do conceito de comportamento padronizado e que a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação e aplicação do artigo 48.º n.º 16 da LCE quanto aos três tipos de ilícitos imputados à MEO?) justificam análise conjunta.          
Acresce que segundo a recorrente, é “inconstitucional, a norma contida no artigo 113.º n.º 6 da LCE na interpretação de que constitui contraordenação a adoção pelas empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de comportamentos habituais ou padronizados, contraordenação que é muito grave sempre que daqueles atos resulte infração grave, conjugado com os artigos 48.º n.º 16 e 113.º n.º 2 alínea x) da LCE, por violação do princípio da tipicidade e da legalidade, previstos no artigo 29.º n.º 1 da CRP, e do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º n.º 2 da CRP”.
Ainda, segundo a recorrente “constitui uma norma sancionatória em branco, na medida em que através dela não é possível extrair-se claramente o conteúdo do ilícito contraordenacional porquanto este resulta da utilização de conceitos indeterminados como comportamentos habituais ou padronizados”, carente de conformação, seja pelo Regulador, seja pelo Tribunal (e recorde-se que tal conformação foi feita de forma díspar por cada um deles) de remissões sucessivas não especificadas e como tal não previamente identificáveis nem posteriormente verificáveis em face da letra da lei, remissões essas que são absolutamente excecionais no quadro sancionatório contraordenacional e penal, por aplicação do princípio da legalidade”. Conclui que “a norma que se extrai do artigo 113.º n.º 6 da LCE, tal como interpretação e aplicada pela ANACOM, não supera o teste da determinabilidade exigida pelo princípio da tipicidade”. Aponta, para reforçar tal argumento, que “Só a simples circunstância de o Tribunal a quo ter vindo interpretar a norma prevista no artigo 113.º, n.º 6 da LCE, na redação à data dos factos, de uma forma completamente distinta daquela que vem sendo sufragada pela ANACOM e com base na qual a MEO foi condenada e exerceu os seus direitos de defesa e ao recurso, seria suficiente para demonstrar, sem mais, que não há segurança jurídica no tipo previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE e que a referida norma se reconduz a uma norma em branco que não cumpre os requisitos mínimos de certeza e determinabilidade exigidos pelo princípio constitucional da tipicidade” – conclusões 97 a 111.
As normas em questão pelas quais a arguida foi punida com coima (artigo 113.º n.º 6 da LCE, conjugado com a alínea x) do n.º 2, do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar (e que efetivamente violou) o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE) têm a seguinte redação:
Art. 48, n. 16:
16-Sempre que a empresa proceda por sua iniciativa a uma alteração de qualquer das condições contratuais referidas no n.º 1, deve comunicar por escrito aos assinantes a proposta de alteração, por forma adequada, com uma antecedência mínima de 30 dias, devendo simultaneamente informar os assinantes do seu direito de rescindir o contrato sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições, no prazo fixado no contrato, salvo nos casos em que as alterações sejam propostas exclusiva e objetivamente em benefício dos assinantes.
Art. 113º, n. 6
6-Constitui contraordenação a adoção pelas empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de comportamentos habituais ou padronizados, bem como a emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios, cuja aplicação seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN, contraordenação que é muito grave sempre que daqueles atos resulte ou possa resultar infração muito grave ou grave, sendo grave nos restantes casos.
Art. 113.º, n. 2, alínea x)
2-Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, constituem contra-ordenações graves:
x)- A violação de qualquer das obrigações e requisitos previstos nos n.os 1 a 8, 10 a 16, 18 e 19 do artigo 48.º;”
Tal como a recorrente reconhece, o vício agora apontado não é o do erro na interpretação efetuada pelo tribunal a quo, mas sim na inconstitucionalidade de tal interpretação. Em virtude da invocada inconstitucionalidade, entende a recorrente, que a norma devia ter sido desaplicada pelo tribunal a quo.
Confrontado, também já, com este argumento, na sentença, após extensa e pertinente exposição jurisprudencial e doutrinal, considerou-se que
286.-A norma prevê dois tipos de conduta distintas. Uma consiste na adoção de comportamentos habituais ou padronizados e a outra na emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios. Cada um destes tipos constitui um conjunto de condutas. A existência de uma fronteira entre um conjunto de condutas e o outro decorre do facto do legislador separá-los com uma vírgula e com a locação “bem como”. Por conseguinte, o texto legislativo demonstra que há elementos agregadores entre as condutas que integram o primeiro conjunto e elementos agregadores entre as condutas que integram o segundo conjunto.
Este pressuposto é importante pois só faz sentido introduzir uma separação entre um conjunto de condutas e o outro se estiverem sujeitos a requisitos diferentes, pois caso contrário assumiriam uma expressão textual equivalente.
287.-A prova de que a conclusão precedente é exata decorre das restantes orações do preceito, nas quais o legislador demonstra, em plena congruência narrativa e de duas formas, que os dois conjuntos de condutas são efetivamente distintos. Assim, a primeira evidência disso está na locução “cuja aplicação” que inicia o segmento “seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN”. Estas palavras utilizadas pelo legislador evidenciam a conclusão precedente porque um comportamento não se aplica, adota-se, porque diz respeito à própria ação, que se esgota em si mesma, e não a qualquer “coisa” distinta desta. Em contrapartida, uma orientação, recomendação ou instrução porque tem existência distinta da ação, aplica-se. Consequentemente, também aqui as palavras do legislador são consentâneas e demonstrativas de conjuntos de condutas diferentes e, para além disso, de que o segmento em discussão diz respeito unicamente ao segundo conjunto.
288.-A segunda forma que evidencia esta separação de condutas está na alternativa “resulte ou possa resultar infração muito grave ou grave”. A primeira alternativa “resulte” não é compatível com o segmento “cuja aplicação seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN”, porque a segunda alternativa, ao contrário da primeira, pressupõe a não consumação da violação. Por conseguinte, o “resulte” implica uma conduta que não esteja dependente da verificação do referido requisito, destinando-se a segunda alternativa – “possa resultar” – às condutas suscetíveis “de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN”. E mesmo que se entenda que o “possa resultar” se aplica também aos comportamentos padronizados ou habituais é em todo o caso absolutamente claro que o “resulte” abrange apenas estas condutas e, nessa medida, é um elemento demonstrativo da existência dos dois conjuntos de condutas distintos. Para além disso, no caso está em causa a aplicação do “resulte” e não do “possa resultar”, pois a subsunção dos factos ao direito preenche, conforme se analisará infra, a primeira hipótese.
289.-Do exposto decorre, de uma forma que se considera clara e plenamente congruente em todo o texto, que na norma coabitam, pelo menos, dois conjuntos de condutas distintos. No primeiro temos os comportamentos habituais ou padronizados dos quais resulte uma contraordenação grave ou leve, cujo objetivo foi inequivocamente punir de uma forma mais grave contraordenações já previstas e punidas mas praticadas de forma habitual ou padronizada. Por conseguinte, este primeiro conjunto de condutas não pune atos preparatórios. Restringimos esta primeira modalidade aos comportamentos habituais ou padronizados dos quais resulte uma contraordenação grave ou leve, excluindo as muito graves, pois a norma nada acrescenta a esses casos, já de si punidos como muito graves mesmo sem implicarem um comportamento habitual ou padronizado. De referir ainda que o segmento final “sendo grave nos restantes casos” apenas pode significar, em consonância, com a redação e teleologia da norma no sentido referido que se reporta às contraordenações leves.
290.-No segundo conjunto, o legislador também decidiu punir de uma forma mais grave a emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios, cuja aplicação seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN, sempre que desses atos possa resultar uma infração, qualquer que seja a sua gravidade.
(…)
297.-Quanto ao sentido do conceito de “padronizado” (que é aquele que releva para o caso) trata-se de um conceito indeterminado, que é suscetível de ser preenchido de acordo com os parâmetros consentidos pelo Tribunal Constitucional, pois é um conceito comum, significando algo que funciona como referência ou modelo e que é igual. A sua aplicação ao caso traduz a ideia de uma atuação igual nas mesmas circunstâncias de tal forma que funciona como modelo ou referência de atuação, ou seja, é um comportamento que pela sua concretização da mesma forma face a um quadro de circunstâncias idêntico e em simultaneidade ou continuidade temporal permite que se conclua que não foi uma atuação singular ou isolada mas o posicionamento de referência do agente face às obrigações em causa, seja de forma intencional, seja por descuido, pelo que o seu significado é apreensível e determinável sem necessidade de uma definição legal. Assim, para o legislador assume gravidade diferente o agente que violou a obrigação de forma isolada em circunstâncias particulares, do agente que em relação a determinada obrigação se posicionou de uma determinada forma, que assume perante circunstâncias iguais. E compreende-se que esta norma surja na LCE, pois estão em causa condutas de empresas que pela sua dimensão podem afetar milhares ou milhões de consumidores, sendo este espetro de longo alcance das ações praticadas que se visa punir com mais severidade.
(…)
301.-Resulta dos parâmetros gerais inicialmente explanados que a mera utilização de normas em branco, com remissões sucessivas, e de conceitos indeterminados não é proibida, nem vedada pelo princípio da legalidade. Tudo depende, conforme referido, da suscetibilidade destas técnicas comprometerem ou não a determinabilidade do sentido da norma, impedindo os seus destinatários de perceberem quais são as condutas punidas e, nessa medida, de orientarem, com segurança, os seus comportamentos.
302.-No caso, considera-se que este perigo não se verifica. Efetivamente, os destinatários das normas em análise não são todas as pessoas singulares e coletivas, em quaisquer circunstâncias, mas entidades que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público. Isto significa que são destinatários específicos das normas aplicáveis e, para além disso, são entidades com recursos suficientes para efetuarem análises jurídicas cuidadosas acerca das obrigações legais a que estão sujeitas. Ou seja, não estamos a falar de pessoas médias, mas de entidades sofisticadas, capazes de se aconselharem juridicamente, como a Arguida, estando, nessa medida, ao seu alcance a mesma análise que aqui se empreendeu. Por conseguinte, este argumento também é improcedente.
(…)
304.-(…) a quase totalidade dos problemas insuperáveis que o Professor Costa Andrade aponta à norma à luz do princípio da proporcionalidade assumem como pressuposto que as infrações imputadas são delitos de tendência, de perigo abstrato ou que estão dependentes da suscetibilidade de conduzir a uma ilegalidade ou irregularidade. Podendo o artigo 113.º, n.º 6, da LCE, incluir condutas que preenchem estes requisitos não é o que se verifica em relação à parte do preceito aplicável, que não está dependente nem da suscetibilidade do comportamento de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN, nem que do mesmo possa resultar infração muito grave ou grave, conforme acima explicitado.
305.-(…) o facto do legislador equiparar todos estes comportamentos em termos de sanções aplicáveis não significa necessariamente que está a punir de forma desproporcional aquele que é menos grave. Pode, na verdade, significar o contrário, ou seja, que está a punir de forma insuficiente o comportamento mais grave. Por conseguinte, o teste que se impõe que seja feito consiste em verificar se as sanções aplicáveis ao comportamento menos grave são, em si mesmas, violadoras do princípio da proporcionalidade.
306.-Nesta ponderação, há que levar em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de que o tribunal “só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação” - cf., entre outros, acórdão do TC n.º 574/95 e acórdão do TC n.º 313/2013[31]. No caso e no que respeita ao segmento normativo aplicável, não há razões para considerar que as molduras legais aplicáveis ao comportamento menos grave violem os limites referidos, pois a habitualidade e padronização neste setor de atividade pode implicar condutas que afetam milhares e milhões de consumidores, para as quais as molduras legais previstas não se revelam manifesta e claramente excessivas”.
Como já referimos no âmbito do processo 229/23.3YUSTR.L1[32], e com inteira aplicação nesta questão, “A estrutura do tipo-de-ilícito no direito penal é, geralmente, distinta daquela do direito das contraordenações. No direito das contraordenações, por regra, o legislador descreve determinadas condutas (previsão) numa norma lega, ou orientações dos reguladores, e a sanção (estatuição) noutras.
No direito das contraordenações abundam determinações e imposições genéricas[33] e, até por vezes, normas em branco[34]. Como de modo constante e uniforme o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar, as exigências de tipicidade são, no direito das contraordenações, inferiores às do direito criminal, devendo a análise da norma ter em consideração a necessária defesa do interesse público prosseguido pela administração: “O que importa, (…), é que se cumpra uma "exigência da determinabilidade em termos de não haver encurtamento do direito fundamental", que haja "um mínimo de determinabilidade", (…)” lê-se no acórdão do TC de 14.12.1995. Já Eduardo Correia, citado neste acórdão, não exclui que os respectivos tipos possam ter maior maleabilidade do que aqueles que descrevem infracções criminais, e, assim, que a cada passo contenham normas em branco, remetendo para critérios fixados pela própria Administração com vista à realização das suas finalidades salutistas" (in BFDC, V. XLIX, 1973, pág. 274) [35]”. 
Assim, nada mais temos a acrescentar ao que, de forma exemplar e minuciosa, o tribunal a quo considerou, pelo que, para evitar desnecessárias repetições, limitamo-nos a resumir o essencial:
- a mera utilização de normas em branco, com remissões sucessivas, e de conceitos indeterminados não é proibida, nem vedada pelo princípio da legalidade. Tudo depende da suscetibilidade destas técnicas comprometerem ou não a determinabilidade do sentido da norma, impedindo os seus destinatários de perceberem quais são as condutas punidas e, nessa medida, de orientarem, com segurança, os seus comportamentos. No caso, não estamos a falar de pessoas médias, mas de entidades com sofisticação tecnológica e humana e capacidade de se aconselharem juridicamente como é o caso da Arguida.         
- A norma prevê dois tipos de conduta distintas. Uma consiste na adoção de comportamentos habituais ou padronizados e a outra na emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios. Cada um destes tipos constitui um conjunto de condutas;
- Na norma coabitam, pelo menos, dois conjuntos de condutas distintos:
i.- No primeiro os comportamentos habituais ou padronizados dos quais resulte uma contraordenação grave ou leve. Este primeiro conjunto de condutas não pune atos preparatórios e o objetivo foi inequivocamente o de punir de uma forma mais grave contraordenações já previstas e punidas, mas praticadas de forma habitual ou padronizada.
ii.- No segundo conjunto, o legislador também decidiu punir de uma forma mais grave a emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios, cuja aplicação seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ARN, sempre que desses atos possa resultar uma infração, qualquer que seja a sua gravidade.
- O conceito de padronizado traduz a ideia de uma atuação igual nas mesmas circunstâncias de tal forma que funciona como modelo ou referência de atuação, desconsiderando situações particulares (o que resulta aliás, confessado pela recorrente, tal como descrito no facto h), i, “No que respeito ao pedido relativo à alínea e) do referido ofício, a Arguida fez constar o seguinte na sua resposta: “as comunicações referentes a alterações contratuais são sempre efetuadas para todo o parque de clientes existente – de modo a garantir que a informação é prestada junto de todos os clientes – mesmo que determinada(s) alteração(ões) não seja(m) aplicável(eis) ao cliente em concreto”), ou seja, é um comportamento que pela sua concretização da mesma forma face a um quadro de circunstâncias idêntico e em simultaneidade ou continuidade temporal permite que se conclua que não foi uma atuação singular ou isolada mas o posicionamento de referência do agente face às obrigações em causa, seja de forma intencional, seja por descuido, pelo que o seu significado é apreensível e determinável sem necessidade de uma definição legal.
- O tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação.
A redação Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto em nada altera este entendimento.
Ultrapassadas estas invocadas ilegalidades e inconstitucionalidades na aplicação do tipo, a recorrente insurge-se contra a concreta aplicação do mesmo aos factos apurados.
O tribunal a quo fundamentou assim a sua decisão:
309.–(…) basta uma comunicação enviada a um cliente para preencher a contraordenação grave prevista e punida pela conjugação dos artigos 113.º, n.º 2, alínea x), e 48.º, n.º 16, ambos da LCE. Para além disso e mais importante do que isso, cada cliente afetado encerra em si mesmo um sentido autónomo de ilicitude, porque a norma não se destina apenas a proteger, em termos gerais, os interesses dos consumidores, mas a tutelar os interesses de cada concreto assinante cujas condições contratuais são afetadas, pois faz parte da estrutura típica da norma o assinante que vê a sua relação contratual alterada. Ou seja, o potencial de dano da conduta está no assinante visado. Ora, o número de resoluções criminosas não tem qualquer relação direta com este potencial de dano.
310.–Efetivamente, pode haver uma só resolução delituosa – como é o caso – e serem potencialmente afetados milhares ou milhões de assinantes ou todos os assinantes nas mesmas condições. Em contrapartida, podemos ter várias resoluções  delituosas em momentos distintos do tempo e serem potencialmente afetados alguns assinantes, que, no limite, podem nem chegar à dezena ou podem não atingir todos os assinantes nas mesmas condições. Não é difícil intuir ou concluir qual é a situação mais grave.
311.–E isto também revela o ponto decisivo: é que a primeira situação é suscetível de revelar um posicionamento de referência face ao cumprimento dos deveres em causa, pois há um comportamento idêntico – ou, dito em conformidade com a lei, um comportamento padronizado –, enquanto que a segunda não. Esse é o critério decisivo, conforme explicitado e, para este efeito, decorre dos exemplos dados que nem o número de resoluções delituosas, nem ações que se sucedem em momentos distintos são fatores decisivos. Em contrapartida, pelo menos, o facto da ação praticada atingir ou visar todos os assinantes nas mesmas condições revela claramente esse posicionamento, mesmo que isso se esgote no mesmo momento temporal.
312.–No caso concreto, existe em relação a cada uma das infrações imputadas (e independentemente de estarem ou não preenchidos os demais elementos típicos, o que será analisado infra) esse posicionamento de referência, pois a Arguida adotou o mesmo comportamento em relação a todos os assinantes que se encontravam nas mesmas condições, pelo que se verifica o requisito do comportamento padronizado”.
Por tratar, essencialmente, da mesma questão, passamos a citar o já referido acórdão 3/23.7YUSTR.L1, desta secção, e com o qual concordamos:
“Enquanto que o conceito de habitualidade implica uma repetição ou reiteração ao longo do tempo, a padronização mostra-se compatível com a ocorrência de um determinado comportamento, cometido numa única ocasião, de uma forma perfeitamente estandardizada e sem qualquer espécie de individualização, mas que atingiu uma pluralidade de destinatários.
A especial ilicitude ou culpa desta conduta pressupõe que exista uma pluralidade de clientes, cujos direitos, enquanto consumidores, foram afectados pelo comportamento omissivo da empresa prestadora de serviços.
Em face do que se deixa exposto, entende este tribunal de recurso que a padronização (ao contrário do que sucede com habitualidade) não pressupõe que tenham ocorrido, ao longo do tempo, diversas omissões de comunicações das alterações contratuais, inclusive as referentes aos preços.
A padronização pode implicar que a empresa procedeu a alterações contratuais, que comunicou, numa única ocasião, de modo igual, seguindo um modelo, comum a todos os seus clientes, sem factores de individualização.
Essa padronização, que pressupõe uma pluralidade (mais ou menos alargada) de destinatários, é susceptível de determinar o agravamento da conduta imputada à empresa prestadora de serviços, caso incorra em incumprimento da obrigação prevista pelo art. 48.º, n.º 16, da Lei n.º 5/2004.
Em face da matéria de facto que foi considerada provada pelo tribunal de primeira instância, não se suscitam quaisquer dúvidas que esse “comportamento padronizado foi adoptado pela recorrente “(…)” em todas as condutas que ditaram a sua condenação pela prática das quatro contra-ordenações muito graves em referência nos autos.
O que se deixa exposto resulta que a contra-ordenação prevista pelos arts. 48.º, n.º 16 e 113.º, n.º 2, al. x), da Lei n.º 5/2004, corresponde ao tipo-base, enquanto que a ocorrência de um “comportamento padronizado” consubstancia uma circunstância agravante, decorrente de uma maior ilicitude e/ou culpa.
No presente caso, estamos perante idêntica situação de facto à relatada no citado acórdão, sendo, pois acertada a decisão do tribunal a quo ao entender que o comportamento da recorrente foi apto ao cometimento das contraordenações punidas pelos art.s 113.º n.º 6 da LCE, conjugado com a alínea x) do n.º 2, do artigo 113.º da mesma lei, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por adoção de um comportamento padronizado.
Alega, ainda a recorrente que o tribunal a quo errou ao interpretar e aplicar o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE.
Estão em causa a não informação sobre o direito de livre resolução; o conhecimento do detalhe das alterações por alguns assinantes em data posterior à do envio da comunicação; e a não disponibilização de informação complementar no local e na forma que indicou na comunicação.
No que respeita ao envio de comunicação aos assinantes sem informar do direito de livre resolução do contrato, sem encargo, “entende a MEO que, não obstante a letra da lei que é indiscutível, orientada à norma à sua ratio, compreende-se que só faz sentido exigir essa informação (i) nas comunicações aos assinantes de ofertas pós-pagas (e não para os pré-pagos, para quem o fim do “contrato” é alcançado com a ausência de carregamentos) (ii) que, à data da comunicação, estavam ainda em período de fidelização ou com qualquer compromisso de permanência. Para todos os outros assinantes, essa informação era inócua e irrelevante”.
No que respeita ao envio de comunicação aos assinantes sem disponibilizar simultaneamente informação sobre a proposta de alterações contratuais, segundo a recorrente:
“O que o artigo 48.º nº 16 da LCE exige é que a informação relativa à proposta de alteração esteja disponível com, pelo menos, 30 dias de antecedência face à data da entrada em vigor das alterações, o que ficou provado que a MEO cumpriu;
o artigo 48.º n.º 16 da LCE não obriga a que a informação seja toda prestada na mesma data. Nem obriga que a informação se encontre imediatamente visível e percetível para o assinante.
O artigo 48.º n.º 16 da LCE obriga, no que ora releva, que deve ser comunicada a proposta de alteração por escrito aos assinantes, de forma adequada, com uma antecedência mínima de 30 dias”.
Entende que “É inconstitucional a norma que resulta do artigo 48.º n.º 16 da LCE no sentido de que não é forma adequada de comunicação de propostas de alterações contratuais o envio de comunicação ao assinante com indicação do local (site) e data (com antecedência de 30 dias face à entrada em vigor das alterações) em que a informação sobre a proposta de alterações contratuais vai estar disponível, por violação do princípio da tipicidade, na vertente da determinabilidade, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º1 da CRP.” Sendo, igualmente, “(…) inconstitucional a norma que resulta dos artigos 48.º n.º 16 da LCE, 113.º n.º 2 alínea x) e 113.º n.º 6 da LCE, no sentido de que constitui contraordenação muito grave a adoção de comportamentos habituais ou padronizados que violem o requisito da forma adequada para comunicação de propostas de alterações contratuais aos assinantes, previsto no artigo 48.º n.º 16 da LCE, que exige que a comunicação ao assinante e a disponibilização da informação sobre a alteração contratual sejam feitas em simultâneo, por violação do princípio da tipicidade, na vertente da determinabilidade, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º1 da CRP”.
No que respeita ao envio de comunicação aos assinantes disponibilizando informação no site da empresa entende a recorrente que não pode o preenchimento do tipo contraordenacional passar “pela densificação de um conceito indeterminado com base em condutas que não têm um mínimo de significância na letra da lei, ir procurar – ainda – um sentido de adequação a uma franja dos potenciais sujeitos envolvidos que não corresponde àquele que seria o critério adequado para um homem médio.

A conclusão, do tribunal a quo, de que a recorrente incumpriu essas obrigações resulta, em síntese, do seguinte:
- estão em causa infrações de mera atividade, cuja verificação não depende da existência de rescisões ou do interesse concreto dos assinantes em exercer esse direito face às alterações introduzidas. Por outro lado, a adequação da forma da comunicação não é aferida em função do número de assinantes que rescindiu.
- o objetivo do legislador – e não apenas a letra da lei – não foi abranger apenas os assinantes que tinham períodos de fidelização ou de permanência e que para o legislador a referida informação tinha utilidade mesmo que não tivesse impacto nas penalidades associadas a esses períodos contratuais mínimos. Nesse contexto normativo, a utilidade que se pode atribuir à informação era a de informar, clarificar ou simplesmente relembrar os assinantes no sentido de que não são obrigados a aceitar as alterações contratuais e de que podem rescindir os contratos sem penalidades, a não ser o regime de contrapartidas previstas para a rescisão antecipada, pelos assinantes, dos contratos que estabelecem períodos contratuais mínimos. (…) Dever-se-á concluir que houve um propósito consciente e deliberado da parte do legislador em incluir todos os assinantes. a informação em causa não é totalmente inócua ou irrelevante para os clientes pré-pagos e pós-pagos sem período de fidelização, pois, pelo menos, relembra-lhes que não são obrigados a aceitar as alterações contratuais e que podem pôr fim à relação que têm com a operadora. Também não é contraproducente ou confusa, pois não compromete a finalidade a que se destina e o assinante que porventura fique com dúvidas sobre o seu vínculo futuro pode sempre esclarecê-las junto da operadora.
- o artigo 48.º, n.º 16, da LCE obriga a que seja comunicada por escrito aos assinantes a proposta de alteração. A proposta de alteração inclui, por definição, a vontade de alterar as condições contratuais e o seu teor. Por conseguinte, para que se cumpra a lei não basta que os assinantes sejam informados de que vão ser introduzidas alterações, mas também têm de ser informados do seu teor. Forma adequada significa que a maneira como a informação é transmitida tem de ser idónea ou apta a cumprir o objetivo pretendido que consiste em assegurar que os assinantes tenham conhecimento das alterações contratuais, de forma a, querendo, poderem exercer o seu direito de rescisão de forma esclarecida. O universo e o número de assinantes atingido tem importância para efeitos de verificação do “comportamento padronizado” a que alude o artigo 113.º, n.º 6, da LCE, revogada.
- resumindo-se a informação escrita disponível apenas àquela que constava na internet e que nessa medida era o meio (conforme com a lei) ao alcance de todos os assinantes, fossem mais ou menos aptos na utilização da internet, entende-se que a mesma deveria constar efetivamente nos sítios precisos indicados pela MEO nas comunicações e de forma imediata e sem outra informação que não as alterações, de modo a não haver fatores de distração, nem a visualização da informação implicasse da parte do assinante qualquer ato adicional de pesquisa da informação ou de acesso, mesmo que fosse um simples clique.
Concordamos genericamente com estas considerações.
A norma em questão, respeitante aos contratos (art. 43.º, da LCE), prevê as obrigações a cargo da fornecedora dos serviços de comunicações eletrónicas Sempre que a empresa proceda por sua iniciativa a uma alteração de qualquer das condições contratuais referidas no n.º 1”. A sanção ao incumprimento de tais obrigações está prevista no art. 113º, nº 2, x) do mesmo diploma legal.
As obrigações da empresa são as seguintes:
comunicar por escrito aos assinantes a proposta de alteração,
por forma adequada, com uma antecedência mínima de 30 dias,
devendo simultaneamente informar os assinantes do seu direito de rescindir o contrato sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições, no prazo fixado no contrato, salvo nos casos em que as alterações sejam propostas exclusiva e objetivamente em benefício dos assinantes.              
A LCE, designadamente a resultante da Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro, aqui aplicável, é clara ao referir, logo no 1º artigo que “ A presente lei estabelece o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos e define as competências da autoridade reguladora nacional neste domínio, no âmbito do processo de transposição das Directivas n.os 2002/19/CE,2002/20/CE e 2002/21/CE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março, alteradas pela Directiva n.º 2009/140/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro, e das Directivas n.os 2002/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março, alterada pela Directiva n.º 2009/136/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro, e2002/77/CE, da Comissão Europeia, de 16 de Setembro.”
Importa-nos agora, a Diretiva n. 2002/22/CE[36] .
Estabelece esta Diretiva no art. 20.º, n. 2 que Os Estados Membros garantem aos assinantes o direito de resolução dos contratos sem qualquer penalidade, sempre que sejam notificados de qualquer alteração das condições contratuais propostas pelas empresas que fornecem redes e/ou serviços de comunicações electrónicas. Os assinantes devem ser devidamente avisados dessas alterações com, pelo menos, um mês de antecedência, devendo ser simultaneamente informados do seu direito de resolução do contrato, sem qualquer penalização, caso não aceitem as novas condições. Os Estados Membros asseguram que as autoridades reguladoras nacionais possam especificar o formato destas notificações.[37]
As alterações, operadas pela Diretiva 2009/136/CE, não só não alteraram as obrigações das empresas, em proteção do assinante, como passou a expressamente, indicar que tal desiderato passava a ser uma obrigação que os Estados teriam de garantir.
De todo o modo, não há alterações relevantes e a transposição destas diretivas operada pela LCE criou tais obrigações sem divergência assinaláveis com exceção de uma: onde na Diretiva se lê “Os assinantes devem ser devidamente avisados dessas alterações”, a LCE estabelece que “deve comunicar por escrito aos assinantes a proposta de alteração, por forma adequada (art. 48.º, n. 16).
Como é habitual, o legislador português não indica quaisquer índices interpretativos do que pretende significar com forma adequada já que a Lei não é acompanhada dos motivos. Podemos, contudo concluir que a forma adequada é algo mais do que a forma escrita.
As Diretivas, pelo contrário, nos considerandos dão-nos elementos interpretativos úteis donde podemos retirar o que, minimamente, se deve entender por forma devida[38]”. A primitiva Diretiva 2002/22/CE era, no entanto, muito escassa quanto a tais matérias, havendo meros afloramentos no considerando 30.
Também a Diretiva 2009/136/CE dedicou poucos considerandos à matéria, sendo, contudo de salientar os considerandos 27 (“O direito dos assinantes de resolverem os respectivos contratos sem qualquer penalização está relacionado com a alteração das condições contratuais impostas pelos fornecedores de redes e/ou serviços de comunicações electrónicas); 32 (A existência de informações transparentes, actualizadas e comparáveis sobre ofertas e serviços é um elemento fundamental para os consumidores em mercados concorrenciais, nos quais diversos fornecedores oferecem serviços. Os utilizadores finais e os consumidores de serviços de comunicações electrónicas deverão ter a possibilidade de comparar facilmente os preços dos vários serviços oferecidos no mercado com base em informações publicadas numa forma facilmente acessível…); 47 (Para tirarem pleno proveito do ambiente concorrencial, os consumidores deverão ter a possibilidade de fazer escolhas informadas e mudar de operador quando tal seja do seu interesse. É essencial que o possam fazer sem entraves legais, técnicos ou práticos, nomeadamente condições contratuais, procedimentos, encargos, etc….);
A situação, contudo, alterou-se consideravelmente com a Diretiva 2018/1972[39] DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO “de 11 de dezembro de 2018 que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (reformulação)(e que veio a ser transposta pela LCE atualmente em vigor Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto). Para além de reafirmar, no considerando 258 o que, em parte já constava no referido considerando 30, passa a existir a referência expressa à necessidade de “transparência das informações e segurança jurídica”, remetendo para diversas outras Diretivas, visando a especial defesa dos “consumidores”.
O considerando 260 expressa que “As especificidades do setor das comunicações eletrónicas exigem, para além de regras contratuais horizontais, um número limitado de outras disposições para a proteção do utilizador final. Os utilizadores finais deverão ser informados nomeadamente de todos os níveis de qualidade de serviço oferecidos, das condições para a cessação de contratos, de promoções, de planos tarifários aplicáveis e das tarifas para os serviços sujeitos a condições tarifárias especiais” (são nossos os destaques).
Já o considerando 261, quanto à celebração dos contratos, passa a expressar preocupações inexistentes na primitiva Diretiva “A fim de permitir que o utilizador final faça uma escolha informada, é essencial que as informações relevantes sejam fornecidas antes da celebração do contrato e em linguagem clara e compreensível e num suporte duradouro ou, se tal não for exequível e sem prejuízo da definição de suporte duradouro constante da Diretiva 2011/83/UE, num documento, disponibilizado pelo fornecedor e notificado ao utilizador, fácil de descarregar, abrir e consultar em dispositivos utilizados normalmente pelos consumidores. (…) O resumo do contrato deverá ser conciso e facilmente legível, idealmente não excedendo o equivalente a uma página A4 ou, se vários serviços forem agrupados num só contrato, o equivalente a um lado de três páginas A4, no máximo. (são nossos os destaques).
Já no considerando 273 se destaca a importância do são ambiente concorrencial: “Para tirarem pleno proveito do ambiente concorrencial, os consumidores deverão ter a possibilidade de fazer escolhas informadas e mudar de fornecedor quando tal seja do seu melhor interesse. É essencial assegurar que o possam fazer sem entraves legais, técnicos ou práticos, nomeadamente condições contratuais, procedimentos e encargos.” Idênticas preocupações constam do considerando 277 e também manifestada nos considerandos 267 e 268 com o relevo assinalado à intervenção de terceiros independentes: “Os instrumentos de comparação independentes, tais como sítios Web, são um meio eficaz para os utilizadores finais poderem avaliar as vantagens dos diferentes fornecedores de serviços de acesso à Internet e de serviços de comunicações interpessoais, quando fornecidos contra pagamentos monetários diretos recorrentes ou baseados no consumo, e para obter, num único local, informações imparciais, em particular de comparação dos preços, tarifas e parâmetros de qualidade.”               
Finalmente, as preocupações expressas com as alterações contratuais surgem nos considerandos 275 e 276.
Pela sua importância, passamos a transcrevê-los, sendo nossos os destaques:
(275)Quaisquer alterações das condições contratuais propostas pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, exceto serviços de comunicações interpessoais independentes do número, que não sejam em benefício do utilizador final, por exemplo, em relação a encargos, tarifas, limitação do volume de dados, débito de dados, cobertura, ou processamento de dados pessoais, deverão conferir o direito de o utilizador final rescindir o contrato sem incorrer em quaisquer custos, mesmo se as referidas alterações forem associadas a algumas alterações benéficas. Por conseguinte, todas as alterações às condições contratuais por parte do fornecedor dão ao utilizador final o direito de rescindir o contrato, exceto se cada alteração for em si mesma benéfica para o utilizador final, ou se as alterações forem de natureza puramente administrativa, tais como a alteração do endereço do fornecedor, e não tiverem efeitos negativos para o utilizador final, ou se as alterações forem impostas estritamente por alterações legislativas ou regulamentares, tais como novos requisitos de informação contratual impostos pelo direito nacional ou da União. Se uma alteração é ou não exclusivamente em benefício do utilizador final deverá ser avaliado com base em critérios objetivos. O direito do utilizador final a rescindir o contrato deverá ser excluído apenas se o fornecedor conseguir demonstrar que todas as alterações ao contrato são exclusivamente em benefício do utilizador final ou de natureza puramente administrativa sem efeitos negativos para o utilizador final.
(276)Os utilizadores finais deverão ser notificados de todas as alterações das condições contratuais através de um suporte duradouro. (…).

Perante estes considerandos, o art. 102.º, n. 1, da Diretiva, estipula, quanto à celebração dos contratos, que “(…) As informações são comunicadas de forma clara e inteligível, num suporte duradouro, na aceção do artigo 2.º, n.º 10, da Diretiva 2011/83/UE, ou, quando um suporte duradouro não for exequível, num documento facilmente descarregável disponibilizado pelo fornecedor. O fornecedor chama expressamente a atenção do consumidor para a disponibilidade do referido documento e a importância de o descarregar para efeitos de documentação, referência futura e reprodução inalterada. (são nossos os destaques).
O n. 4, estipula que “As informações a que se referem os n.ºs 1 e 3 tornam-se parte integrante do contrato e não podem ser alteradas sem o acordo expresso das partes contratantes”.
Especificamente quanto às alterações contratuais da iniciativa da empresa, o art. 105.º, n. 4 (são nossos os destaques):
“Os utilizadores finais têm o direito de rescindir os seus contratos sem incorrerem em quaisquer custos suplementares após o aviso de alterações das condições contratuais propostas pelo fornecedor de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público para além dos serviços de comunicações interpessoais independentes do número, a menos que as alterações propostas sejam exclusivamente para benefício do utilizador final, sejam de caráter puramente administrativo e não tenham nenhum efeito negativo no utilizador final ou sejam diretamente impostas pelo direito da União ou pelo direito nacional.
Os fornecedores notificam qualquer alteração das condições contratuais aos utilizadores finais, com pelo menos um mês de antecedência, e devem informa-los simultaneamente do seu direito de rescindir o contrato sem incorrerem em custos suplementares, caso não aceitem as novas condições. O direito de rescindir o contrato pode ser exercido no prazo de um mês após a notificação. Os Estados-Membros podem prorrogar esse prazo por mais três meses. Os Estados-Membros asseguram que a notificação é apresentada de forma clara e compreensível, num suporte duradouro.
Do que fica expresso resulta, para nós, evidente uma crescente preocupação com a proteção do consumidor assinante. Para além da informação do direito de rescisão perante alterações contratuais não consensualizadas, que não sejam exclusivamente para benefício do utilizador final, o do prazo de 30 dias (um mês), verifica-se uma densificação da forma de notificar os utilizadores finais das alterações contatuais. Passou a prever-se um suporte duradouro, tal como já se exigia para a celebração dos contratos, passou a prever-se que a notificação seja “apresentada de forma clara e compreensível”, deixando de existir referência ao “devidamente”.
Por suporte duradouro deve entender-se um suporte com, pelo menos, as mesmas características, ou superiores, tal como consta do considerando 261: “num documento, disponibilizado pelo fornecedor e notificado ao utilizador, fácil de descarregar, abrir e consultar em dispositivos utilizados normalmente pelos consumidores” 
Regressando à LCE aplicável e atendendo quer ao texto das diretivas quer aos considerandos e, principalmente, à evolução referida, entendemos que em primeiro, a obrigação de comunicação escrita assegura, designadamente, sem preocupações de exaustividade, a eficácia probatória (através do “suporte duradouro”) e permite a apreensão e compreensão mais eficaz do que é transmitido.
A comunicação por forma adequada visa, também sem preocupações de exaustividade, e para além do que já foi considerado na sentença em recurso, assegurar que a forma utilizada (escrita) cumpre a sua função facilitadora da apreensão e compreensão do que é transmitido[40]. Ou seja, a informação deve ser transmitida de forma clara e compreensível”. Sendo que devem atentar-se, quanto a estes aspetos, as regras especificamente protetoras dos consumidores, como referido nas Diretivas. Sendo de realçar a disponibilização da informação em documento, disponibilizado pelo fornecedor e notificado ao utilizador, fácil de descarregar, abrir e consultar em dispositivos utilizados normalmente pelos consumidores. Como acertadamente aponta a ANACOM “os assinantes não são obrigados a “procurar” ou a esforçar-se por obter a informação legalmente exigida, quer relativa às alterações contratuais em causa, quer no que se refere aos direitos que lhes assistem nessas situações”.
A antecedência mínima de 30 dias, igualmente sem preocupações de exaustividade, visa permitir ao consumidor não apenas apreender e compreender as alterações que lhe são transmitidas, mas, sobretudo, conceder-lhe tempo suficiente para, de forma esclarecida, ponderar as novas condições e auscultar o mercado concorrente e decidir o que melhor se adequa aos seus interesses. Por outro lado, a existência de tal prazo é, também, importante para entidades terceiras independentes de comparação tais como sítios Web; e ainda, relevantemente, para as empresas concorrentes. Sabendo do conhecido adágio de que o segredo é a alma do negócio não é irrelevante a ocasião da comunicação ao mercado (ou seja, a revelação pública) das novas condições contratuais. Num mercado que se quer saudável, não cartelizado, o conhecimento prévio das condições de cada uma das empresas concorrentes também determina as condições dos restantes concorrentes, com expetável benefício dos consumidores em geral.   
A última das referidas obrigações é a de, simultaneamente, informar os assinantes do seu direito de rescindir o contrato sem qualquer encargo. A comunicação pela empresa desta possibilidade (rescindir o contrato sem qualquer encargo) é aquela que confere algum equilíbrio à posição contratual do consumidor. Na verdade, estamos perante alterações contratuais não consensualizadas, ou seja, sem que ocorra o acordo prévio do consumidor. Ao consumidor é apresentada a nova alteração que não pode negociar. Resta-lhe, pois, equilibradamente, o poder de não aceitar. Não aceitação essa sem encargos, por forma a permitir inteira liberdade, sem condicionamentos ou constrangimentos económicos. Por outro lado, a omissão da comunicação desta informação ao consumidor é aquela que é mais suscetível de minorar os riscos de perdas contratuais para a empresa, na sequência das alterações contratuais. Ou seja, a omissão desta informação é potencialmente vantajosa para a empresa, pela diminuição de um risco.
O facto da norma expressamente conter o advérbio simultaneamente” pode significar que a comunicação das alterações contratuais e as informações tem de ser realizada ao mesmo tempo, por uma única vez, sem repartições. O que potencia a decisão esclarecida do consumidor com a prestação de toda a informação na mesma ocasião, pela mesma comunicação. Contudo, esta conclusão não é pacífica e, pela nossa parte, entendemos que não assume importância relevante – salvo em casos muito particulares de dilação manifestamente exagerada ou desproporcionada, que potencia o esquecimento - para a consumação da violação das obrigações descritas.                 
No caso, as informações, respeitantes às alterações contratuais, remetidas consistiam em:
- “A 05-09-2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais a partir de 01-08-2016 em meo.pt ou pelo 16 96. Obrigado." – facto descrito em “q”;
-No dia 10-01-2017 os preços e condições do teu MOCHE vão mudar. Podes saber tudo em moche.pt"– facto descrito em “r”;
- “A 01-11-2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais a partir de 01-10-2016 em meo.pt ou pelo 1696. Se é cliente empresarial vá a ptempresas.pt, contacte o seu gestor de cliente ou ligue 16 206” – facto descrito em “s”;
- “A 01-11-2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais a partir de 01-10-2016 em meo.pt ou pelo 16200”– facto descrito em “t”.
Mais se provou que “A Arguida disponibilizou ainda, informação complementar noutros suportes, designadamente, nas lojas MEO, nos números 16200 (fixo e convergente) e 1696 (móvel pré-pago e pós-pago), bem como nos sítios da Internet da arguida www.meo.pt e www.moche.pt.” – facto descrito em “u”.
E que (– factos descritos em “u” a “ff”)
“Relativamente à informação disponibilizada no sítio da Internet da Arguida, no que concerne ao segmento consumo com tarifários móveis pré-pagos MEO, aquela informação constou do site www.meo.pt, entre 01.08.2016 e 05.09.2016 – era possível aceder-lhe a partir da mensagem: «a 05.09.2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais aqui.», que estava disponível nos links:
https://www.meo.pt/telemovel/tarifario/pre-pagos/top https://www.meo.pt/telemovel/tarifario/pre-pagos/flex https://www.meo.pt/telemovel/tarifario/pre-pagos/start https://www.meo.pt/telemovel/tarifario/pre-pagos/link https://conteudos.meo.pt/meo/Documentos/Tarifarios/Tarifarios-Anteriores.pdf”
Que “Quanto ao segmento consumo com tarifários pré-pagos MOCHE, a informação complementar constou do sítio de Internet da Arguida www.moche.pt, entre 09.12.2016 e 10.01.2017 – era possível aceder-lhe a partir da mensagem: «No dia 10-01-2017 os preços e condições do teu MOCHE vão mudar. Podes saber tudo ao pormenor em moche.pt», que estava disponível nos links:
https://www.moche.pt/tarifarios/moche-legend.aspx https://www.moche.pt/tarifarios/tarifarios-anteriores.aspx”
Relativamente ao segmento consumo com tarifários móveis pós-pagos, a informação complementar constou do site www.meo.pt entre 30.09.2016 e 01.11.2016 – era possível aceder-lhe a partir da mensagem: «A 01.11.2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais aqui.», que estava disponível nos links:
https://www.meo.pt/telemovel/tarifarios/unlimited https://www.meo.pt/telemovel/internet-movel/tarifarios/telemovel-pc-tablet/pacotes-com-telemovel
https://www.meo.pt/telemovel/internet-movel/tarifarios/telemovel-pc-tablet/pos-pago
https://www.meo.pt/telemovel/internet-movel/tarifarios/pc-tablet/pos-pagos”.
Quanto ao segmento consumo com tarifários fixo e convergente, a informação complementar esteve disponível no site www.meo.pt, pelo menos até 15.02.2017 – era possível aceder-lhe a partir da mensagem:
«Consulte aqui os preços em vigor desde 1 de novembro de 2016.», que estava disponível nos links:
https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra/tv-net-voz-tlm-netmvl https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra/tv-net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra/tv-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra/net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/tv-net-voz-tlm-netmvl https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/tv-net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/tv-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/adsl/voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite/tv-net-voz-tlm-netmvl
https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite/tv-net-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite/tv-voz https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/satelite/tv”.
Acresce quianda que se provou que:
“No segmento empresarial (designação utilizada pela Arguida), as alterações contratuais efetuadas pela Arguida, ocorreram nas seguintes datas:
i.- Fixo e Móvel: 01.11.2016; e
ii.- Sport TV Empresarial e Global Connect Pack: 01.01.2017;
aa.-E foram comunicadas aos assinantes desse segmento através de informação incluída nas faturas, nos termos que a seguir se indicam.
bb.-Assim: no dia 27.09.2016 (via CTT) e no dia 26.09.2016 (em formato eletrónico), a Arguida remeteu aos assinantes do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, as faturas relativas aos contratos que mantinha com estes, tendo nelas inserido a seguinte informação: “Em 01-11-2016 entram em vigor novos preços e condições. Saiba mais a partir de 01-10-2016 em ptempresas.pt, contacte o seu gestor ou ligue 16206.”.
cc.-No dia 23.11.2016 (via CTT) e no dia 24.11.2016 (em formato eletrónico), a Arguida remeteu aos assinantes do segmento empresarial, com tarifários Sport TV Empresarial, as faturas relativas aos contratos que mantinha com estes, tendo nelas inserido a seguinte informação: “A 01-01-2017 entram em vigor novos preços e condições SPORT TV Empresas HD. Saiba mais a partir de 01-12-2016 em ptempresas.pt, através do seu gestor ou pelo 16206.”; e
dd.-No dia 26.10.2016 (via CTT) e no dia 27.10.2017 (em formato eletrónico), a Arguida remeteu aos assinantes do segmento empresarial, com tarifários Global Connect Pack, as faturas relativas aos contratos que mantinha com estes, tendo nelas inserido a seguinte informação: “Em 01-01-2017 entram em vigor novos preços e condições para o serviço Global Connect Pack. Saiba mais a partir de 01-12-2016 em ptempresas.pt, através do seu gestor ou pelo 16206.”.
ee.-A Arguida disponibilizou, ainda, informação complementar noutros suportes, designadamente, nas lojas MEO, no número 16206, bem como no sítio da Internet da Arguida www.ptempresas.pt.
ff.-Relativamente à informação disponibilizada no sítio da Internet da Arguida, no que concerne ao segmento empresarial, a informação relativa a alterações contratuais e respetiva entrada em vigor esteve disponível no site www.ptempresas.pt até ao momento da entrada em vigor das alterações contratuais em questão, tendo sido, depois dessa data, atualizada no link: https://www.ptempresas.pt/novos-precos-nov2016.
Provou-se, ainda, que
hh.-Em nenhuma das comunicações que, para o efeito, a Arguida remeteu aos assinantes – os SMS enviados aos assinantes do segmento consumo com tarifários móveis pré-pagos MEO e MOCHE, bem como, as faturas remetidas aos assinantes do segmento consumo com tarifários móveis pós-pagos, fixo e convergente e aos assinantes do segmento empresarial com tarifários fixo e móvel, Sport TV Empresarial e Global Connect Pack –, incluiu informação sobre o direito destes a, no prazo contratualmente fixado, rescindir o contrato, sem encargos, no caso de não aceitação das novas condições.
ii.-No que concerne aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, fixo e convergente (pacotes) e do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, Sport TV Empresarial e Global Connect Pack, o detalhe das alterações propostas só pôde ser, por estes, conhecido em data posterior à do envio de tais comunicações, uma vez que:
i.- no caso dos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, as comunicações foram enviadas entre os dias 14.08.2016 e 19.09.2016 e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 30.09.2016;
ii.- no caso dos assinantes do segmento consumo, com tarifários fixo e convergente (pacotes), as comunicações foram enviadas entre os dias 29.08.2016 e 27.09.2016 e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 01.10.2016;
iii.- no caso dos assinantes do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, as comunicações foram enviadas no dia 27.09.2016 (via CTT) e no dia 26.09.2016 (em formato eletrónico) e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 01.10.2016;
iv.- no caso dos assinantes do segmento empresarial, com tarifários Sport TV Empresarial, as comunicações foram enviadas no dia 23.11.2016 (via CTT) e no dia 24.11.2016 (em formato eletrónico) e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 01.12.2016;
v.- e no caso dos assinantes do segmento empresarial, com tarifários Global Connect Pack, as comunicações foram enviadas no dia 26.10.2016 (via CTT) e no dia 27.10.2017 (em formato eletrónico) e o detalhe das alterações contratuais a realizar só foi disponibilizado a partir de 01.12.2016.
jj.-No que respeita aos assinantes do segmento consumo, nas páginas da Internet da Arguida referidas nessas comunicações e para onde se remetia, os assinantes eram convidados a consultar ainda outras páginas para obtenção das informações.”              
E mais se provou que (destaques nossos)
nn.-Arguida representou e quis enviar a todos os 5 877 979 assinantes que tinha nas datas supra indicadas as comunicações referidas sem incluir informação sobre o direito destes a, no prazo contratualmente fixado, rescindir o contrato, sem encargos, no caso de não aceitação das novas condições, tendo assim procedido de forma livre e consciente e sabendo que incorria na prática de uma contraordenação.
oo.-A Arguida representou e quis disponibilizar aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, fixo e convergente (pacotes) e do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, Sport TV Empresarial e Global Connect Pack o detalhe as alterações propostas em data posterior à do envio das comunicações que anunciavam a introdução de alterações nos termos supra descritos, tendo agido de forma livre e consciente e sabendo que a sua conduta era punida como contraordenação.
pp.-A Arguida representou e quis em relação aos assinantes do segmento consumo que nas páginas da Internet referidas nas comunicações que lhes enviou e para onde se remetia, os assinantes fossem convidados a consultar ainda outras páginas para obtenção das informações nos termos supra descritos, tendo agido de forma livre e consciente e sabendo que a sua conduta era punida como contraordenação.
Perante o exposto, entendemos que a recorrente incumpriu os deveres de informação aos assinantes do direito de rescindirem o contrato sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições, no prazo fixado no contrato, já que as alterações não foram propostas exclusiva e objetivamente em benefício dos assinantes.
É irrelevante, para a verificação da contraordenação que alguns, ainda que muitos dos clientes, não estivessem vinculados a períodos de permanência. O universo dos clientes poderá ser relevante na determinação a medida da coima, mas não na verificação da (uma) contraordenação. Diferentemente seria se a cada comunicação a cada cliente individualmente coubesse a prática de uma nova imputada contraordenação.
Por outro lado, e relevantemente, como afirma acertadamente a ANACOM “Mesmo para os clientes com tarifário pré-pago essa informação não era inútil pois que estes ficariam cientes que poderiam rescindir o contrato de imediato, recebendo o valor do saldo que tivessem em cartão. Então porque se haveriam de excluir estes consumidores obrigando-os a perder o saldo?”
Entendemos que incumpriu, ainda, o dever de comunicar as propostas de alteração por forma adequada.
No entanto, entendemos, que o incumprimento ocorreu, unicamente, ao ter enviado informação aos assinantes do segmento consumo com indicação de páginas da Internet para onde se remetia tendo os assinantes que consultar ainda outras páginas para obtenção das informações, nos termos supra descritos. As mensagens sms nada de relevante informavam quanto às alterações, limitando-se a informar das alterações futuras, remetiam para páginas de internet e o acesso à informação dependia da atitude ativa do assinante para consultar outras páginas.     
É certo que a recorrente disponibilizou aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, fixo e convergente (pacotes) e do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, Sport TV Empresarial e Global Connect Pack o detalhe das alterações propostas em data posterior à do envio das comunicações que anunciavam a introdução de alterações nos termos supra descritos. No entanto, o detalhe das alterações estava ainda compreendido no período legal da antecedência de 30 dias. Tendo as sms sido remetidas em data próxima, também não podemos concluir que potenciavam o esquecimento:
  • quanto ao segmento consumo, que é o que aqui está em causa, a informação aos assinantes Móvel pré-pago MEO foram enviadas sms em 01.08.2016 e 04.08.2016, a informação do detalhe das alterações passou a constar nos locais indicados entre 01.08.2016 e 05.09.2016 e as alterações produziam efeito a partir de 05.09.2016;
  • quanto aos assinantes Móvel pré-pago MOCHE foi enviada sms em 09.12.2016 e 04.08.2016, a informação do detalhe das alterações passou a constar nos locais indicados entre 09.12.2016 e 10.01.2017 e as alterações produziam efeito a partir de 10.01.2017;      
  • quanto aos assinantes Móvel pós-pago foram enviadas sms em 14.08.2016 e 19.09.2016, a informação do detalhe das alterações passou a constar nos locais indicados entre 30.09.2016 e 01.11.2016 e as alterações produziam efeito a partir de 01.11.2016; e
  • finalmente, quanto aos assinantes Móvel Fixo e Convergente (pacotes) foram enviadas sms em 29.08.2016 e 27.09.2016, a informação do detalhe das alterações passou a constar nos locais indicados a partir de 01.10.2016 e as alterações produziam efeito a partir de 01.11.2016.
Com respeito às invocadas inconstitucionalidades remetemos para o que que já referimos e para a jurisprudência que citámos quanto aos invocados princípios, para poder afirmar que não é inconstitucional a norma que resulta do artigo 48.º n.º 16 da LCE com a interpretação acolhida pelo tribunal a quo e que é igualmente a nossa, por violação do princípio da tipicidade, na vertente da determinabilidade, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º1 da CRP; nem é inconstitucional a norma que resulta dos artigos 48.º n.º 16 da LCE, 113.º n.º 2 alínea x) e 113.º n.º 6 da LCE, no sentido de que constitui contraordenação muito grave a adoção de comportamentos habituais ou padronizados que violem o requisito da forma adequada para comunicação de propostas de alterações contratuais aos assinantes, previsto no artigo 48.º n.º 16 da LCE, que exige que a comunicação ao assinante e a disponibilização da informação sobre a alteração contratual sejam feitas em simultâneo, por violação do princípio da tipicidade, na vertente da determinabilidade, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º1 da CRP.
Como esta secção já teve oportunidade de referir, no âmbito do processo n. 3/23.7YUSTR.L1,  já citado: “os vocábulos empresa”, “comportamentos”, “habituais”, “padronizados” e “susceptível de conduzir”, constantes do n.º 6 do art. 113.º da Lei n.º 5/2004, consubstanciam conceitos, semelhantes a muitos outros utilizados pelo legislador, que são facilmente determináveis e que não impedem o destinatário da norma de compreender, plenamente, o comportamento proibido e sancionado.
No que diz respeito ao termo empresa, é a própria lei que esclarece ou que densifica este conceito, ao afirmar, sem levantar grandes dúvidas interpretativas, que são as estruturas, as pessoas colectivas ou as entidades que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público”.
Todos os outros conceitos são facilmente determináveis, não criam particulares dificuldades de interpretação e são facilmente apreensíveis, sobretudo quando se sabe que a recorrente “(…)” é uma pessoa colectiva de direto privado dotada de uma robusta estrutura funcional.
Aliás, conceitos comocomportamento”, “habitual” ou “padronizadonão são muito diferentes, para o que agora nos ocupa, de muitos outros utilizados pelo legislador ordinário em delitos de natureza criminal (v. g. intenção de apropriação”, “subtracção”, “modo de vida”, “danificar”, “desfigurar” ou “tornar não utilizável”), que, por serem determináveis pelo destinatário da lei, não têm merecido reparos ao nível da constitucionalidade. “
Argumenta, ainda, a recorrente que “a Decisão Condenatória procedeu a errada interpretação quanto ao tipo subjetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 1 alínea pp) da LCE” e igualmente “(…) procedeu a errada interpretação quanto ao tipo subjetivo do ilícito previsto no artigo 113.º n.º 6 da LCE”.
Insurge-se a recorrente contra a conclusão de que “(…) a MEO teria incorrido no ilícito previsto no artigo 113.º n.º 2 alínea pp) da LCE, por violação do disposto no artigo 108.º n.º 1 da LCE, a título de negligência inconsciente, nos termos do artigo 15.º alínea b) do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCO, com base nos factos dados como provados na alínea m) dos factos provados” (conclusão 147). Entende que “Procedendo os referidos vícios e sendo revista a decisão quanto à prova de tais factos no sentido de não se dar por demonstrada qualquer violação de dever de cuidado assacável à Arguida, fica afastada a possibilidade de punição do referido ilícito a título de negligência”.
Os factos apurados quanto a esta questão foram os seguintes:
m.-A MEO não remeteu à ANACOM, na resposta ao ofício com a referência ANACOM-S003360/2017, um exemplo da SMS enviada por falta de atenção na elaboração da resposta e não indicou o número de assinantes abrangido por cada um dos tipos de comunicações enviadas por falta de cuidado na apreensão do sentido do pedido, cuidados de que era capaz, não tendo representado como possível que, ao proceder dessa forma, não estivesse a prestar toda a informação solicitada”.
Uma vez que não foi procedente o pedido de alteração da matéria de facto (suportado na alegação de diversos vícios) e analisados os factos pertinentes, afigura-se correta a imputação subjetiva operada pelo tribunal a quo.
Insurge-se, igualmente, quanto à imputação, à recorrente, de atuação dolosa (“com dolo direto e com culpa”) quanto a cada um dos ilícitos previstos no artigo 113.º n.º 6 da LCE
Provou-se o seguinte:
kk.-A Arguida sabia que se procedesse, por sua iniciativa, a uma alteração de qualquer das condições contratuais, referidas no n.º 1 do artigo 48.º da LCE – entre estas, as relativas aos preços dos serviços que presta – deveria comunicar, por escrito, aos assinantes a proposta de alteração, de forma adequada, com uma antecedência mínima de 30 dias, devendo, simultaneamente, informá-los do seu direito de rescindir o contrato, sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições, no prazo fixado no contrato, sabendo também que o incumprimento desta obrigação constitui contraordenação.
ll.-A Arguida sabia igualmente que apenas nos casos em que as alterações fossem propostas exclusiva e objetivamente em benefício dos assinantes, não haveria lugar à comunicação da informação relativa ao direito de estes rescindirem o contrato, sem encargos.
mm.-A Arguida sabia também da relevância desta informação para os assinantes, na medida em que, também era do seu conhecimento que, antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2016, de 17 de junho – que alterou, entre outros, o artigo 48.º da LCE – perante uma alteração contratual da iniciativa do prestador de serviço, os assinantes vinculados a um período de fidelização que quisessem fazer cessar o contrato com fundamento nessa alteração poderiam ter de pagar ao prestador de serviço contrapartidas por essa cessação.
nn.-Arguida representou e quis enviar a todos os 5 877 979 assinantes que tinha nas datas supra indicadas as comunicações referidas sem incluir informação sobre o direito destes a, no prazo contratualmente fixado, rescindir o contrato, sem encargos, no caso de não aceitação das novas condições, tendo assim procedido de forma livre e consciente e sabendo que incorria na prática de uma contraordenação.
oo.-A Arguida representou e quis disponibilizar aos assinantes do segmento consumo, com tarifários móveis pós-pagos, fixo e convergente (pacotes) e do segmento empresarial, com tarifários fixo e móvel, Sport TV Empresarial e Global Connect Pack o detalhe as alterações propostas em data posterior à do envio das comunicações que anunciavam a introdução de alterações nos termos supra descritos, tendo agido de forma livre e consciente e sabendo que a sua conduta era punida como contraordenação.
pp.-Arguida representou e quis em relação aos assinantes do segmento consumo que nas páginas da Internet referidas nas comunicações que lhes enviou e para onde se remetia, os assinantes fossem convidados a consultar ainda outras páginas para obtenção das informações nos termos supra descritos, tendo agido de forma livre e consciente e sabendo que a sua conduta era punida como contraordenação.
Segundo a recorrente, para além da pretendida alteração da matéria de facto, sem sucesso, como vimos, “a conclusão alcançada pelo Tribunal, com base naqueles factos, quanto à existência de dolo direto da MEO na prática de cada um dos ilícitos esbarra na correta interpretação e aplicação do conceito de dolo, previsto no artigo 8.º n.º 1 do RGCO e 14.º n.º 1 do Código Penal”.
Ainda segundo a recorrente, “para se poder afirmar por uma atuação dolosa era necessário que se demonstrassem e verificassem todos os elementos que constituem os ilícitos em análise”. E que “apenas ficaram provados os factos constantes das alíneas kk), nn), oo) e pp) da Sentença, o que não é suficiente para preencher os elementos cognitivo, intelectual e volitivo do dolo”.
Ora, vimos já que ficaram provados muitos mais factos que apenas os referidos pelo que este argumento falece ab initio.
Perante os factos provados, e não aqueles que a recorrente pretendia provados ou não provados, o tribunal a quo fundamentou, em síntese, que ficou demonstrada a representação e vontade de praticar os factos nos termos legalmente previstos para o dolo direto (cf. artigo 14.º, n.º 3, do CP, ex vi artigo 32.º, do RGCO) e bem assim a liberdade de atuação e a consciência da ilicitude da conduta – cf. alíneas nn) a pp) dos factos provados, quanto à não inclusão de informação sobre o direito a rescindir nas comunicações, em particular nas remetidas aos clientes com tarifários pré-pagos e a todos aqueles que estavam fora do período de fidelização ou que não tivessem vigente qualquer compromisso de permanência na empresa.
E assim é efetivamente como decorre cristalinamente dos factos provados referidos (e da não prova dos invocados pela recorrente).
As coimas parcelares e, consequentemente, a coima única apurada através do cúmulo jurídico são manifestamente excessivas e desproporcionais?
Por último, a recorrente questiona o montante da coima única em que foi condenada. Designadamente, foram considerados factos não constantes do elenco dos factos apurados.
A sentença justificou o montante das coimas, parcelares e única, pelo seguinte (são nossos os sublinhados, e retirámos a referência à contraordenação em que havia sido condenada por o detalhe das alterações propostas apenas estar disponível em data posterior à do envio das comunicações):
Contraordenação por não cumprimento completo das solicitações da ANACOM:
388.-A coima tem de ser substancialmente próxima do limite mínimo da moldura legal abstrata tendo em conta vários fatores. Em primeiro lugar, a conduta da Arguida não impediu a ANACOM de exercer as suas funções em tempo útil, uma vez que a MEO prestou as informações em falta no segundo ofício remetido pela ANACOM e num prazo curto de quarenta e oito horas (alíneas j) e k) dos factos provados), tendo tais informações sido utilizadas no presente processo para sustentar a condenação da MEO. Em segundo lugar, não há reiteração, nem atos de ocultação. Em terceiro lugar, não há nem prova de benefícios, nem prova da intenção de os obter. Em quarto lugar, não se provou que a conduta da Arguida tenha gerado um alarme social acrescido.
389.-Em contrapartida, a coima não pode ser coincidente com o limite mínimo por várias razões. Em primeiro lugar, a conduta abrange duas informações distintas, o que aumenta o grau de ilicitude dos factos. Em segundo lugar, as falhas deveram-se à violação de deveres de cuidado elementares na resposta a pedidos do Regulador, designadamente falta de atenção na elaboração da resposta e falta de cuidado na apreensão do sentido do pedido (cf. alínea m) dos factos provados), e que podem facilmente repetir-se. Em terceiro lugar, a Arguida tem antecedentes contraordenacionais da mesma natureza, pois foi condenada no âmbito dos processos de contraordenação n.º 20002510-218/2007 e n.º 20002510-61/2008, por violações da obrigação constante do n.º 1 do artigo 108.º LCE, conforme cópias das decisões finais que constam a fls. 270 a 302, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidas, datando a primeira de 04.03.2008 e a segunda de 31.03.2014 – cf. alínea yy) dos factos provados.
390.-Sobre estes antecedentes, a Arguida parece defender que ou os mesmos são suscetíveis de ser considerados para efeitos de reincidência desde que preencham os requisitos exigidos pelo artigo 9.º do RQCOSC ou não se verificando estes requisitos não podem ser levados em conta. Não é assim evidentemente, conforme a Arguida tem certamente noção. A reincidência é uma circunstância agravante da moldura legal abstrata em conformidade com o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do RQCOSC. Os antecedentes contraordenacionais são um fator relevante para a determinação da medida concreta da sanção.
391.-Esclarecido este ponto, os referidos antecedentes contraordenacionais são relevantes, sobretudo a decisão mais recente, na medida em que aumentam as exigências de prevenção especial.
392.-Também aumenta as exigências de prevenção especial o facto da Arguida não revelar sentido crítico da sua conduta. Por conseguinte, este fator justifica igualmente uma coima superior ao limite mínimo.
393.-Por fim, importa considerar a situação económico-financeira da Arguida. Defende a MEO que, para o efeito, se deve atender apenas ao resultado líquido do exercício. Percebe-se porquê na medida em que o mesmo foi negativo nos anos de 2019 e 2021 – cf. alíneas ww) e xx) dos factos provados. Este indicador económico-financeiro é relevante, pois demonstra que nesses anos a MEO teve prejuízos. Contudo, não é o único fator evidenciador da saúde e da capacidade de pagamento de uma empresa. No caso, constata-se que, pese embora a situação extremamente deficitária em termos de resultados nos anos de 2019 e 2021, a Arguida tem um capital próprio positivo e muito elevado, demonstrativo de que dispõe de bastante património para solver as suas obrigações.
394.-Tudo ponderado considera-se necessária, adequada e suficiente uma coima no montante de € 8.000,00”.
(…)
398.-(…) a possibilidade de uma atenuação especial esbarra com o facto dessa reparação não ter sido espontânea ou por iniciativa da Arguida, mas na sequência de uma imposição da ANACOM. Por conseguinte, a reparação efetuada não é um ato demonstrativo de arrependimento sincero da MEO, que pudesse relevar nos termos e para os efeitos do artigo 72.º, n.º 2, alínea c), do CP, ex vi artigo 32.º, do RGCO e 18.º, n.º 3, do mesmo diploma.
399.-Por fim, quanto ao peso ou relevância que este fator deve ter na medida concreta das sanções a aplicar não é tanto como a Arguida parece entender, porque estamos perante infrações de mera atividade, cujo dano não faz parte do tipo. E aquilo que se quer prevenir no futuro são atividades similares, cujos danos podem ser significativamente superiores. Por conseguinte, sendo o dano efetivo importante é mais importante o potencial de dano, quer porque é esse potencial de dano que justifica a punição, quer porque é esse o potencial de dano que se quer evitar no futuro.
400.-Esta asserções aplicam-se também, por identidade de razões, aos factos, invocados pela Arguida, relativos ao número de assinantes que rescindiram os contratos e que estão relacionados com o dano gerado pela conduta.
401.-Por fim, a última consideração geral que se quer salientar diz respeito à estimativa de receita adicional calculada pela ANACOM. Defende a Arguida a propósito desta matéria e em síntese o seguinte: “(i) os pressupostos de cálculo do montante da receita adicional constante dos factos provados n.ºs 33 a 37 da Decisão Condenatória são erróneos e que (ii) o raciocínio da ANACOM, muito embora um suposto esforço de fundamentação destes cálculos, mantém-se por explicar, designadamente quanto à relevância do montante em causa, nomeadamente para efeitos sancionatórios. Em qualquer caso, em caso algum poderá pretender imputar-se este valor a título de benefício ou vantagem retirada da prática da infração, dado que o mesmo não tem qualquer relação (muito menos causal direta) com os factos imputados à MEO nos autos e, para além disso, não corresponde a lucro (e muito menos ilícito) da MEO”.
402.-Concorda-se com a Arguida no sentido de que a estimativa efetuada pela ANACOM, vertida nas alíneas rr) a vv) dos factos provados, não vale para efeitos de demonstração do benefício obtido, desde logo, porque é uma estimativa. Contudo, não é destituída de relevância sancionatória para efeitos de determinação da medida das coimas, pois a mesma fornece uma ordem de grandeza, nem que seja meramente indicativa ou por aproximação, do potencial de ganho da Arguida na retenção de clientes. Que pode ser muito inferior, é verdade, mas que também ser muito superior, pois foram ponderados valores médios. Ora, o que se pretende evitar, com os deveres de informação previstos no artigo 48.º, n.º 16, da LCE, na redação em vigor à data dos factos, é, entre o mais, que o operador se sinta tentado a reter clientes por falta de informação sobre as alterações contratuais e sobre o direito de rescisão, porque essa retenção de clientes vai trazer ganhos para o operador, ganhos esses, que fazendo as contas ao seu valor estimado, podem ser fator de ponderação em confronto com o montante das sanções potencialmente aplicáveis.
403.-Com isto não se está a afirmar que a Arguida tenha agido com essa intenção ou tenha feito essas contas. O que se pretende salientar é que este tipo de condutas potencia a lógica de ponderação custo-benefício referida e, nessa medida, ao indicar um potencial de ganho que pode ser um fator impulsionador da conduta no futuro essa estimativa é relevante para efeitos de determinação das exigências de prevenção especial.
404.-O facto da ANACOM ter considerado uma data anterior à da produção dos efeitos das alterações (31.07.2016) não afasta as asserções precedentes, pois, conforme referido, a função dessa estimativa é meramente indicativa.
Contraordenação relativa ao direito de rescisão:
406.-Quanto ao grau de ilicitude dos factos é verdade que não se provaram danos ou clientes que, à data das comunicações, teriam rescindindo o contrato e obtido vantagens em outra operadora e não o fizeram por causa da omissão da NOS. É verdade também que a MEO repetiu, mais tarde, a comunicação com referência ao direito de rescisão (cf. alíneas zz) a ccc) dos factos provados) e apurou-se que o número de assinantes que rescindiu o contrato nos meses subsequentes à comunicação do direito de rescisão, e em consequência dessa comunicação, é inferior a metade do número de comunicações efetuadas, tendo sido, pelo menos, 10 975 (cf. alínea fff) dos factos provados). E em qualquer caso não se pode concluir que tenham sido mais do que o número indicado pela Arguida. Também é certo que não se pode falar em reiteração, porque este elemento já faz parte do tipo. Para além disso, pese embora a estimativa efetuada pela ANACOM (cf. alíneas rr) a vv) dos factos provados) a verdade é que não se consegue apurar um benefício concreto. Todos estes fatores diminuem o grau de ilicitude dos factos.
407.-Contudo, em contrapartida, importa ter presente que o bem jurídico protegido é, tal como a ANACOM esclarece e em moldes que não merecem reparos, a promoção da concorrência e a liberdade de escolha dos utilizadores finais relativamente ao prestador de serviços de comunicações eletrónicas. As obrigações legais de prestar informação sobre o direito de os assinantes rescindirem o seu contrato sem qualquer penalidade, no prazo fixado no contrato, e de comunicação, por forma adequada e atempada, das alterações contratuais que o prestador de serviços pretende introduzir, asseguram a possibilidade daqueles adotarem uma decisão livre e esclarecida quanto à continuidade do respetivo contrato e ainda, a possibilidade de poderem contratar a prestação do serviço com outro operador que tenha melhores condições contratuais, ou, pelo menos, condições iguais às que tinham antes da alteração do contrato – podendo, assim, beneficiar de um mercado verdadeiramente concorrencial. Por conseguinte, estão em causa interesses com reconhecimento na Constituição, designadamente no artigo 81.º, alínea f) e, por isso, bastante relevantes. Para além disso, também como a ANACOM esclarece, o artigo 48.º, n.º 16, da LCE, “visa também garantir a proteção da segurança jurídica dos assinantes nas condições inicialmente contratualizadas, porquanto, ao permitir que os assinantes rescindam os seus contratos, sem qualquer encargo, caso não aceitem as alterações propostas, assegura a proteção da parte mais fraca da relação contratual e impede que os assinantes fiquem sujeitos a obrigações que não contrataram e com as quais não concordam”. Os direitos dos consumidores também são interesses constitucionalmente protegidoscf. artigo 60.º da Constituição.
408.-Ademais, a Arguida praticou os factos como autora material e única responsável e a sua conduta dirigiu-se a um universo enorme de consumidores, designadamente 5 877 979 assinantes, que corresponde a praticamente metade da população portuguesa, dos quais 1 980 454 eram clientes com um período de fidelização ou compromisso de permanência (cf. alínea rr) dos factos provados). Estes fatores tornam a conduta particularmente grave, pois o seu potencial de dano é muito elevado. Não é de gravidade máxima devido aos fatores supra referidos. Mas é inequivocamente de gravidade muitíssimo elevada.
409.-No que respeita à culpa, provou-se que os factos foram praticados com dolo direto e com consciência da ilicitude, o que é revelador de um elevado grau de indiferença face aos bens jurídicos protegidos.
410.-Quanto às exigências de prevenção geral não se provaram muitas reclamações de clientes, pelo que em concreto não ficou demonstrado um alarme social acrescido. Para além disso, já decorreram vários anos desde a data da prática dos factos. Contudo, em termos gerais, é seguro afirmar que, num contexto de constrição económica como aquele que se vive atualmente (facto público e notório), condutas como aquela que está em causa, que são suscetíveis de ter impacto numa despesa mensal corrente para milhões de pessoas e relativa a um bem essencial, é geradora de um considerável alarme e repúdio, apesar dos anos decorridos.
411.-No que respeita às exigências de prevenção especial há vários fatores favoráveis à Arguida: não há ocultação de factos; colaborou de forma essencial com o apuramento dos factos; cumpriu a determinação da ANACOM no sentido de efetuar a comunicação sem o vício identificado; não tem antecedentes contraordenacionais da mesma natureza; e já decorreram vários anos desde a data da prática dos factos sem que sejam conhecidos factos similares.
412.-Em contrapartida, há dois fatores muito preocupantes em sentido contrário, conexos entre si. O primeiro consiste no potencial de ganho da conduta da Arguida que é muito elevado, conforme o demonstra a estimativa efetuada pela ANACOM. Efetivamente, conforme já referido, podendo estes cálculos não valer para efeitos de demonstração de um benefício efetivo, fornecem um indicador do potencial médio de ganho. O segundo fator consiste na circunstância da Arguida não ter incorporado a gravidade da conduta praticada, não revelando sentido crítico (cf. alínea vvv) dos factos provados). Por estas razões, considera-se que as exigências de prevenção especial são muito elevadas, pois o potencial de ganho associado à conduta é um elemento fortemente potenciador da conduta, sobretudo quando o agente não incorporou a gravidade da conduta, como é o caso. Ou seja, para a Arguida não se sentir tentada a ganhar muito tem de perceber que tem muito a perder.
413.-Quanto à situação económico-financeira da Arguida remete-se para aquilo que supra se referiu a propósito da contraordenação relativa à não cumprimento completo das solicitações da ANACOM.
414.-Tudo ponderado leva-nos a concluir que a coima tem de ser mais próxima do limite máximo da moldura legal abstrata, de forma a satisfazer as finalidades de prevenção referidas, ainda que com um ligeiro distanciamento de forma a refletir os fatores favoráveis à Recorrente. Uma coima no montante aplicado pela ANACOM, de € 4.000.000 cumpre todos estes parâmetros, sendo necessária, adequada e suficiente não viola nenhum dos parâmetros, garantias ou direitos constitucionalmente previstos invocados pela Arguida.
*
Contraordenação pela não disponibilização de informação na forma e no local indicados:
420.-Quanto ao grau de ilicitude dos factos é também verdade aqui que não se provaram danos. É igualmente certo que não se pode falar em reiteração, porque este elemento já faz parte do tipo. Para além disso, não houve uma privação total da informação e não se pode concluir que o acesso à página certa fosse difícil. Todos estes fatores diminuem de forma relevante o grau de ilicitude dos factos.
421.-Contudo, em contrapartida, importa ter presente que o bem jurídico protegido inclui a proteção dos interesses dos consumidores e a promoção da concorrência nos termos já explicitados. Para além disso, a Arguida praticou os factos como autora material e única responsável e pese embora não se tenha apurado o número de assinantes abrangido pela conduta, provou-se um elemento relacionado com o universo atingido que permite concluir que o número de assinantes em causa seria significativo, pois incluiu todos os assinantes do segmento consumo – cf. alínea jj) dos factos provados.
422.-Estes fatores tornam a conduta grave, ainda que não seja tão grave como as duas contraordenações anterior.
423.-No que respeita à culpa, às exigências de prevenção geral e especial (nestas na parte relativa à não incorporação pela Arguida da gravidade da sua conduta) e à situação económico-financeira da Arguida valem aqui as asserções exaradas a propósito da contraordenação relativa ao direito de rescisão.
424.-Tudo ponderado leva-nos a concluir que a coima tem de apresentar algum distanciamento em relação ao limite mínimo da moldura legal abstrata, de forma a satisfazer as finalidades de prevenção referidas, ainda que devendo ser significativamente mais próxima deste do que do limite máximo de forma a garantir a proporcionalidade com a gravidade da conduta e de forma a refletir os fatores favoráveis à Recorrente. Uma coima no montante aplicado pela ANACOM, de € 500.000 cumpre todos estes parâmetros.
Coima única:
425.-Apuradas as sanções concretas, importa proceder ao cúmulo nos termos previstos no artigo 19.º, do RGCO e determinar a coima única, cuja moldura legal abstrata não pode ser inferior a € 4.000.000,00 (cfr. artigo 19.º, n.º 3, do RGCO), nem pode ser superior a € 6.508.00 (cfr. artigo 19.º, n.º 1, do RGCO).
426.-Na determinação da coima única deve-se atender à “apreciação conjunta dos factos e da responsabilidade social-adscritiva do agente”[41]. No caso, considera-se que a coima deve ser mais próxima do limite máximo, tendo em conta que estão em causa condutas distintas entre si, que comprometeram deveres jurídicos substancialmente distintos no que respeita à contraordenação pela não prestação de informações completas à ANACOM e, relativamente às demais contraordenações, vários dos segmentos normativos do artigo 48.º, n.º 16, da LCE, reveladoras de uma grande indiferença pelos interesses protegidos. Efetivamente, os factos demonstram que a Arguida no procedimento de alteração das condições comprometeu e afetou os interesses protegidos de várias formas diferentes. Esta profusão não é compatível com uma mera pluri ocasionalidade, mas é reveladora de uma propensão para o não cumprimento das obrigações legais nesta matéria, que deve ser fortemente reprimida. Por conseguinte, uma coima única no montante de € 5.300.000 considera-se suficiente, adequada e necessária.”.        
Segundo a recorrente, “as coimas parcelares e, consequentemente, a coima única apurada através do cúmulo jurídico são manifestamente excessivas e desproporcionais e que Tribunal a quo não terá considerado as circunstâncias do caso concreto, nem ponderado todos os critérios relevantes para a determinação da medida concreta da sanção, tendo o que se lhe impunha em face do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Quadro, 18.º, n.º 1 do RGCO, 40.º e 72.º do CP e 18.º da CRP, ao invés ponderado critérios que lhe estavam vedados” (conclusão 165).
Para a recorrente a ilicitude concreta da sua conduta é reduzida tal como a sua culpa. Não ficou provado qualquer dano e também não obteve qualquer benefício económico, infração, a existir, sempre deveria considerar-se ter caráter ocasional e não reiterado, porquanto consiste no envio único de comunicações para um largo número de assinantes, num único momento temporal, não existem atos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infração, por um lado, e existem atos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infração, por outro.
Mais considera que as exigências de prevenção especial sempre seriam reduzidas tal como as exigências de prevenção geral.
Revelar sentido crítico pode funcionar como atenuante, mas não pode funcionar como agravante.
No cúmulo jurídico, não foram ponderadas para a atenuação especial da sanção e que o Tribunal a quo considerou não ponderar, designadamente no que tange ao disposto no artigo 72.º, n.º 2, alínea d) do CP ex vi 32.º do RGCO, em face da circunstância de ter decorrido muito tempo sobre a prática dos factos e de a Arguida ter mantido uma boa conduta desde então, não resultando dos autos outros ilícitos da mesma natureza.
Conclui que sempre deverá operar-se uma redução significativa no montante da coima aplicada para valores mais próximos do mínimo legal aplicável aos ilícitos em causa, corrigido que esteja o seu errado enquadramento jurídico
A ANACOM defende a decisão em recurso designadamente porque “A medida das coimas parcelares, e da coima única, que o tribunal concluiu ser a adequada, são objeto de análise e reflexão ao longo de 13 páginas, de fls. 184 a 197 da sentença, e não são páginas de generalidades”.
Acrescenta que “se dividirmos o valor da coima única pelo número de assinantes afetados + 1 (a recorrente pela falta de prestação de informações) + 2 (dois operadores concorrentes), o valor será de € 1,11 (5.877.982 : € 5.300.000,00)” – conclusão 90).
Também o Ministério Público pugna pela manutenção as coimas parcelares e única: “As coimas parcelares e única correspondem ao desvalor social das condutas e à necessidade de reafirmação das normas violadas, sendo adequadas e proporcionais, à gravidade da violação dos direitos dos clientes da Recorrente, que pagam o serviço, e, necessárias à manutenção do equilíbrio do mercado e à proteção dos consumidores.”
Atento o disposto no art. 7.º, n.º 6, al. d), da Lei n.º 99/2009, de 04-09 (Regime Quadro das Contraordenações do Sector das Comunicações), a recorrente “MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A.” é considerada grande empresa”.
A contraordenação muito grave prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, e com o n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na mesma redação, por ter dirigido, a um universo de 5 877 979 assinantes, comunicações relativas a alterações das condições contratuais, sem lhes comunicar a informação respeitante ao direito de rescisão dos respetivos contratos sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições, era cominada, em abstrato, com coima entre (euro) 20 000 a (euro) 5 000 000, nos termos do art. 113.º, n.º 9, al. e), do mesmo diploma. A mesma coima (entre € 20 000 a € 5 000 000,) é aplicável, em abstrato, à contraordenação muito grave prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, e com o n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na mesma redação, por não ter disponibilizado a parte dos assinantes, por forma adequada, a informação complementar no local e na forma que havia indicado a esses assinantes.
Já a contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE – no caso de falta de envio da informação solicitada à ANACOM, é punida, em abstrato, com coima entre (euro) 10 000 a (euro) 1 000 000, nos termos do art. 113.º, n.º 8, al. e), do mesmo diploma.
Para a determinação da medida da coima a aplicar, devem-se ter em conta os critérios específicos constantes do art. 5.º da Lei n.º 99/2009:
1–A determinação da medida da coima e a decisão relativa à aplicação de sanções acessórias são feitas em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente, dos benefícios obtidos com a prática da contra-ordenação e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou colectiva do agente.
2–Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas colectivas e entidades equiparadas atende-se, entre outras, às seguintes circunstâncias:
a)-Ao perigo ou ao dano causados;
b)-Ao carácter ocasional ou reiterado da infracção;
c)-À existência de actos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infracção;
d)-À existência de actos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infracção.
3–Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas singulares, atende-se, além das referidas no número anterior, às seguintes circunstâncias:
a)-Intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar danos;
b)-Especial dever de não cometer a infracção.
4–Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a situação económica e a conduta do agente”.
Ao contrário do alegado pela recorrente, o tribunal a quo, tal como deixámos descrito e sublinhado, considerou de forma exaustiva as circunstâncias do caso concreto, tendo ponderado todos os critérios relevantes para a determinação da medida concreta da sanção.
Entende a recorrente, como já referimos, que não ficou provado qualquer dano e também não obteve qualquer benefício económico.
Ora, como minuciosamente explicado pelo tribunal a quo, estão em causa condutas puníveis para prevenir o dano, para evitar a ocorrência de dano e, igualmente, para evitar a tentação do benefício ilegítimo. Por esse motivo, o art. 5., do RQCOSC, acima citado, é claro ao estipular que a medida da coima deve ter em consideração o “perigo ou ao dano causados”. No caso das contraordenações em causa, o dano potencial, ou o benefício potencial, são meramente indicativos sem especial ou determinante relevo na determinação da medida das coimas.
Entende, ainda, a recorrente que a infração, a existir, sempre deveria considerar-se ter caráter ocasional e não reiterado, porquanto consiste no envio único de comunicações para um largo número de assinantes, num único momento temporal.
Para além do que já ficou dito acima quanto ao conceito de comportamento padronizado, há que referir que o tribunal a quo teve em conta tais factos, como se demonstra pela transcrição que acima fizemos. Tal não significa, contudo, como parece propor a recorrente, que a gravidade da conduta seja, por tal facto, diminuta, ou menos grave. É muito grave, independentemente de ter sido produzida por uma única comunicação. E, na verdade, não o foi. As comunicações foram várias, dependendo dos tipos de clientes, como se verifica da leitura dos factos descritos em “n” a “dd”.
Argumenta, ainda a recorrente, que não existem atos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infração, por um lado, e existem atos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infração, por outro.
Assim é e tais factos foram devidamente considerados e ponderados pelo tribunal a quo, e de forma correta, relevando positivamente o que é de relevar, mas relativizando tais condutas dentro do contexto da intervenção da ANACOM.
Perante os factos descritos, não podemos, como pretende a recorrente, considerar que as exigências de prevenção especial e geral sempre seriam reduzidas. O contrário aproxima-se mais daquilo que os factos revelam. A recorrente, como se pode constatar pela simples enunciação das questões suscitadas e do argumentário neste recurso, não revela qualquer interiorização da ilicitude das suas condutas.
Acresce que, não se pode considerar a arguida como não tendo condenações anteriores já que, como consta dos factos “vv” foi condenada no âmbito dos processos de contraordenação n.º 20002510-218/2007 e n.º 20002510-61/2008, por violações da obrigação constante do n.º 1 do artigo 108.º LCE, datando a primeira de 04.03.2008 e a segunda de 31.03.2014. A diferente natureza das contraordenações não é favoravelmente relevante no caso.
Invoca a recorrente que a ilicitude concreta da sua conduta é reduzida. Não nos parece que assim seja, pelas circunstâncias que já deixámos sublinhadas (e que escusamos de repetir) demonstram precisamente o contrário.
Entende a recorrente que a sua culpa é, também, reduzida.
A culpa das pessoas coletivas tem de ser entendida de forma diferente daquela das pessoas singulares. De resto, o art. 5.º, do RQCOSC opera tal distinção ao prever circunstâncias específicas distintas para a determinação da culpa conforme se trate de pessoa singular ou pessoa coletiva (cf. ns. 2 e 3, de tal norma).
Têm sido indicados diversos modelos de responsabilidade dos entes coletivos[42]: o tradicional modelo de imputação (a culpa é imputada à pessoa coletiva é a dos seus órgãos responsáveis); o “modelo da culpa pela organização(sustentada na tese da “atitude criminal do grupo” que pode constituir um contexto idóneo à prática de ilícitos); o modelo da culpa analógica” (em que se afirma que a culpa apenas é imputada às pessoas coletivas por analogia); e o modelo preventivo (a culpa é atribuída às pessoas coletivas por via de um estado de necessidade preventivo)
E também como tem de ser entendida de forma distinta da culpa penal. O tribunal Constitucional assim o tem afirmado de forma constante[43]: “O conceito de culpa, no âmbito contra-ordenacional, também se distingue da censura ética “dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna” – característica do direito penal – consubstanciando-se antes numa “imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima.”
No caso, entendemos que a culpa é elevada pela responsabilidade social da arguida. Responsabilidade social essa motivada quer pelas considerações tecidas na sentença em recurso em 407 (e que escusamos de repetir até porque já o transcrevemos supra), quer pelo elevadíssimo número de clientes, salientado na sentença em recurso em 408, num sector de atividade tão relevante como o das comunicações eletrónicas. 
Provou-se em “fff. O número de assinantes que rescindiu o contrato nos meses subsequentes à comunicação do direito de rescisão, e em consequência dessa comunicação, é inferior a metade do número de comunicações efetuadas, tendo sido, pelo menos, 10 975”.
Mesmo considerando um valor médio de cada mensalidade de € 30 (e à data seria certamente superior) podemos chegar à conclusão que pelo não envio da informação da possibilidade de rescisão sem custos, a recorrente diminuiu o risco em, pelo menos, 322 500 €/mês (10 975 x 30). Calculando que tais assinantes teriam, pelo menos, mais 6 meses de permanência (cálculo também muito por baixo) o valor de diminuição do risco seria de 1 935 000 €. Não se pretende com estes cálculos, apresentar uma evidência matemática e efetiva, mas, unicamente, realçar a importância da diminuição deste risco para a recorrente.
Sendo que, como resulta dos factos, a comunicação do direito de rescisão apenas ocorreu por intervenção da entidade reguladora.
Resumindo e concluindo nesta parte, quer pelos factos e considerandos constantes dos sublinhados acima, quer pelo agora exposto, as coimas parcelares (excluída, evidentemente, a coima de 2.000.000,00, relativa à contraordenação que não dêmos por verificada)) afiguram-se-nos adequadas.           
Não há quaisquer factos ou circunstâncias que imponham qualquer pretendida atenuação especial.
A atenuação especial da sanção tem subjacente a necessidade de uma válvula de segurança do sistema para responder a situações especiais em que existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto.
Situações que configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do tipo de ilícito que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da sua já prevenidamente muito ampla moldura penal (…)[44].
Nada disto ocorre em qualquer das contraordenações cometidas pela recorrente.
Insurge-se, igualmente, a recorrente quanto ao montante da coima única.
Entende que no cúmulo jurídico, não foram ponderadas as razões invocadas para a atenuação especial da sanção e que o Tribunal a quo considerou não ponderar, designadamente no que tange ao disposto no artigo 72.º, n.º 2, alínea d) do CP ex vi 32.º do RGCO, em face da circunstância de ter decorrido muito tempo sobre a prática dos factos e de a Arguida ter mantido uma boa conduta desde então, não resultando dos autos outros ilícitos da mesma natureza.
Conclui que sempre deverá operar-se uma redução significativa no montante da coima aplicada para valores mais próximos do mínimo legal aplicável aos ilícitos em causa, corrigido que esteja o seu errado enquadramento jurídico”           
O tribunal a quo justificou a coima única de € 5.300.000 “tendo em conta que estão em causa condutas distintas entre si, que comprometeram deveres jurídicos substancialmente distintos no que respeita à contraordenação pela não prestação de informações completas à ANACOM e, relativamente às demais contraordenações, vários dos segmentos normativos do artigo 48.º, n.º 16, da LCE, reveladoras de uma grande indiferença pelos interesses protegidos. Efetivamente, os factos demonstram que a Arguida no procedimento de alteração das condições comprometeu e afetou os interesses protegidos de várias formas diferentes. Esta profusão não é compatível com uma mera pluri ocasionalidade, mas é reveladora de uma propensão para o não cumprimento das obrigações legais nesta matéria, que deve ser fortemente reprimida”.
A LCE não contém qualquer norma respeitante ao concurso de contraordenações sendo, pois, de aplicar o regime constante do art. 19.º do RGCO:
1–Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.
2–A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.
3–A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações. 
Assim, atentas as coimas parcelares (€ 4.000.000, € 500.000 e €8.000) a coima única há de ser encontrada no intervalo entre um mínimo de € 4.000.000,00 (limite mínimo previsto no n. 3, do art. 19.º, do RGCO) e um máximo de € 4.508.000 (o máximo previsto no n. 1 do art. 19.º, do RGCO, que não excede o limite previsto no n. 2, que no caso era de € 10.000.000,00).
A lei não fornece um critério específico para a determinação a coima única, e, como já vimos, os critérios determinantes no direito criminal não são aqui diretamente aplicáveis, essencialmente, porque não está em causa a aplicação de uma pena que tem como limite a culpa do agente, mas sim outros interesses legalmente protegidos. Nem a punição visa, pelo menos diretamente, os fins previstos no art. 40.º do Código Penal[45].
É entendimento maioritário na doutrina que atendendo aos valores protegidos pela aplicação das coimas, a coima única deverá, tendencialmente, ser fixada próxima do valor da cumulação material[46]. Contudo, tal não resulta ter sido a opção do legislador nem é a prática jurisprudencial.
Atendendo aos critérios previstos no art. 19.º do RGCO e os critérios gerais do regime penal, com adaptações, e à jurisprudência, em especial desta secção em casos similares, condenamos a recorrente na coima única de 4.300.000 (quatro milhões e trezentos mil euros).
Atenta a procedência parcial a recorrente não será condenada em custas (arts. 92.º do RGC e 513.º do CPP).
                                  
IV.–Decisão.

Em face do exposto, deliberam os Juízes deste Tribunal da Relação em
A.–não conhecer do recurso interposto pela MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A. na parte em que pedia a prorrogação de prazo para a interposição de recurso (questão interlocutória);
B.–julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência:
I.–absolver a MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A da prática da contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho,  por adoção de um comportamento padronizado suscetível de violar (e que efetivamente violou) o disposto no n.º 16 do artigo 48.º da LCE, do qual resultou a prática de infrações graves – nos casos de em que não comunicou, por forma adequada, a uma parte dos seus assinantes, a informação complementar sobre as alterações contratuais, diferindo o momento do envio das referidas comunicações e o momento da referida disponibilização
II.–condenar a MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A.
1.–na coima no valor de 4 000 000 (quatro milhões de euros), pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, e com o n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na mesma redação, por ter dirigido, a um universo de 5 877 979 assinantes, comunicações relativas a alterações das condições contratuais, sem lhes comunicar a informação respeitante ao direito de rescisão dos respetivos contratos sem qualquer encargo, no caso de não aceitação das novas condições
2.–na coima no valor de 500.000 euros (quinhentos mil euros), pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação muito grave, prevista no n.º 6, conjugado com a alínea x) do n.º 2, ambos do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, e com o n.º 16 do artigo 48.º da LCE, na mesma redação, por não ter disponibilizado a parte dos assinantes, por forma adequada, a informação complementar no local e na forma que havia indicado a esses assinantes; e
3.–na coima no valor de 8.000 (oito mil euros) pela prática negligente de 1 (uma) contraordenação grave, prevista na alínea pp) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 108.º da LCE – no caso de falta de envio da informação solicitada à ANACOM;
4.–Em cúmulo jurídico, na coima única de 4 300 000 euros (quatro milhões e trezentos mil euros).
C.–Julgar improcedentes as nulidades e inconstitucionalidades invocadas.
Sem custas.

Lisboa, 4/03/2024

Relator: A.M. Luz Cordeiro
1º adjunto: Bernardino Tavares
2º adjunto: Paulo Registo

[1]Na presente data, a Lei n.º 5/2004 foi revogada pela Lei 16/2022. Tendo presente, porém, o disposto no artigo 3.º n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Contraordenações, aplicável por remissão do artigo 36.º da Lei Quadro, a lei aplicável aos factos em causa nos presentes autos é a Lei n.º 5/2004, na redação dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho. Todas as referências no presente documento feitas a LCE reportam-se, assim, à Lei n.º 5/2004, na redação dada pela Lei n.º 15/2016
[2]Cf. Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do RGCO, 2ª ed. Atual., anotação ao art. 73.º, pp. 358 e segs, em especial anotações 15, 16 e 18.
[3]“1 - Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, ospreceitos reguladores do processo criminal.”
[4]Cf. TR de Coimbra de 3.5.2021 (proferido no proc. 1250/20.9T8VIS.C1) e disponível in www.dgsi.pt.
[5]Cf. designadamente o art. 118.º, do CPP, aplicável ex vi art. 43.º, do RGCO.
[6]Cf. Ac. STJ de 16.2.2022 (proferido no processo 333/14.9TELSB.L1-A.S1) e disponível in www.dgsi.pt.
[7]Proferido em 20.12.2023 no processo 3/23.7YUSTR.L1
[8](nota 24 no original) NUNO BRANDÃO, Crimes …, pp. 804-805
[9](nota 31 no original) Cf. AUGUSTO SILVA DIAS e VÂNIA COSTA RAMOS, ob. cit., p. 15, e SANDRA OLIVEIRA E SILVA, ob. cit., pp. 155-198.
[10]disponível in www.dgsi.pt e https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/3-2019-122857882 e que uniformizou a seguinte jurisprudência: Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa
[11]Cf. entre muitos António Leones Dantas, Direito processual das Contraordenações, Almedina, reimp. 2023, pp. 234 e segs. e pp. 259 e segs.; Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do RGCO, 2ª ed. Atual., anotação ao art. 64.º, pp. 325,326 e, em especial 329 anotação 9; e Augusto Silva Dias, Rui Soares Pereira, op. Cit., p. 305 e, em especial, nota 799. 
[12]Onde consta expressamente “Mais fica notificado do termo Refª 393161, e de que foram incorporadas no Citius cópias das sentenças do mesmo constantes (Refªs 393172 a 393286). “
[13]Processo desta secção de 20.12.2023, proferido no processo 3/23.7YUSTR.L1, e já referido.
[14]Proferido em 20.12.2023, no âmbito do processo 3/23.7YUSTR.L1
[15]Ac. 566/2018, proferido em 7.11.2018 e disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180566.html
[16]Cf. Mário Pedro Meireles A RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS COLECTIVAS OU ENTIDADES EQUIPARADAS NA RECENTE ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL DITADA PELA LEI 59/2007, DE 4 DE SETEMBRO: ALGUMAS NOTAS, revista Julgar, n. 5, 2008, pp. 121 e segs.
[17]E não se tenha apurado que o agente atuou contra ordens ou instruções expressas.
[18]Genericamente sobre o a criminalização dos “maus tratos animais” e disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240070.html e com diversas declarações de vencido.
[19]Cf. Ac. do Tribunal Constitucional de 24-02-1995, disponível in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19940666.htm 
[20]Proferido no Processo nº 328/91, e disponível in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19950730.html
[21](correspondente à nota 44 no original) Informação remetida pela arguida em 07.11.2016, em resposta ao ofício com a referência ANACOM-S044945/2016, de 5 de julho (sobre o pedido de informação sobre ofertas/tarifários de serviços de comunicações eletrónicas – 2016) e a informação enviada pela MEO em 19.10.2017 em resposta ao ofício com a referência ANACOM-S015473/2017, de 30 de junho de 2017 (ao pedido de informação sobre ofertas/tarifários de serviços de comunicações eletrónicas – 2017) – cfr. anexo 2 constante do CD-ROM de fls. 340 – que permitiu calcular o valor da mensalidade média das ofertas residenciais entre 31.07.2016 e 31.07.2017.
[22](correspondente à nota 45 no original) Nos casos em que não foi possível determinar a mensalidade das ofertas residenciais com os demais elementos – cfr. anexo 3 constante do CD-ROM de fls. 340.
[23](correspondente à nota 45 no original) Considerando a data em que foram comunicadas as alterações em causa no presente processo e o número de meses decorridos entre estas alterações e agosto de 2017
[24](correspondente à nota 44 no original) O Número médio estimado de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência entre a data em que foram comunicadas as alterações contratuais e a data em que foram enviadas as comunicações determinadas pela deliberação da ANACOM de 13.07.2017, é de 1 420 883. Por sua vez, o número médio de assinantes com período de fidelização ou compromisso de permanência entre a data em que foram comunicadas as alterações contratuais e a data em que foram enviadas as comunicações determinadas pela deliberação da ANACOM de 13.07.2017, e relativamente aos quais, de acordo com a informação disponível, se conseguiu apurar um aumento da mensalidade / faturação média mensal, é de 1 240 921. A diferença entre os dois valores corresponde ao número médio de assinantes de tarifários cuja informação disponível não permite calcular o aumento da mensalidade / faturação média mensal– cfr. anexo 5 constante em CD anexo de fls. 340.
[25](correspondente à nota 48 no original) Este valor ascenderia a 23 365 665 euros, se considerássemos a variação da mensalidade média apenas em relação a 1 716 818 dos 5 877 979 assinantes abrangidos pelas comunicações acima referidas, ou seja, menos de metade do total de assinantes abrangidos pelas referidas alterações tarifárias – e por referência ao número de meses que decorreu entre as alterações contratuais e a comunicação determinada pela ANACOM (entre 7 e 11 meses, consoante a entrada em vigor de cada uma das alterações consideradas) – demonstrado no anexo 4 constante do CD-ROM de fls. 340.
[26](nota 49 no original) In acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.05.2011, processo n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[27](nota 50 no original) Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editar, 2007, pág. 188, § 20
[28]Com a seguinte redação:
“1 - As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas, recursos conexos ou serviços conexos, bem como outras entidades sujeitas a obrigações nos termos da presente lei, prestam todas as informações necessárias, nomeadamente informações financeiras, para que a ARN, as outras autoridades competentes e o ORECE possam exercer todas as competências previstas no direito nacional e no direito da União Europeia.
2 - (…).
3 - (…).
4 - (…).
5 - (…).
6 - (…).
7- Os pedidos de informação devem obedecer a princípios de adequabilidade ao fim a que se destinam e de proporcionalidade e devem ser devidamente fundamentados.
8- As informações solicitadas devem ser prestadas com veracidade e de modo objetivo e completo no prazo, na forma e com o grau de pormenor exigidos, podendo ser estabelecidas as situações e a periodicidade do seu envio.
9- (…).
10- (…)”.
[29]Com a seguinte redação:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 170.º e das obrigações de informação e de comunicação previstas na legislação nacional, a ARN e as outras autoridades competentes podem solicitar às empresas informações, proporcionais e objetivamente justificadas, relativas à autorização geral, aos direitos de utilização ou às obrigações específicas previstas nos artigos 81.º, 84.º e 106.º a 109.º, em particular, para efeitos de:
a) Verificação, sistemática ou caso a caso, do cumprimento:
i) Da obrigação de pagamento das taxas administrativas que tenham sido determinadas nos termos do disposto no artigo 167.º;
ii) Da obrigação de utilização eficiente do espectro de radiofrequências;
iii) Da obrigação de pagamento das taxas relativas a direitos de utilização que tenham sido determinadas nos termos do disposto no artigo 168.º;
iv) Da obrigação de utilização eficiente dos recursos de numeração;
v) De qualquer das obrigações específicas previstas nos artigos 81.º, 84.º e 106.º a 109.º;
b) Verificação, caso a caso, do cumprimento das condições associadas à autorização geral para a oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, com exceção dos serviços de comunicações interpessoais independentes do número, aos direitos de utilização do espectro de radiofrequências ou aos direitos de utilização de recursos de numeração, caso tenha sido recebida uma queixa, a ARN tenha outras razões para considerar que uma condição não foi respeitada ou em caso de investigação por sua iniciativa;
c) Elaboração de procedimentos e avaliação dos pedidos de atribuição de direitos de utilização;
d) Publicação de súmulas comparativas da qualidade e dos preços dos serviços para benefício dos consumidores;
e) Fins estatísticos claramente definidos, relatórios ou estudos;
f) Realização de análises de mercado para efeitos do disposto na presente lei, incluindo dados sobre os mercados retalhistas, ou associados a jusante aos mercados sujeitos a análise de mercado, ou com eles relacionados;
g) Salvaguarda de uma utilização eficiente e garantia de uma gestão eficaz do espectro de radiofrequências e dos recursos de numeração;
h) Avaliação da evolução futura a nível das redes ou dos serviços que possam ter impacto nos serviços grossistas disponibilizados aos concorrentes, na cobertura territorial, na conectividade disponibilizada aos utilizadores finais ou na designação das áreas nos termos do artigo 173.º;
i) Realização de levantamentos geográficos;
j) Resposta a pedidos de informação fundamentados por parte do ORECE.”
[30]2 - As entidades destinatárias da atividade da ARN devem prestar toda a colaboração que esta lhes solicite para o cabal desempenho das suas funções de fiscalização, designadamente:
a) Sujeitando-se a e colaborando com os procedimentos de fiscalização, previstos nos artigos 12.º e 44.º dos Estatutos da ANACOM, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março;
b) Preservando, pelo prazo de três anos, adequados registos das queixas e reclamações dos consumidores e outros utilizadores finais e disponibilizando-os à ARN sempre que requerido, nos termos previstos na alínea j) do n.º 1 do artigo 9.º dos Estatutos da ANACOM.”
[31](nota 61 no original) In www.tribunalconstitucional.pt
[32]Não publicado.
[33]As quais, contudo e por regra, não são estranhas aos destinatários que atuam em áreas densamente especializadas e reguladas, como é o caso.
[34]“A regra da tipicidade das infracções, corolário do princípio da legalidade, consagrado no nº 1 do artigo 29º da Constituição (nullum crimen, nulla poena, sine lege), só vale, qua tale, no domínio do direito penal, pois que, nos demais ramos do direito público sancionatório (maxime, no domínio do direito disciplinar), as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau: as infracções não têm, aí, que ser inteiramente tipificadas” (Ac. do Tribunal Constitucional de 24-02-1995, disponível in https://www.tribunalconstitucional.pt). 
[35]Proferido no Processo nº 328/91, e disponível in https://www.tribunalconstitucional.pt/.
[36]Disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32002L0022e com as alterações operadas pela diretiva 2009/136/CE, de 25 de Novembro de 2009 (https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A32009L0136) que deu, designadamente, nova redação ao art. 20.º, n. 4.
[37]A redação primitiva (da Diretiva 2002/22/CE) era a seguinte: 4. Os assinantes terão o direito de rescindir os seus contratos sem qualquer penalidade caso sejam notificados de qualquer proposta de alteração das condições contratuais. Os assinantes devem ser devidamente avisados dessas alterações, pelo menos com um mês de antecedência, e devem ser simultaneamente informados do seu direito de rescindir o contrato, sem qualquer penalidade, caso não aceitem as novas condições”.
[38]Mais concretamente por “devidamente”.
[39] Disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32018L1972
[40]Exemplificativamente, não será adequada a comunicação escrita em língua estrangeira, ou em língua mirandesa (Cf. Lei 7/99 de 29.1, que “visa reconhecer e promover a língua mirandesa” in https://diariodarepublica.pt/dr) ou até em Barranquenho ou minderico, ou com abuso de remissões, palavras estrangeiras, jargão técnico ou formato ou tipo de letra, caligrafia, em escrita manual, ininteligíveis, dificilmente ou apenas inteligíveis com o uso de instrumentos próprios (dicionários, lentes de aumentos, códigos descodificadores…).
[41](nota 64 no original) PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., pág. 89
[42]Por todos, cf.. Gonçalo Melo Bandeira, “Responsabilidade” Penal Económica e Fiscal Dos Entes Colectivos, Almedina set. 2004, pp. 405 e segs., e em especial 445 e 446.
[43]Por todos cf. o Ac. do TC n. 461/2011, de 11.10.2011, disponível in www.tribunalconstitucional.pt
[44]Cf. Acórdão do STJ de 6.10.2021 (processo 401/20.8PAVNF.S1) e disponível in www.dgsi.pt
[45] “1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
[46]Cf., por todos, Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do RGCO, 2ª ed. Atual., anotação ao art. 19.º, pp. 119 (9, 10) e 120-121 (18 a 20)